CONTRIBUIÇÕES DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO
PARA UM CUIDADO HUMANIZADO
Marlene Harger Zimmermann1
Pura Lúcia Oliver Martins2
RESUMO:
“A Bioética na formação do profissional Enfermeiro: contribuições para um cuidado mais
humanizado”, é um estudo que tem como objetivo geral analisar a contribuição da Bioética para a
formação do profissional Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. A partir da ótica dos alunos
e docentes do curso de Enfermagem analisar a contribuição da Bioética na formação do profissional
Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. Esse estudo focaliza a bioética no curso de
Enfermagem para uma assistência humanizada tendo, como método teórico, o materialismo
histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. Para a realização dessa investigação, foi efetuada
uma revisão da literatura buscando na história, a evolução da Bioética, seu ensino e sua relação no
contexto atual. Foram sujeitos desta pesquisa, alunos e docentes do curso de Enfermagem de duas
Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, Paraná. A coleta de dados foi feita por
meio da técnica do Grupo Focal.A pesquisa revelou que: a) A Bioética assume importante papel na
formação do profissional Enfermeiro. Ela contribui para um cuidado mais humanizado e oportuniza
ao Enfermeiro o repensar de sua prática. b) humanização assume certa complexidade na sua
definição e operacionalização, devendo envolver todos os segmentos da comunidade. O estudo
apontou, também, alguns caminhos para a formação do profissional enfermeiro.
Palavras-chave: Humanização. Formação. Enfermeiro. Bioética
1
Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Docente no curso de Enfermagem da
Universidade Estadual de Ponta Grossa e do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais.
2
Professora Dra. do Mestrado em Educação e do Curso de Pedagogia da PUC-PR
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INTRODUÇÃO
Este relato quer evidenciar as contribuições da disciplina de Bioética no curso de
Enfermagem, na formação deste profissional em um cuidado mais humanizado. Os relatos que se
seguem, são decorrentes de docentes e acadêmicos do curso de Enfermagem de duas Instituições de
Ensino Superior do Paraná, em pesquisa realizada no Mestrado em Educação.
Nas últimas décadas, um grande desenvolvimento da ciência e da tecnologia vem
se fazendo presente no contexto mundial, trazendo inovações, benefícios, realizando transformações
em praticamente todas as áreas.
A sociedade contemporânea está assentada sobre a supremacia do consumismo,
sendo a aquisição material a mola propulsora, regendo atos e decisões. Como resultado, pode-se
dizer que as pessoas que dispõem de poder de compra obtêm vantagens em relação a outras,
gerando divisão social.
A área da saúde não é imune a esse processo. O poder financeiro reflete-se em seu
cotidiano, gerando questionamentos quanto à conduta dos profissionais em relação ao atendimento
no cuidado da saúde. Instituições de saúde assumem esse pensar, proporcionando forma de
tratamento, acesso à instituição, à internação, e ao atendimento de forma diferenciada, favorecendo
assim a hegemonia vigente.
A vida, valor supremo do ser humano passa a objetizar-se, (tornar objeto),
tornando-se a tecnociência maximizada num processo de fragmentação, de desvalorização, de
desconstrução do indivíduo. Isso gera uma transformação do profissional de Enfermagem em
relação ao cuidado, principalmente na prática hospitalar, separando “cada vez mais o profissional
do cuidado mais efetivo e afetivo” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 372).
Nesse pensar, a Bioética vem como instrumento auxiliar do profissional de saúde,
ao relacionar a ética com a ciência e a tecnologia, na tentativa do resgate da dignidade do ser
humano, do respeito à vida e da proteção à pessoa. Ou seja, a “bioética, deve ser incorporada como
valor e preceito por todos e principalmente pelos cuidadores” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p.
376).
A BIOÉTICA E O CONTEXTO SOCIAL
No século XX, a humanidade pôde acompanhar o desenvolvimento técnicocientífico concomitantemente com a dicotomia entre a ciência e a ética, entre o agir moral e o agir
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técnico, gerando um assustador processo de desumanização. Segundo Cardoso (1995), o homem
atual separou a razão do sentimento, a ciência da ética, a utilidade da felicidade. Perdeu-se a
percepção da realidade como um todo.
O progresso técnico-científico, nos últimos 50 anos, foi notório. Trouxe para a
humanidade inúmeros benefícios, porém, em relação a valores, o efeito foi contrário. A humanidade
sofre as conseqüências do condicionamento materialista, mecanicista e reducionista, que estão
implícitas no paradigma cartesiano. Sob a sua influência vê-se a predominância do racionalismo
científico, uma divisão do conhecimento em disciplinas e especializações cada vez mais numerosas.
Além da fragmentação do saber, percebe-se que estamos inseridos numa civilização do ter, onde se
elevam os valores materiais, com predomínio do individualismo e fragmentação dos aspectos
psíquicos do homem, tratando-o somente como um ser biológico. Nesse pensamento cito Minayo:
A concepção positivista da ciência universal, atemporal e isenta de valores
conduzindo os rumos da humanidade, na área da saúde foi sendo problematizada
por um debate teórico e ideológico que engajou questões tanto de cientificidade
dos postulados vigentes como da ética de investigação científica (MINAYO, 2000,
p. 59).
Surge a Bioética a partir da pressão de fatos históricos, reveladores de práticas de
pesquisa, das quais estava ausente qualquer parâmetro de consideração do ser humano. Nasce como
resposta da cultura contemporânea às implicações morais das tecnologias biomédicas, sendo o ser
humano referência central de suas reflexões.
Na área da saúde, as progressivas especializações geraram dificuldade da visão
global do paciente, com sua história pessoal, na sua totalidade de existência. O profissional de
saúde passou a visualizar o paciente como doença em detrimento do doente. Observa-se a ênfase da
denominação “caso”, “número”, havendo uma despersonalização do sujeito envolvido. O paciente
encontra dificuldade em sentir-se como ator principal, como sujeito autônomo, possuidor do direito
de decidir sobre seu tratamento, seu diagnóstico, ou seja, alguém que participa das decisões. Nessa
concepção, a palavra e o diálogo são suprimidos. Nesse pensar, Pessini e Barchifontaine (1997, p.
161) assim se expressam: “a relação médico-paciente se desagrega e começa a imperar na medicina
a tecnologia (adoração da técnica)”. A abordagem reducionista da medicina faz o médico ver a
saúde como mero funcionamento mecânico do organismo, perdendo de vista o paciente como ser
humano.
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Segundo Moraes (2001), a visão mecânica separa os indivíduos de seus
relacionamentos, não reconhecendo a importância do contexto em que estão inseridos, gerando um
individualismo exagerado, onde prevalece o egocentrismo humano. Observa-se também a ausência
de ética e de solidariedade onde os significados do amor e da compaixão são perdidos.
Diante dessa desagregação, percebe-se que a ciência está exigindo uma nova visão
de mundo, diferente, não fragmentada. Daí a necessidade de unir as partes deste homem
“esfacelado”, para alcançar uma visão de totalidade: corpo e espírito, ciência e ética.
Focando essa dissociação entre ciência e ética, urgente se faz um repensar do
conhecimento, uma busca de benefícios e da garantia da integridade do ser humano, tendo como
norteador o princípio da dignidade humana. De acordo com Oliveira (2000, p. 61), ”é fundamental
que lutemos para substituir o enfoque tecnológico pelo humanitário na medicina”. Uma reinserção,
como Weil (1993, p. 48) afirma: “do conhecimento a serviço dos valores éticos: reintegração dos
altos valores éticos, introdução do conceito de bioética na ciência”.
O termo Bioética originou-se a partir de janeiro de 1971, quando o biólogo e
oncologista Rensselaer Potter, publicou o livro: “Bioética: a ponte para o futuro”. (NEVES, 1996,
p.8). Potter diagnosticou o perigo que representa para a humanidade a separação entre o saber
científico e o saber humanista. Etimologicamente significa ética da vida. Palavra formada por dois
vocábulos de origem grega: bios (vida) e ética (costumes, valores relativos a determinado
agrupamento social, em algum momento de sua história). Em junho de 1971, André Hellegers,
obstetra, usou o termo Bioética para aplicar a ética na medicina e nas ciências biológicas. (NEVES,
1996, p.8).
Segundo Pessini e Barchifontaine (1997, p. 30), “bioética é o estudo sistemático da
conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à
luz de valores e princípios morais”. Ela refere-se a assuntos gerais da saúde, indo da pesquisa à
qualidade do atendimento nas instituições.
A Bioética não se coloca contrária ao desenvolvimento técnico-científico, porém,
vê a necessidade do estabelecimento de limites para salvaguardar a garantia do respeito à dignidade
humana, realizando, com isso, reflexões para identificar valores e normas que guiem o agir humano.
Importante salientar que a Bioética deve prevalecer sobre a técnica, a tecnologia e ciência,
permeando toda a prática do profissional.
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Ela busca compreender o contexto que envolve o ser humano, sua vida, saúde,
morte. Também as tecnologias que instrumentalizam a vivência humana, haja vista as importantes
repercussões para a qualidade de vida.
Encontram-se dentro da Bioética princípios e normas que, segundo Silva (1998),
são: a autonomia, entendida como o direito à liberdade; o respeito ao ser humano considerado como
fim (em Bioética recebe o nome de beneficência) e a justiça, isto é, a eqüidade de todos os
indivíduos inscritos no reino da humanidade.Resumidamente, esses princípios são definidos como:
o da autonomia relacionado à dignidade humana; o da beneficência, à compreensão dos limites e às
possibilidades da relação entre o bem e o mal e o da justiça, a distribuição eqüitativa
(FIGUEIREDO; VIANA, 2006).
Em relação aos modelos teóricos propostos para a Bioética, existem diversos, que
estão alicerçados em diferentes enfoques filosóficos, ou seja, os chamados paradigmas. Entre eles
encontra-se o paradigma antropológico ou perspectiva personalista humanizante, que é baseado em
uma filosofia humanista e globalizante, tendo como referência o conceito de pessoa. Segundo
Oliveira (2000, p.104), o paradigma antropológico “é uma antropologia filosófica que se empenha
na compreensão do homem na totalidade de sua realização como pessoa, que toma o homem na
singularidade de sua individualidade e na universalidade de sua humanidade”. Sgreccia (2000)
afirma que necessária se faz uma união entre biologia, antropologia e ética.
Há uma estreita ligação da Bioética com a humanização. Pessini e Barchifontaine
afirmam que a Bioética busca, de maneira especial, humanizar o ambiente de clínicas e de hospitais
e, em particular, promove os direitos do paciente para exercer uma sadia liberdade e terminar seus
dias com uma morte digna (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p. 42).
A BIOÉTICA E SEU ENSINO
No momento atual, urgente se faz que o ser humano seja recolocado no centro da
problemática de valores. Daí a importância da educação, precisamente a da Bioética, haja vista que
ela favorece as relações mútuas entre os homens, levando-os a preservar seu bem mais precioso – a
vida. Nesse sentido, as reflexões da Bioética no processo educativo contribuem para um
conhecimento pautado em valores e princípios éticos que ajudam o homem a conduzir o seu agir
dentro de uma moral-prática.
Nesse contexto, a educação envolve uma relação com o mundo dos valores. A
dimensão ética do bem não pode esquivar-se do processo e da finalidade educativa, mas deve estar
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voltada para a promoção do homem. Homem este possuidor de autonomia, valores, crenças,
experiências e medos. Portanto, um ser singular, único. Daí a necessidade que se impõe do respeito
à pessoa humana, não a subjugando à qualidade de objeto, como já dizia Kant.
Na universidade, observa-se a preocupação dos docentes em formar pessoas
habilitadas técnica e cientificamente para o mercado de trabalho em detrimento da formação
pessoal, pautada em valores éticos e morais. Não se pode perder de vista o ser humano enquanto ser
individual e coletivo. Daí a importância da formação de valores através da Bioética, em que a
pessoa é vista como sujeito moral, investida de um valor absoluto que se expressa pela sua
dignidade, insubstituível.
Diante deste contexto, a Bioética auxilia na efetivação da humanização quando a
considera como um valor a ser perseguido para que a humanidade encontre ressonância entre o ter,
o ser e o saber.
A Bioética é uma disciplina reconhecida praticamente em todos os cursos da área
de saúde e na maioria dos cursos de ciências humanas das universidades européias, norteamericanas e italianas. Em relação ao Brasil, Oliveira contribui dizendo que:
No Brasil ainda não é uma disciplina “autônoma”, embora muitas faculdades de
medicina e algumas de filosofia dediquem a bioética uma carga horária mínima. É
uma área de estudo que está consolidada, e sua institucionalização é uma realidade
(OLIVEIRA, 2000, p. 14).
A mesma autora faz referência ao segundo grau como momento mais apropriado
para o início das reflexões Bioéticas, bem como a necessidade de criação, pelo governo brasileiro,
de programas de educação em Bioética (PEB) para os cursos de nível superior e os de pósgraduação (OLIVEIRA, 2000).
Isso posto, denota-se que a educação assume então, um papel fundamental, tendo
em vista a necessidade de formação do profissional Enfermeiro numa visão humanizada, com a
contribuição das reflexões da Bioética, em que os valores: pessoa, dignidade e individualidade
ganham expressão, dispondo o conhecimento a serviço dos valores éticos.
Precisa-se desenvolver no aluno a intuição, a criatividade, a sensibilidade e o
sentimento, para que o mesmo possa perceber a realidade do outro. Sob esta ótica, o profissional
reconhece o paciente como cidadão, valoriza a sua autonomia em relação ao tratamento, trabalha na
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recuperação e promoção da saúde das pessoas, trata o doente da doença e não simplesmente a
doença do doente.
Nesse cenário, entendo que o Enfermeiro deverá desempenhar sua função,
orientado para transformações, buscando o resgate dos valores humanos, com vistas à melhoria da
qualidade de assistência prestada ao paciente, proporcionando-lhe maior satisfação, através do
respeito da individualidade, integralidade e dignidade, sendo suas ações pautadas em princípios
éticos, morais e humanísticos.
Sgreccia coloca que há uma relação entre o momento operativo da Bioética com os
valores e a vida ética.
A Bioética se torna operativa ao passar à medicina: é no momento operativo que
se desenvolve a vida ética e se realizam os valores. Essa operacionalização,
quando conduzida de acordo com a coerência entre e competência específica e a
consciência dos valores, torna ética a ação em si e contribui para o enriquecimento
do ser pessoal, tanto do profissional como do doente, bem como da sociedade
(SGRECCIA, 2002, p. 201).
Dessa forma, a consciência dos valores assume importância em relação ao
desenvolvimento da vida ética. Por conseguinte, quanto mais rica for à consciência de valores, tanto
mais atenta e sensível será a consciência do profissional, possibilitando então uma assistência
humanizada e integral.
A ENFERMAGEM E A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO
O relacionamento estabelecido entre paciente e Enfermeiro ganha o nome de
relacionamento assistencial, sendo este a base da prática da Enfermagem. Para que esse
relacionamento se efetive são necessários alguns fatores como: empatia, respeito mútuo, clima de
confiança, sinceridade, etc.
Na área da saúde, mais precisamente na Enfermagem, a humanização torna-se
tema central, tendo em vista que a prática do cuidado em Enfermagem se estabelece entre seres
humanos. Um que presta cuidado e outro que necessita do mesmo. Contudo, Silva (2004, p. 26) diz
que: “o cuidado humano é uma das habilidades mais difíceis de ser implementadas, justamente
porque as pessoas possuem limiares diferentes de sensibilização”.
Quando despojado de sua saúde, os indivíduos têm seus aspectos emocionais
envolvidos, tendo em vista que além do desconhecido em relação ao futuro de sua doença,
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encontram-se em um ambiente não propício, sob a responsabilidade de uma equipe de saúde, longe
de seus familiares e muitas vezes tratados como se não tivessem individualidade e identidade
própria.
Humanização consiste no ato de humanizar, que é produto do ser humano, é tornar
humano, dar estado ou condições de homem, humanar. Também pode ser compreendido como
tornar benévolo e benigno (REMEN, 1993). Humanizar é estar com o paciente numa atitude de
escuta, de ajuda, de preocupação com seu restabelecimento.
Por assistência humanizada entende-se o esforço de tratar o paciente com respeito
às suas necessidades pessoais, considerando sua autonomia nas escolhas, de se sentir aceito, de ser
escutado, compreendido. Constrói-se assim a dignidade humana, que está fortemente associada ao
referencial de assistência humanizada. Daí a necessidade da humanização ser individualizada
(SANTOS, 2004).
Observar e respeitar o ser humano que estamos assistindo, em suas várias
interfaces, ou seja, seu medo, seu pudor, sua individualidade, suas emoções, são as estratégias de
humanização do cuidado.
Atualmente, a pessoa quando acometida pela doença, deixou de ser o centro das
atenções e foi instrumentalizada em função de um determinado fim. Existem ambientes
tecnicamente perfeitos, mas, desprovidos de ‘calor humano’. Hoje é evidenciada a coisificação
(tornar coisa, objeto) das pessoas e sacralização das coisas, portanto, uma inversão de valores
(PESSINI, BERTACHINI, 2004).
O cuidado humanizado exige do profissional a união de percepção, conhecimento,
empatia, alteridade e respeito pela dignidade e pela autonomia. De acordo com Pessini;
Barchifontaine (1997, p. 11), “conhecimento e competência técnico-científica são imprescindíveis,
mas tem que estar sempre junto com humanismo”. Nas ações de Enfermagem deve ser maximizado
o homem e minimizada a doença, desta forma sobressaindo o valor pessoa em detrimento da
doença.
A tecnologia tem sido um dos grandes fatores de afastamento na relação
Enfermagem – paciente, tendo em vista sua despersonalização e a perda de sua individualidade,
privacidade, subjetividade e singularidade.
Na humanização, a autonomia do paciente deve ser respeitada, sendo esta
considerada como a capacidade do indivíduo de autogovernar-se, de decidir sobre seu tratamento.
As instituições de saúde despojam o indivíduo de suas vestes na mesma proporção que assumem
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unilateralmente as decisões sobre o seu tratamento. Nesse pensar, cito Leopardi (1999, p. 132) que
expressa: “seres humanos são livres e se espera que se envolvam em seu próprio cuidado e nas
decisões sobre sua vida”. Portanto, as atitudes do profissional de Enfermagem em relação à forma
do atendimento no cuidado precisam ser repensadas. É necessário que o paternalismo seja superado.
Quando um profissional da saúde se aproxima do doente, ele está se aproximando
de uma pessoa e este corpo não é objeto de intervenção, mas sim um sujeito autônomo, livre,
responsável, consciente, possuidor de valores morais, culturais e espirituais, membro de uma
família e inserido em uma sociedade.
UM POUCO DA METODOLOGIA
A metodologia que se desenvolveu nesta pesquisa foi o método histórico-dialético,
numa abordagem qualitativa. O método histórico-dialético possibilita uma crítica às questões
intrínsecas da profissão de Enfermagem, pois ela está articulada com a totalidade das realidades
sociais, econômicas e políticas.
Para a coleta de dados foi utilizado como instrumento, a técnica do Grupo Focal
(GF), onde entrevista e observação encontram-se inseridos. Giovanazzo (2001) explicita a
finalidade do Grupo Focal, sendo este apropriado quando o objetivo é explicar como as pessoas
consideram uma experiência ou uma idéia e, durante a reunião, possam ser obtidas informações
sobre o que as pessoas pensam ou sentem ou ainda sobre a forma como agem.
Como sujeitos da pesquisa foram selecionados acadêmicos e docentes do Curso de
Enfermagem, de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, no estado do
Paraná.
Os dados levantados e analisados a partir da ótica dos participantes, possibilitaram
a definição de categorias de análise. Sobre a análise, Minayo (2000, p. 75) contribui dizendo: “Não
podemos conhecer uma coisa a não ser decompondo-a, para a seguir recompô-la, reconstruí-la e
reagrupar suas partes. Análise e síntese são inseparáveis, mas para sintetizar com êxito é preciso
analisar”. Pelas recorrências apresentadas, os dados obtidos foram agrupados nas seguintes
categorias: condições objetivas de trabalho, humanização/humanizador e dicotomia entre teoria e
prática. O objetivo foi organizar para facilitar a análise.
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CONTRIBUIÇÕES DA BIOÉTICA NA HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO
Esta pesquisa desvelou que o ensino da Bioética contribui de forma importante na
formação do acadêmico e do profissional de Enfermagem. Na fala deste acadêmico pode-se
verificar esta afirmação:“Um dia eu comentei com a professora que eu aprendi muito com ela tanto
em ética como bioética. [...] Modifiquei muito meu comportamento dentro do meu trabalho depois
que eu tive a matéria dela. Consegui ter uma visão do todo, de como tratar uma pessoa.”
Corroborando com esta fala pode-se inferir que o agir em saúde deve refletir a maneira de o
profissional ser, pensar, sentir e atuar devido sua autonomia e liberdade que lhe são próprias
(FIGUEIREDO, 2006).
Nesta pesquisa evidenciou-se também que as reflexões pertinentes à disciplina de
Bioética possibilitam ao acadêmico mudanças pessoais, auxiliando em um cuidado humanizado.
Esta fala confirma isto: “Acho que, depois que passamos pela disciplina de Bioética e de Ética
Profissional, a minha vida mudou muito. (...) não só como profissional inclusive como pessoa
também. (...) foi muito presente depois que eu passei por esta disciplina”. Figueiredo (2006, p. 378)
reafirma esse pensamento sobre a Bioética dizendo que ela “é o instrumento necessário para
subsidiar o modo de agir do profissional de saúde”. Outro acadêmico afirma que em relação à
Bioética “a matéria contribuiu muito para minha formação até pessoal por causa da reflexão. Foi
em bioética que nós aprendemos essa questão mais humana, questões não palpáveis que não é uma
técnica, é uma coisa abstrata. Em bioética e ética que isso se tornou mais presente. Na bioética
você viu o todo mesmo, assim como que circunda todo este mundo e todos estes profissionais” A
Bioética procura compreender o ser humano, a sua vida, sua saúde, sua morte, e todas as
tecnologias que instrumentalizam sua vivência para o melhor viver (FIGUEIREDO, 2006).
A Bioética como ciência, vem neste momento em que a humanidade vivencia uma
desvalorização da vida e da dignidade do homem, auxiliar, através de reflexões pertinentes sobre
assuntos muito polêmicos, a equacionar os aspectos éticos desenvolvidos, de difícil resolução. As
reflexões possibilitam a elaboração do pensamento crítico, muito importante para a atuação do
profissional da saúde, em especial do Enfermeiro. Em relação à importância do processo reflexivo
na formação, a acadêmica diz: “reflexões que ajudam a gente a mudar, ter uma visão diferente a
respeito do respeito à vida”. O ensino da Bioética no curso de Enfermagem é uma ferramenta de
auxílio, principalmente porque propicia o desenvolvimento da reflexão. Permite ao aluno visualizar
a necessidade e importância do atendimento humanizado aos pacientes. Quando as pessoas
interiormente assimilam a necessidade de mudanças, a concretização torna-se mais fácil e provável.
1615
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seremos capazes de construir um mundo mais humano com a ajuda da Bioética?
Esta pesquisa mostrou que as reflexões trazidas pela Bioética, durante a formação do profissional
Enfermeiro, podem sim, trazer benefícios, auxiliando na concretização da humanização do
atendimento prestado.
O aluno sinaliza a Bioética como instrumento para a humanização e que esta se
operacionaliza com atitudes próprias, advindas de um processo reflexivo. Este opera no cotidiano
sensíveis mudanças, necessárias para um atendimento de qualidade, em que a humanização ganha
expressão.
A dignidade da pessoa humana é ponto chave da humanização. A visão de que
todas as pessoas são dotadas de sentimentos, vontades e crenças que precisam ser respeitadas é
condição para a humanização. Ficou claro na pesquisa que esta consciência vem ocorrendo.
Provavelmente não no ritmo desejado. Condicionamentos culturais e pessoais, dificuldades
estruturais dificultam o processo.
Embora o crescimento da conscientização possa ser fomentado nos mais diversos
ambientes, o da academia é de importância fundamental. O caminho é longo, mas não impossível.
A Enfermagem é uma profissão possuidora de implicações científicas, tecnológicas
e artísticas. É uma arte cujo fundamento é o conhecimento científico, auxiliada pelos recursos
tecnológicos. Constitui-se de uma profissão antiga com acenos para um futuro que espera de seus
profissionais algumas mudanças; talvez da postura, de visualização, de reflexões que levem esta
profissão ao reconhecimento que lhe é devido.
Neste contexto a Bioética vêm em auxílio dos profissionais da saúde, dos
Enfermeiros e educadores a refletirem sobre sua prática. Que os aspectos éticos e humanísticos
estejam inseridos nesta práxis, construindo assim uma sociedade mais humana, onde a dignidade do
homem e o respeito à vida prevaleçam num constante esforço da vida em sociedade.
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