Tempo do Natal
31|Dezembro
Lectio
Primeira leitura: 1 João 2, 18-21
18*Meus filhos, estamos na última hora. Ouvistes dizer que há-de vir um Anticristo; pois
bem, já apareceram muitos anticristos; por isso reconhecemos que é a última hora. 19*Eles
saíram de entre nós, mas não eram dos nossos, porque, se tivessem sido dos nossos, teriam
permanecido connosco; mas aconteceu assim para que ficasse claro que nenhum deles é dos
nossos. 20*Vós, porém, tendes uma unção recebida do Santo e todos estais instruídos. 21Não
vos escrevi por não saberdes a verdade, mas porque a sabeis, e também que da verdade não
vem nenhuma mentira.
S. João exorta a comunidade cristã à vigilância pela iminência da «última hora» da
história, marcado por um violento ataque do «anticristo», símbolo de todas as forças hostis a
Deus e personificadas nos heréticos. O tempo final da história não deve ser entendido em
sentido cronológico mas teológico, isto, como tempo decisivo e último da vinda de Cristo,
tempo de luta, de perseguição e de provação para a fé da comunidade. O agudizar das
dificuldades indica que o fim está próximo. Vislumbra-se já no horizonte o perfil de um mundo
novo. O sinal mais evidente vem dos heréticos que difundem a mentira. Embora tivessem
pertencido à comunidade, mostram-se agora seus inimigos, ao abandonarem a Igreja e ao
criar-lhe dificuldades.
É duro verificar que Deus possa permitir a Satanás encontrar instrumentos da sua
acção dentro da própria comunidade eclesial. Mas, a esses instrumentos, opõem-se os
verdadeiros discípulos de Jesus, aqueles que receberam «a unção do Santo» (cf. v. 20), isto é,
a palavra de Cristo e o seu Espírito que, pelo baptismo, lhes ensina a verdade completa (cf. Jo
14, 26). Essa verdade refere-se a Jesus, o Verbo de Deus feito carne, como professa o
Apóstolo, e não um Jesus aparentemente humano, figura de uma realidade apenas espiritual,
como dizem os hereges docetas.
Evangelho: João 1, 1-18
1*No princípio já existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; o Verbo era Deus. 2No
princípio Ele estava em Deus; 3*por Ele é que tudo começou a existir; sem Ele nada veio à
existência. 4*Nele é que estava a Vida de tudo o que veio a existir. E a Vida era a Luz dos
homens. 5A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam. 6*Apareceu um homem
enviado por Deus, que se chamava João. 7Este vinha como testemunha, para dar testemunho
da Luz e todos crerem por meio dele. 8Ele não era a Luz, mas vinha para dar testemunho da
Luz. 9*O Verbo era a luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina. 10*Ele
estava no mundo e por Ele o mundo veio à existência, mas o mundo não o reconheceu.
11*Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12*Mas, a quantos o receberam, aos
que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. 13*Estes não nasceram de
laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de
Deus. 14*E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória,
a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. 15*João deu
testemunho dele ao clamar: «Este era aquele de quem eu disse: ‘O que vem depois de mim
passou-me à frente, porque existia antes de mim.’» 16*Sim, todos nós participamos da sua
plenitude, recebendo graças sobre graças. 17*É que a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e
a verdade vieram-nos por Jesus Cristo. 18*A Deus nunca ninguém o viu. O Filho Unigénito,
que é Deus e que está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer.
Ao contrário dos evangelhos da infância, o prólogo de S. João não narra os
acontecimentos históricos do nascimento e da infância de Jesus. De forma poética, descreve a
origem do Verbo na eternidade de Deus e a sua pessoa divina no amplo quadro bíblico do
projecto de salvação, que Deus traz para o homem.
Começa pela preexistência do Verbo (vv. 1-5), real e em comunhão de vida com o Pai;
o Verbo pode falar-nos do Pai porque possui a eternidade, a personalidade e a divindade (v. 1).
Depois fala da vinda histórica do Verbo para meio dos homens (vv. 6-13), de cuja luz deu
testemunho João Baptista (vv. 6-8); a luz põe o homem perante a necessidade de fazer uma
opção de vida: recusá-la ou acolhê-la, permanecer na incredulidade ou aderir à fé (vv. 9-11); o
acolhimento favorável tem por consequência a filiação divina, que não procede da carne ou do
sangue, isto é de possibilidades humanas (vv. 12-13). Finalmente, a Incarnação do Verbo (v.
14) como ponto central do prólogo. Este Verbo já tinha entrado na história humana por meio da
criação, mas agora vem habitar entre os homens de um modo activo: «O Verbo fez-se
homem», na fragilidade de Jesus de Nazaré, para mostrar o amor infinito de Deus. Nele, a
humanidade crente pode contemplar a glória do Senhor, a glória de Jesus, o Revelador perfeito
e escatológico da Palavra que nos faz livres, o verdadeiro Mediador humano-divino entre o Pai
e humanidade, o único que nos manifesta Deus e no-lo faz conhecer (vv. 17-18).
Meditatio
«Todos nós participamos da sua plenitude, recebendo graças sobre graças», diz-nos
João no Prólogo do seu evangelho. Vamos partir desta frase para n os colocarmos numa
atitude de acção de graças, neste último dia do ano. Ao longo dele, fomos recebendo cada dia
graça sobre graça, cada um segundo as suas necessidades e capacidades de receber. E, as
graças que recebemos este ano, preparam as que havemos de receber no ano que vai
começar.
Recebemos a graça do perdão misericordioso de Deus para os nossos pecados e para
termos coragem de avançar no caminho da santidade. Recebemos luz para avançarmos, dia a
dia no ano que termina. Essa luz também não deixará de brilhar sobre nós no ano que começa.
A luz é o próprio Filho de Deus feito homem: «Eu sou a Luz do mundo». Essa luz é-nos dada
como força e como amor, sobretudo na Eucaristia. Há que acolhê-la de coração aberto e
disponível para todos os dons e surpresas de Deus.
A falta dessa abertura levou alguns cristãos, logo na primitiva Igreja, à heresia. Não
aceitavam que Deus se pudesse fazer homem e, mais ainda, homem pobre, homem frágil. Ao
longo da história, e ainda em nossos dias, não faltam falsos profetas e mestres de falsidade,
que se servem do nome de Cristo para propagar as suas ideias e doutrinas. Muitas vezes,
provêm das próprias comunidades cristãs. Há que distinguir o verdadeiro do falso. A verdadeira
doutrina traz alegria e paz interior.
O dom e o mistério de pertencer à Igreja têm como única garantia a fidelidade à
Palavra de Cristo, em humilde e permanente busca da verdade. Recusar a Igreja é recusar a
Cristo, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6). Recusar a Igreja é não acreditar no Evangelho e na
Palavra de Jesus, é viver nas trevas, no não-sentido. O verdadeiro discípulo de Jesus é aquele
que, tendo recebido a unção do Espírito Santo, se deixa conduzir suavemente pela sua acção
e pela sua verdade, reconhecendo os caminhos de Deus, esperando a sua vinda sem
alarmismos nem fantasias milenaristas. A Incarnação de Cristo impregnou toda a história e
toda a vida dos homens, porque só nele reside a plenitude da vida e toda a aspiração de
felicidade e o homem entrou de pleno direito entre os familiares de Deus.
O fim do ano civil recorda-nos que a história humana é guiada por Deus. Para Ele a
nossa gratidão e a nossa súplica de vida nova que sempre nos quer oferecer.
Escreve o Pe. Dehon: «O fim do ano é imagem do fim da vida; lembra-nos esse fim.
Entremos nos sentimentos de Ezequias, que vendo-se à beira da morte, se humilhava e
deplorava as suas faltas… Mas não será também preciso dar graças a Nosso Senhor pelos
benefícios que recebemos este ano? Ele suportou-nos, perdoou-nos, abençoou as nossas
obras. O seu Coração abriu-se largamente a nós. Não será justo sermos reconhecidos?» (Leão
Dehon, OSP 4, p. 603s.).
Oratio
Senhor, quero hoje rezar-te com Ângela de Foligno:
«Meu Deus, faz-me digna de conhecer o altíssimo mistério da tua ardente caridade, o
mistério profundíssimo da tua Incarnação. Fizeste-te homem por nós. Desta carne começa a
vida da nossa eternidade… Ó amor que todo Te dás! Aniquilaste-te a Ti mesmo, desfizeste-te a
Ti, para me fazeres a mim; assumiste os farrapos de um servo vilíssimo, para me dares o
manto real e a veste divina…
Por isto que entendo, que compreendo com toda mim mesma – que Tu nasceste em
mim – sê bendito, ó Senhor! Ó abismo de luz! Toda a luz está em mim, se eu vejo isto, se
compreendo isto: que Tu nasceste em mim. Na verdade, esta inteligência é uma meta: a meta
da alegria… Ó Deus, não criado, torna-me digna de me afundar neste abismo de amor, de
sustentar em mim o ardor da tua caridade. Faz-me digna de compreender a inefável caridade
que nos comunicaste quando, por meio da Incarnação, nos manifestas-te Jesus Cristo como
teu Filho, quando Jesus Cristo Te manifestou a nós como Pai.
Ó abismo de amor! A alma que Te contempla eleva-se admiravelmente acima da terra,
eleva-se acima de si mesma e paira, pacificada, no mar da serenidade».
Contemplatio
S. João é o pregador do amor. Todo o seu evangelho está neste espírito. A sua
primeira página é uma elevação de amor para o Verbo incarnado. «Nós vimos, diz, o Filho de
Deus cheio de graça e de glória». Só ele descreve as núpcias tocantes de Caná, o colóquio
com a Samaritana, a grande promessa da Eucaristia, a parábola do bom Pastor, a ressurreição
de Lázaro, o lava-pés e os discursos tão ternos do Bom Mestre durante a Ceia e depois da
Ceia. Narra a abertura do Coração de Jesus.
As suas epístolas pregam a caridade: «Deus é caridade… amou-nos primeiro… deunos o seu Filho por nosso amor. Portanto, amemo-lo também da nossa parte». E sem cessar
repete: «Amemo-nos uns aos outros».
Vivendo junto de Maria e da Eucaristia, caminha para a consumação do amor. Chega à
união mística mais intensa com Nosso Senhor, às visões, às revelações. O céu está aberto
para ele. Descreve-o inteiramente. Mas sobretudo o Cordeiro triunfante retém o seu olhar: o
Cordeiro sempre ferido no Coração e imolado, o Cordeiro que é bem o laço de amor entre
Deus e nós.
Avancemos humilde e progressivamente no amor com S. João (Leão Dehon, OSP 3, p.
404s.)
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Participamos da plenitude do Verbo; dele recebemos graças sobre graças». (Jo 1,
16).
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