III Seminário Internacional Organizações e Sociedade:
Inovações e Transformações Contemporâneas
Porto Alegre, 11 a 14 de novembro de 2008
GT Organizações partidárias, comunicação política e eleições
Consultas populares e instituições políticas na América do Sul:
os referendos e os plebiscitos da Venezuela, Colômbia,
Uruguai, Bolívia e Brasil
Daiane Boelhouwer Menezes
Consultas populares e instituições políticas na América do Sul:
os referendos e os plebiscitos da Venezuela, Colômbia, Uruguai, Bolívia e
Brasil
Daiane Boelhouwer Menezes
Mestre em Ciências Sociais - PUCRS
([email protected])
Resumo
O número de plebiscitos e referendos na América do Sul nesse começo de
século cresceu proporcionalmente às décadas anteriores. Levando em
consideração esse fato, resolvemos analisar as consultas populares de cinco
países (Venezuela, 2000 e 2007; Colômbia, 2003; Uruguai, 2003 e 2004;
Bolívia, 2004 e 2006; Brasil, 2005), e seus aspectos institucionais, como o
sistema partidário (número de partidos, realinhamento de forças nos últimos
anos, nacionalização dos partidos e monopólio partidário da representação
política), o sistema eleitoral (majoritário, proporcional, com listas fechadas ou
abertas, a volatilidade eleitoral, e as eleições diretas ou indiretas para níveis
subnacionais), a organização e a composição do Poder Executivo (coalizões
políticas, gabinetes unipartidários ou multipartidários), do Legislativo (colégio de
líderes e proporcionalidade dos parlamentares quanto às identidades étnicas,
raciais e de gênero da população), as relações entre o Executivo e Legislativo, e
os atores que possuem a prerrogativa de convocar referendos e plebiscitos,
para apontar características comuns desses países que podem ter influenciado
a população, o governo ou o Legislativo a propor a realização dessas consultas.
Palavras-chave: consultas populares; representação política; América do Sul.
Se a grande maioria dos casos de incorporação de democracia direta nos
anos 90 teve como causa:
la crisis de los sistemas de partidos produjo un vacío creciente en el
ámbito de la representación política, el cual fue llenado en algunos
países por líderes neopopulistas que llegaron al poder criticando la
democracia representativa y prometiendo solucionar los grandes
problemas nacionales mediante el uso de la democracia participativa y
de la relación directa con el pueblo (Fujimori en Perú, y Chávez en
Venezuela, entre otros).
Ou “una extrema crisis institucional en los cuales la élite dominante
incorporó los mecanismos de democracia directa como una válvula de escape
para evitar un colapso del sistema democrático (Paraguay y Colombia, entre
otros)” (ZOVATTO, 2007, p.10), quais foram as principais razões da utilização
das consultas populares na América do Sul nesse começo de século? Quando
são os governos que propõem as consultas, “em geral parece estar em jogo
mais a busca de legitimidade para o próprio governo em situações difíceis do
1
que a decisão sobre matérias concretas” (BACKES, 2005, p.14), no entanto,
esse artefato funciona para esses fins?
Colômbia, Venezuela e Uruguay
cuentan con la institución del referéndum abrogativo o sancionatorio, el
cual otorga a los ciudadanos la posibilidad de revocar leyes surgidas
del sistema representativo. Sin embargo, en esos países,
determinadas materias, por ejemplo la política fiscal, monetaria,
crediticia, o en el caso específico de Uruguay, aquellas que sean
privativas del Estado, quedan excluidas de su campo de aplicación.
(ZOVATTO, 2007, p.7)
Venezuela e Colômbia contam também com mecanismos de destituição
de mandatos, o que, se forem realmente utilizados, significam “que se atribui
caráter imperativo aos mandatos” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.182),
na Venezuela, de fato, o foi.
Ao longo do tempo, consultas populares foram freqüentes no Uruguai e
na Venezuela, desde que o presidente Hugo Chávez assumiu a presidência. Em
geral, o uso desses mecanismos “no ha dado mayor protagonismo real a la
sociedad civil. Esta ha desempeñado hasta la fecha, y sólo en unos pocos
casos, más un papel de control y freno que de creación e innovación”. Mesmo
no Uruguai, a participação das organizações da sociedade civil tem sido
limitada, dado que regitrou-se “la alianza de esos movimientos sociales ad hoc
con fuerzas partidarias” (ZOVATTO, 2007, p.23).
Não são objeto de estudo desse artigo plebiscitos e referendos que
ocorreram na América do Sul mas que tratam de revogação ou confirmação de
mandatos (como aconteceu na Venezuela, em 2004, e na Bolívia, em 2008),
porque se aproximam muito das eleições convencionais, ou de formação de
nova assembléia constituinte (como aconteceu no Equador em 2007), por não
se tratar de mudanças em assuntos determinados, mas de uma proposta de
mudança geral a ser discutida pela constituinte que será eleita. Analisam-se os
seguintes
referendos
e
plebiscitos,
relacionando-os
com
os
aspectos
institucionais dos países: o referendo da Venezuela (dezembro de 2000), da
Colômbia (outubro de 2003), do Uruguai (dezembro de 2003), o plebiscito
uruguaio (outubro de 2004), o referendo da Bolívia (julho de 2004), do Brasil
(outubro de 2005), da Bolívia (julho de 2006) e o plebiscito venezuelano
(dezembro de 2007).
2
A Venezuela e suas consultas populares
A Venezuela apresentava um sistema partidário estável, com a
predominância de apenas dois partidos até 1993, e volatilidade eleitoral menor
do que a metade da atual. Mesmo governos minoritários, que foram maioria até
esse ano, conseguiam implementar sua agenda, já que prevalecia entre os dois
grandes partidos, Ação Democrática (AD) e Comitê de Organização Política
Eleitoral Independente (COPEI), compromisso com a manutenção do sistema.
Na Venezuela, até 1988, a escolha dos governadores era feita através de
indicação do presidente. Em 1998, foram também introduzidas eleições para
prefeitos. Paradoxalmente, “a abstenção eleitoral que, até 1983, nunca havia
ultrapassado os 12,5%, elevou-se substancialmente a partir de 1988”. As
eleições para governador e prefeito em 1989, 1992 e 1995 foram “marcadas por
uma alienação eleitoral sempre superior a 50%” (ANASTASIA; MELO; SANTOS,
2004, p.149). O problema das reformas provavelmente estava no seu caráter
endógeno:
os resultados produzidos pelas instituições apareciam, aos olhos dos
mais diversos atores, como evidentemente injustos. ...tornavam-se
mais e mais inaceitáveis a corrupção, a centralização de poder nos
partidos e a recusa em aceitar novos sujeitos nos processos
decisórios. (Ibidem, p.151)
Nas eleições de 1998, Hugo Chávez foi eleito com 56% dos votos contra
40% de Salas Roemer, do recém-criado Projeto Venezuela, apoiado pela AD e o
COPEI, que depois de conseguirem 30% e 13% das cadeiras nas eleições para
o Congresso, desistiram de suas candidaturas. A abstenção chegou a 37%. O
outsider, Hugo Chávez, foi fruto da “incapacidade dos governos de encontrar
uma saída para a crise do modelo centrado nos recursos do petróleo”. Com um
discurso claramente contrário aos partidos políticos tradicionais, ele ainda levou
“consigo os partidos de esquerda para uma posição de radicalização” (Ibidem,
p.51).
O primeiro ato de Chávez foi convocar um referendo a respeito da
formação de uma Assembléia Nacional Constituinte, em abril de 1999. A
participação foi de menos de 38% do eleitorado, e Chávez obteve 88% dos
votos. Na eleição para a ANC a abstenção foi novamente elevada – 54% do
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eleitorado – e dos 131 deputados eleitos, 123 pertenciam a coligação de apoio
ao presidente, o que acabou por não permitir qualquer interferência da oposição.
Em dezembro de 1999, realizou-se novo referendo para aprovar a nova
Constituição. A abstenção foi de 56% e 71,8% disseram sim. Em 2000, tiveram
novas eleições gerais. Chávez foi reeleito – pela nova Constituição, para um
mandato de seis anos com direito à reeleição – com 59,7% dos votos. A
abstenção ficou em 44%. No entanto,
a “refundação” promovida por Hugo Chávez se realizou a despeito da
Constituição então vigente, podendo ser considerada uma ruptura
institucional (AMORIM NETO, 2002). ...de acordo com a Constituição
de 1961, reformas constitucionais só poderiam ser realizadas por meio
de emendas aprovadas por dois terços do Congresso. (ANASTASIA;
MELO; SANTOS, 2004, p.153)
Se em 1988 a AD e o COPPEI controlavam 82% das cadeiras na Câmara
dos Deputados, nas eleições de 2000 para a Assembléia Nacional, os dois
partidos obtiveram pouco mais de 20% das cadeiras. Faz parte do objeto de
estudo desse artigo o referendo de dezembro de 2000, que foi convocado pelo
governo de Hugo Chávez. O presidente havia saído vitorioso nas duas consultas
populares anteriores, mas nesse referendo sobre novas eleições sindicais, “la
ciudadanía respondió a la petición de los sindicatos de no participar y la
iniciativa fue rechazada, con una afluencia a las urnas de sólo el 20% del
electorado” (ZOVATTO, 2007, p.19). Note-se, no entanto, que se trata de um
país onde o voto não é obrigatório.
No país, “todos os cargos e magistraturas eletivas são revogáveis
mediante convocação de referendo por pelo menos 20% dos eleitores da
circunscrição que o elegeu, após transcorrida metade de seu mandato”
(ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.153). Em 2004, parte da população,
impulsionada por setores da oposição, assinou um requerimento solicitando a
convocação de referendo para revogar o mandato do presidente. A consulta
popular foi realizada e a revogação do mandato foi rechaçada (ZOVATTO,
2007).
A segunda consulta popular integrante do objeto de estudo é o plebiscito
de dezembro de 2007, sobre emendas à Constituição, proposto pelo presidente
e pelo Congresso. A votação foi realizada em dois blocos: o primeiro com
alterações em 46 artigos dos 350 artigos da Constituição, e o segundo com 23
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artigos. Do total de 69 propostas de modificações, 33 foram do presidente e 36
do Congresso, embora esse aspecto perca sua relevância em função do
governo não ter nesse momento a presença da oposição no Congresso, pois
esta boicotou as eleições legislativas de 2006. Ambos os blocos foram
rejeitados, o primeiro por 50,7% a 49,29% e o segundo por 51,05% a 48,94%. O
comparecimento às urnas foi de 55,1%. As propostas de mudança iam desde a
reeleição ilimitada para presidente, redução da jornada de trabalho, novas
formas de propriedade (social, coletiva, mista), retirada da autonomia do Banco
Central, inclusão de mais setores no sistema de Seguridade Social, até a
substitição dos princípios do regime socioeconômico atual, de justiça social,
democracia, livre concorrência e produtividade, por princípios socialistas,
antiimperialistas, humanistas e de cooperação, maior poder de decreto para o
presidente e a eliminação do pré-requisito de que o decreto do estado de
exceção seja revisto pelo Tribunal Supremo de Justiça e que cumpra as
diretrizes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos. Até o ex-Ministro da Defesa dec
Chávez se colocou abertamente contra as reformas. As marchas realizadas
contra o referendo foram lideradas principalmente por estudantes.
Apesar da concentração de poder na mão do presidente, que “pode
dissolver a Assembléia Nacional, e convocar eleições em 60 dias, se houver
remoção de três vice-presidentes executivos” (ANASTASIA; MELO; SANTOS,
2004, p.154), Chávez foi perdendo terreno
e enfrenta hoje a oposição cerrada da elite empresarial, da principal
central de trabalhadores, a CTV, dos grandes veículos de
comunicação, da cúpula dirigente da Igreja e de parcela cada vez
maior da sociedade, além de uma evidente insatisfação no interior das
Forças Armadas. Os grupos oposicionistas, vencida a fase inicial de
desarticulação, ganharam força, como o demonstram os dois meses de
greve que paralisam o país entre dezembro e fevereiro de 2002,
milhões de assinaturas coletadas contra Chávez e as freqüentes e
maciças manifestações de rua em Caracas a partir de 2002. (Ibidem,
p.155)
O caso da Colômbia
Na Colômbia, de forma semelhante à Venezuela, o partido Liberal e o
partido Conservador conduziram o processo político na forma de cartel até
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meados dos anos 90. A alternância entre os dois partidos “legou aos
colombianos um sistema enrijecido, incapaz de incorporar e processar
demandas de novos atores sociais e assentado em redes clientelistas
hipertrofiadas” (CAVAROZZI e CASULLO, 2003 apud ANASTASIA; MELO;
SANTOS, 2004, p.50).
A mais promissora tentativa de institucionalização do conflito armado na
Colômbia – o abandono da guerrilha pelo M19 (Movimiento 19 de Abril) –
fracassou após os expressivos resultados obtidos na eleição para a Constituinte
em 1990. Uma das razões para tanto, foi que a ADM19 (Alianza Democrática M19) “teve militantes e lideranças, inclusive seu mais importante dirigente,
assassinados por grupos paramilitares de direita” (BOUDON, 1998 apud
ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.50).
Depois disso, o sistema partidário voltou a operar em torno dos dois
antigos partidos, no entanto, o índice da volatilidade triplicou. O Partido
Conservador,
enfrentou uma série de cisões nos anos 90, deixou de apresentar,
desde 1994, candidatura própria nas eleições presidenciais e teve sua
bancada na Câmara reduzida a 13,4% das cadeiras nas eleições de
2002. Entre 1974 a 1990, liberais e conservadores controlaram mais de
80% da representação no Congresso. Após a Constituinte de 1991,
começaram a perder força, caindo a 46,9% das cadeiras na Câmara
dos Deputados nas eleições de 2002. As 53,1% restantes estão
atualmente distribuídas por quarenta minúsculos partidos, muitos deles
dissidências dos tradicionais. (Ibidem, p.25-6)
O presidente Pastrana, por exemplo, eleito em 1998, apresentou-se como
candidato independente de um movimento, ainda que de sua coalizão fizesse
parte o tradicional Partido Conservador. Em 2002, Álvaro Uribe foi eleito com
53% dos votos no primeiro turno.
Em 1991, a Colômbia passou a contar com eleições diretas para
governadores, e para prefeitos, em 1994, o que acabou por “retirar poderes do
presidente da República, transferindo-os aos cidadãos”, e privá-lo “de
importante instrumento de patronagem na relação com os partidos que o
apóiam” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.36).
O comparecimento eleitoral, no período 1990-2002, foi baixo na Colômbia
(33,3%), assim como na Venezuela, onde o voto também não é obrigatório.
Dentre os países que adotam a obrigatoriedade do voto, o que apresenta as
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menores taxas de comparecimento é a Bolívia, com 55,2% do eleitorado
(ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.182).
A terceira consulta popular estudada foi proposta por Uribe. O referendo
de outubro de 2003 envolvia várias questões, mas seu foco era a corrupção. O
Presidente, durante a campanha eleitoral, “adquirió el compromiso de someter a
consideración de pueblo una reforma sustancial a la Constitución para combatir
la corrupción política. Por ello, el día que el actual presidente se posesionó,
presentó al Congreso la propuesta” (LIZARAZO, 2004, p.58). Uribe apresentou
18 perguntas à população pouco mais de um ano depois de ter assumido a
presidência. Quatro perguntas foram declaradas inconstitucionais e somente
uma das 14 foi aprovada (Ibidem, p.60). Entre os temas das perguntas incluíamse a redução de cadeiras no Congresso, perda de direitos civis dos funcionários
envolvidos em fraudes contra o Estado, congelamento dos salários dos
empregados públicos e dos gastos do Estado por dois anos, limitação das
pensões e privilégios dos servidores (BACKES, 2005) – eliminação de salários
maiores que 25 mínimos mensais, “instauración del voto nominal y público en
las corporaciones públicas de origen popular”, e “aprobación de nuevos recursos
para educación y saneamiento básico” (ZOVATTO, 2007, p.22). A participação
foi de 26,71%. Assim, “la respuesta de la ciudadanía obstruyó la aprobación de
las reformas propuestas, en virtud que las propuestas no alcanzaron el umbral
necesario para ser aprobadas” (Ibidem, p.31).
O Uruguai e suas consultas populares
No Uruguai houve um realinhamento das forças, com o crescimento de
um partido de esquerda, criado em 1971, a Frente Ampla (FA), resultante da
aglutinação de diversos pequenos partidos do mesmo campo ideológico, e o
declínio do Partido Nacional (PN). A ascensão da FA – partido mais votado nas
eleições legislativas de 1999 e que elegeu o presidente do país em 2004, “deu
origem a importantes modificações no sistema eleitoral uruguaio, e fez com que
o sistema político passasse a operar nos termos de um multipartidarismo
bipolar, levando a que partidos como Colorado e Nacional se aliassem para
enfrentar a esquerda” (LANZARO, 2001 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS,
7
2004, p.22). Estas mudanças, “implicaram ganhos significativos em termos de
accountability e representatividade” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.4950).
A média da volatilidade nas eleições uruguaias após 1990 é de 11,2. Até
1996, o eleitor escolhia um partido e, no interior deste, uma das listas
apresentadas, que competiam entre si e eram capitaneadas um dos candidatos
à Presidência da República de cada partido, secundado pelos postulantes ao
Senado e à Câmara dos Deputados. Ou seja, o eleitor podia dar um só voto
para todos os cargos em disputa. Assim,
em 1989, o “blanco” Luis Alberto Lacalle foi eleito presidente com
22,6% dos votos. Em 1994, Julio Sanguinette (PC) foi eleito tendo
recebido 24,7% dos votos, contra 30,6% de Tabaré Váquez (FA).
Ambos os presidentes foram eleitos graças à soma dos votos dados a
seus respectivos partidos.
Após a reforma eleitoral, cada partido pode lançar apenas um candidato,
escolhido em eleições internas abertas. Tal fato visava “responder às críticas
feitas ao excessivo poder dos partidos em sistemas acostumados à adoção de
listas fechadas e bloqueadas” (Ibidem, p.35).
O quarto caso a ser estudado é o referendo de dezembro de 2003, que
ocorreu ainda antes da FA conquistar a presidência, e se tratou de um recurso
contra a lei que autorizava a Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y
Pórtland (ANCAP) a associar-se com empresas privadas e eliminava o
monopólio para a importação de combustíveis. A consulta ocorreu porque a
Constituição uruguaia prevê que uma parcela de 25% da população pode
solicitar a realização da consulta (BACKES, 2005). A participação foi de 83,25%
dos cidadãos. No Uruguai, no entanto, ao contrário da Venezuela e Colômbia, o
voto é obrigatório. Com uma votação de 72% contrária a lei, esta foi revogada.
A quinta consulta popular incluída em nosso objeto de estudo é o
plebiscito de outubro de 2004 sobre a privatização dos serviços de
abastecimento de água potável e de saneamento. A Constituição do país
também prevê que todas as mudanças constitucionais necessitam ser
submetidas a referendo. Neste caso, estava em votação uma emenda
constitucional de iniciativa cidadã, que surgiu em resposta à assinatura de uma
carta de intenções entre o governo uruguaio e o Fundo Monetário Internacional
8
(FMI), na qual o país se comprometia a estender a privatização a estes setores.
Mais de 64% dos Uruguaios “apoiaram a reforma constitucional em defesa do
direito à água. Essa votação colocou a água como um direito da Humanidade na
Constituição Nacional e criou a base para que a administração da água seja
feita na forma de um bem público” (BACKES, 2005, p.8). A participação foi de
89,96%.
A Bolívia e os seus referendos
A Bolívia, na década de 1990, parecia ter construído um sistema de
formato multipartidarista de carácter moderado con cinco partidos
relevantes (ADN, MNR, MIR, UCS e CONDEPA) que obtuvieron un
cauda similar de votos y actuaban bajo una tendencia centrípeta,
motivada por la hegemonía de un centro ideológico y por el predominio
del pacto como procedimiento para resolver la titularidad
gubernamental y dotar de mayoría parlamentaria al gobierno de turno”.
(MOYORGA, 2003, p.190 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004,
p.26-7)
Até 1994, o Congresso escolhia “o candidato presidencial entre os três
mais votados no primeiro turno”, depois passou “a fazê-lo entre os dois primeiros
colocados”. Além disso, “os prefeitos passaram a ser escolhidos pelo voto
direto” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.31-2).
A alta volatilidade nas eleições bolivianas entre 1990 e 2002 (36,9) se dá
em função da constante surgimento de novas agremiações partidárias. Nesse
período
apenas dois partidos, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR)
e o Movimento de La Izquierda Revolucionária (MIR), mantiveram um
desempeno estável. Consciencia de Patria (CONDEPA), e Unión
Cívica Solidaridad (UCS), fundados em 1988 e 1989, na esteira da
introdução das eleições municipais (MAYORGA, 2003) que
atravessaram a década de 1990 controlando, em média, 25% das
Cadeiras na Câmara, praticamente desapareceram em 2002. (Ibidem,
p.27)
Já a conservadora Acción Democrática Nacionalista (ADN), depois de
vencer as eleições presidenciais de 1997 e conquistar 27% das cadeiras no
Congresso Nacional, teve sua bancada reduzida a quatro deputados (de 130)
em 2002, quando a Nueva Fuerza Republicana (NFR) – também surgida no
esteio das eleições municipais – pela primeira vez lançou candidato próprio na
9
disputa presidencial (BALLIVIÁN, 2003 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS,
2004) e conquistou 20,8% das cadeiras na Câmara dos Deputados.
A Bolívia parecia ter apostado no modelo clássico de grandes coalizões e
uma política de consenso, mas sofreu um golpe com a renúncia de Sanchez
Lozada, “que havia obtido pouco mais de 20% no primeiro turno da eleição, teve
êxito na montagem de uma grande coalizão, mas não teve apoio da população
diante de medidas impopulares tomadas para fazer frente a uma crise
econômica” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.81-2).
Nos últimos anos, reivindicações étnicas de autonomia territorial
passaram a questionar a ordem estatal e as formas de participação política dos
povos indígenas. Evo Morales, capitaneando estes protestos, levou o recémcriado Movimento ao Socialismo (MAS) ao segundo lugar nas eleições
presidenciais de 2002 (BALLIVIÁN, 2003 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS,
2004), primeira eleição que lançou candidato, e o partido conquistou 19,3% das
cadeiras na Câmara dos Deputados. Em outubro de 2003, houve um levante
popular que obrigou o presidente eleito, Sánchez de Lozada, a renunciar.
Assumiu, então, o vice-presidente Carlos Mesa.
O sexto caso, o referendo de julho de 2004, foi sobre a exploração e
exportação dos hidrocarbonetos. A participação foi de 60,06% dos cidadãos:
“parcelas da oposição boicotaram o plebiscito, por discordar da formulação das
perguntas. A proposta de renacionalização do gás, cuja inclusão no plebiscito
era reivindicada pelos setores nacionalistas, não foi incluída entre as questões”
(BACKES, 2005, p.4). Este número é baixo se considerarmos que o voto é
obrigatório. O governo do Presidente Carlos Mesa comemorou o resultado, que
significaria “a aprovação do seu programa de exploração do gás e de sua
política com relação às multinacionais (assegurar a manutenção dos contratos)”;
já “para o líder do segundo maior partido do parlamento, Evo Morales, a
população apoiou a estatização e a revisão dos contratos com as empresas
exploradoras”. Fato é que esta lei “figura na crise recente da renúncia do
presidente Mesa como maior discórdia entre governo e oposição” (Ibidem, p.5)
Em junho de 2005, Mesa renunciou. O presidente da Suprema Corte
assumiu o poder. No mês seguinte, o Congresso da Bolívia anunciou eleições
gerais para dezembro de 2005, que foram vencidas por Evo Morales e seu
10
partido. No começo de 2006, foi aprovada a lei de convocação da Assembléia
Constituinte, proposta pelo MAS. No entanto, a Assembléia Constituinte não
teve o poder de mudar tudo interferindo no trabalho dos poderes constituídos,
nem poderia opor-se a autonomia departamental, somente regulamentá-la.
O sétimo referendo que constitui o objeto de estudo desse artigo foi sobre
as autonomias departamentais na Bolívia, em julho de 2006. Ele foi aprovado
em quatro departamentos (Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija) e obrigou a
Assembléia Constituinte a incorporar constitucionalmente o resultado. O
referendo mostrou as diferenças entre a direita e a esquerda e a divisão do país
“entre los departamentos del occidente y el oriente, éstos últimos con un mayor
desarrollo económico y social que los motivó a buscar la autonomía
departamental” (ZOVATTO, 2007, p.29). Esta iniciativa se deu “desde abajo”, já
que não foi proposta pelo governo ou pelo parlamento, mas pelas “más
importantes organizaciones de Santa Cruz [que] reunieron las firmas necesarias
para convocar al referéndum sobre las autonomías departamentales del país”
(Ibidem, p.20).
O MAS apresentou na Assembléia Constituinte propostas que não
agradaram os defensores das autonomias departamentais e os Departamentos
que já tinham votado pela autonomia aceleraram a aprovação de seus próprios
estatutos. Em agosto de 2008, ocorreu um novo referendo, proposto por Evo,
sobre a revogação do seu próprio mandato e de nove governadores. O
presidente e os governadores oposicionistas dos principais Departamentos
foram confirmados.
O caso do Brasil
No Brasil também houve alteração na força relativa dos partidos, com o
declínio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o
crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT). O PT passou a polarizar as
eleições desde 1994 com o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Novas siglas não aparecem e desaparecem como nos primeiros anos após a
redemocratização, e a volatilidade nas eleições para a Câmara dos Deputados
diminui – havia chegado a 40,9 na década de 80; a média após 1990 é 16,7
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(ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004). Os partidos têm se mostrado capazes de
estruturar o processo legislativo no Congresso (LIMONGI e FIGUEIREDO,
1999), apesar das baixas taxas de identificação partidária, da baixa credibilidade
dos partidos e das trocas de legenda.
O oitavo caso é o referendo de outubro de 2005, sobre o desarmamento.
Ele estava previsto no Estatuto do Desarmamento, que foi encaminhado ao
Congresso pelo Executivo. Um decreto legislativo do Senado estipulou a
pergunta e autorizou a realização do referendo. A questão, “o comércio de
armas de fogo deve ser permitido no Brasil?”, não envolveu
uma clivagem política acentuada, como é o caso da maioria das
consultas submetidas ao voto popular em nosso continente (consultas
relativas à exploração do gás e da água, à privatização do petróleo, às
leis de anistia e a projetos constitucionais), em que se visualizam
claramente blocos políticos defendendo opiniões opostas. (BACKES,
2005, p.17)
Entretanto, esteve associada à busca de legitimidade do governo e a uma
crise política. O ano de 2005 foi o ano do “mensalão”, em que o governo foi
acusado de comprar votos de parlamentares. Ao analisar o pronunciamento das
lideranças do PSDB e do PFL (atual DEM), os principais partidos de oposição ao
governo de então, o tema mais recorrente sobre o qual discursaram foi esse. O
líder do PFL falou em “enfraquecimento da já abalada democracia”, disse que os
deputados eram “diariamente desmoralizados pelo Poder Executivo”, que este
queria “enfraquecer o Parlamento”, chegando até a falar em “crime de
prevaricação por parte do Presidente da República”. O líder do PSDB, por sua
vez, falou em “risco da governabilidade do país” (MENEZES, 2008, p.55-9).
Além da oposição, também a grande mídia brasileira “enquadrou” tanto o
governo Lula como o seu partido, o PT, como “presumidamente culpado”,
através de “uma narrativa própria e pela omissão e/ou pela saliência de fatos
importantes” (LIMA, 2006, p.14). De julho a setembro deste ano, o Jornal
Nacional, da Rede Globo, por exemplo, “chegou a ter mais de dois terços do seu
tempo dedicados exclusivamente à crise [política]” (Ibidem, p.18), mostrando
que se a popularidade do presidente ainda continuava alta, sua relação com a
oposição e com os grandes meios de comunicação estava longe de ser
tranqüila.
12
Algumas instituições políticas comparadas
Todos os países aqui analisados são multipartidários, embora variem de
uma média de 3,2 partidos (Uruguai, entre 1994 e 1999) para 7,9 (Brasil, entre
1994 e 2002). O Uruguai deixou de ser bipartidário em 1971, a Colômbia, após
1990, e Venezuela, após 1998. O sistema partidário colombiano foi o que
mudou mais radicalmente: nas eleições de 2002, o número efetivo de partidos
naquele país chegou a 7,1. Na média estabelecida entre 1991 e 2002,
entretanto, o número de partidos da Colômbia foi 4,1. Este número cresceu
também na Venezuela e na Bolívia. No primeiro, entre 1998 e 2000, a média
ficou em 4,7 partidos. No último, entre 1997 e 2002, em 5,2. (ANASTASIA;
MELO; SANTOS, 2004).
Se,
segundo
“Mainwaring
e
Scully,
um
dos
indicadores
de
institucionalização dos sistemas partidários é o grau de legitimidade conferido,
pelos principais atores políticos, aos partidos e ao processo de competição
eleitoral” (Ibidem, p.33), a perda do monopólio da representação política pelos
partidos na Bolívia e Colômbia – na Venezuela já era assim –, que agora
permitem que grupos de cidadãos, ou movimentos sociais, participem das
eleições, não serve de estímulo para que seus sistemas partidários se
institucionalizem. Na Venezuela, Chávez se elegeu, em 1998, pelo Movimento V
República (MVR). Na Colômbia, os dois últimos presidentes – Andrés Pastrana
(1998) e Álvaro Uribe (2002) – foram eleitos por movimentos amplos, e surgiram
movimentos ou alianças deste tipo nas eleições de 2002 da Bolívia.
Colômbia e Uruguai utilizam a representação proporcional nas duas
Casas legislativas, sendo os senadores eleitos em um único distrito nacional e
os deputados nos departamentos. Na Venezuela, o Congresso foi tornado
unicameral e foi adotado o sistema eleitoral misto, sistema também adotado pela
Bolívia e levando igualmente à mesma conseqüência – diminuição da magnitude
média dos distritos plurinominas. No caso dos venezuelanos, esta mudança
apareceu como maneira de responder às críticas ao excessivo poder dos líderes
partidários e tornar os deputados responsivos aos eleitores, mas os resultados
sobre o sistema partidário foram apenas marginais. Na Bolívia, cujo objetivo era
aumentar a consistência ao sistema partidário, o número efetivo de partidos e a
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volatilidade não se modificaram muito. O Brasil adota representação
proporcional para a Câmara dos Deputados e o método majoritário para o
Senado.
Uruguai, Venezuela e Bolívia apresentam lista fechada e bloqueada.
Nesse sistema, os líderes possuem o controle sobre a lista e ao eleitor é
permitido apenas o voto no partido de sua escolha. De acordo com os critérios
de Carey e Shugart (1995 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004), a
estrutura do voto nesses países seria a que menos incentivaria os deputados se
preocupassem com a reputação pessoal em relação à partidária, o que garante
altas taxas de disciplina entre os legisladores. Curiosamente, na Venezuela e na
Bolívia os partidos não têm mais o monopólio da representação partidária.
Já na Colômbia, os líderes partidários não possuem poderes para impedir
que qualquer membro de seu partido lance sua própria lista. Os eleitores
escolhem entre as sublistas, e o processo de transferência de voto se realiza
unicamente no interior destas, não beneficiando o partido como um todo. Este
sistema estimula a competição intrapartidária. No Brasil, as listas são
formuladas em cada estado, e o eleitor escolhe um nome ou sufraga a legenda.
O voto é computado para o partido para a distribuição das cadeiras, sendo
eleitos os mais votados em cada lista.
Os países aqui analisados têm um desempenho fraco na terceira
dimensão das poliarquias proposta por Santos (1998), a elegibilidade. O
percentual de cadeiras ocupadas por mulheres nas Câmaras Baixas ou Únicas,
entre 1999 e 2002, no Brasil foi de 8,6%, na Venezuela, de 9,7%, na Colômbia,
de 12%, no Uruguai, de 12,1%, e na Bolívia, de 18,5%. Índios constituem
50,01% da população da Bolívia e ocupam 26,2% das cadeiras. No Brasil, “onde
cerca de 44% dos habitantes são afrodescendentes (PNUD, 2004, p.74), no
período compreendido entre 1995 e 1999, apenas 2,8% das cadeiras (15 em
513) eram ocupadas por negros” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.180).
Os presidentes da Bolívia e da Venezuela não contam a prerrogativa de
emitir decretos, ainda que no último caso esteja previsto o poder delegado de
decreto. No Uruguai o poder de decreto constitucional é mais limitado do que
nos Brasil e Colômbia. Todos os presidentes contam com o poder de veto. Há
variações no quorum de derrubada: na Bolívia a maioria requerida é de 2/3, no
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Uruguai o requerimento é de 3/5, no Brasil, Colômbia, e Venezuela, é
necessária maioria absoluta. Também todos os presidentes contam com
monopólio de envio de matérias orçamentárias e áreas de políticas públicas em
torno das quais o parlamento é impedido de iniciar proposições. O instituto da
urgência, que define prazos para que projetos iniciados pelo Executivo sejam
apreciados no plenário, não é concedido ao chefe do Executivo da Bolívia e da
Venezuela. Apenas no Uruguai existe restrição à liberdade do presidente para
nomear e demitir ministros, pois uma maioria legislativa pode derrubar membros
do gabinete. Em todos os países, com exceção de Bolívia, o presidente pode
iniciar a reforma da Constituição, sendo o quorum exigido para a aprovação das
emendas, no Uruguai e na Bolívia 2/3, no Brasil 3/5, na Venezuela e Colômbia a
maioria absoluta. A prática de coalizões supermajoritárias é maior onde o
quorum para a aprovação de reformas constitucionais é maior, ao passo que
governos minoritários costumam ocorrer onde a maioria requerida é menor.
Bolívia e Brasil, até 2003, somente tiveram governos com apoio
multipartidário no Legislativo. Mas enquanto que o Brasil tem preferencialmente
coalizões supermajoritárias, a Bolívia oscila entre estas e coalizões majoritárias.
Colômbia e Uruguai também podem ser contabilizados como países com prática
predominante de gabinetes de coalizão, ainda que tenham tido alguns gabinetes
unipartidários e minoritários. Uruguai, Colômbia e Bolívia costumam ter
coalizões compostas por dois ou três partidos. A Venezuela sempre foi
governada
por
presidentes
com
apoio
minoritário
no
Parlamento.
Compreensivelmente, então, apenas na Venezuela, o Legislativo não tem o
poder de iniciar o processo de impeachment, que foi transferido à população. A
prática de montagem de governos majoritários ou supermajoritários na Bolívia e
Colômbia, no entanto, “não tem constituído condição suficiente para o
processamento pacífico da competição política” (ANASTASIA; MELO; SANTOS,
2004, p.187).
No que diz respeito à
concentração de atribuições e recursos nas mãos dos líderes de
coalizão, no interior do Poder Legislativo, embora seja conducente à
maior estabilidade política, afeta negativamente a operação dos
atributos de accountability e da representatividade por violar o princípio
da igualdade política entre os representantes. (Ibidem, p.102)
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O Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados brasileira reúne
lideranças dos partidos com representação na Casa e cumpre papel estratégico
na condução das bancadas partidárias (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999).
Assemelham-se a ele o Comitê de Coordenação Política do Senado boliviano e
a Comissão da Ordem do Dia do Senado do Uruguai. Já a Comissão
Coordenadora da Câmara Única venezuelana “guarda significativas diferenças
relativamente às características do Colégio de Líderes, especialmente no que se
refere à presença de muitos membros que não constituem lideranças
partidárias” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.112). Assim, a existência
de colegiados ocorre nos países nos quais se verifica maior estruturação do
sistema partidário e monopólio da representação pelos partidos políticos – Brasil
e Uruguai – ficando a exceção por conta da Bolívia.
Brasil e Venezuela são federações e, como era de se esperar, a política
estadual tem grande importância e os sistemas partidários são pouco
nacionalizados. A Bolívia, apesar de não constituir uma federação, tem situação
partidária semelhante, seu caminho para a descentralização, inclusive, fica claro
na questão da autonomia dos departamentos. Na realidade,
a maior parte dos partidos bolivianos é de média nacionalização. Em
compensação, o CONDEPA (Consciência de Pátria) é um partido
pouco nacionalizado, cujas bases de apoio estão fortemente
concentradas no Departamento de La Paz. O CONDEPA empurra o
sistema partidário boliviano para categoria dos de baixo grau de
nacionalização. (MAINWARING; JONES, 2003, p.128)
No entanto, como na lógica do presidencialismo pluripartidário, “quanto
mais coesos, disciplinados e rígidos forem os partidos, menor será a
probabilidade de construção, pelo presidente eleito, de uma base multipartidária
ampla, necessária à sustentação governamental” (TAVARES, 2003, p.308),
talvez o fato de os partidos brasileiros não serem muito nacionalizados até
contribua para que as coalizões majoritárias aconteçam e os governos
conseguiam realizar suas agendas.
No que diz respeito ao calendário eleitoral, ele afeta as chances de
formação e de manutenção das coalizões e pode facultar aos cidadãos maiores
chances de utilizarem as urnas como mecanismos de accountability se as
eleições forem intercaladas, “já que lhes permitem sinalizar suas avaliações
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para os representantes no momento em que alguns mandatos ainda estão em
curso” (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004, p.97). Entretanto,
Se, entre uma eleição e outra, os sistemas partidários carecem de
estabilidade e continuidade, se os partidos não retêm a sua identidade
e as migrações inter-partidárias são freqüentes, torna-se impossível
recorrer à faculdade de reeleger ou destituir o representante ou
governo como sanção responsabilizadora tanto quanto tomar taxas de
reeleição ou renovação para medir political accountability. (TAVARES,
2003, p.275)
No Brasil e na Bolívia, somente as eleições municipais são separadas
das restantes. No Uruguai, as eleições departamentais e municipais são
separadas das restantes. Na Colômbia e na Venezuela são todas separadas,
ainda que neste último país as eleições para o Congresso, governadores e
Assembléias Legislativas sejam apenas um mês antes da escolha presidencial.
De qualquer modo, a Colômbia não é um sistema mais estável apesar da maior
oportunidade de utilizar as urnas como instrumento de accountability.
Na Bolívia não há eleições diretas para governadores. No Uruguai, a
eleição direta para prefeito existe em termos. Os governos locais são exercidos
por pessoas designadas pelo Intendente Municipal, com a anuência da Junta
Departamental. No entanto, o governo departamental pode, em cidades com
mais de 10 mil habitantes ou que sejam de interesse nacional, declarar que as
Juntas locais serão eleitas.
A reeleição também seria um mecanismo que pode incentivar os políticos
eleitos a serem responsivos aos interesses dos cidadãos (ARNOLD, 1990;
PRZERWORKI, 1999 apud ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004). Todos os
países prevêem a possibilidade de reeleição para cargos legislativos, embora na
Venezuela o parlamentar só possa ocupar o mandato por duas vezes
consecutivas. A reeleição para presidente é permitida no Brasil, na Colômbia e
na Venezuela.
Considerações finais
O que distingue o Brasil e o Uruguai do quadro de instabilidade dos
outros países é o fato de que: os partidos mantiveram a capacidade de
estruturar a disputa presidencial e obter bons desempenhos no governo; e
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o sistema político mostrou-se aberto à emergência ou manutenção de
uma alternativa partidária à esquerda, a qual, por sua vez, logrou
tornar-se eleitoralmente competitiva, fazendo com que novos issues
fossem levados em conta nos processos decisórios e, desta forma,
moderando o conflito político. (ANASTASIA; MELO; SANTOS, 2004,
p.49)
No Brasil, no entanto,
parte da estabilidade alcançada o foi à custa de uma significativa
concentração de poderes nas mãos do Executivo e dos líderes
partidários no interior do Congresso, concentração que tem feito com
que o sistema político opere com um evidente déficit em termos de
accountability horizontal. (Ibidem, p.51)
Na Bolívia o MAS também cresceu e se configurou como uma alternativa
aos partidos tradicionais, entretanto, as situação do país é de instabilidade.
Nos plebiscitos e referendos aqui estudados, os três convocados pela
população (dois no Uruguai e um na Bolívia) foram aprovados, enquanto que
dos outros cinco, quatro foram reprovados (os dois da Venezuela, o da
Colômbia e o do Brasil) e somente um aprovado (na Bolívia), apesar do
resultado ter sido interpretado de maneira muito diferente pelo governo e pela
oposição, de forma que essas consultas populares acabaram por não contribuir
para a legitimação dos governos que os propuseram.
No caso do Brasil, embora o presidente mantivesse uma boa
popularidade, havia uma crise política no país e função do chamado “mensalão”.
Ao contrário dos outros países, tratava-se de uma questão que não polarizou
governo e oposição, mas que serviu para tirar o foco dos escândalos. Ou seja, a
convocação do referendo e seu resultado parecem ter relação com o contexto
do país naquele ano.
Outras consultas parecem estar mais ligadas à situação em que as
instituições se encontram. A Colômbia, por exemplo, não consegue chegar a um
processamento pacífico dos conflitos políticos. Os partidos colombianos não
possuem monopólio da representação política ou lista fechada, o que costuma
fortalecer as agremiações partidárias. Além disso, não têm algo que, se não
incrementa a accountability como ocorre no Brasil, pelo menos costuma dar
estabilidade política: um colégio de líderes. Ou seja, de um sistema político
pouco estável é realmente difícil conseguir fazer qualquer previsão de resultado,
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mesmo se tratando de colocar em prática uma proposta de campanha, de um
presidente em começo de governo e com alta popularidade.
Na Venezuela, ao contrário do que historicamente costumava acontecer
no país, Hugo Chávez sempre governou com maioria no Congresso Nacional.
Por ser uma maioria tão esmagadora, o governo provavelmente tentava se
legitimar por meio do voto direto da população. Os partidos tradicionais do país
não mais representavam grande parte dos eleitores venezuelanos, mas
deixaram um vazio. O primeiro referendo em que foi derrotado foi logo após as
eleições de 2000, onde os partidos tradicionais conseguiram apenas 20% das
cadeiras do Congresso. Já o referendo de 2007 aconteceu no ano em que foram
empossados os novos parlamentares da eleição boicotada pela oposição, de
forma que o Congresso não tinha mais representação desta.
Em relação ao Uruguai, provavelmente o equilíbrio de forças partidárias
fez com que a oposição conseguisse mobilizar a população para vetar as
propostas do governo, já que vinha se fortalecendo até assumir a presidência
em 2005.
O referendo convocado pelo presidente da Bolívia, por sua vez, foi
aprovado, mas teve um alto índice de abstenção, mesmo sendo o voto
obrigatório. Além disso, teve polêmica em torno da formulação das questões.
Menos de um ano depois do referendo o presidente Carlos Mesa renunciou,
sendo fator importante na crise entre governo e oposição justamente a lei
votada no referendo. Ou seja, o único governo que conseguiu ganhar uma
consulta popular acabou não conseguindo terminar seu mandato.
Estas são algumas conclusões possíveis de serem tiradas com essas
informações sobre os aspectos institucionais dos países e os resultados dos
seus referendos.
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