Geotecnia de Fundações
Prof. M. Marangon
6 - Capacidade de Carga de Fundações Profundas
ESTIMATIVA DE CAPACIDADE DE CARGA ADMISSÍVEL
A capacidade de carga de ruptura de fundações profundas, com objetivo de evitar seu
colapso ou o escoamento do solo que lhe confere sustentação, é definida pelo menor dos dois
valores seguintes:
a) resistência estrutural do material que compõe o elemento de fundação;
b) resistência do solo que lhe confere suporte.
O conceito de carga de ruptura é relativamente diverso, dependendo da definição do seu
autor. Segundo Décourt a carga de ruptura “é definida como sendo a carga corresponde a
deformação de ponta (ou do topo) da estaca correspondente ao valor de 10% de seu diâmetro, no
caso de estacas de deslocamento (grande ou pequeno) e de estacas escavadas em argilas, e de
30% de seu diâmetro, no caso de estacas escavadas em solos granulares”.
Neste contexto, normalmente a situação mais frágil é aquela que envolve a resistência do
solo. Fato este que não é de difícil identificação em situações onde (1) um mesmo elemento de
fundação, com comprimentos diferentes, colocado em um mesmo solo, apresenta capacidades de
carga distintas (Pb > Pa); e, por outro lado, (2) um mesmo elemento de fundação, com igual
comprimento, porém executado em solos diferentes, pode também apresentar capacidades de
carga distintas (PII PI), conforme ilustra a Figura abaixo.
Por esta razão, por si mesma comprovada, é extremamente prudente e não recomendável
que a capacidade de carga admissível de elementos de fundação não deve ser pré-fixada a partir –
exclusivamente – da capacidade resistente estrutural do elemento. Esta situação pode servir como
referencia inicial para uma estimativa preliminar do número de elementos necessários (número
de estacas para absorver a carga de um pilar, por exemplo), mas a capacidade de carga admissível
final continuará dependendo de dados do solo e da profundidade de implantação do elemento,
além do tipo da estaca. (Giugliani, E., 2006 - Notas de Aula - Estruturas de Concreto Armado III
- Departamento de Engenharia Civil, PUCRS)
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A capacidade de carga última Pu de uma fundação profunda do tipo estaca (em tubulões
despreza-se frequentemente o atrito lateral) se compõe de duas parcelas: A resistência de atrito
lateral (Psu) e a resistência de ponta (Pbu )
Pu = Psu + Pbu
Se, no entanto, por qualquer motivo (por exemplo: adensamento de uma camada
compressível), o movimento relativo so1o-estaca é ta1 que o solo se desloca mais que a estaca,
ocorre o chamado atrito negativo (solo sobre a estaca), o qual sobrecarrega a estaca. Isto pode
ocorrer quando proveniente da carga do aterro ou ocasionado pelo aumento das pressões efetivas
devidas a um rebaixamento do nível do lençol d'àgua.
Os dois terrnos Psu e Pbu, reconhece-se, são difíceis de serem avaliados corretamente.
Daí o grande número de fórmulas, baseadas em hipóteses mais ou menos questionáveis.
ESTACAS DE PONTA OU FLUTUANTE:
Se Pbu » Psu diz-se que a estaca trabalha de ponta e se Psu » Pbu diz-se que a estaca
trabalha por atrito (é a chamada estaca flutuante).
6.1 – Determinação da Capacidade de Carga
A determinação da capacidade de carga de uma estaca isolada pode ser feita por
fórmulas estáticas (teóricas ou empíricas), fórmulas dinâmicas, ou provas de carga. Existem
várias teorias de capacidade de carga, devidas a diferentes autores.
• Prova de Carga
A avaliação da carga de ruptura de uma estaca pode ser feita através da interpretação das
curvas carga-recalque obtidas de provas de carga estáticas executadas por diversos métodos.
Entre eles podem ser citados o prescrito na NBR-6122, o de Davisson e o de Van der Veen...
A utilização deste procedimento, no entanto se justifica para grandes obras ou para
aquelas em que há muita incerteza no seu dimensionamento.
A interpretação destas verificações não
serão abordadas neste curso, que se propõe
a fazer uma introdução à prática da
Engenharia de Fundações.
• Formulação Estática
Utiliza-se de métodos convencionais da Mecânica dos Solos para a avaliação, a partir de
parâmetros previamente determinados
• Formulação Dinâmica
Utiliza-se de dados obtidos no campo, na cravação da estaca
Adiante apresentaremos uma formulação conceitual básica, para o dimensionamento de
estacas (em geral), que nem sempre é possível de se aplicar: Utilizaremos - como será visto no
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item seguinte - diferentes Métodos de Cálculo que nos possibilitarão tal avaliação
(quantificação), de uma forma eminentemente prática - 6.4 - Métodos Diretos para Cálculo da
Capacidade de Carga por meio do SPT.
Formulação Teórica-Conceitual
(Segundo Poulos e Davis em “Pile Foundation Analysis and Design - 1980)
Nesta formulação apresentada é utilizada a nomenclatura para atrito e coesão:
ϕ a → ângulo de atrito estaca - solo
Ca → adesão (coesão) estaca - solo
ϕ a’→ ângulo de atrito efetivo estaca-solo
Ca’→ adesão efetiva estaca -solo
ϕ u → ângulo de atrito do solo não drenado
Cu → adesão do solo não drenada
ϕ ’ → ângulo de atrito efetivo do solo
C’ → adesão efetiva do solo
6.2 - Formulação Estática
Essas fórmulas, de emprego mais recente que as dinâmicas, baseiam-se nas
caracteristicas do terreno, as quais deverão ser determinadas experimentalmente em cada caso.
Duas circunstâncias levaram ao seu estabelecimento:
* uma resultou das críticas e restrições que recaem sobre as fórmulas dinâmicas
* e outra foi o aparecimento dos tipos de estacas moldadas "in loco", às quais não se
aplicam .as fórmulas de cravação.
A capacidade de carga de uma estaca, Pu, compõe-se de duas parcelas a resintência de
atrito lateral, Psu, e a resistência de ponta, Pbu.
Pu
=
↓
Capacidade de
carga “última”
Psu
+
↓
Resistência relativa
ao Atrito Lateral
Pbu
W
↓
↓
Resistência.
Peso da
relativa a Base estaca
Para o cálculo da resultante de reação do solo (força de reação – referido aqui como
capacidade de carga) utilização do conceito de tensão = força/área, tendo como conseqüência a
expressão para a força de reação = tensão solo/estrutura * área. Observe nas expressões abaixo:
Parcela devido ao Atrito Lateral - Psu
Psu = 0L Pτ a dz
Resistência (tensão) de cisalhamento ao longo de toda a área
L = Perímetro
τa =
Ca +
σu
tgϕa
↓
↓
↓
resistência ao adesão
tensão
ângulo de atrito
cisalhamento
solo
normal
entre solo - estrutura
solo - estaca estaca entre solo-estaca
A tensão normal entre solo-estaca pode ser determinada a partir da tensão vertical:
σu = Ks σv , sendo Ks o coeficiente de pressão lateral
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Então a Resistência ao Atrito Lateral pode ser escrito:
Psu =
L
0
P ( ca + σv Ks tg ϕa ) dz
ou de uma forma mais simples, e prática, podemos escrever:
Psu = Afuste × fu → atrito lateral médio
Parcela devido a Capacidade de Suporte da Base - Pbu
Pbu → determinado a partir de teorias de capacidades de carga dos solos
Pbu = Ab ( cNc + σvbNq + 0,5γdNγ )
sendo σvb = γ h (sobrecarga)
Parcela 0,5 γ d Nγ : Muito pequeno - d - neste tipo de fundação
ou de uma forma mais simples, e prática, podemos escrever:
Pbu = Abase × qu → resistência de ponta.
SOLOS COM RESISTÊNCIA NÃO-DRENADAS E DRENADAS
(ARGILAS SATURADAS, AREIAS, ...)
Fazendo agora uma avaliação das condições de capacidade de carga em termos de resistência não
drenada e resistência drenada, temos:
Para condição não drenada ou carregamento rápido
c , ϕ , ca , γ → não drenado
σv , σvb , → Tensão total
Para areias ou carregamento lento
c’, ϕ’, ca′, γ′ →drenado
σv′ , σvb′, → tensões efetivas
6.2.1 - Capacidade de carga em argilas
6.2.1.1 - Não drenado
ϕu = 0
ϕa = 0
Nq = 1
Nγ = 0
Pu =
L
0
P. c a . dz + A b (c u N c + σ vb ) − W
↓
adesão
não
drenada
↓
coesão
não
drenada
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No caso de fundações profundas em estacas temos um pequeno diâmetro, logo:
Ab.σvb ≈ W
→
0
Os valores de ca é função do
como exemplos
L
P. c a dz + A b c u N c
tipo estaca
tipo solo
métodos de instalação
ca
=1
cu
Argila Mole cu < 24 kpa
ca = cu
então ca = 24 kPa
Argila rija ca < cu
por ex. cu = 75 kPa
ca
= 0.6 então ca = 45 kPa
cu
6.2.1.2 - Drenado
L
Pu = P (σ v K s .tgϕ a ) dz + Ab .(σ vb N q ) − W
0
σvb ’ Nq = Parcela devido a sobrecarga na base
Ks tg ϕa’ = β = ( 1 - sen ϕ’) tgϕ’ → ângulo de atrito efetivo
6.2.2 - Capacidade de carga em areias
A resistência não necessariamente cresce linearmente com a profundidade a partir de
determinada profundidade.
Independente da forma da estaca a capacidade de carga de uma fundação profunda é
função da: (Densidade relativa e instalação)
Se CNc = 0
0.5 γ d Nγ = 0 ∴ Valor pequeno, então:
L
Pu = Fw P( σ v`Ks. tgφa ) dz + A b ( σ vb`N ) − W
q
0
Onde Fw é um fator de correção para a forma cônica
Os valores do ângulo de atrito são diferentes após a execução da escavação:
ϕ’1 = ângulo antes da estaca
ϕ = ϕ’1 + 40
estaca cravada
2
ϕ = ϕ’1 - 3
estaca moldada
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Valor de ângulo em função do N-SPT, segundo Kishida:
ϕ’ = 20N + 15o
1
6.3 - Formulação Dinâmica
Avaliam a capacidade de carga das estacas, valendo-se dos elementos obtidos durante a
cravação. Não servem, pois, para as estacas "in situ".
Todas elas partem da medida da nega, que é a penetração que sofre a estaca ao receber um
golpe do pilão, no final da cravação. Observe-se que a nega é uma condição necessária, mas
não suficiente para se conhecer a capacidade de carga de uma estaca.
Se a ponta da estaca está em uma formação muito pouco permeável, desenvolvem-se
pressões neutras, que dissipadas ao longo do tempo faz com que a '"nega aumente". Se a ponta da
estaca destrói a estrutura do solo e esta se recupera com o tempo (fenômeno análogo à
tixotropia), a "nega pode diminuir". Terzaghi cita o caso que ocorreu em uma vasa, que após a
recravação a estaca não resistia a 9 t, enquanto que 3 meses depois ela poderia suportar 100 t.
Gonçalves e outros (2007) fazem uma reflexão a cerca do Ganho de Capacidade de
Carga com o Tempo (Efeito Set-Up): ...Durante a cravação de estacas em solos coesivos, a
perda de resistência provocada pelo amolgamento e pelo excesso de poropressão, resultante das
distorções na estrutura da argila, é bem conhecida em nosso meio geotécnico. Porém, muitas
obras continuam utilizando comprimentos de estacas muito acima do necessário por não levarem
em consideração o ganho de resistência (set up), provocado pela reconsolidação da argila ao
redor da estaca. Quando a estaca é cravada em areia, o efeito da distorção na sua estrutura sob
condições não drenadas, pode ser bem problemático, dependendo da sua granulometria e
compacidade...
A dedução das fórmulas dinâmicas baseia-se na igualdade entre a energia de queda da
martelo e o trabalho gasto durante a cravação da estaca que pode ser escrito na forma:
Teoria do choque na estimativa da resistencia dinâmica da solo à cravação
Wr h = Ru S + C → perdas
↓
↓
energia resistência
nega
de
dinâmica
queda à cravação
Solos permeáveis
Solos não saturadados
→
R u ≈ P u ( Qu )
Solo argilosos
Solos pouco permeáveis → Ru ≠ Pu
Ru < P u
Ru: Resistência que oferece à cravação rápida da ponta
Neste caso: A aderência é baixa - e o atrito lateral pequeno.
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Caso de estacas em argilas
Análise da influência da resposta à cravação:
Quando é interrompida a cravação → ∆u (execesso de pressão)→ dissipa
∴→ maior aderência do solo no fuste
Nova nega após uma interrupção na cravação → menor
Consequentemente temos um maior Ru para a mesma energia de choque
Conclusões
Reação cravação dinâmica ≠ Reação cravação estática.
Fórmulas dinâmicas → elemento de controle da cravação, não fornecendo o valor da
capacidade de carga estática
A utilização de fórmulas Dinâmicas deve ser feita em conjunto com análises estáticas e
resultados de prova de carga.
FORMULAÇÃO MATEMÁTICA
A igualdade entre a energia de queda do martelo e o trabalho gasto durante a cravação da
estaca pode ser escrito também da seguinte forma:
P h = R e + Z
onde:
P = peso do martelo;
h = altura de queda; .
R = resistência oferecida pelo terreno
à penetração da estaca;
e = nega;
Z = soma das perdas de energia durante
a cravação (compressão do terreno,
da estaca, do capacete etc.).
A dificuldade consiste na determinação do valor de Z, daí se originando, pelas hipóteses
admitidas para avaliá-lo, as diferentes fórmulas dinâmicas. A utilização prática dessas
fórmulas - assunto muito discutido - encontra-se atualmente limitada às areias, tendo em
vista a diferença de comportamentos dinâmico e estático das estacas em argila, conforme
estudos comparativos realizados pela American Society of Civil Engieneers (ASCE), entre
outras.
Por outro lado, das observações práticas sobre o emprego destas fórmulas, conclui-se que
as mais complicadas não conduzem a nenhuma vantagem sobre o emprego das mais simples.
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Face ao exposto, apresentaremos umas delas, escolhidas dentre as mais simples e as de
maior emprego.
Fórmula de BRIX
Vejamos inicialmente a fórmula de Brix, cujo fundamento é a teoria do choque
newtoniano, apesar desta não se aplicar aos problemas dessa natureza.
Admitamos inicialmente as seguintes hipóteses simplificadoras:
a) despreza-se a elasticidade que possam apresentar a estaca e o martelo;
b) admite-se que, logo após o choque, o martelo separe-se da estaca para efetuar o
segundo golpe, não continuando o seu peso a auxiliar a penetração da estaca.
Deste modo, igualando as expressões do trabalho resistente Re (onde R é a resultante das
forças exercidas pelo solo e “e”a penetração da estaca para um golpe do martelo) e da energia
Q u2
com que a estaca inicia a penetração (onde ‘Q’ é o peso da estaca, ‘g’ a
.
g 2
aceleração da gravidade e ‘u’ a velocidade comum dos dois corpos supostos inelástico - martelo e
estaca - no instante do choque), temos:
cinética
Q u2
.
g 2
Re =
A teoria do choque, para corpos de massas m1 e m2 animados respectivamente das
velocidades v1 e v2 , fornece-nos
m v + m2 v 2
u= 1 1
m1 + m 2
Para os corpos martelo-estaca, temos:
P
m1 =
(P é o peso do martelo)
g
v1 =
2gh (h é a altura de queda do martelo sobre a estaca)
Q
m2 =
g
v2 = 0
P
2gh
P
g
donde: u =
=
2gh
P+Q
P+Q
g
Elevando ao quadrado e substituindo (1), vem :
Re = Qh
P2
( P + Q) 2
,
ou
R=
P 2 Qh
( P + Q) 2 e
, que é a conhecida fórmula de Brix.
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Adotando-se um coeficiente de segurança (5 é o valor recomendado por alguns autores), a
fórmula nos dará a carga admissível sobre a estaca.
P=
R
,
FS
Uma fórmula de uso também muito generalizado é a chamada fórmula dos holandeses
(Woltmann):
R=
P2h
e( P + Q ) 2
,
à qual se aplica um coeficiente segurança igual a 10, aconselhado por Chellis.
NEGA
O uso destas expressões matemáticas permite a determinação de valores numéricos
limites para a chamada “nega” das estacas, ou seja, o valor que deve ser obtido na cravação para
“garantir” dinamicamente (vejam que são utilizados fatores de segurança extremamente
elevados) a capacidade de carga esperada para a estaca.
A foto ilustra o operário com uma régua para “riscar” a estaca e medir a penetração,
após 10 golpes para verificação da “nega”
Sobre esta avaliação descreve a BENETON Fundações (2009):
“Mesmo a capacidade de carga sendo avaliada em projeto, utilizando-se Métodos
Estáticos Empíricos, (a ser visto adiante) o controle da capacidade de carga em estacas é
tradicionalmente efetuado através da recusa à penetração da estaca no solo associada a uma
determinada energia de cravação (Nega)”.
“Considera-se satisfatória a profundidade atingida quando o elemento estrutural recusa-se
a penetrar no solo, obtendo uma “nega” predeterminada com base em Fórmulas Dinâmicas de
Cravação”.
“Na prática diária, se as negas não são satisfatórias, a estaca é recusada. Ocorre que,
sendo a nega apenas um indicador de impenetrabilidade do elemento estrutural no solo, a melhor
utilização para tal critério, consiste no Controle de Qualidade e Homogeneidade do
estaqueamento e não na avaliação da capacidade de carga das estacas (item 7.2.3.4. NBR
6122/96)”.
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Estimativa de Capacidade de Carga Admissível