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FOCO, FORÇA, FÉ: notas sobre uma etnografia do fisiculturismo feminino em
Salvador
Marília da Silva Lima1
Resumo: O mercado da musculação e do fitness movimenta por ano mais de 72,7
bilhões de dólares − 2,45 bilhões apenas no Brasil2. As academias de ginástica, as
clínicas estéticas, a indústria farmacêutica, alimentícia e têxtil, os procedimentos
médicos e o mercado publicitário, por exemplo, estariam implicados numa rede que
estimula e consagra o idioma do corpo “saudável” como meio e finalidade da vida.
Tendo em vista esta conjuntura, a presente comunicação, fruto de uma pesquisa de
mestrado em andamento, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia na
Universidade Federal da Bahia, tem como objetivo investigar a construção da estética
corporal entre mulheres fisiculturistas na cidade de Salvador. Pretendo explorar os
procedimentos nos quais o corpo é submetido, para adequá-lo aos parâmetros exigidos
pelas categorias dos campeonatos de fisiculturismo, os modelos de corporalidade
determinados pelo regulamento, e as articulações com os discursos sobre o gênero e o
corpo sadio.
Palavras-chave: fisiculturismo, corporalidade, gênero, sacrifício
No fisiculturismo, o corpo deve ser apreciado pela visibilidade e volume dos
músculos em performances públicas. O que implica uma educação das gestualidades
(JAEGER, 2009), por meio das poses, para exibir o máximo de potencialização a qual o
músculo foi submetido em ações anteriores. Desde Marcel Mauss (2003), sabemos que
as técnicas corporais não existem sem transmissão e, conseqüentemente, o
estabelecimento de uma tradição, que respondem a certas demandas da sociedadeadotando significados importantes para o grupo local. A reverberação de uma
concepção anátomo-fisiológica (LE BRETON, 2008) do corpo, amparada no saber
biomédico, encontra sua gênese desde o século XVI com os princípios do pensamento
mecanicista― marcado, sobretudo, nos experimentos de anatomistas como Versalius e
no racionalismo de Descartes. A tecnologia política do corpo, analisada por Michel
Foucault, encontra nos séculos seguintes a continuação da metáfora mecânica como um
produto do esforço do indivíduo sobre si mesmo. Através de uma racionalidade que
disciplina e submete o próprio corpo em concomitância à docilidade dos sujeitos.
Hoje, temos uma ampla série de vetores que incidem sobre a produção do
corporal e o fisiculturismo não seria possível sem que existisse uma premissa
principal: a idéia do corpo como uma máquina de alta performance. Sob a
1
Mestranda em Antropologia no Programa de Pós Graduação na Universidade Federal da Bahia.
Dados referentes ao ano de 2013, fornecidos pela International Health, Racquet & Sportsclub
Association (IHRSA) http://www.ihrsa.org/ e Associação Brasileira de Academias (ACAD Brasil)
http://www.acadbrasil.com.br/.
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condição da disciplina e fomento do próprio corpo, ultrapassando seus possíveis
limites, a dietética, os exercícios em séries e substâncias farmacológicas são
fatores combinados para esculpir o desenho corporal. O corpo fisiculturista, neste
sentido, “dentro de uma sociedade complexa, (...) só consegue se afirmar perante
vantagens de sua semântica que viabiliza o mundo e sua força, orientada para a
ação” (HABERMAS, 2004, p.12). Como produto de uma sociedade de lógica
liberal, o fisiculturismo é um dos muitos modelos, em termos de possibilidade de
escolha do que “fazer com o tempo de minha vida”, fundado a partir de uma ética
e condições específicas.
O processo de concepção desta ética obedece, principalmente, a prerrogativas
biológicas que se relacionam com os percentuais de gordura corporal e volume
muscular; com efeitos psicológicos notáveis, uma vez que a identidade do indivíduo
passa a ser associada à construção do seu corpo e suas respectivas características
orgânicas e anatômicas. Mulheres e homens fisiculturistas seguem uma rotina
inteiramente dedicada à produção e manutenção de sua arquitetura corporal: o rigor na
alimentação, o uso dos suplementos alimentares e os treinos diários são planejados e
controlados conforme o que se queira como resultado; as atividades metabólicas são
condicionadas para seguir um cronograma específico, a fim de atender aos ciclos de
anabolismo e catabolismo3. De maneira geral, todas as atividades corriqueiras são
mediadas pelas necessidades do treinamento e das dietas. Porém, no fisiculturismo
feminino, o quesito da feminilidade é um diferencial imperativo em relação ao
masculino. O que demarcaria uma descontinuidade importante quando relacionada aos
estereótipos no esporte e as subseqüentes conexões fora dele.
Esta etnografia é construída a partir da minha experiência nos campeonatos de
fisiculturismo ocorridos entre o primeiro semestre de 2014 até junho de 2015, em
Salvador. Acompanhei cinco competições, dentre as quais, fui voluntária em três
oportunidades na organização dos eventos promovidos pelo IFBB (International
Federation of Bodybuilding and Fitness). Na primeira ocasião, trabalhei como
voluntária na seletiva estadual do IFBB baiano em função da indicação de um
fisiculturista, a quem conheci através de um amigo em comum. Este primeiro contato
contribuiu e muito para o processo desta etnografia, pois pude acompanhar as várias
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Processos relacionados às atividades metabólicas dos tecidos musculares. O processo anabólico
concerne aos períodos de reconstrução das células musculares que os fisiculturistas atribuem como o
momento de crescimento muscular. Por sua vez, o catabolismo é o período de não regeneração e fadiga
das células musculares.
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etapas para a realização de um campeonato, a preparação de algumas competidoras
entre um campeonato e outro e conheci meus principais interlocutores nesta pesquisa.
Por estes felizes acasos, privilegiei a federação do IFBB como locus da pesquisa, sem
me ater ao espaço de uma academia de ginástica e musculação específica 4 para realizar
o campo.
2- Questões e objetos de pesquisa
A partir de algumas reflexões acerca das observações durante o trabalho de
campo, elegi três categorias êmicas que considero fundamentais para a compreensão do
objeto desta etnografia. A primeira delas é o “ser atleta”, que implica numa espécie de
devir, orientado por mudança de status entre atletas e não-atletas −alcunha, geralmente,
atribuída pelos fisiculturistas, aos freqüentadores de academia que não incorporariam a
autêntica modificação do atleta verdadeiro. Os critérios para definição se alicerçam,
sobretudo, na disciplina e nas subseqüentes etapas de preparação para os campeonatos e
o número de participações em competições.
Como uma conseqüência direta da primeira, proponho a segunda categoria:
“Evoluir”. Premissa segundo a qual haveria uma progressão física e espiritual em
função de uma razão instrumental: se transformar em atleta verdadeiro promoveria não
apenas uma mudança anatômica, mas também uma mudança metafísica. Por fim,
através de “feminina”, procuro descrever os critérios de julgamento das categorias
femininas no campeonato, na intenção de problematizar a construção do gênero no
fisiculturismo. Utilizarei, sobretudo, o relato de duas fisiculturistas, Márcia e Helena 5,
por considerá-los muito ricos e elucidativos acerca das questões problematizadas.
Ser atleta
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Os campeonatos de fisiculturismo serão privilegiados na observação participante. Esta escolha se
justifica não só pela dispersão espacial das fisiculturistas e minha inserção em campo, mas pela
característica desigual dos procedimentos de construção e manutenção das arquiteturas fisiculturistas.
Cada atleta elabora uma “estratégia” para os ciclos de preparação dos campeonatos que não se restringe a
um espaço específico: na alimentação, no treinamento, na utilização de suplemento alimentar e de
substâncias farmacológicas e medicamentosas, dentre outras operações. Abordar como e o porquê destes
procedimentos é um dos objetivos deste trabalho, mas também uma limitação quanto à observação de
todas as etapas do processo.
5
Os nomes foram trocados a fim de manter o sigilo na pesquisa.
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De agosto a janeiro as academias lotam de pessoas ansiosas para iniciar o
“Projeto Verão”; dietas, treinos nos aparelhos de musculação, exercícios aeróbicos em
camas elásticas/esteiras/bicicletas, o uso de alimentos ou suplementos alimentares para
acelerar a perda de gordura e/ou definir a musculatura já fazem parte do ritual de quem
quer exibir um corpo bonito e alvo de galanteios. Janeiro passou, fevereiro também. O
Projeto Verão deu certo, ou pelo menos o resultado esperado já é algo discernível no
horizonte. Seu corpo muda, se torna mais rígido, definido, as dietas e os treinos se
tornam como um mal necessário porque os resultados esperados chegam! Um dia você
percebe que virou parte da sua rotina e a sua curiosidade se vê ainda mais aguçada em
busca de treinos específicos e dietas novas que laborem partes do corpo que, segundo a
sua perspectiva, de pessoas que treinam junto com você diariamente ou do seu personal
trainer, ainda precisam ser melhoradas.
Um belo dia um amigo lhe diz que você tem uma boa musculatura, tem qualidade
na simetria corporal e que poderia pensar em exibi-la publicamente. Quem sabe
subir no palco de um campeonato de fisiculturismo? Você se assusta de início,
mas com o tempo amadurece a idéia. Afinal, lá estão os melhores corpos! Você se
empenha, começa a ler sobre o assunto, conhece algumas pessoas que já
competiram, e um dia, nutrida de ávida curiosidade, resolve ir a um campeonato.
O show, a forma como a luz incide sobre os corpos, os urros da platéia, o troféu, a
glória. Pois, foi assim com Márcia, ela quis tudo isso para ela e decidiu subir no
palco pela primeira vez. Iniciou o processo de treinamento. Teria apenas oito
semanas para se preparar até a próxima competição. Apesar de quase um ano na
academia, tinha um corpo pouco apto para os padrões exigidos nas categorias.
Não sabia em qual categoria concorrer, somente dias antes da competição poderia
decidir, dependeria do desenvolvimento e a linha de simetria do seu corpo.
Márcia dividiu o tempo que tinha disponível em três meses de off-season/bulking
e um mês de pre-contest/cutting. Nesses dois períodos são elaboradas estratégias para a
construção, crescimento e definição da massa muscular. Na fase de construção e
crescimento do músculo (off-season), Márcia organiza sua dieta para ganhar massa
muscular e volume, consumindo carboidratos e proteínas em abundância, para gerar
calorias suficientes para o crescimento muscular, estimulando o seu potencial anabólico,
com o auxílio de treinos intensivos, com muitas séries, poucas repetições, cargas
pesadas e o uso regular de suplementos para controlar os níveis de gordura corporal e
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acelerar o anabolismo. Quotidianamente, chega a ficar até duas horas na sala de
musculação na academia que freqüenta. Ingere uma quantidade de 3.000 calorias por
dia, distribuídas em refeições de duas em duas horas. O objetivo principal nesta fase é
consumir mais calorias do que elimina para gerar combustível aos tecidos musculares,
ou seja, fazê-los crescer. Sua última refeição é sempre a meia noite e meia.
No pre-contest, reduziu sistematicamente os carboidratos e deu ênfase no
consumo de proteínas e substâncias que eliminem ao máximo a gordura adquirida no
período anterior. Para intensificar a perda de gordura, inicia o cárdio em jejum:
Atividades aeróbicas, que tendem a acelerar o metabolismo, às 05h30min da manhã,
antes de qualquer alimentação. Ingere apenas um conjunto de multivitamínicos para
aumentar a resistência durante a hora que pulará na cama elástica, sem intervalos. Com
a redução drástica dos alimentos, seu corpo começa a ter menos energia e os treinos são
mais pontuais e reduzidos. O consumo de água passa de oito litros diários para 300 ml
por dia. Ainda precisa emagrecer outros quatro kilos até o grande dia, mas resiste firme
numa dieta ainda mais restritiva e nos treinos intensivos para se adaptar aos padrões das
categorias.
Apesar de todo esforço, Márcia não conseguiu construir um bom montante de
massa muscular em quatro meses. Quatro dias antes da competição, decide concorrer na
categoria Biquíni Fitness, que exige “boa musculatura”, um tônus magrinho e o mínimo
de hipertrofia muscular. Assim, dois dias antes da competição, ela corta completamente
o consumo de água para eliminar o líquido subcutâneo e melhorar a aderência do
músculo à pele, proporcionando uma definição muscular mais aparente. Nos últimos e
derradeiros dias pré-campeonato seu consumo de carboidrato deve ser o mínimo
possível, próxima do zero. Vinte e oito horas antes da competição, Márcia ficou
totalmente em jejum e ingere apenas substâncias diuréticas a fim de eliminar qualquer
vestígio de líquido no seu corpo.
Todo o empenho valeu à pena, das seis competidoras presentes no dia, obteve o
terceiro lugar na competição. No ano de 2014, Márcia completou dois anos de
fisiculturismo, disputando na categoria Body Fitness. Durante esse período, após vários
processos de treinamento e dietas, seu corpo mudou. Seu corpo agora tem um formato
em V, seus músculos têm densidade, ombros largos, pernas finas, abdômen definido e
um percentual de gordura que varia entre 6,5% nos períodos de off-season a 2,5%, às
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vezes 1,3%, no período pré competição. Em novembro de 2014, Márcia competiu pela
quarta vez e me descreveu as técnicas alimentares para a construção da massa muscular:
“A massa, eu tenho que construir a massa nessa hora que eu tô te falando. Eu preciso dessa fase. Por que
você olha para mim agora e acha que eu to grande, mas quando eu tirar isso aqui [aponta para o músculo
do braço], o músculo é pequeninho aqui em baixo. Tem pele, tem líquido e quando eu seco fica assim,
murcho, se eu não crescer. Se eu quero fazer um trabalho para ficar grande, eu tenho que comer mais. E
não é comer pior, é comer mais. Como muita proteína e carboidrato. Como muita batata, muito frango,
posso até colocar uma fruta e uma salada diferente (...). Nessa fase de crescimento eu posso variar mais
na alimentação, mas não vou comer Mcdonalds, batata frita, qualquer coisa não. É muita batata, muito
frango, muito ovo. Porque eu ainda posso errar, posso até comer porcaria de vez em quando. É tipo
construção de casa. É reboco, é cimento, é tudo grosseiro jogado lá. Quando você vai para o retoque, você
vai moldar. Só que na hora que você molda, você não vai usar a mesma quantidade que você usava
quando construiu. Aí é tenso, você tem que tirar todo o líquido e gordura do seu corpo que puder para
mostrar seu músculo blocado lá dentro”.
O tempo de realização de cada etapa de preparação dependerá das competições
que cada atleta se propuser a participar durante o ano. No caso do IFBB, por exemplo,
os campeonatos oficiais são compostos da etapa estadual, da etapa brasileira e a etapa
internacional. Em caso de classificação para cada uma dessas etapas, uma nova
“estratégia”6 é iniciada:
“Um atleta, para evoluir, precisa tá o tempo todo se preparando. Quando você sai de um campeonato,
você sabe quais são seus pontos fortes e fracos. Quando acaba um campeonato, você se solta uma semana
ou três e depois volta para um novo campeonato”.
A partir da disciplina e dos objetivos nos processos de preparação, que constantemente
se renova, haveria a distinção entre os verdadeiros atletas e eventuais freqüentadores de
academia:
“Atleta de verdade tem calos nas mãos, não quer ter apenas o corpo bonito. Eu não treino para aquilo que
eu acho bom, eu treino para entrar no padrão daquela categoria. Eu pego o meu físico e entrego ao
esporte, o que o esporte determinar eu vou fazer. Essa é a construção de um físico para um atleta no
esporte. É diferente de alguém que chega na academia e treina tudo o que quer, do jeito que quer, fica
com um corpo bom e de repente até uma musculatura legal, só que ela não ta se preparando para aquilo
como eu. Ela é fisiculturista porque ela faz culto ao corpo dela. Fisiculturismo é isso, culto do físico, a
cultura do corpo. Tá. Mas quando a gente fala de atleta (...), existem regras, existem outras coisas mais”.
Comer nos horários determinados, não ter vergonha de levar marmitas consigo e
comê-las em qualquer lugar, não dormir a quantidade de horas que se quer, mas sim o
quanto precise para fazer os músculos crescerem, ter uma rotina de treinos diária,
calculada em series e repetições de acordo com o planejamento de definição muscular
de uma dada categoria, tudo isso definiria um verdadeiro atleta, diferenciando-o dos
6
Epíteto atribuído pelos fisiculturistas às operações de intervenção corporal ( as dietas, uso de
suplementos, anabolizantes e os treinos diários, por exemplo) nas etapas de preparação para as
competições.
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demais praticantes de fisiculturismo não competitivo. Não é apenas crescer por crescer,
mas “crescer com qualidade”. Todas as esferas da vida cotidiana estariam voltadas para
a constituição corporal, se não houver tal disposição de se submeter integralmente em
prol do desempenho muscular, não existirá uma vocação verdadeira ao esporte, ao
corpo.
A qualidade da musculatura seria diretamente proporcional a disciplina, ao
planejamento e conhecimento do funcionamento do próprio corpo, assim como o tempo
despendido para adequação a uma das arquiteturas corporais exigida nas categorias
competitivas. Uma estrutura muscular que não foi submetida a uma série prolongada e
controlada de treinamento seria facilmente identificável − existiria uma diferença,
inclusive anatômica, entre músculos definidos, digamos, recentemente e o seu oposto.
Por esse motivo, o fisiculturismo é um esporte que enfatiza o labor em longo prazo, pois
somente assim se alcança a maturidade e densidade do tônus muscular.
O uso de anabolizantes também seria um fator de diferenciação dos verdadeiros
atletas. Meros freqüentadores de academia não saberiam utilizar corretamente as
substâncias, ao subestimar e não controlar os riscos, e pressuporem que apenas o uso de
hormônios aumentaria o desempenho, volume e densidade musculares:
“Fisiculturismo não é só anabolizante (...). Por que a gente trabalha com o físico e o anabolizante
mexe com o físico, então se tem algum esporte que é notório o uso de alguma coisa é no
fisiculturismo (...). O uso de anabolizante que a gente fala não é assim “vou tomar, ficar forte para
competir”. Você vai fazer o uso de determinadas substâncias. Quem faz é o atleta num determinado
tempo onde ele já não consegue sozinho passar do limite dele. É diferente, se você pegar a mesma
substância e dar para um cara dentro da academia. Se você pegar a mesma substância e dar para uma
pessoa que faz dieta e faz treino, você consegue perceber nitidamente a diferença. Por que se o
fisiculturista só tomasse anabolizante para ficar do jeito que ele fica, por que as outras pessoas tomam
tudo e não ficam igual? Por que você vê na academia todo mundo se entupindo de droga e ninguém
fica igual? (...)Como é que vai crescer o músculo só porque tomei anabolizante? Se eu tomo
anabolizante e não treino, como é que o músculo vai crescer? (...) então eu preciso treinar, eu preciso
fazer uma dieta e se com meu treino e minha dieta minha evolução chegou ao limite, aí sim, com
muita informação e com a ajuda de profissionais, você vai fazer este tipo de trabalho”.
No dia da pesagem, realizado um dia antes do campeonato, ocorre às inscrições
nas categorias pretendidas, a verificação das roupas que serão usadas no palco, mas,
sobretudo, os concorrentes são avaliados sobre a existência do “doping estético”. O
doping estético (conhecido também por “derrame”) é a alcunha que se refere às máculas
visíveis no corpo, muitas vezes, concernente à aplicação de alguma substância ilícita.
Alguns anabolizantes são aplicados diretamente no músculo e deixam marcas do pico da
seringa ou provocam reações alérgicas, tais como caroços na pele ou manchas
arroxeadas no local. Os jurados, os mesmos avaliadores no dia da competição, tendem a
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recusar inscrições cujos pretendentes apresentem tais nódoas. O descuido em deixar
transparecer estes resíduos das aplicações dos anabolizantes é, geralmente, atribuído a
principiantes, aos quais Márcia se refere no seu discurso; pois desconsideram que
podem ser punidos pela federação, que não quer se responsabilizar por este tipo de uso,
e a utilização, obrigatória nas competições, do spray bronzeador que ressalta não só os
músculos, mas os predicados da pele sob os holofotes do palco.
Evoluir
O primeiro campeonato que assisti foi em maio de 2014. Era a seleção estadual
do NABBA, o objeto da minha pesquisa de mestrado não estava bem definido, fui por
pura curiosidade e confesso que o show me surpreendeu. Estava sentada na platéia e,
como marinheira de primeira viagem, não sabia exatamente o que esperar, mas
certamente era algo bastante diferente das torcidas organizadas presentes naquela tarde.
Eram faixas, gritos, aplausos, vaias e, fundamentalmente, muitos comentários
“especializados” que rompiam aos urros da platéia. “Tem que sentar para rasgar o
músculo”, “Senta na perna, senta na perna para lascar”, “Com essa barriga aí, até minha
vó. Parece tábua de passar roupa”, “Cresce mano, cresce”, “Sai daí seu miado de mãe
gorda”, “Trava o abdômen” foram alguns dos comentários que ouvi e registrei nas
apresentações, sobretudo, das modalidades masculinas.
Alguns garotos sentados em poltronas logo atrás da minha, na apresentação da
última pose individual dos concorrentes, gritavam em coro: “Bora gigante, vamos, agora
é hora do Kame Hame Ha”. Bom, para quem teve uma infância entre os anos 90 e 2000,
assistia televisão nas sessões da tarde ou lia mangás da moda, o “Kame Hame Ha” é um
golpe de luta do desenho japonês Dragon Ball. O personagem principal, Goku, é um
extraterrestre criado por humanos, que dispara contra seus inimigos um derradeiro fluxo
intenso de energia com as mãos, na esperança de reverter à batalha a seu favor e vencêla.
É interessante pensar nesta referência, proferida naquele momento específico, por
dois motivos. Primeiro: é um indicador da faixa etária da maioria das pessoas presentes
no campeonato. Com exceção dos familiares dos competidores, a platéia era formada
por homens entre quinze e trinta anos, aparentemente entusiastas de aparelhos de
academia, que ostentavam camisetas com recortes mínimos, deixando à mostra seus
músculos dos braços, peitorais e partes de seus abdomens “trincados”. As camisetas, por
sua vez, traziam frases sintomáticas como “Mamãe passou Whey em mim”, “Se for para
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desistir, desista de ser fraco”, “Animal”, “Só os fortes sobrevivem” e a já clássica “No
pain, No gain”.
O segundo motivo, é o fato dos personagens do desenho japonês desenvolver
sua capacidade de força de acordo com a experiência que adquirem nas batalhas contra
os adversários e na auto-descoberta de suas potencialidades físicas. O aprimoramento
anatômico tende a acompanhar uma escala progressiva de aperfeiçoamento do espírito e
mutação da substância: Goku vira literalmente um símio no auge da sua força. O
protagonista vive nessa zona intersticial de ser meio humano e meio animal durante
todas as temporadas do anime. Quanto mais avançada a transformação do espírito e
progressão da força física, mais o personagem principal eliminaria características
humanas. O Kame Hame Ha se torna mais intenso como resultado desta evolução− na
sobreposição das características não humanas no protagonista. No caso do campeonato,
relacionado nos comentários da platéia, e também por muitos atletas, enquanto arena de
guerra, a “hora do Kame Hame Ha”, na última pose, é o momento do competidor exibir
a mutação patente no corpo, o quanto ele esculpiu e o modificou. É hora de vencer.
Ora, o aprimoramento do humano a partir da transformação corporal é um
sentido recorrente atribuído pelos fisiculturistas na trajetória do ganho de massa
muscular e na subseqüente adaptação psicológica às rotinas de treinamento e dietas.
“Crescer para ficar grande” é uma prerrogativa para “Virar monstro”, “Mutante”,
“Hulk”, “Mamute” e vice-versa, enquanto signos de transformação que denotam poder e
força sobre-humana. É notório o compartilhamento de fotos nas redes sociais nas quais
os “antes” e o “depois” dos corpos são enfatizados como marcadores desta
transformação. De modo que a “evolução” não poderia ser apenas física, ela vem
acompanhada de uma mudança da mente, correspondente a uma verdadeira via sacra em
prol da estética, que definiria a construção do discurso de alteridade fisiculturistainscritas numa espécie de trajetória biográfica do corpo.
Uma das bíblias de todo fisiculturista é a Enciclopédia de Fisiculturismo e
Musculação do Arnold Schwarzenegger, ícone do fisiculturismo, ex- governador, ator e
fundador de um dos maiores eventos de fisiculturismo internacional atualmente, o
Arnold Classic Dentre as oitocentas páginas do manual, são dedicados dois longos
capítulos para discorrer sobre a relação dos músculos com a mente. Destaco a parte na
qual o Schwarzenegger enuncia que a
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“the key to success in your workouts is to get the mind into the muscle. (…) . He has to
concentrate on putting the mind into the muscle and establishing precise control of every
muscle of every body part. When the going gets tough, it is always the mind fails first, not
the body. (…) mind and body are interconnected, two facets of the same thing. As the body's
health improves, so do the health and strength of the mind, and bodybuilding is the ideal
vehicle for achieving this necessary balance” (SCHWARZENEGGER, 1999, p. 233/245,
1999).
O corpo muda durante as estratégias, em função das alterações das atividades
metabólicas e a predisposição do ser também estaria condicionada às modificações das
reservas de energia corporal. Várias substâncias, inclusive as sintéticas e
farmacológicas, e o ritmo dos treinos colaborariam para esse processo, mas, enquanto
hipótese de pesquisa, suponho que a questão da alimentação seja fundamental para a
compreensão desta confluência mente/corpo na constituição e veneração de um padrão
muscular. O carboidratoseria aqui o mediador principal das alterações; não é a toa que,
por exemplo, as três fases d epreparação para campeonatos
estão relacionadas à
quantidade de carboidratos ingeridos e são conhecidas entre os fisiculturistas como
“carbar”, “carbo zero” ou “baixo carbo” e “carbo up”, respectivamente.
Márcia foi bastante enfática quanto a esta dimensão simbólica da dor e da
renúncia subjugada a uma razão instrumental, e suas subseqüentes relações com o
carboidrato e o consumo de sal, pressupostos fundamentais do “evoluir”:
“O olhar da gente, o semblante da gente muda. É muito desgastante. Você abdica verdadeiramente da
alimentação. Verdadeiramente. O nosso corpo ele é feito, isso é bíblico, seja sal e seja luz. O sal é o
equilíbrio do corpo e a gente tira isso do corpo da gente. A gente para de consumir não só o sal, mas o
sódio no geral. E isso mexe com o psicológico. Porque a mente e o corpo ela é conectada, então
quando você sente muita fome, a mente trabalha para você comer. Ela não trabalha dizendo que você
só sente fome, ela começa a tentar te convencer. É como se a gente ficasse maluco (...). Então assim,
você ta indo no limite do seu corpo e da sua mente (...) a força do atleta não ta no físico, a força do
atleta ta na mente (...). Cortar carboidrato não é assim (...). As pessoas dizem que cortam carboidrato e
ta comendo fruta, fruta tem carbo. Cortar carboidrato você não entende direito o que estão falando
com você. É uma coisa muito, muito tensa. Quem já passou por isso sabe. Cortar carboidrato é você
passar o dia inteiro comendo pedaço de frango ou ovo e basicamente isso. (...) não é só comer para se
alimentar, é tirar o carbo. O carbo é importante. Os alimentos que tem isso você percebe a diferença
entre um e outro. O carboidrato gera glicogênio que alimenta e oxigena o cérebro. Quando você corta
ele, você fica lento, você fica com sono, você não percebe direito o que as pessoas estão falando. A
pessoa fica falando com você e você demora de processar. Você fica assim “o quê?Hã?!”. Você ta
distante e seu corpo começa a não ter energia. (...) e quando ele começa a ficar sem energia o que é
que o corpo faz? Chama para o estado de repouso. (...) às vezes a gente ta treinando sem comida
praticamente, morrendo de fome, fraco. A gente tem que pegar peso e se a mente não comandasse tem
gente que nem iria. Quantas vezes eu já treinei, como eu treino, lesionada? Eu to com dor e eu tenho
que treinar. Por que assim, se eu tratar da minha lesão agora, eu não vou competir da próxima vez.
Então a gente faz escolhas o tempo todo, sabe. (...) E eu vou dizer para você, eu acho que tem coisa
que atleta faz que até a ciência duvida(...), e você acaba chegando mais próximo da morte que de outra
forma”.
A construção da identidade dos fisiculturistas seria tributária de uma autonomia
para o desenvolvimento do seu próprio corpo. A evolução dos músculos deveria ser
acompanhada de uma espécie de progressão que enfatiza a finitude/limitação e,
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principalmente a superação do corpo nos momentos que antecedem às competições.
“Evoluir”, na linguagem fisiculturista, não seria para qualquer pessoa, se não para
aqueles predestinados que conseguem adaptar/controlar o psicológico aos processos nos
quais o corpo é submetido.
Mais precisamente, o “evoluir” estaria atrelado ao uso de anabolizantes,
utilizados de maneira programada e calculada nos períodos conhecidos como “ciclos”, e
sua associação com as restrições alimentares. Para os fisiculturistas, o corpo não reagiria
da mesma forma a cada novo ciclo, há um momento que o corpo estagnaria, deixaria de
evoluir. Desse modo, é necessário formulações de novas estratégias alimentares e
farmacológicas nos períodos de ciclos e na TPC (terapia pós-ciclo). As terapias pós
ciclos são consideradas fundamentais para o (re)equilíbrio do corpo.
Muitas das
fisiculturistas que entrevistei e seus respectivos treinadores 7 apontam que um corpo não
agüentaria os períodos dos ciclos caso não houvesse um período no qual as taxas de
hormônios do corpo sejam regularizadas. Para tanto, é necessário o uso de outras
substâncias farmacológicas e uma nova dieta para que ele atinja o pretenso equilíbrio.
No caso das mulheres fisiculturistas, sobretudo, esse período é necessário para que as
características androgênicas sejam atenuadas em função do uso de hormônios
masculinos em demasia.
É crucial que o corpo descanse para que seja novamente submetido a novos
processos que atestem e rompam seus limites ou, em outras palavras, é imprescindível
que novos ciclos e pós- ciclos sejam construídos para que o corpo se torne competitivo.
A questão que se coloca aqui, na perspectiva dos fisiculturistas é que se o seu corpo não
se renovar, através dos vários processos a que são submetidos, outros corpos tomarão a
dianteira na corrida da perfeição. Na “evolução”, o corpo demarcaria territórios que
devem ser conquistados e é no sentido de sua autonomização, ainda que nesta relação
dualista corpo/mente supõe-se que agir sobre um implica num efeito sobre o outro, que
o corpo na ética fisiculturista converge com as formulações de Jacques Derrida (1995)
sobre o conceito de responsabilidade.
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Os treinadores são fundamentais para a dinâmica dos campeonatos e, conseqüentemente, dos
competidores em ação. Além de muitos deles competirem como fisiculturistas, ter um “coach” significa
ter um especialista que orientará o atleta nas dietas, nos exercícios, nas poses no palco, na cor do cabelo,
no uso de acessórios etc.. Muitos deles fazem parte de verdadeiras empresas de consultorias que dispõe de
uma miríade de profissionais ligados ao esporte, para garantir o melhor desempenho estético. As equipes
incluem nutricionistas, fisioterapeutas, massagistas e até mesmo, em alguns casos, psicólogos e
maquiadores.
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Derrida analisa a relação de dar (-se) a morte ( Donner La mort) e o
sacrifício como cerne da responsabilidade, pois
“the sense of responsibility is in all cases defined as a mode of "giving oneself death." Once
it is established that I cannot die for another (in his place) although I can die for him (by
sacrificing myself for him or dying before his eyes), my own death becomes this
irreplaceability that I must assume if I wish to have access to what is absolutely mine. My
first and last responsibility, my first and last desire, is that responsibility of responsibility
that relates me to what no one else can do in my place (p. 43/44)”.
O sacrifício de Isaac, para Derrida, exemplificaria o paradoxo da fé a partir do
dever absoluto, pois, mais que a disposição em sacrificar alguém do seu próprio sangue,
Abraão é fiel a Deus na medida em que guarda segredo do seu ato. Abrão estaria,
portanto, envolto num duplo segredo. O primeiro é o segredo enquanto um
conhecimento que se torna oculto8. Abraão não compartilha, ainda que não deixe de
oferecer uma resposta, com seus semelhantes o conhecimento do ato. Por outro lado, a
segunda dimensão do segredo é a sua própria ignorância perante os ditames do divino. É
o segredo enquanto o mistério em si: Abrão estava disposto a sacrificar o sangue do seu
sangue por motivos que lhe escapavam a razão. É nesta perspectiva que faço
aproximações da gênese da ética fisiculturista com a ética no domínio religioso,
problematizada por Derrida. Na primeira, o corpo é detentor de um segredo cujo seus
portadores não são capazes de se apropriar em sua totalidade, mas isso não os impede de
levar as últimas conseqüências o sentido do dever, na sua completa solidão 9 em busca
do apuro estético. Isso fica claro para mim com uma afirmação de Helena, uma
fisiculturista que participa de campeonatos há pelo 1ano:
(...) a gente nunca sabe se o músculo vai reagir bem. Hoje, por exemplo, eu to bem insegura, por saber
que eu não to dando o meu melhor, eu sempre acho que eu não vou conseguir. Por que eu ainda não to
fazendo o meu melhor. Eu olho para mim e eu sei que eu ainda to gorda. To achando que não vai dar
tempo. Eu não sei o quê eu tenho por debaixo. se acho que vai ficar legal. Eu to muito insegura,
entende. - ou seja, ainda tem esse negocio de se jogar sem saber exatamente ... Porque é corpo! 10
Tem gente que vem bem, bem, bem, como a menina que ganhou para mim, ela veio bem no
campeonato todo, ela ganhou de mim no estreante e ganhou de mim no baiano. (...) chegou no
brasileiro, e ela teve um mês a mais para se preparar, chegou no brasileiro eu tava melhor do que ela.
8
Sarah (a mãe e esposa) e Isaac não sabiam o que o patriarca estava prestes a realizar, como fica explícito
no diálogo no livro do Gênesis (22:7-8): “Então falou Isaac a Abraão seu pai, e disse: Meu pai! E ele
disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o
holocausto? ― E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim
caminharam ambos juntos”.
9
É comum nas redes sociais muitos fisiculturistas expressarem que este seria um esporte de resistência,
de quem agüentaria mais privações físicas e emocionais, cujo obstáculo maior é a “batalha de você contra
si mesmo”.
10
Grifos meus.
13
Numa perspectiva diferente da consagrada por Marcel Mauss 11, Derrida enfatiza
a conotação do dom, ao impetrar o sacrifício, como fim da ética humana. Abraão só é
fiel a Deus no momento da solidão de sua traição absoluta aos semelhantes. Ao dar (-se)
a morte no sacrifício do seu próprio filho, ele firma a responsabilidade absoluta numa
aliança de fé com Deus. Entre os fisiculturistas é à disposição, sobretudo a escolha, de
oferendar seu próprio corpo em prol de um dever absoluto guiado pela estética que
orienta o sacrifício e fundamenta sua ética.
O corpo aqui seria uma construção simbólica, e não apenas uma realidade em si,
que reside na formulação social da pessoa segundo o modelo de posse. O corpo não
seria apenas a fronteira que demarca a diferença entre o eu e o Outro, mas a concepção
de que o próprio corpo é um Outro que não ele mesmo, possuído como um objeto
particular. Esse sentimento incorporaria o principio da identidade de substância entre o
sujeito e o seu enraizamento corporal; o corpo aqui se encontra como um obstáculo
cujas “práticas e os discursos que o visam tornam-se então invasivos, na medida inversa
da atrofia de que este é objeto ao longo da existência do sujeito” (LE BRETON, 2013,
p.151).
Feminina
Depois de uma intensa preparação, a etapa atinge o seu auge: é chegado o dia da
competição. Todas as poses foram minuciosamente treinadas nas últimas semanas. O
biquíni e os sapatos foram cuidadosamente escolhidos, o maquiador já está a postos para
a maquiagem, assim como a pintura corporal que garante um aspecto bronzeado ao
corpo − os músculos devem ser escurecidos para que sua definição esteja proeminente
sob os holofotes do palco. Cabelos, brincos, pulseiras, poses... Tudo deve estar perfeito.
Os jurados reparam na pele viçosa, no tamanho do biquíni, no asseio, no sorriso, na
naturalidade dos gestos, na feminilidade. A vitória será definida pelos detalhes. A
primeira categoria a subir no palco é a Body-Fitness. Foram poucas atletas inscritas
nesta categoria. Somente três meninas subiram ao palco. Por este motivo, não houve
necessidade da divisão por altura (até e incluindo 158 cm, até e incluindo 163 cm, até e
incluindo 168 cm e acima de 168 cm), indicada pelo regulamento do IFBB, e a
categoria foi unificada.
11
Na qual as trocas-dadivosas consistem no “Mais vale não rezar (pedir) do que sacrificar demais (aos
deuses): Um presente dado espera sempre um presente de volta. Mais vale não levar oferenda do que
gastar demais com ela." (MAUSS, 2003, p. 187)
14
Elas entram no palco em fila, se posicionam defronte aos juízes, de acordo com a
ordem decrescente, da esquerda para direita, do número de inscrição. Param, estáticas
no tablado, perna esquerda na ponta do pé à frente da direita, uma mão na cintura, o
braço posicionado um pouco próximo ao quadril, enquanto a outra mão permanece
levemente arqueada no prolongamento do braço esticado, as veias do pescoço estão
alteradas e um sorriso tenso por entre os lábios revela o esforço por demonstrar
naturalidade nas poses. Nesta categoria, serão avaliadas pela “aparência geral do físico,
considerando uma aparência simétrica, tônus muscular e shape com uma pequena
quantidade de gordura corporal, como também, a beleza fácil e o cabelo e estilo
individual de apresentação, incluindo autoconfiança, equilíbrio e graça” 12.
Durante aproximadamente trinta segundos ficam assim, hirtas no palco, olhando
para a mesa dos jurados, até que eles autorizam a apresentação individual com o quarto
de voltas. A primeira competidora é chamada ao centro e as demais ficam mais ao fundo
- sempre sorrindo, sempre rígidas... Precisam lembrar que estão sendo julgadas a todo o
momento. O líder da banca de jurados começa então a indicar poses às quais a
competidora deverá realizar: “Quarto de volta para a esquerda, quarto de volta para a
direita, quarto de volta de frente e quarto de volta de costas”. Basicamente, o corpo vai
mudando de posição num giro sobre si mesmo e deve obedecer aos critérios técnicos de
“Postura ereta e relaxada, cabeça virada para frente, olhos fixos no horizonte,
calcanhares juntos, pés com um ângulo de 30 graus para fora, joelhos juntos sem flexão,
ambos os braços relaxadamente pendurados, em ambos os lados e ao longo da linha
central do corpo, cotovelo ligeiramente dobrado, dedos e polegares juntos, palma da
mão virada para o corpo (...). É proibida a contração dos músculos”.
O ritual é repetido por cada uma das competidoras. A segunda, na ordem de
apresentações, foi eliminada, pois estava com um par de brincos maior que o permitido.
Apenas pulseiras e a aliança de casamento são liberadas nesta categoria― Os músculos,
lembremos, devem ser os protagonistas. Precisam decidir entre as duas competidoras
restantes, que são chamadas para o confronto final ao centro do palco. Os juízes
analisam mais detidamente o tônus muscular geral, a aparência redonda dos músculos, o
equilíbrio simétrico do físico que não deve ser muito magro, tampouco muito
musculoso, o tom da pele deverá implicar uma aparência saudável, a beleza facial, o
12
Todas as determinações das categorias podem ser encontradas nos regulamentos disponíveis no site da
IFBB: www.ifbbbrasil.com.br . Atualmente na IFBB existem cinco categorias femininas, quais sejam, a
Biquíni Fitness, Body Fitness, Biquini Wellness, Women’s Physique e a Fitness Feminino.
15
alinhamento dos cabelos, a confiança, o equilíbrio, a graça e, finalmente, consagram a
atleta vencedora.
Depois de duas apresentações masculinas, as competidoras da modalidade
Biquini Wellness sobem ao palco. Foram feitas cerca de vinte e cinco inscrições, e
destas, dezessete subiram ao palco. Os juízes e o presidente da federação não viram
motivos para dividir as apresentações de acordo com a altura, assim, novamente, a
categoria foi unificada. A Biquini Wellness é uma categoria criada exclusivamente para
o Brasil com o objetivo de atender à demanda de várias mulheres que treinam e
realizam dietas, sem que tenham predileção em desenvolver os músculos.
Essencialmente preza pela “(...) valorização das curvas, musculatura que deverá
demonstrar baixo percentual de gordura, proporção física e tônus muscular moderado;
beleza estética e feminina (curvas) deve ser priorizada. (...) o bronze, a beleza (cabelo
maquiagem de bom gosto), desenvoltura no palco, sensualidade e carisma (...)”, o uso
de acessórios como pulseiras, anéis e colares também contam pontos por maior
feminilidade.
Não é exigida nenhuma pose específica, o regulamento apenas determina que
desfilem na extensão do palco, e a nota, com subseqüente escolha da vencedora, é feita
pela média da pontuação do júri. A categoria é o maior sucesso na competição. Gritos e
urros de uma platéia eufórica ecoavam pelo teatro. Segundo o presidente, Sr. José, que
no campeonato também fez às vezes de apresentador do show, a Biquini Wellness é
uma das categorias mais rentáveis e de maior adesão. É a oportunidade de exibir a
beleza, harmonia e um físico saudável para uma platéia ávida por um “bom espetáculo
de mulheres bonitas”.
Na seqüência, temos a apresentação da Biquíni Fitness. Cinco concorrentes
subiram ao palco para submeterem-se a um julgamento semelhante ao Body Fitness.
Um dos jurados confidenciou-me que esta é uma categoria relativamente recente e o
importante é a competidora ter um “corpo traçado”, bem definido, mas não muito
exagerado. A Biquini Fitness geralmente tem bastantes inscrições nos campeonatos. As
meninas são extremamente magras e só posso supor que o corpo “traçado”, mencionado
pelo árbitro, seja em função da contração muscular e seu efeito peculiar em corpos
feitos de pele, osso e próteses de silicone. O uso das próteses de silicone é quase uma
regra no fisiculturismo para que o corpo feminino seja considerado harmonioso. Com
treinos e dietas intensos, o corpo perde gordura e, como consequência, os seios são
16
drasticamente reduzidos. A ausência de seios, como sabemos, é uma prerrogativa do
senso comum para significar “falta” de feminilidade a outrem.
No fisiculturismo, esta máxima persiste: Não só na categoria Fitness, mas em
todas as categorias femininas os seios devem ser visíveis. Seios rígidos, empinados e de
tamanho adequado ao corpo, para que esse seja considerado harmônico. No que tange à
categoria Biquíni Fitness, pelo regulamento, “devem ter uma aparência bonita e firme
com pequena quantidade de gordura corporal. O físico não deve ser nem
excessivamente muscular e nem excessivamente magro, e também, não deve possuir
separação muscular profunda e/ou estriações (...). A avaliação também deve considerar
a rigidez e o tônus da pele. A pele deve ser lisa e de aparência saudável, e sem celulite.
O rosto, o cabelo e a maquiagem devem complementar o “Pacote Total” apresentado
pela atleta (...). Os árbitros serão lembrados de que eles não estão julgando a categoria
BodyFitness”. As competidoras devem apresentar os músculos, sem salientar separação,
definição, nível de gordura muito baixo ou a densidade vista nas atletas de BodyFitness.
A formulação de Michael Taussig (2012) segundo a qual a estética não é apenas
um adereço, uma mera máscara que esconderia a verdadeira essência das coisas, mas o
fundamento que orienta a experiência humana, a sociedade e, em última instância, a
própria História nos permite entender o que está em jogo aqui. Metamorfosear-se em
um novo corpo, mudar o interior, construir novas possibilidades de destino... A
manipulação fisionômica ambiciona não apenas uma “face-lift”, mas também “soullift”. Para Taussig, transformar o próprio corpo seria, enfim, um novo artifício da
economia globalizada contemporânea de dominação da natureza, cujas engrenagens
remontam ao consumo e o desperdício. Não mais a produção e acumulação como versa
o marxismo clássico.
Ao articular os pontos de Georges Bataille sobre depènse, o gasto pelo gasto, sem
utilidade e infindável, aos conceitos de fetiche e mercadoria do Marx, Taussig analisa o
consumo não apenas enquanto um processo do capital, mas como principio e finalidade
estruturante das relações. As modificações não seriam apenas cirurgias cosméticas de
intervenção corporal, mas contém em si o poder de “criar” novas pessoas ao promover
mudanças também metafísicas. São cirurgias cósmicas (cosmic surgery), profere o
autor. O que varia, desse ponto de vista, são os padrões estéticos e sua subseqüente
inserção na escala de valores morais. A ética aqui é estética e intrínseca à economia, de
tal modo que “(...) as cirurgias cósmicas são autofágicas. O sujeito consome o próprio
17
corpo do modo que lhe convém ou é determinado pela moda” (RODRIGUES, 2013, p
398).
O antropólogo compara cirurgias cósmicas às práticas mágicas, nas quais os
contornos alquímicos “nothing more than a gloss on a far more basic operation, the
latest expression of ancient magical practices based on mimesis and physiognomy,
practices such as masking, face painting, and body painting, carried out so as to greet
the gods or become one”( p. 83). Qual seria a razão fundamental das cirurgias cósmicas
que não a criação de um novo interior, alterando o exterior? E, ao obter um novo
interior, ser capaz de alterar a própria sorte. É neste sentido, diz Taussig, que os
processos de embelezamento estão relacionados à morte: ofertar a própria vida é a
condição do renascimento estético.
É possível fazer vários paralelos com as formulações derridarianas do sacrifício e
da estética como fundamento de Michael Taussig ao pensar sobre a construção da ética
fisiculturista. O que seria afinal a sujeição do corpo humano ao embelezamento que não
histórias de vida e de morte. Não seria o músculo o último suspiro da ética protestante?
Deste ponto de vista, qual a moral que orienta as fisiculturistas que não a disposição em
dar (-se) à morte em nome da estética. “Could it be that beauty is a gift of the gods that,
like all gifts, comes with a measure of anxiety, only in this case, being a gift of the gods,
the burden is close to overwhelming” (Taussig, 2012) ?
Por fim, como última categoria feminina apresentada no dia, a Women’s
Physique. Sobem ao palco duas competidoras, uma visivelmente maior que a outra em
termos de volume muscular. Ambas devem corresponder aos critérios de “um físico
atlético e esteticamente mais agradável. (...) uma aparência atlética feminina,
considerando-se a condição e o tom da pele, cabelo e características faciais. E também
uma aparência de boa forma e simetria combinado com “muscularidade” e
condicionamento geral; (...) presença de palco, personalidade e autoconfiança na
apresentação, músculos desenvolvidos simetricamente e definição muscular (...)”. As
concorrentes se posicionam lado a lado no palco e dão inicio às poses compulsórias. O
objetivo destas poses é exibir o desenvolvimento muscular, assim o que se segue é um
movimento articulado dos bíceps, tríceps e peitoral. Em seguida, executam o quarto de
voltas. Nesta categoria é obrigatória a apresentação individual, geralmente com uma
música escolhida pela atleta, na qual deverá exibir para os jurados uma coreografia que
ostente graça e tonificação muscular. A vencedora da categoria foi a que apresentou o
18
“pacote total” e maior feminilidade. Segundo a avaliação dos jurados, a concorrente que
tinha maior hipertrofia destoava das prerrogativas exigidas pela categoria.
A definição da simetria muscular, como critério de julgamento em competições,
é orientada pela linha do corpo- definida pela proporção entre o grupo muscular inferior
e superior, a partir da cintura. Assim, com a extinção do Culturismo Feminino em
campeonatos estaduais e no brasileiro, a Psysique é a única categoria em vigor
atualmente nos campeonatos do IFBB cuja proporção de músculos entre as mulheres é
relativamente proeminente. O formato do corpo é em “Y”, as pernas são muito finas, os
ombros muito largos e definição e volume musculares pujantes. No Culturismo, o corpo
deve apresentar um formato em “X”, ou seja, partes superiores e inferiores largas,
cintura fina, e ênfase na hipertrofia máxima. “Não devem existir pontos fracos: todos os
grupos musculares devem ser plenamente desenvolvidos”. Esta categoria foi extinta este
ano nos campeonatos de fisiculturismo estaduais e nacional do IFBB (no entanto, há
categorias semelhantes no IFBB-Pro), e já há muito tempo entrou em desuso com a
redução do número de competidoras nesta modalidade. A tendência dos campeonatos
internacionais atualmente é priorizar uma hipertrofia muscular feminina cada vez mais
comedida e intensificar as prerrogativas de feminilidade.
Como um corpo, que em determinadas fases do processo de constituição da
arquitetura muscular, é tornando unissex e de que forma e em qual momento são
reapropriados pelo gênero- o ser homem e ser mulher? É uma questão dentro do
fisiculturismo e, principalmente, em sua relação com as categorias do sistema social ao
qual faz parte. Sobretudo, com a indústria de entretenimento e a lógica de mercado em
que está inserido e que também gera sua receita e demanda. Há um limite no
fisiculturismo que corresponde a uma adequação às normas do status quo, pois, ao
ultrapassar estes limites, o corpo é tido como estranho. Aqui, este estranhamento
explicita uma concepção do monstruoso que “expõe uma divergência em relação a
concepções de normalidade, forma, ordem ou taxonomia. Em outras palavras: a
monstruosidade está ligada àquilo que pode mudar as coisas de lugar; e por isto
representa uma ameaça à pretensa estabilidade do mundo” (RODRIGUES, 2010, p.4).
A produção de feminilidades no fisiculturismo- como definir-se mulher num
espaço produzido e permeado pela virilidade 13-, e a presença de exigências que denotem
13
Pierre Bourdieu, ao analisar a posição das mulheres na sociedade berbere, discorre sobre a feminilidade
como a “arte de se fazer pequena”. Limitando o deslocamento e movimentos do corpo nos lugares
públicos, se comparados aos homens. Por outro lado, a “ virilidade tem que ser validada por outros
19
características de uma feminilidade normatizada na arena de competição (uso de
brincos, próteses de silicone, o excesso de maquiagem, pulseiras, a delicadeza do gesto
nas poses), leva-me a crer que a feminilidade é uma categoria em risco dentro do
fisiculturismo: ela precisa ser o tempo todo lembrada, para que não seja perdida.
Malysse (2002) argumenta que “o corpo não é uma natureza. Ele não existe. Nunca
vimos um corpo: o que vemos são homens e mulheres que estão ali, trabalham, se
movimentam, se comunicam e formam o espetáculo da realidade viva em
transformação” , na estética dos fisiculturistas dá-se o contrário: o que vemos são
corpos, a atribuição do gênero ocorre numa etapa posterior por meio de (re)
acomodações semânticas.
Em uma das poucas menções feitas a fisiculturistas mulheres em sua enciclopédia,
Arnold Schwarzenegger sugere que:
“The primary reason is that the fundamentals of muscle training and diet programs are
essentially the same for both sexes. Though women may have different goals from man to
tone up rather than build maximum muscle size-this is reflected not in how they execute
particular exercises but in sets and reps, combinations, and choices of some exercises that
target a woman's particular problem areas” (SCHWARZENEGGER, 1999, p.46) .
E mais adiante alerta:
“Women can benefit from training partners, need to deal with soreness and setbacks, should
avoid overtraining, can feel a great pump, have to cope with injury-just as men do. In fact, I
often trained with female training partners, which I found both motivating and challenging.
So my advice to women interested in serious training is simple: Your muscle cells don't
know you are a female”. (p. 83)
Segundo Sr. José, então presidente do IFBB-Ba em 2014, o culturismo para
mulher é mais agressivo e dá uma impressão ruim para o esporte em função da analogia
com o corpo masculino. É importante salientar que há uma regra para todas as
categorias femininas disputadas no IFBB, qual seja, “os árbitros são lembrados que este
não é um campeonato de culturismo. As competidoras devem ter forma para seus
músculos, mas não tamanho, definição e vascularização como é vista nas competições
de
culturismo.
Qualquer
competidora
que
exibir
estas
características
será
desclassificada”. De tal modo, a conformação do fisiculturismo ao longo dos anos
parece ser pautada no discurso da qualidade muscular e o aspecto saudável e atlético do
corpo feminino, em substituição à hipertrofia e volume muscular. Um aspecto menos
masculinizado e mais próximo do corpo feminino socialmente idealizado.
homens, em sua verdade de violência real ou potencial, e atestada pelo reconhecimento de fazer parte de
um grupo de “verdadeiros homens”. (...) a virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional,
construída diante dos outros homens, para outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de
medo do feminino, e construída, primeiramente, dentro de si mesmo” ( BOURDIEU, 2010, p. 32).
20
8- Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina, trad. Maria Helena Kuhner. Ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2010.
DERRIDA, Jacques.
Chicago Press, 1995.
The Gift of Death (translated by David Wills) Chicago:University of
FOUCAULT, Michel. O nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
HABERMAS, Jurgen. O futuro da Natureza Humana. Ed. Martins Fontes, 2004.
JAEGER, Angelita. Mulheres Atletas da Potencialização Muscular e a construção de
arquiteturas corporais no fisiculturismo. Tese de doutorado, 2009. Programa de Pós Graduação
em Ciências do Movimento Humano da Escola de Educação Física. UFRGS.
LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Tradução de Fábio dos Santos
Creder. 3.ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2013
MALYSSE, Stéphane. Diário Acadêmico. Tradução de Vera Lúcia Vieira. São José: Estação
das Letras e Cores, 2008
MAUSS, Marcel. “As técnicas corporais”. In: Sociologia e Antropologia. São José:
EPU/EDUSP, 2003.
RODRIGUES, Núbia B. TAUSSIG, Michael. 2012. Beauty and the beast. Mana [online]. 2013,
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___________________. Médicos, Monstros e Heróis: Ensaio Antropológico sobre Ficção
Científica e Biotecnologia. In, MINAHIM, Ma. A. ET all. Meio Ambiente, Direito e
Biotecnologia. Curitiba: Juruá Editora, 2010. (Pag. 387-402)
TAUSSIG, Michael. Beauty and Beast. Chicago and London: University of
Chicago Press. 172 pp, 2012.
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FOCO, FORÇA, FÉ: notas sobre uma etnografia do fisiculturismo