O PENSAMENTO POLÍTICO DE
OLIVEIRA VIANNA
WALLACE DA SILVA MELLO,
GRADUADO EM HISTÓRIA PELA UNIFSJ – CENTRO
UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA RJ, PÓS-GRADUADO
LATO SENSU EM POLÍTICA BRASILEIRA PELA UNIFSJ - CENTRO
UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA, PROFESSOR DA REDE
ESTADUAL DO RJ, TUTOR DE HISTÓRIA DO PRÉ-VESTIBULAR DO
CEDERJ – RJ.
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INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho que se segue é o pensamento autoritário no Brasil.
Classicamente o período em que esse pensamento teve muita repercussão, alcançando a mente
de muitos estudiosos da realidade e da sociedade brasileira, foi o da Primeira República e o
período do primeiro governo Vargas. Desse modo o que discuto sobre pensamento autoritário
está inscrito cronologicamente no intervalo que vai de início da década de 1910 até a década
de 1950, pois apesar de Vargas ter saído do poder em 1945 algumas obras foram publicadas
após este período – algumas das quais até póstumas, como o livro “Instituições Políticas
Brasileiras” de Oliveira Vianna.
Partindo para a seara deste trabalho dividi o presente texto em três capítulos:
Apresentação do tema e contexto de antiliberalismo; principais expoentes do pensamento
nacionalista autoritário; e o pensamento político de Oliveira Vianna.
No primeiro capítulo inicio por uma discussão sobre a importância das pesquisas nesta
área, apresentando a base das interpretações deste pensamento. Em outras palavras, busco
discutir, com base em Cientistas Políticos quais são as bases interpretativas deste pensamento
e seus aspectos mais gerais, ou seja, aqueles que fazem deste pensamento uma coisa única e
cognoscível – a saber, sua interpretação de Estado como sendo um ator com lógica própria; o
cientificismo de caráter positivista, pois criam que poderiam apreender o passado e a lógica
do passado tal qual ele se passou, tal como aconteceu; a crítica ás idéias mal concebidas, ou
mal adaptadas a determinadas realidades; e a crítica ao liberalismo empregado no Brasil.
Neste subtítulo busco sistematizar de modo bem sumário as linhas gerais que marcam o
pensamento autoritário brasileiro e como a academia tem concebido a tarefa por eles
empreendida. No segundo tópico analiso a teoria e a prática brasileira do positivismo
comtiano.
Apresento, baseado na exposição feita por Arsênio Correa no Livro “O Positivismo e a
Ingerência Militar na República”, os pressupostos da teoria Positivista em Comte. Em seguida
faço uma discussão sobre a ação política do positivismo no Brasil, observando os casos
específicos do Rio de Janeiro, com Teixeira Mendes e Miguel Lemos, e do Rio Grande do
Sul. Sobre o Rio Grande do Sul faço uma discussão sobre os princípios do positivismo que
seguiram e a forma como o colocaram em prática. Para isso apresento a ação de Júlio de
Castilhos e Borges de Medeiros, principais personagens na efetivação dos ideais positivistas
na constituição do dito Estado. E concluo com uma breve discussão sobre o conceito de
coronelismo e as práticas que vigoraram na Primeira República, momento em que os
pensadores que discuto neste trabalho – em especial Oliveira Vianna maior objeto de pesquisa
– estão vivendo, observando e posteriormente criticando.
No segundo capítulo discuto, baseando-me majoritariamente em Jarbas Medeiros, o
pensamento de Francisco Campos, Alceu Amoroso Lima e Plínio Salgado. Justifica-se a
presença de Francisco Campos neste trabalho haja vista a sua participação na Constituição de
1937 e a de 1964, importante jurista e grande articulador do golpe de 64. Apresento a sua
concepção de Estado, os problemas que a sociedade brasileira enfrenta e as soluções, as
formas de se resolvê-los, de acordo com sua visão.
A seguir apresento o pensamento católico, nacionalista e autoritário de Alceu
Amoroso Lima. Por aí percebe-se uma especificidade até o momento não vista em outros
autores – saiba-se, a forte e sempre presença dos ideais católicos norteando a idiossincrasia de
Lima. Discuto sobre esse autor sua concepção de autoridade e Estado, economia e como
poderia se dar a inserção do catolicismo na política, na economia e no direcionamento da
sociedade.
Por fim, no último tópico do capítulo dois, apresento e discuto o pensamento
autoritário de Plínio Salgado. Justifica-se a utilização de seu pensamento haja vista sua grande
articulação no Golpe de Outubro de 1937 e sua anterior participação na Semana de Arte
Moderna de 1922 como um influente escritor e após o fim do Estado Novo em 1945
organizando o Partido da Representação Popular. Discuto sua concepção de Estado e também
como concebia os problemas da sociedade brasileira e as respectivas soluções. Ainda nesse
tópico busquei fazer algumas comparações entre seu pensamento e o dos outros autores, pois
percebi que era importante assim o fazer haja vista que não há apenas um, mas algumas
formas de se compreender o pensamento autoritário. Aliás, isso pode ser observado nas
especificidades de cada autor presente no capítulo dois.
No capítulo três, discuto o pensamento autoritário de Oliveira Vianna. Para atender a
esse objetivo apresento inicialmente uma breve biografia deste autor. Também discuto as
contra o que Oliveira Vianna escreve. Isso porque compreendo que antes de falar de sua
concepção específica de Estado e as interpretações sobre o pensamento de Oliveira Vianna
faz-se necessário apresentar os problemas que ele vislumbra na sociedade brasileira. E por
fim, busco discutir as interpretações do pensamento de Oliveira Vianna. Em específico a
concepção de “autoritarismo instrumental” cunhada por Wanderley Guilherme dos Santos que
expressa não o autoritarismo em si e por si, mas o desejo de colocar o Brasil na ordem do dia
da sociedade capitalista atual. Para isso, apresento um debate historiográfico entre
historiadores e Cientistas Políticos de renome.
1.
APRESENTAÇÃO
DO
TEMA
E
CONTEXTO
HISTÓRICO
DE
ANTILIBERALISMO
1.1 – Alguns apontamentos prévios sobre o pensamento nacionalista autoritário
Já de algum tempo que o estudo sistematizado do pensamento político brasileiro tem
sido empreendido por inúmeros pensadores. Inseridos ao longo da história brasileira
desempenharam papel importantíssimo na construção de uma noção de Brasil. Em especial há
dois motivos para se estudar o pensamento nacionalista autoritário brasileiro: o primeiro
refere-se à aceitação, por parte de certos grupos – que no futuro próximo irão se utilizar deste
pensamento para legitimar suas posturas políticas, e ao mesmo tempo, constituindo um dos
grandes momentos de transformação social do Brasil – e o incentivo ao desenvolvimento
algumas das teorias que seriam postas em prática por Vargas no pós-30 (LAMOUNIER,
1977). Tudo isso somado ao fato de ser um dos momentos em que há uma grande difusão e
institucionalização acadêmica das ciências sociais garantem a este pensamento algum
prestígio e valor de análise.
Diante desta perspectiva as opções teóricas são várias, tanto que garantem ao
pesquisador uma gama elevada de possibilidades interpretativas. No, entanto, é comum ver-se
a utilização inadequada de algumas concepções teóricas para explicaram determinado objeto.
É o que ocorre com a Teoria Política em voga que concebe o Estado como sendo uma
instituição que existe somente em função de, ou seja, ele é visto como sendo apenas
representantes de determinadas classes sociais. Ou ainda, as teorias que veem nas produções
dos autores nacionalistas autoritários “análises esquemáticas em que os agentes do acontecer
histórico como portadores de conteúdos de consciência universais, e, portanto, conhecidos de
antemão” (LAMOUNIER, op.cit. p. 346).
Uma das alternativas a esses trabalhos é a sociologia weberiana que, no dizer de
Ricardo Vélez Rodríguez,
(...) tem constituído marco teórico apto outro estudo do Estado Moderno
como realidade per se, ao contrário de outras abordagens que reduzem a
dimensão político-burocrático á expressão de outros fenômenos. Esta é o
vício fundamental de uma metodologia como o marxismo. A perspectiva
originada no pensamento weberiano é valioso subsídio para a análise do
pensamento de um teórico do papel do estado na sociedade brasileira como
Oliveira Vianna. (1997, p. 19)
Ainda nesta perspectiva Simon Schwartzman afirma:
Nessa nova perspectiva o estado não aparece apenas como um conceito
referente à integração e soberania do povo de um determinado país – em
cujo caso a noção de diferentes níveis ou ‘graus de estatismo’ não teria
sentido –, mas, ao contrário, diz respeito a uma instituição específica dentro
de seu país, que não apenas executa funções de manutenção de fronteiras e
de soberania, mas pode ser menor ou maior, mais forte ou mais fraca,
independente ou controlada por outros grupos e instituições sociais. Em
outras palavras, há uma mudança de uma perspectiva funcional para uma
perspectiva estrutural, isto é, o Estado é analisado como uma instituição
dotada de estrutura e processo que lhe são próprios. (1982, p. 40)
Deste ponto de vista então o Estado e os seus componentes não só representam
interesses de classes específicos como também podem simbolizar um plano efetivo de
legitimação e dominação deflagrado pelo Estado. Segundo a interpretação de Bolívar
Lamounier este pensamento pode ser explicado a partir do conceito de “ideologia de Estado”,
ou seja, “uma construção intelectual que sintetiza e dá direção prática a um clima de ideias e
de aspirações políticas de grande relevância nas últimas décadas de século XIX e na primeira
metade deste” (1977, p. 357). Continuando Lamounier afirma:
O termo ideologia de Estado, que a muitos poderá parecer impróprio,
pretende exatamente acentuar o contraste com a outra matriz ideológica à
qual se opõe: o mercado... No modelo liberal clássico a imagem central ou
princípio integrador era o mercado. Este é que estrutura uma visão
abrangente da ordem social generalizada para as demãos instituições. O
próprio Estado é aí teorizado em função do mercado... com seu
pressuposto... O fulcro da ideologia de Estado é, ao contrário, o intento de
domesticar o mercado. (op.cit. p. 357-8)
Com isto temos, doravante, uma realidade diferente onde o Estado não é mais visto
como agindo em função do Mercado, mas como instituição autônoma que pode e deve ser
entendida em sua forma específica de atuação. Não obstante, discordo das teses de Lamounier
na medida em que identifico nestes autores algo além de “ideologia de estado”. Explico:
apesar de concordar com a tese de que não é o mercado – e as classes que o formam – que
determina a ação do Estado considero forçoso interpretar isso – o pensamento autoritário –
como sendo uma manifestação do Estado no sentido de legitimação. Até porque, mesmo
Plínio Salgado, o mais engajado politicamente no projeto de renovação da sociedade brasileira
via Integralismo foi contra o Golpe de Outubro – Oliveira Vianna manteve-se isento,
Francisco Campos, e Alceu Amoroso Lima tiveram uma postura de critica ao golpe por
considerarem este movimento uma afronta ao regime legal que defendiam. Ou seja, todos a
princípio não escrevem para legitimar o estado, mas antes o Estado serve-se deles para seu
projeto político – vale apena como exemplo a implementação das ideias de Oliveira Vianna e
Francisco Campos quando estiveram como consultor da justiça do trabalho e do Ministério da
educação respectivamente.
Como forma de corroborar esta visão, Boris Fausto apresenta a concepção do caráter
do Estado, dada por um dos mais importantes formuladores da concepção autoritária de
Estado no Brasil – Azevedo Amaral assim: “o Estado autoritário baseia-se na demarcação
nítida entre aquilo que a coletividade social tem o direito de impor ao indivíduo, pela pressão
da maquinaria estatal, e o que forma a esfera intangível de prerrogativas inalienáveis de cada
ser humano” (2001, p. 10)
Entender o pensamento autoritário e a sua emergência no início do século XX obrigame a falar brevemente do contexto social do mundo e principalmente do Brasil. Após a
Primeira Guerra Mundial o mundo, e também o Brasil, passam por um período de
instabilidade, na medida em que algumas questões não têm respostas1. Assim, serve de
terreno fértil para o surgimento, ou afirmação de ideais novos e até certo ponto
1
Seria o liberalismo a melhor forma de se pensar a sociedade e a economia? Haja vista os problemas enfrentados
no entre guerras.
revolucionários. Contudo, olhando para o Brasil, perceber-se-á que estas ideologias, ora
revolucionárias – marxismo –, ora reacionárias – fascismo –, chegam principalmente como
crítica ao liberalismo – “associado às práticas oligárquicas, que pressupunham fraude
eleitoral, a escassa participação política da população e o controle do país pelos grandes
estados, enfraquecendo o poder da União” (FAUSTO, op.cit. p. 14).
Sobre essas direitas que começam a se difundir pelo Brasil e formam a base do
pensamento nacionalista autoritário no Brasil, é bom que se tenha em mente que neste
momento não há somente um tipo de ideologia de direita, sendo melhor a utilização do termos
‘direitas’. Sobre isso Frederico Costa assim se expressa: “Os autores citados representam
‘autoritarismos’, diferentes. O que interessa... é a percepção de que no começo do século XX
no Brasil, a opção por pratica políticas autoritárias era predominante em relação a quaisquer
outras” (2005, p. 51).
Devido às divergências dentro do próprio seio do pensamento – haja vista ele não ser
um, mas vários – sua base era bem diversificada: bebiam desde Darwin, passando pelo
positivismo comtiano, chegando à psicanálise freudiana – deixando de lado, é claro, os
teóricos da evolução das raças. Outro componente que influenciou esta ideologia é exposto
por Bolívar Lamounier “A formação da ideologia de Estado no caso brasileiro é inseparável
da assimilação pelas elites intelectuais do conjunto de ideias sociológicas que se
convencionou chamar de protofascistas” (1977, p. 361).
Como um ponto comum entre esses autores era a percepção de que as ações políticas
no Brasil deveriam ser pensadas tomando-se em como princípio o passado do país, agindo em
conformidade com nossas possibilidades de desenvolvimento. Há uma iniciativa destes
autores de explicar o Brasil de acordo com nossas experiências históricas únicas e indeléveis.
Segundo essa interpretação Oliveira Vianna assim se manifesta
tendo em vista os fatores mesológicos, como expressão da colônia, a
carência de vias de comunicação, a América portuguesa se caracterizaria
pela fraqueza de instituições sólidas e abrangentes... Isto redundaria no
isolamento das populações... na supremacia da vida privada cujo núcleo era
o clã rural, constituído pela família patriarcal. (apud FAUSTO, 2001, p. 33):
Para estes autores o grande problema que a sociedade brasileira incorria era a
existência – ou inexistência – de uma nação. O Estado formou a nação. Povo nós tínhamos,
mas a nação, formadora de laços de identidade e solidariedade tão importantes no Estado
liberal não foi constituída. Para eles, a forma de nós conseguirmos sanar essas dificuldades
era através do Estado. O Estado é visto como o promotor das reformas necessárias para a
efetivamente democratização do povo. Desse modo, o autoritarismo constitui-se apenas em
um meio de se alcançar os objetivos propostos.
Ainda
nesta
perspectiva
Wanderley
Guilherme dos Santos afirma:
Desde a independência que o problema teórico e prático predominante e de
alta visibilidade das elites políticas e intelectuais brasileiras tem sido
fundamentalmente este: de que modo implantar e garantir o eficiente
funcionamento da ordem liberal burguesa (apud LAMOUNIER, 1977, P.
354).
Quem melhor sintetizou as incoerências entre a necessidade e as ideias copiadas de
outros lugares foi Oliveira Vianna quando afirmou “idealismo utópico é todo e qualquer
sistema doutrinário... em íntimo descordo com as condições reais e orgânicas da sociedade
que pretende dirigir” (apud FAUSTO, op.cit. p. 56). Ao passo que o idealismo orgânico
nasceria das próprias exigências da sociedade. Desse como, a partir da observação científica
da sociedade em que se vive, atentando para o passado da mesma poder-se-ia pensar na
melhor forma de implantar determinados teorias ou instituições, fazendo as devidas
adaptações.
1.2. O Positivismo
1.2.1. O Positivismo na Origem
Tal é pois a missão do positivismo, generalizar pela
ciência real e sistematizar a arte social
Para que se possa esboçar o contexto histórico da Primeira República faz-se necessário
uma breve apresentação da corrente filosófica positivista e sua atividade política. Como
doutrina filosófica surge no século XIX, tendo como seu grande propagador August Comte e
inserida neste século é herdeira da racionalização que está sendo difundida por todo o
Ocidente, sendo assim, um dos pressupostos básicos de sua concepção filosófica é a
ordenação da realidade através de fatos que podem ser observados e estudados por meio de
um método científico próprio. Sem embargo, a doutrina desenvolvida a partir do pensamento
de Comte é múltipla – num sentido bem restrito – ou seja, possui não apenas uma, mas
algumas facetas, que necessariamente não se contradizem ou desacreditam-se, mas trazem
novos olhares sobre diferentes objetos. Para fins de melhor entendimento procurarei
desenvolver pontos sobre alguns dos aspectos de sua teoria ao longo deste subtítulo e ao final
farei algumas observações sobre como o Positivismo chegou ao Brasil e sua repercussão na
prática aqui.
Em uma das obras mais importantes, August Comte afirma:
O Curso de filosofia positiva... representa uma notável sistematização dos
progressos realizados pela ciência moderna ao longo do século XVIII e nas
primeiras décadas do século XIX. É unânime o reconhecimento de que
Comte era um grande expositor (CORREA, 1997, p. 19).
Ainda dentro deste contexto o pensador enumera as ciências integrantes do saber
positivo: matemática, astronomia, física, química, fisiologia, física social.
Considerando-as sob o ponto de vista dinâmico, tudo se reduz a estudar a
marcha efetiva do espírito humano, pelo exame dos procedimentos
realmente empregados para obter os diversos conhecimentos exatos que já
foram adquiridos, o que constitui essencialmente o objeto geral da filosofia
positiva, [pois] que os movimentos da sociedade, e mesmo os do espírito
humano podem ser realmente previstos. (apud CORREA, op.cit. p. 25-27).
Na análise da realidade histórica o autor do Curso de Filosofia Positiva percebe a
existência humana percorrida em três estágios diferentes, a saber, o teológico – ou fictício – o
metafísico – ou abstrato – e o científico – ou positivo. Como sendo um processo evolutivo a
sociedade humana aprendeu a raciocinar e paulatinamente desenvolveu um conjunto de
ferramentas de análise da sociedade, desde o período onde ele explicava tudo pelo viés
religioso, passando pelo estágio do raciocínio lógico – semicientífico culminando no estágio
científico, onde o indivíduo estaria apto a buscar as verdadeiras explicações para a vida
humana. Implícito nesta afirmação temos um dos pressupostos mais marcantes no
Positivismo: a destinação universal desta filosofia política.
Em seu Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Comte nos diz: “O
Positivismo se compõe essencialmente duma filosofia e duma política, necessariamente
inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta dum mesmo sistema universal, onde
inteligência e sociabilidade se encontram intimamente combinados” (COMTE, 1978, p. 43).
Mas Comte vai além e propõe uma reestruturação de toda a lógica da sociedade, assim “sua
fundação teórica encontra logo um imenso destino prático, a fim de presidir hoje toda a
regeneração da Europa Ocidental... a reorganização política se apresenta cada vez mais como
necessariamente impossível, sem a reconstrução prévia das opiniões e costumes” (COMTE,
op.cit. p. 43). No entanto, apesar de Comte propor esta reestruturação é um erro pensar-se em
Revolução: quando o filósofo faz esta afirmação está sendo bem conservador, na medida em
que “reformaria a sociedade sem Revolução. Isso sem dúvida consolidaria o poder nas mãos
dos atuais detentores, pois descoberto o caminho era só segui-lo” (CORREA, 1997, p. 33).
Até porque, nunca é demais lembrar, o objetivo de August Comte é gerar equilíbrio social
para depois possa haver a reestruturação de que tanto fala. Desse modo, ele concebe a
inserção das mulheres e do proletariado2 a fim de que estes atores sociais pudessem
desempenhar um papel de difusores desta nova ordem de determinações sociais.
De fato, percebe-se através das análises que o pensamento de August Comte é em
parte múltiplo, mas norteado por princípios básicos, a saber, a ordenação social através de
leis, a capacidade de transformação social via positivismo e a ordem como fator básico para a
existência de progresso. Não há dúvidas que ele julgava ter conseguido sintetizar a sociedade
humana criando uma ciência social e uma moral científica. Não contava, entretanto, que a
ciência não estava esgotada e que não há moral científica possível. Deste Modo Comte seguiu
tortuoso caminho ao sabor do propósito de encontrar receptividade para a sua proposta de
reforma social. Essa circunstância explica o aparecimento no Brasil de múltiplas vertentes, até
mesmo em contraposição uma a outra.
1.2.2. O Positivismo no Brasil – ideologia política
Antes de falarmos sobre a ação de grupos baseados no pensamento de August Comte,
é importante perceber como o Positivismo achou espaço no pensamento brasileiro. Segundo
José Veríssimo, havia dois motivos que explicam a adesão de algumas mentes brasileiras a
este pensamento: “A decadência da metafísica e do teologismo [e] paralelamente o surto de
novas concepções filosóficas” (JUNQUEIRA, 1979. p. 19). Tomadas no Brasil, estas novas
concepções filosóficas sofreram muitos revezes, sendo apropriadas por diversos setores da
sociedade, que não necessariamente sabiam a maneira adequada de pensar estas teorias.
Diferentemente, Veríssimo afirma que:
O contrário justamente se deu com o comtismo. Não só aceitaram as
ciências físicas-matemáticas, como se lhe depararam sequazes e
propagandistas que ao saber reuniam devoção entro nós raríssima às suas
idéias e princípios. E como o Positivismo é mais que um mero sistema
2
“Na visão de Comte, o evento decorreria do comprometimento do que se poderia chamar de comunidade
científica para usar uma expressão contemporânea com aquilo que ele caracterizou como estado metafísico. Essa
constatação equivalia a uma outra; o estado positivo não seria plasmado historicamente de modo espontâneo. Era
preciso o que Marx chamou de o “parteiro da História”. Do mesmo modo que Marx, Comte também voltou-se
para o proletariado. Certamente os dois não tinham entendimento idêntico quanto a camada social que
efetivamente mereceria a denominação. Em Comte é certamente não é a classe operária, ou pelo menos não
apenas esta. É provável que tivesse em mente o que no século XVIII chamou-se de ‘terceiro estado” (CORREA,
1997, p. 30-31).
filosófico, uma doutrina universal, abrangendo o homem e todas as suas
relações, uma doutrina completa e uma fácil lhes foi organizarem-se em
escola, agremiarem-se em igreja, e assim unidos fazerem uma
evangelização. (apud JUNQUEIRA, op.cit. p.20)
Isto posto, na medida em que no Brasil não se tinha instituições organizadas de forma
coerente era de se esperar que esta filosofia política tão bem ordenada – segundo Veríssimo –
tivesse ampla aceitação na sociedade brasileira.
Segundo Antônio Paim,
A filosofia política de inspiração positivista constitui um fenômeno
estudado insuficientemente, em decorrência talvez da consideração do
movimento positivista segundo o ponto de vista da história das idéias na
França e do correlato menosprezo pela circunstância brasileira, vigente
durante largo período. Do ângulo do historiador francês, é provável que se
possa considerar satisfatória a divisão clássica dos positivistas em ortodoxos
e dissidentes. Em nosso caso, entretanto... verificar-se-á... que, sem dúvida,
eles pretenderam implantar uma nova religião, uma filosofia das ciências e
uma filosofia política... Como se vê, o esquema simplista adotado no
passado (a divisão entre ortodoxos e dissidentes) servia apenas para
obscurecer a complexidade e amplitude desse movimento. (apud
JUNQUEIRA, op.cit. p. 9)
Tomando esta citação de Paim na introdução do livro “A filosofia política positivista
I” pode-se perceber que o positivismo brasileiro é diferente do francês. Ainda segundo José
Murilo de Carvalho “Constituíram, sem dúvida, o grupo mais ativo, mas beligerante, no que
diz respeito à tentativa de tornar a Republica um regime não só aceito como também amado
pela população” (1990, p.129). Como um dos grupos mais ativos no Brasil do momento, os
positivistas possuíam um projeto efetivo de conquista de terreno ideológico.
O interessante é observar, como bem saliente Carvalho que “o que os adversários nem
sempre compreendiam era que a ortodoxia não constituía um fim em si mesmo, ela tinha uma
finalidade política” (CARVALHO, op.cit. p. 133). Miguel Lemos e Teixeira Mendes, os dois
líderes do movimento ortodoxo no Brasil eram, até o encontro com Laffite, positivistas ao
estilo Littré – discípulo de Comte que não aceitava o período pós-Clotilde – mas após o
contato com Laffite, aderem ao ortodoxismo comtista. Contudo dois anos após assumir o
cargo de líder do movimento no Brasil Lemos rompe com Laffite, pois este cria que os
brasileiros não estavam sendo fiéis aos ensinamentos de Comte – no centro da discussão
estava a possibilidade ou não de se assumir cargos públicos. Os próprios positivistas de outros
países criticavam esta postura de Lemos e dos outros. Contudo, ao se analisar as cartas de
Lemos e Laffite, perceber-se-á que Lemos compreende a realidade social brasileira pelo viés
da urgência da ação política. Num trecho de umas das cartas de Miguel Lemos Carvalho
destaca:
Aqui, são as classes liberais instruídas que farão a transformação.
Não temos um proletariado propriamente dito, nossa indústria é
exclusivamente agrícola, e o trabalhador rural é o negro escravo...
Tudo isso exige do Positivismo uma atitude extraordinária, a fim de
estar preparado para atender às necessidades do público... Mas para
chegar lá, considerando as circunstâncias indicadas acima, não
precisaremos apenas de devotamento e atividade, mas também de
uma organização e uma disciplina suficientemente desenvolvidas.
(apud CARVALHO, 1998, p. 192)
Essa leitura é bem heterodoxa, pois Comte não concebe as classes liberais o papel de
transformadoras da sociedade, este, por sua vez, caberia ao proletariado, o patriciado e as
mulheres. A ênfase em um dos grupos variou durante os acontecimentos na Europa. O ponto
central da discussão das concepções de Comte esta na adequação feita por Lemos à realidade
brasileira, como afirma Carvalho.
Lemos percebia que no Brasil o proletariado rural não existia politicamente
e o urbano apenas começava a formar-se. Percebia também que os
conservadores estavam presos socialmente à escravidão... As mulheres
constituíam um elemento acessível, mas o trabalho entre elas só poderia ser
de longa duração... Restavam-lhes, então, as classes médias. (op.cit. 137)
Está aí uma das contradições no pensamento de Lemos, pois esse grupo a quem ele
atribui a responsabilidade de transformação – classes médias, mais especificamente o setor
técnico científico – estava mais próximo do littréismo do que do comtismo, pois esta contraelite baseada no cientificismo visava a homogeneidade e a disciplina, gerando conflitos
internos e o afastamento de grandes nomes do movimento como Benjamin Constant e Silva
Jardim. Mas as polêmicas não se restringiam a questões teóricas. Lemos iniciou uma série
posicionamentos dos membros da Sociedade Positivista, sendo uma delas a questão dos
cargos públicos. Mesmo não tendo Comte deixado isso muito bem claro em seus escritos,
Miguel Lemos não aceitava que membros do movimento assumissem cargos públicos, pois
“Num país em que a visibilidade do governo era grande... não aceitar posições de poder era
quase um ato de heroísmo cívico, era a rejeição de uma prática universal embora muito
criticada. Era grande a autoridade moral daí resultante” (CARVALHO, op.cit. p. 138).
Dessa forma, os ortodoxos devem ser vistos mais como um grupo político com
objetivos próprios, idéias definidas e como realizá-las do que um bando de fanáticos
religiosos. Somando a visão comtista com a estratégia dos ortodoxos temos a configuração de
teoria e prática, ou seja, o conteúdo simbológico e a estratégia que impulsionava a ação dos
sectários. Para isso, fizeram uso de textos, artigos e livros publicados e como meio de
convencimento a simbologia, muito utilizada pelos ortodoxos para persuadir mulheres e o
proletariado.
1.2.3. O Positivismo no Brasil – ação política
Pensando sobre os projetos de atividades dos positivistas tanto a filosofia das ciências
quanto a Religião da Humanidade não deram muito certo, ficando relegados a alguns locais
específicos da sociedade. No entanto, a filosofia política deu certo e tem no Rio Grande do
Sul, mais especificamente no Castilhismo sua maior marca. Segundo Antônio Paim,
A filosofia política de inspiração positivista corresponde, em sua primeira
fase, ao castilhismo, assim chamado por ter sido obra de Júlio de Castilhos3
(1860-1903) que, além de tê-la formulado teoricamente, introduziu a sua
prática no Rio Grande do Sul a partir de 1893. (JUNQUEIRA, 1979, p. 10).
E mais, os próprios opositores a Castilhos como Assis Brasil4, “reconhece(m)
equilíbrio e inteligência, honestidade, tenacidade, dom de proselitismo, capacidade de impor
confiança e obediência qualidades superiores enfim...” (JUNQUEIRA, op.cit. p. 106).
E o que Castilhos encontra em Comte e na sua filosofia política? Segundo nos diz
Rubens de Barcelos:
Castilhos achou na meditação da obra de Comte, e na observação dos fatos
históricos, a fórmula mais capaz de resolver, de um ponto de vista humano,
o insanável problema político... Essa doutrina – a que a ortodoxia tanto tem
prejudicado – visava solucionar o problema da organização social pela
aplicação à política, entregue ao empirismo, de um critério sociológico...
Assim orientado, Castilhos resolveu o apremiante problema, criando um
aparelho governativo capaz de garantir a ordem material peal robustez da
autoridade civil, forte e responsável, e de permitir o autodesenvolvimento
da sociedade pelo livre jogo de suas forças espirituais. (apud JUNQUEIRA,
1979. p. 127)
Já se sabe quem foi Júlio de Castilhos, mas e de sua obra? O principal fruto do
pensamento de Júlio de Castilhos é sem dúvida a Constituição Republicana Rio-grandense de
1981. Tida por muitos como positivista, não se pode deixar de notar seu caráter de afirmação
3
Júlio de Castilhos nascido em 1860 elegeu-se deputado Federal e pertenceu à Constituinte de 1891. Foi o
primeiro governador do Rio Grande do Sul (julho de 1891), sendo o responsável pela constituição este estado.
Renunciou seis meses depois de assumir o poder, sob pressão de crise política agravada pela dissolução do
Congresso por Deodoro da Fonseca em novembro de 1891. Regressou ao poder em 1892 e governou até 1897,
quando transmitiu o poder a Borges de Medeiros. (op.cit, 1979, p. 8)
4
Um dos mais importantes políticos riograndenses foi um dos líderes do movimento conhecido como “Aliança
Renovadora”, movimento este caracterizado pela crítica ao castilhismo e à constituição que tinha caracteres
positivistas que iam contra os ideais liberais de parte da elite riograndense. Crítico voraz de Castilhos, Assim
Brasil foi o representante da ala liberal da elite riograndense no acordo firmado entre as partes conflitantes,
coordenadas pelo Poder Federal para por fim ao confronto, assinando o chamado Tratado de Paz de Pedras Altas,
onde se estabelece algumas garantias às minorias e principalmente o fim da reeleição para presidente do estado.
de um poder central, que firmado na autoridade, estabelece regras para o desenvolvimento
social.
Apesar de todas estas atribuições uma das mais importantes e que demonstram o perfil
de positivista desta Constituição é o fato de o Presidente poder se eleger indefinidamente
desde que tenha o “sufrágio de três quartas partes do eleitorado” (JUNQUEIRA, op.cit. p. 31).
Importante também é o papel da Assembléia neste governo: “(Art. 46 – Compete
privativamente à Assembléia: 1°) Fixar a despesa e orçar a receita do Estado, reclamando para
esse fim do Presidente todos os dados e esclarecimentos de que carecer” (JUNQUEIRA,
op.cit. p. 38). Ainda para que se possa ter uma visão do caráter do governo instituído por
Castilhos, é importante perceber que até os magistrados são indicados pelo Presidente do
Estado.Se por um lado vemos o reforço do poder do Presidente, do outro vemos garantias
dadas pela constituição como o direito ao ensino livre e gratuito, liberdade de culto religioso,
liberdade de livre associação, liberdade de imprensa.
1.3 – Relações de mandonismo, clientelismo e coronelismo no Brasil (1891-1930)
Apesar de não ser o foco deste trabalho, não posso deixar de citar as relações políticas
na Primeira República brasileira. O perigo ora existente, e sempre que se empreende uma
pesquisa ele manifesta-se é o de não ser fiel aos conceitos, pois estes usualmente são criados e
desenvolvidos para contextos específicos. Para isso, recorro a José Murilo de Carvalho para
desenvolver sobre os conceitos de mandonismo, clientelismo e coronelismo e também ao
texto de Lincoln de Abreu Penna sobre o pacto oligárquico de Campos Sales.
Partindo do conceito mais amplo e que pode ser aplicado a muitos contextos, haja
vista sua característica de ser maleável temos o conceito de mandonismo. Segundo José
Murilo de Carvalho:
Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de
poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como
indivíduo, é aquele que, m função do controle de algum recurso estratégico,
em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e
arbitrário que impede de ter livre acesso ao mercado e a sociedade política.
O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política
tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em
regiões isoladas. A tendência é que desapareça completamente à medida
que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos. A história do
mandonismo confunde-se com a história da formação da cidadania,
desaparecendo um ao ser expulso pela outra. (1998, p. 133))
Pode-se retirar no mínimo três observações da citação acima. Primeiro, o conceito de
mandonismo refere-se a uma prática de exercício de poder que independe do contexto em que
se esteja vivendo, na medida em que ele expressa uma prática política e não um sistema
fechado e característico de uma determinada sociedade no tempo e espaço – no caso brasileiro
desde o início da colonização; segundo, há que existir uma relação de simbiose entre o
servidor e o patrão – ou mandão – na medida em que aquele depende deste para prover seu
sustento e através disso o mandão exerce seu poder de influencia; e a terceira, que está
intimamente ligada às de cima refere-se à consequencia quase lógica da segunda, a saber, a
existência de um controle de massa e – às vezes – do imaginário das pessoas devido á não
participação na política, garantida pelos direitos civis e políticos.
O outro conceito muito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Assim é
apresentado por José Murilo de Carvalho:
De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve
concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais,
isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um
dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional
(Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de grandes
sistemas políticos. Tais sistemas podem conter maior ou menor dose de
clientelismo nas relações entre atores políticos. (1998, p. 134)
Sobre o conceito de clientelismo é a associação que Carvalho faz com a possibilidade
de haver maior ou menor presença de clientelismo nos sistemas políticos. Isso se dá devido ao
fato de o conceito de clientelismo também poder ser aplicado a alguns contextos históricos
diferentes e com dinâmicas próprias. Contudo, há um corpo que inexorável: qual seja o da
troca, barganha entre o político ou indivíduo de posse e o cliente. Importante também é
compreender que mesmo com a possibilidade de ter coexistido os dois conceitos juntos –
mandonismo e clientelismo – eles são melhores entendidos em contextos mais específicos. O
conceito de mandonismo refere-se mais a mundos majoritariamente onde haja muita
hierarquia social e pouca mobilidade, do outro lado, clientelismo refere-se mais a contextos
onde haja uma certa mobilidade social, no entanto as formas de ascensão social estão sendo
controlada por determinados indivíduos.
Posto isso podemos discutir brevemente o conceito de coronelismo. Como o
compreendo, coronelismo é um termo específico de um período da história do Brasil, a saber,
de 1891 a 1030 – também conhecido como República Velha. Grosso modo denota um tipo de
relação entre os senhores locais e os detentores dos poderes regional e nacional onde em troca
de poder eleitoral através do voto dava-se apoio aos locais para se perpetuarem no poder
devido ao seu estado de decadência econômica. Leia-se em Carvalho
O compromisso coronelista baseava-se exatamente na decadência
econômica dessa classe [coronéis]. É a perda de poder econômico que leva
o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de
classe dominante. Mas é verdade que a teoria é formulada apenas em termos
de compromissos político: os coronéis apóiam o governador, que lhes dá
carta branca em seus domínios; e os governadores apóiam o presidente da
república, este reconhece a soberania deles nos estados. (1998, p. 18)
Baseado em Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho assim expõe o conceito de
coronelismo:
o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que
vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo
compromissos recíprocos... alem disso é datado historicamente... surge na
confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato
político é o federalismo5implantado pela república em substituição ao
centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com
amplos poderes, o governador de Estado... A conjuntura econômica... era a
decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava
enfraquecimento político do poder político dos coronéis em face de seus
dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava então, a exigir a
presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que
diminuía a dos donos da terra. O coronelismo era fruto da alteração na
relação de forças entre os proprietários rurais e o governo, e significava o
fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O
momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira
República, que durou de 1889 até 1930. O conceito de coronelismo
expressa um conjunto de práticas que vigoraram no Brasil no início
do século XX e esteve embasado, segundo Carvalho (1998) em uma
conjuntura política e uma econômica. (CARVALHO, op.cit. p.131-2)
É no período concomitante a este que os autores da linha autoritária estão escrevendo
seus primeiros livros, constatando todos os problemas que o regime político implantado no
Brasil, com base nos pressupostos liberais inscritos na carta de 1891. Diante disso, penso que
esta breve exposição dos conceitos de mandonismo, clientelismo e coronelismo e do contexto
político da época já se possa pensar na recepção que os pensadores nacionalistas autoritários
estavam tendo deste Brasil. Através desta breve citação podem-se perceber os problemas
existentes no país e como esse regime de fachada não atendia às expectativas dos autores
autoritários. Não tento aqui uma defesa dos pressupostos autoritários, mas busco mostrar
como os homens são parte do meio em que vivem e inevitavelmente não podem ser muito
diferente do contexto em que estão imersos. Boa parte da crítica ao liberalismo presente na
5
De caráter positivista, principalmente o do Rio Grande do Sul. No entanto, a da federação também possuía
vínculo com o positivismo cf. capítulo 1.
obra de autores como Azevedo Amaral e Oliveira Vianna são exemplificadas via Primeira
República. Então se pode ter uma idéia do quão importante é o esboço deste contexto para a
compreensão deste pensamento.
2. Principais expoentes do pensamento nacionalista autoritário
2.1 – Francisco Campos
Só o Estado forte pode exercer a arbitragem justa;
A democracia como todas as expressões que traduzem
uma atitude geral da vida, não tem um conteúdo definido,
ou não conota valores eternos
Francisco Campos tem dentro do escopo do pensamento nacionalista autoritário muita
influência, haja vista sua participação ativa durante a ditadura varguista e sua articulação,
mesmo no fim da vida, com o Golpe de 64. Devido a essa longa jornada são muitas as
possibilidades de interpretá-lo e opto por partir do mais geral em sua teoria para em seguida
trazer á tona aspectos mais específicos, que fazem dele um importante pensador a ser
estudado.
Como princípio o ponto que mais deve nos chamar a atenção é o fato de Campos
concebe a realidade brasileira e o processo de transformação desta realidade pela via
autoritária. E vai além, defende não só a ordem como também a legalidade dos regimes
instituídos. Dessa forma [era]
ao longo de toda esta fase Campos revelava-se um político situacionista
(aliás, é digno de nota que jamais em sua vida militou nas hostes da
oposição), defensor convicto da ordem estabelecida e do regime então
vigente, ou seja, das instituições políticas da República Velha, que
perduraram até a Revolução (ou Golpe) de 1930 (que Campos, aliás, ajudou
a tramar e deflagrar na qualidade de secretário do Interior do Governo
Antônio Carlos, um dos próceres aliancistas6 mais destacados). Como
deputado federal Campos é um agressivo crítico e opositor das sublevações
tenentistas e do programa da Aliança Libertadora, de Assis Brasil.
(MEDEIROS, 1978, p. 10)
Antes mesmo de adentrar ao plano da política, já se podia perceber, como neste
discurso acadêmico dos anos 10, suas tendências teóricas (apud MEDEIROS, op.cit. p.11) “O
6
Alusão ao movimento conhecido como Aliança Nacional Libertadora, encabeçada por setores dos estados do
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e outros, também conhecidos na Primeira Republica
como “eixo alternativo do poder” que sob a liderança de Getúlio Vargas derrubaram a República Velha em
Outubro de 1930. cf. cap. 1.
futuro da democracia depende do futuro da autoridade. Reprimir os excessos da democracia
pelo desenvolvimento da autoridade será o papel político de numerosas gerações”. Pode
parecer um equívoco interpretativo conceber Francisco Campos como um defensor da ordem
e da legalidade se este mesmo ajuda na articulação da Revolução (ou Golpe), mas o ponto
principal nisto tudo é o conceito de “Revolução por cima”, ou seja, busca-se a reforma ou
mesmo alteração de algumas estruturas societais vigentes, no entanto, esta reforma ou mesmo
alteração manifesta-se na esfera de cima da sociedade, entre os detentores do status quo em
vigor. Como bem nos mostra Medeiros
Colocado dentro de uma estrutura de poder então vigente, nela trabalhava
não certamente para solapar suas bases sociais – e nisto qualifica-se como
um conservador – mas sim para substituir e reconstituir do alto as suas
instituições políticas e burocráticas modernizando-as. (MEDEIROS, 1978, p.
12).
É importante não deixar de notar a preocupação de Campos em adaptar toda e
qualquer idéia a realidade brasileira. Neste contexto entende-se sua recusa a aceitar totalmente
a democracia moderna, nos moldes em que ela foi instituída, assim, segundo Campos
a democracia moderna, que vive da prosperidade e da unidade da Nação;
essa democracia que precisa de uma espinha dorsal e não a democracia
xadrez, constituída de retângulos inumeráveis, cada qual com a sua bandeira
e a sua cor; a democracia substancial, moldada na unidade nacional... Essa
democracia... não pode constituir-se onde se multiplicam as autoridades
políticas locais, estabelecendo separações, semeando ódios, nutrindo a
desconfiança, a descrença, o indiferentismo e o desprezo do povo pelo seu
regime. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 12-3)
Note-se na citação acima o desprezo pelo liberalismo ali representado pelo
federalismo, ou seja, a relativa independência de cada província ou estado. Isto porque, não
necessariamente Campos não aceitava o liberalismo ou a democracia: o ponto que mais
chama a atenção é o fato de ele estar demonstrando que formas de governo de outrora, já não
surtem o mesmo efeito, sendo necessário o revise e a adaptação a realidade vivida, como se
pode ver a seguir: “Eu creio que nesse caso dos parlamentos continuamos a ser vítimas de
uma daquelas ilusões atribuindo às Câmaras o mesmo papel que elas representaram em outros
tempos” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 13).
Todo o processo de transformação na sociedade e da sociedade seria organizado a
partir das necessidades do país, desse modo nos diz Campos
Havia no Brasil dois países, o legal e o de fato; o país da mentira e o país da
realidade. A revolução é o protesto do último contra o primeiro; são as
necessidades e as exigências do Brasil acordando do sono e da abulia dos
entorpecentes para reclamar os remédios verdadeiros e eficazes... Na
instrução será indispensável considerar, a fim de que possamos atender às
exigências do estado atual de civilização e de cultura, que o Brasil não é
apenas um país de ‘liberais’, mas também, e, sobretudo, um país de
produtores (apud MEDEIROS, op.cit, p. 15)
Na última página apresentou-se um texto do próprio Francisco Campos em que este
classifica o jogo federativo como sendo uma democracia xadrez, isso muito contribui para se
analisá-lo, pois é exatamente esta uma das pedras angulares de sua crítica ao liberalismo: este
traria consigo toda uma rede de interesses locais e subalternos – termo de Campos – que
seriam prejudiciais à Nação, impedindo que esta se modernizasse. Desse modo temos que “se
aquelas instituições ‘liberais’ eram tidas por sinônimo de estado ‘dividido’ e ‘desarticulado’
enquanto que o Estado nacional a que se aspirava seria um Estado hegemônico, ‘integrado’,
‘monolítico’, tornava-se evidente ao nosso pensamento político ‘inovador’ que o ‘liberalismo’
era o responsável último por nosso ‘atraso’ e fraqueza, face aos povos ‘civilizados’.
Tudo isto que foi apresentado tem por base o período pré-Estado Novo, ou seja, antes
de 1930. Neste segundo momento de sua produção intelectual, Francisco Campos está mais
atento às questões que se referem às reformas implantadas durante o governo de Getúlio
Vargas, a saber, a reforma do sistema educacional, reforma das instituições jurídicas, e das
instituições políticas – principalmente depois de 1937.
Do ponto de vista das reformas educacionais, Francisco Campos apóia a implantação
da chamada “Escola Nova”, ou “Escola para a vida”. Esse movimento pode ser visto como
uma das formas de preparar o Brasil para o futuro glorioso que o aguardava, pois a partir do
“sopro de renovação”, o país necessitaria de cabeças pensantes que pudessem competir com o
mercado externo na produção de bens industrializados.
Mas ainda assim há um marco de conservadorismo nesta reforma, refere-se ao retorno
ensejado por Campos do ensino religioso nas escolas, pois “procurava a ‘recuperação dos
valores perdidos’, o qual identificava com a ‘religião’, a ‘família’ e a ‘pátria’, assinalando que
só ‘a educação poderá incumbir-se dessa tarefa”. E continua
Ao passo que, sob a bandeira da doutrina liberal e em nome da liberdade de
cátedra, era permitido o ensino das mais extravagantes e destemperadas
teorias e às escolas se franqueavam todas as superstições científicas, e
todas as cosmogonias, teodicéias e teologias racionalistas, sob o rótulo
fraudulento de ciência, fechavam-se à religião as portas das escolas como se
tratasse de uma expressão espúria da natureza humana. (apud MEDEIROS,
1978, p. 22)
No campo da Política, Francisco Campos produz seus textos enquanto é Secretário da
Educação do Distrito Federal, ou seja, são “textos de um ideólogo no exercício de funções de
Poder” (MEDEIROS, op.cit. p. 23). E dessa forma, segundo Medeiros, podemos assim
sintetizar suas idéias ao longo do período da década de vinte: a) “uma visão apocalíptica
daquele período”; b) “uma visão da sociedade moderna como ‘sociedade de massas’”; c)
“uma apologia das elites, vistas como agentes da história”; d) “uma visão do Estado moderno
como Estado autoritário e antiliberal” (1978 p. 23-24).
Respectivamente, podemos compreender estas características como sendo: a percepção
de um mundo em franca transformação político-econômica, enredada pelo avanço das idéias
capitalistas-burgueses, onde as sociedades e os indivíduos não sabem muito bem os rumos a
tomar; a noção de massa e não mais de indivíduo tomado individualmente, mas sim como
grupo, entidade social única; a paradoxal existência de um estado autoritário e democrático ao
mesmo tempo – isto porque embora este Estado seja autoritário é exatamente por isso que é
democrático, porque pelo exercício da sua autoridade é que ele vai garantir a todos
representação, direitos e atenção nas propostas de governo, atendendo a todos os grupos
sociais; e pela ação de uma elite intelectual e política capaz de conduzir todo o processo de
desenvolvimento da sociedade.
É importante frisar que Francisco Campos lança uma nova concepção de democracia,
já esboçada ao longo deste trabalho: “A democracia nacional.” Pois
queria uma democracia que ‘articulasse’ o país – e não uma democracia
‘desarticulada’ como entendia ser a democracia liberal; ambicionava uma
democracia ‘nacional’ e não uma democracia de ‘ separatismos’ e
conflituosa, como seria aquela das autonomias regionalistas, dos partidos
políticas, dos debates parlamentares, das greves sindicais e do ego[ismo das
associações profissionais deixados aos sabor de seus próprios interesses
particularistas, como entendia que o Estado liberal fazia. Todos estes grupos
e interesses seriam retirados doa órbita de uma composição contraditória e
individualista onde o liberalismo os colocara, para serem integrados,
segundo sua concepção autoritária, dentro do Estado e pelo Estado. (apud
MEDEIROS, 1978, p. 26-7)
É muito proveitoso para as discussões acerca deste assunto que se compreenda
o papel do Estado Nacional nesta conjuntura e como conceitos e coisas como a democracia se
encaixam neste momento, pois surge uma nova realidade que atende a demandas também
novas. Para corroborar a noção de democracia e de que modo ela se adéqua ao pensamento
nacionalista autoritário temos que “Enquanto a democracia de partidos seria uma ‘guerra civil
organizada e codificada’, o Estado Novo representaria a ‘estabilidade institucional’, a
‘harmonia das classes sociais’, e a ‘racionalidade administrativa” (apud, MEDEIROS, 1978,
p. 27).
Por fim, temos também a terceira característica deste segundo momento de produção
intelectual de Campos, que se dá durante o Estado Novo, que é das reformas dos códigos e
legislação. Seguindo o modelo adotado por Medeiros temos nesta reforma dos códigos: a
ênfase na função do estado como árbitro dos conflitos intra-sociais; no clima de massas e na
substituição da concepção duelística pela autoritária; e a simplificação do direito, tornando-o
mais rápido e barato – não obstante a manutenção da justiça e equidade imanentes ao
judiciário.
Por fim, Francisco Campos depois de dar uma entrevista acusando Vargas de ter
transformado o governo numa ditadura tal qual as latinas deixa o governo para se dedicar ao
Direito, sua cadeira na Universidade e sua fazenda em Minas Gerais. Haja vista que foge do
escopo deste trabalho deixo apenas referência.
2.2 – Alceu Amoroso Lima
O Brasil é uma nacionalidade de tradições precárias
e memória fraca, em que tudo se esquece
facilmente e dá a impressão de um país em
constante disponibilidade
A estabilidade da autoridade era, afinal função da
“unidade”: “A unidade conduz os indivíduos a uma
ação comum para um fito comum por meio de uma
ordem comum... Esse propício de unidade social é
que constitui propriamente a autoridade base do
Estado
O pensador que ora apresento esteve participante durante muitos anos dos movimentos
sociais católicos no Brasil. Influenciado por idéias como de Bergson e Péguy e Leon Bloy
Alceu Amoroso este atuante contra o comunismo por meio de sua inserção nos movimentos
religiosos católicos. Por isso mesmo justifica-se apresentá-lo neste trabalho: o pensamento
nacionalista autoritário do início do século XX no Brasil foi um movimento que esteve
presente nas mais diferentes classes sociais de formas diversas. Assim temos, por exemplo,
Azevedo Amaral querendo a inserção do Brasil no processo de industrialização e,
consequentemente, no universo capitalista, ao passo que Alceu Amoroso Lima está mais
preocupado como resgate de alguns valores tradicionais que foram perdidos com o tempo.
Esse autor inicia suas discussões políticas com a entrada no movimento católico como
Jarbas Medeiros nos apresenta “Foi precisamente depois de meu encontro com a Igreja... que
passei a me preocupar pelos problemas políticos... A minha participação nos acontecimentos,
meu juízo dos acontecimentos, está mais ligado á ação católica do que a ação política ou a
ação social” (apud MEDEIROS, 1978, p. 226). Além disso, muito do que Alceu Amoroso
compreendia de mundo adveio da influencia de autores como Maritain, Jackson de Figueiredo
entre outros que estiveram ligados de alguma forma com a Action Française e os princípios
do renouveau catholique. Então:
desenvolveu uma longa correspondência epistolar com Jackson de Figueiredo
– reconhecidamente a influencia determinante e decisiva na sua conversão ao
catolicismo. então, sob a influencia conjunta destes intelectuais cristãos,
Amoroso Lima busca ‘a superação das coisas efêmeras, passageiras, fluidas,
pelas coisas estáveis, sólidas, permanentes, sem prejuízo das outras... na
filosofia do realismo integral terminaria por encontrar respostas àquelas
indagações. (MEDEIROS, op.cit. p. 221)
Após apresentar as bases de seu pensamento discutirei alguns aspectos que julgo
importante para esse trabalho. Já em seus primeiros textos onde Amoroso Lima faz críticas ao
liberalismo e o comunismo. Desse modo temos
de um lado a causa do erro e do outro a causa da verdade... De um lado a
regeneração pela idéia revolucionária, do outro a regeneração pela idéia
religiosa... a causa do Cristo e a causa do anticristo... O século XX vai ser
ora um diálogo, ora um duelo, entre o Vaticano e o Kremlin. (apud
MEDEIROS, 1978. p. 233)
Jarbas Medeiros conclui: “Definia-se a um só tempo como antiliberal e como
anticomunista – o que, afinal, veio a ser a posição manifesta de todos os ideólogos autoritários
brasileiros da década de 30” (MEDEIROS, op.cit. p. 235). Em contrapartida apresentava a
profilaxia, qual seja a da revalorização dos caracteres religiosos cristãos, pois
’Se o Brasil permanecesse fiel ao cristianismo, poderia, por ele, encontrar
sua autenticidade de ‘civilização brasileira’. E acrescentava: ‘ E para isso é
que devemos procurar repor a civilização brasileira sobre a base religiosa em
que nasceu, mas de que nunca chegou verdadeiramente a ter consciência
total’ (apud MEDEIROS, op.cit. p. 234).
Nesta conjuntura de queda dos pressupostos iluministas – porque baseados na razão e
no evolucionismo – e de reafirmação da religião ele desenvolve uma série concepções sobre a
política e a economia, onde a autoridade estaria embasando todas as relações. Com efeito
afirma, “politicamente uma vez que o ‘atomismo democrático dissociou toda a ordem social,
desligando as classes econômicas das classes políticas e estas das espirituais’, o que se
impunha era a ‘reassociação dos três poderes básicos da sociedade: o político, o econômico e
o espiritual’” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 241). E em resposta a esta questão Alceu Amoroso
Lima nos diz:
“A reassociação político-econômico-espiritual caracterizar-se-ia pelo
intervencionismo estatal na vida social e econômica da Nação, pela outorga
de uma legislação trabalhista e previdenciária, pela nacionalização de certos
serviços públicos, por uma política econômica ‘distributivista’ (na qual o
‘problema fundamental é o da distribuição e não o da produção’, com a
‘subordinação da vida material à ordem espiritual. (apud MEDEIROS,
op.cit. p. 241)
Diante desta nova realidade que deveria ser construída, Alceu Lima apresenta o Estado
como sendo o responsável pela organização. Então é a partir da autoridade do mesmo que
ocorreriam as mudanças necessárias. Segundo Medeiros:
partindo do conceito neotomista de autoridade... e considerando-se este
último como objetivo final da política, a ‘unidade social’ era colocada como
condição básica e essencial para o ‘bem comum’. Autoridade, in concreto,
era o Estado, organismo privilegiado na hierarquia política tomista, ao lado
da Igreja, da família, da escola e das corporações. O Estado era, afinal, o
agente principal e o promotor destacado da ‘unidade nacional’. A
autoridade estatal não poderia ser colocada em risco ou, contestada, a não
ser em casos excepcionais e assim mesmo por outras autoridades
constituídas. Objetivamente, portanto, o pensamento político católico entre
nós, tal como formulado por Amoroso Lima, propunha-se, de fato, à
manutenção da ‘unidade nacional como forma de manutenção da autoridade
do estado burguês... [afirma ele] o ‘bem comum’ são ‘ a ordem e a paz que
só podem ser obtidas pela restauração do sentido cristão da autoridade tanto
no Estado, como nos grupos naturais da sociedade, pela sobrenaturalização
da vida individual e coletiva’ e quando reclama a ‘defesa da Autoridade
forte que organiza o Estado’. (1978, p. 358)
Essa concepção da necessidade de uma nova organização – também chamada de
terceira opção, como resposta ao socialismo e o capitalismo –, ou seja, o Estado autoritário
exigiria no mínimo duas exigências: a primeira é a reorganização das nossas instituições, pois
A terceira alternativa (item c), a ideal, implicaria que o Estado, afinal,
deveria ‘nascer naturalmente e não ser construído artificialmente... É
preciso, portanto, que as leis fundamentais do Estado brasileiro
correspondam organicamente a toda à nacionalidade e não sejam
apenas expressão de oligárquicas políticas ou agrupamentos sectários
(MEDEIROS, 1978, p. 266);
A segunda era uma nova forma de relação entre os setores produtivos da sociedade, de
modo que, segundo Amoroso Lima era
assim, o estado ético-corporativo – ‘formado pela imortalidade dos
princípios do cristianismo’ – única alternativa válida para o Estado
individualista de um lado, e o Estado coletivista, do outro. Fora de seu
modelo ideal de Estado teríamos, ou o Estado técnico neo-burguês (EUA) ou
então o Estado técnico proletário (Rússia)” (MEDEIROS, op.cit. p. 266)
Toda esta discussão está fundamentada nos textos até a década de 1940, pois daí em
diante Alceu Amoroso Lima começará a se converter em um defensor da democracia liberal,
ligada a sua concepção de democracia cristã.7. O texto seguir nos diz muito sobre essa
mudança
muitos da nossa geração rejeitamos, em tempo, a democracia por ser ela ou
pelo menos ter se tornado exclusivamente o setor político da burguesia, a
máscara da hipocrisia política de que ela se revestia para ‘fazer crer ao povo
que ele governa’... é em Maritain que vamos procurar os fundamentos
metafísicos indispensáveis para uma restauração da dignidade da
democracia, que deixa assim de ser, quando bem entendida e aplicada, a
defesa de uma classe moribunda, para se tornar a garantia dos próprios
direitos do homem, contra toda a opressão econômica e política, na
sociedade’ lembrando aqui a ‘ sentença bergsoniana’ de que ‘a democracia é
de essência evangélica. (apud MEDEIROS, 1978, p. 304)
Apesar de toda essa mudança, advertindo que não era a favor do liberalismo clássico,
então afirmava: “Não queremos voltar ao liberalismo clássico, já definitivamente
‘ultrapassado’ – o caminho seria a ‘terceira solução’, o ‘humanismo político’, o ‘socialismo
democrático’ ou a ‘democracia social’” (MEDEIROS, 1978, p. 312). Mais adiante apresenta o
que seria a ‘democracia social’: “ a democracia social, que se baseia na liberdade e na justiça
e não apenas na liberdade” (MEDEIROS, op.cit. p. 312).
2.3 – Plínio Salgado
O povo é um monstro que se doma com a mesma
paciência com que se domam os leões e os tigres...
Não podemos, de nenhuma maneira, cortejar a
massa popular. Ela é um monstro inconsciente e
estúpido.
O Brasil é assim, por ser um povo-criança. A
infância é dócil e impulsiva, irrequieta e arguta,
concorda e insubordina-se.
Plínio Salgado constitui-se um dos mais importantes pensadores e atores políticos
deste período no Brasil, fazendo-se presente em um dos momentos mais importantes da
história política do Brasil: a saber, o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas, como um dos
articuladores e defensores do movimento. Além disso, possui uma extensa obra que versa
literatura e análises histórico-sociológicas da realidade brasileira, possuindo cada uma dessas
fases especificidades. Não obstante a constatação da pluralidade e importância de cada uma
7
Uma das explicações para essa mudança na sua idiossincrasia deva-se ao contexto de abertura e de retorno da
democracia – lembremo-nos que é exatamente neste contexto que Getúlio Vargas deixa o poder e põe fim a
Estado Novo.
desses momentos tomarei principalmente o momento compreendido entre 1930-40. Apesar
disso é provável que em certos momentos eu recorra a textos de outros períodos – isso porque
a obra de Plínio Salgado não passa por grandes transformações que contradiga um período
anterior.
Como já se foi dito, justifica-se esse breve esboço da obra deste autor haja vista sua
participação na articulação do golpe de Outubro, liderando a Ação Integralista Brasileira –
AIB – e escrevendo durante muitos anos sobre a realidade do Brasil e as soluções para nossos
problemas. O que se segue é um esboço de seu pensamento, e desde já aviso ao leitor que o
que darei prioridade é o pensamento político, dessa forma não darei grande atenção aos outros
aspectos de seu pensamento.
Um dos grandes problemas apontados por Plínio Salgado, que deveria ser resolvido o
mais rápido possível, com prejuízo a toda a nação caso não fosse, é o da urbanização.
Compreendia que, pelo fato de o país está se desenvolvendo rumo á industrialização,
estaríamos perdendo muito de nossas raízes tradicionais, que traziam consigo um série de
valores tão importantes para nossas vidas em sociedade. Assim nos afirma:
do nosso Hinterland, é que deveriam comandar e dirigir o nosso processo
de urbanização e de desenvolvimento capitalista. Este ‘espírito’ e esta
‘mentalidade’ se resumem, afinal, no paternalismo coronelista, no
assistencialismo e no autoritarismo ‘benfazejo’ das classes patronais, sobre
o conjunto das classes e setores médios que lhe ficam abaixo. (apud
MEDEIROS, 1978, p. 530)
Ainda nessa perspectiva, Plínio Salgado continua apresentando a sua concepção das
características sócio-políticas ideais para o Brasil:
o desenvolvimento da nossa vida urbana não pode efetivar-se numa
progressão maior do que a do crescimento de nossas forças do interior. A
fascinação das cidades é a fonte das discórdias sociais. A luta nela é mais
violenta... Não é possível o sentimento da Pátria onde se sofre mais
influencia do século do que a influencia da terra A tendência das cidades é
para a desnacionalização. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 398)
Isso porque compreendia que além dos males da perda deste sentimento das regiões do
interior o homem poderia se apegar a ideias estrangeiras que prejudicariam muito ao Brasil.
Desse modo, “a sacola do imigrante pode trazer para a sociedade germes mais perigosos do
que a lagarta rosada8” (MEDEIROS, 1978, p. 396). Tem-se assim, formado um escopo de
nacionalismo – que nesse sentido equivale à solução dos problemas do país na medida em que
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Atente-se para o risco que a realidade apontava: com imigrantes desembarcando cada vez em maior quantidade
no Brasil era extremamente perigoso não se atentar para as ideologias que também chegam – principalmente o
comunismo. Este é um ponto importante na visão de Plínio Salgado, e de modo geral no pensamento nacionalista
autoritário: o risco de que outras idéias mudem “quem somos”, ou seja, transformem nossa realidade – que no
caso de Plínio Salgado é o Hinterland.
se compreende que as nossas relações políticas e sociais devem estar pautadas na realidade de
nossa história e não nos pressupostos de outros países – que estará presente em toda a sua
obra refinando sua percepção dos problemas do país e suas soluções.
É importante ter-se em mente a forma específica como pensava Plínio Salgado a
modernidade: via-a não com olhos muito bons, porque compreendia que ela acarretaria
problemas grandes para o país e dado o passado e a tradição histórico-sociológica de nossa
nação dizia que “O arbítrio mental não pode sobrepor-se às fatalidades cósmicas, étnicas,
sociais ou religiosas... País sem preconceitos, podemos destruir as nossas bibliotecas.. sem a
menor conseqüência no metabolismo funcional dos órgãos vitais da Nação” (apud
MEDEIROS, 1978, p. 406). Conclamava então o país para se reorganizasse visando o
restabelecimento da ‘ordem’ que se havia perdido – a saber, os valores do Hinterland.
Na outra ponta dessa corda há as críticas à liberal-democracia e ao capitalismo –
apontado por Salgado como o “verdadeiro bolchevique”. Isso, pois entendia que o capitalismo
e a democracia – em menor escala – haviam deturpado os sentimentos nacionais substituindoos por esse gosto deletério que é o do internacionalismo. Desse modo:
A Terra e a Raça seriam os fatores declarados destas ‘verdades essenciais’,
Tudo o que era adventício’ e ‘alienígena’, era ‘reacionário’... O projeto
assentava-se no ‘Estado forte’: ‘Por que o Estado forte? Para garantia do
indivíduo e da família, e não para sua anulação. O indivíduo precedeu o
Estado’... O indivíduo como força moral é o centro da família, como força
econômica é a razão de ser da classe... Em razão da valorização, por igual,
de cada homem, decorreria a valorização, por igual, de cada classe... ‘As
classes devem ser organizadas... E só um Estado forte poderá sobrepor-se
para fixar e garantir direitos’. (MEDEIROS, op.cit. p. 427)
É interessante perceber essa última frase de Plínio Salgado e a semelhança entre ela e a
de Francisco Campos: “E só um Estado forte poderá sobrepor-se para fixar e garantir direitos”
– de Plínio Salgado – e “Só o Estado forte poderá promover a arbitragem justa” de Francisco
Campos. Sobre essa semelhança dá para percebermos como há um corpo, uma estrutura de
pensamento que perpassa as obras: nesse caso a idéia de que é o Estado quem garantirá aos
cidadãos os direitos e a garantia de que não haverá usurpação de poder.
Ao leitor, pode parecer sem propósito a utilização destes caracteres, no entanto faço
uso destes para lhes apresentar a base do pensamento político de Plínio Salgado – entenda-se
sua opção pelo nacionalismo autoritário. Sobre esse Estado afirma Plínio Salgado:
O Estado seria corporativista: ‘... organizar as classes, ordenando todas as
forças produtoras da Nação... Todas essas classes devem ser organizadas.
Todas devem representar uma força nacional’ garantindo-se-lhes uma
‘representação federal... para que se acabe, de uma vez para sempre, a luta
entre os estados, que é dissolvente e desagregadora’(apud MEDEIROS,
op.cit. p. 440)
E em contraponto a essa visão da sociedade brasileira Plínio Salgado reconhece
que a crise fundamental dos dias atuais tem sua origem imediata no fator
moral do desfalecimento da autoridade e da perda de todo o senso dos
deveres que trouxeram desequilíbrio das forças sociais e econômicas no
panorama internacional e na paisagem nacional. A restauração da autoridade
é o passo preliminar no rumo de um possível entendimento entre os povos. A
objetivação de um ideal democrático tem de renunciar ao imediatismo
democrático (apud MEDEIROS, 1978, p. 450)
E continua sua crítica ao liberalismo e à perda da autoridade afirmando que “’Os
povos estão sendo asfixiados pelos reis do ouro’ O responsável era o liberalismo: ‘É a falta de
disciplina... o liberalismo enfraqueceu, castrou os seus governos’ autoridade (apud
MEDEIROS, op.cit. p. 450). E mais uma vez ressalta caráter mister do nacionalismo se se
pretendia que o Brasil crescesse “É fora de dúvida que o Brasil deve assumir uma atitude de
franco nacionalismo... Tratar de sermos o que somos. Com nossas possibilidades, nosso
caráter, com a consciência de nossas necessidades” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 451).
Seguindo na linha de críticas ao liberalismo e da necessidade do apoio ao movimento
do integralismo afirma:
o integralismo surge como a única força capaz de implantar ordem,
disciplina. A única força capaz de amparar o homem, hoje completamente
esquecido pelo estado liberal burguês, como aniquilado e humilhado pelo
estado marxista soviético. ‘O integralismo era o Estado orgânico’,
‘organização corporativa da Nação’, ‘economia dirigida’, ‘representação
corporativa’, ‘harmonia das forças sociais’, o ‘princípio de autoridade’,
‘primado da inteligência’. No integralismo a representação ‘autêntica’ seria
encontrada ao nível das regiões, das famílias, das profissões e das classes,
sob o ‘pensamento dominante de disciplina e coordenação do Estado’ apud
MEDEIROS, (op.cit. p. 478)
É interessante perceber como há uma ligação entre este autor e os outros. Tanto Plínio
Salgado quanto Azevedo Amaral – e Oliveira Vianna, que será analisado no próximo capítulo
– estão pensando no modelo corporativista como sendo o melhor para o Brasil. Para esses
autores é o corporativismo que garantirá a verdadeira entrada do país no mundo democrático,
pois todas as classes teriam representação nos órgãos respectivos. Assim, tanto Plínio Salgado
quanto Azevedo Amaral elaboram o termo “Estado orgânico” que expressa sua noção de
integralidade e legitimidade na medida em que os grupos sociais estariam bem representados,
ou seja, haveria uma relação de organicidade entre os representados e os representantes pois
os que governam estariam agindo especificamente em prol dos que a eles lhes dedicaram
confiança. A democracia corporativa e o Estado orgânico são dois conceitos que se nos
apresentam como dois pilares do novo Estado surgido da revolução por dentro pensada por
estes autores.
Ainda no que se refere à economia podemos perceber a semelhança entre Azevedo
Amaral e Plínio Salgado no concernente ao conceito de “economia dirigida/equilibrada” –
apesar dos conceitos serem diferentes penso podermos colocá-los em posição de semelhança
pois o princípio da articulação Estado-mercado é presente. Estes dois autores compreendem
que a economia não poderia ficar a mercê do livre mercado. Deste modo, há que se ter a
presença do Estado garantindo a boa circulação e desenvolvimento do mercado, de forma que
não venha a explorar a nenhuma das partes envolvidas nas negociações.
Outra ligação que podemos fazer entre os autores refere-se ao apelo à autoridade
presente em todos. De modos diferentes eles elaboram uma série de teorias que vão ao
encontro umas das outras em quase todos os aspectos. Podemos perceber que o apelo que
Francisco Campos faz ao reforço da autoridade é seguido de perto pelo de Plínio Salgado,
pois compreendem que as massas são incapazes de pensar e responder a estímulos como a
democracia exige. Assim, recorrem a uma muito refinada análise sócio-histórica identificando
nossos maiores problemas e elaborando soluções.
3. O pensamento político de Oliveira Vianna
3.1 – Introdução
O primeiro dever de um verdadeiro nacionalista é
nacionalizar as suas ideias – e o melhor caminho para
fazê-lo é identificar-se, pela sua inteligência com o seu
meio e a sua gente
Cada grupo humano deve ter o seu idealismo próprio,
nascido da sua experiência histórica e da sua experiência
social
Por outro lado, o Poder central, o grande inimigo das
liberdades locais e individuais nos povos europeus,
exerce aqui uma função inteiramente oposta. Ao invés de
atacá-las, é ele quem defende essas mesmas liberdades
contra os caudilhos territoriais que as agridem
Oliveira Vianna foi um sociólogo fluminense que nasceu em 1883 em Saquarema,
estado do Rio de Janeiro. Exerceu muita influência no pensamento e na política de sua época
e juntos com os autores discutidos no capítulo 2 deste trabalho constitui-se num dos mais
importantes autores da linha conhecida como autoritária no Brasil. Trabalhou na imprensa
carioca em jornais como “Diário Fluminense”, “A Capital”, A Imprensa”, “O Paiz”, entre
outros.
Somado a essa carreira jornalística Oliveira Vianna tinha muitos estudos na área da
sociologia, sendo um grande ensaísta e teórico da brasilidade, dos nossos problemas e da
nossa história – sempre pautado na sociologia. Escreveu dezenas de livros sobre a realidade
social, política, trabalhista, jurídica e etnológica do Brasil, iniciando duas publicações com o
livro “Populações Meridionais do Brasil – volume I: Populações do Centro Sul” publicado em
1920, mas concluído em 1918.
Após esse esboço biográfico do autor podemos indagar sobre dois problemas que
podem ser vistos e discutidos: o primeiro, de que modo, baseando-me principalmente no caso
de Oliveira Vianna, surge no início do século XX no Brasil uma vertente de compreensão
teórica autoritária; e a segunda, quais são as especificidades do pensamento de Oliveira
Vianna que o fazem importante para a história sociológica do Brasil no que concerne aos
problemas e soluções de nossos gargalos institucionais e sociais.
3.2 – Caracterização e contra que surge o pensamento autoritário de Oliveira Vianna
Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a
história de uma sociedade de lavradores e pastores... e
somente o autoritarismo, o Poder pessoal e o
paternalismo teriam as ‘fontes de sua vitalidade na
subconsciência da nacionalidade’
A raça é em última análise, um fator determinante das
atividades e dos destinos dos grupos humanos
O pensamento autoritário de Francisco José de Oliveira Vianna é pautado numa visão
dual do processo de formação de uma nacionalidade e de um povo. Seguindo o modelo
apresentado por João Quartim de Moraes para ele,
a base institucional consiste num princípio, enquanto que o complexo
democrático constitui uma realidade cultural. Estamos diante do leitmotiv da
crítica às instituições brasileiras: a separação entre os princípios
institucionais e a realidade cultural” (MORAES, BASTOS, 1993, 97).
Assim temos que há um esforço muito grande deste autor identificar os fundamentos
teóricos, ou seja, aqueles princípios que servem de estrutura formal para a implementação da
política, que embasam uma determinada sociedade e um determinado modus operandi de um
povo – para isso lança mão sobre o passado europeu, principalmente o inglês, para identificar
os princípios que baseados na experiência deste povo norteou sua história.
Noutro lado temos que existe a análise, muito bem sucedida do ponto de vista teórico,
muito bem sucedida de uma realidade histórica própria dos povos. Assim, Oliveira Vianna
compreendia que os países europeus, principalmente a Inglaterra e na América olhando para
os Estados Unidos tinha, devido á sua história de autogoverno, fundado na township, ou seja,
no autogoverno das províncias ou pequenas aldeias. Note-se que ele entende que uma coisa
complementa a outra, ou seja, cada país possui os seus fundamentos institucionais e noutra
mão possuem uma história. Isso se reflete na adequação ou não destes fundamentos à
realidade de determinada nação.
Então temos possibilidade de começar a responder a primeira questão colocada no
tópico 3.1 sobre contra que surge esse pensamento político autoritário.
Nascido no último quartel do século XIX Oliveira Vianna está atento aos problemas
que têm nos afligidos, a saber, o regime instituído na Carta constitucional de 1891, liberal em
sua essência e com algumas características positivistas. Percebe todo o mandonismo e o
chamado coronelismo (discutido no tópico 1.3) do regime político da Primeira República,
com seus vícios e defeitos. No entanto, sua crítica vai muito além disso, porque se usarmos o
método que de Quartim de Moraes da análise dos princípios e realidades de uma sociedade
veremos que Oliveira Vianna vai além: percebe a incoerência entre a política oficial e a
política real.
Temos que
O problema da nossa salvação tem que ser resolvido com outros critérios,
que não os critérios até agora dominantes. Devemos doravante jogar com os
fatos, e não com hipóteses, com realidades, e não com ficções e, por um
esforço de vontade heróica, renovar nossas ideias, refazer nossa cultura,
reeducar nosso caráter... obra de organização e construção... só assim, no
contato forçado com esses grandes povos que estão invadindo e
senhoreando o globo poderemos, pelo, reforço previdente das nossas linhas
de menor resistência, conservar intactas, no choque inevitável a nossa
personalidade e a nossa soberania. (apud MEDEIROS, 1978, p. 157)
Seguindo nessa mesma interpretação Frederico Costa assim se expressa:
O autor buscava respostas e alternativas sempre segundo a especificidade da
História do Brasil, sempre condenando a insistência com que as elites
nacionais teimavam em adaptar, canhestramente, modelos europeus,
nascidos da história e dos costumes da Europa, a uma realidade brasileira
totalmente diversa àquela, seja cultural, geográfica ou sociopoliticamente
considerada... Ora, a democracia liberal, alvo das elites políticas idealistas
do começo do século XX, exigiria vivência prévia de laços comunitários de
solidariedade para que suas instituições não operassem no vazio sociológico
já apontado por Joaquim Nabuco... A arquitetura institucional do Brasil,
então, deveria levar em consideração a história do povo brasileiro e isso
significaria – em Oliveira Vianna – ter em conta tipos sociais brasileiros
como o oligarca, o coronel, o afilhado, o genro, o juiz nosso o eleitor de
cabresto. (2005, p. 39-41)
Note-se nestes autores, a preocupação que expressam de Oliveira Vianna conceber
realidades políticas e instituições políticas, princípios políticos de outros lugares. Aqui cabe
uma observação importante: Oliveira Vianna é um autor que critica o liberalismo no Brasil, e
não necessariamente o liberalismo em si, pois como já demonstrei acima a crítica era a
instituições inadequadas a realidades. Assim
se na Europa e nos estados Unidos, o Estado liberal resultara de uma
‘evolução natural’ – dentro de ‘estágios’ históricos por ele denominados
sequencialmente, de ‘Estado-Aldeia’, ‘Estado-Império’ e ‘Estado-Nação’ –
no Brasil aquela linha evolutiva não fora, por injunções históricas,
obedecida e, faltando-nos a etapa democrática do ‘Estado-Aldeia’, já
havíamos iniciado nossa existência sob o ‘Estado-Império’, de nenhuma
base democrática, mas antes autoritário e cesarista. A revolução liberaldemocrática na Europa teria, assim, cabimento e sentido, o que não
aconteceria conosco. (MEDEIROS, op.cit. p. 164)
Complementando essa interpretação Luiz Werneck Vianna afirma
Haveria, aqui, uma sociedade agrária, patrimonial, mas de uma sociedade
tradicional diversa da que predominara na história européia. Não vínhamos
da feudalidade, nem conhecemos as comunas burguesas emancipadas em
luta contra o poder local dos senhores de terra, assim como nos era estranho
o produtor direto como indivíduo livre e proprietário da sua força de
trabalho. Descendíamos diretamente do capitalismo mercantil e da ação
racionalizadora de um Estado, nossas cidades foram concebidas para
dominar o campo e nossos sistemas produtivos forma implantados sob o
estatuto do trabalho servil ou escravo, imposto por elites militarizadas a
povos de origem diversa da sua... O liberalismo político nasce, portanto, sob
o estigma da ordem e da autoridade, com a função de fornecer sustentação
ideal ao estabelecimento de um Estado nacional, e não para consagrar a
liberdade (1997, p. 155)
Some-se a isso a citação de em Jarbas Medeiros
Os pressupostos funcionais de uma estrutura democrática moderna, de tipo
Estado-Nação (de base democrática), hão de ter o seu assentamento
principalmente num complexo cultural, que deve ser anterior e preliminar à
instituição deste tipo de estado: e que é a capacidade de cada indivíduo
para se subordinar, ou mesmo sacrificar, os seus egoísmos naturais e os
seus interesses pessoais (de indivíduo, de família ou de clã) aos interesses
gerais ou coletivos dos grupos ou comunidades maiores a que ele pertence
( aldeia, comuna, província, Nação) Sem esta base preliminar, é certo que a
estrutura democrática... degenera e se corrompe. (1978, p. 165)
Dessas análises sobre a incoerência entre as instituições políticas e a realidade
brasileira Oliveira Vianna cria quatro conceitos que dão conta dessas especificidades. São
eles: o “Brasil legal”, “Brasil real”, “idealismo orgânico” e “idealismo utópico”.
Como “Brasil legal – ou artificial” Oliveira Vianna compreendia o Brasil das
instituições políticas garantidas pela constituição, ou seja, aquele Brasil jurídico, que está
expresso na lei, baseado nos princípios europeus e norte-americanos que não expressavam os
anseios da sociedade brasileira. Noutro extremo, temos o “Brasil real”, ou seja, aquele que
Luiz Werneck Vianna nos apresentou como sendo baseado no patrimonialismo, na não
liberdade individual onde a nação foi uma obra do estado. Sobre isso Oliveira Vianna assim
se expressa:
Há um século vivemos politicamente em pleno sonho (...) O grande
movimento democrático da Revolução francesa; as agitações parlamentares
inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república
Americana, tudo isso exerceu e exerce sobre nossos dirigentes políticos,
estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética, que lhes
daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse
fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso
deles um Brasil artificial... 1)Na vida política de nosso povo, há um direito
público elaborado pelas elites e que se acha concretizado na constituição. 2)
Este direito público, elaborados pelas elites está em divergência com o
direito elaborado pelo povo-massa que tem prevalecido, praticamente. 3)
toda a dramaticidade de nossa história política está no esforço improfícuo
das elites para obrigar o povo-massa a praticar este direito por elas
elaborado, mas que o povo-massa desconhece e a que se recusa a
obedecer(apud SILVA, 2008, p. 243-4)
É nesse contexto que entendemos os conceitos de idealismo orgânico e utópico.
Oliveira Vianna assim compreende o conceito de Idealismo utópico
‘Idealista [utópico] é, pois, para nós, todo e qualquer sistema doutrinário ou
todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo desacordo com
qualquer conjunto de aspirações orgânicas da sociedade que pretendem reger
e dirigir’, citando em apoio, o ‘idealismo orgânico... que só se forma de
realidade que só se apóia na experiência, que só se orienta pela observação
dos povo e do meio... (apud MEDEIROS, 1978, p. 204)
Nilo Odália assim sintetiza esses conceitos:
teorias e soluções que por nascerem em contextos históricos diferente, onde
a cidade, ou a comunidade possuem uma força conformadora, nada
representam onde a grande realidade são os imensos espaços vazios, a
descontinuidade, a solidão, a insolidariedade, a experiência pessoal e
familiar, que comandam e determinam as ações práticas do homem, quer
sejam aquelas destinadas à sobrevivência, que sejam aquelas que se
destinam a constituir uma sociedade política ou uma sociedade civil. O
conhecimento é, antes de mais nada, o ponto de partida de uma ação política
que tem como centro o Estado e um programa de reformas(MORAES;
BASTOS, 1993, p. 151-2)
É importante ter em mente que Oliveira Vianna compreende a realidade como sendo o
ponto máximo onde o ser humano que pensa socialmente encontrará as soluções para os
devidos gargalos que porventura existirem.
Então temos que: primeiro, existe uma realidade social e histórica que determina a
melhor ou pior adaptação de princípios teóricos que servem de base para a organização de
uma sociedade; segundo, as sociedades européias, principalmente a inglesa e a sociedade
americana passaram por todos os estágios de evolução de uma nação – Estado-Aldeia, EstadoImpério e Estado-Nação –, enquanto que nós brasileiros nascemos sob o Estado-Império, o
que significa que nunca antes – até aquele momento – estivemos em contato com outra coisa
senão o autoritarismo e o cesarismo; terceiro, as elites brasileiras erraram ao basearem-se em
“ficções” e não em fatos ao instituírem o regime liberal no Brasil. Então quais são as medidas
que devem ser tomadas? Qual o caminho a se seguir? É sobre isso que discorrerei agora.
3.3 – Concepções de Estado e programa de reformas em Oliveira Vianna
Todo o grupo regional é produto desta fórmula: meiocultura-raça... Cada um destes fatores ocorre, porém na
composição de equação do grupo, em proporções
diversas, ora mais, ora menos, variando ao infinito, para
cada um deles suas combinações...
se ontem como agora, o problema da democracia no
Brasil tem sido malposto, é porque tem sido á maneira
inglesa, à maneira francesa, à maneira americana; mas
nunca, à maneira brasileira
Para que se sanassem essas deficiências presentes na realidade do Brasil era necessário
que se empreendesse uma obra baseada em três pilares, segundo Jarbas Medeiros “a unidade
nacional – compreendida aqui em sua dimensão territorial, política, social e econômica – a
partir da qual deve ser entendido o seu nacionalismo; b) a modernização institucional – que
ele tinha como sinônimo do corporativismo, sobretudo administrativo; c) a conciliação das
classes” (1978, p. 159). Ainda na caracterização dos princípios norteadores do pensamento
político de Oliveira Vianna Nilo Odália elege três pontos, a saber:
1. uma fundamentação histórica que permeia interna e integralmente,
constituindo-se no elemento central de decisão quanto à escolha das
alternativas político-sociais que conduzirão ao objetivo colimado; 2. a
utilização do Estado como um instrumento privilegiado de ação e; 3. um
programa de reformas que abrange a sociedade como um todo.
(MORAES; BASTOS, 1993, p. 149)
Como bem assinala Odália, é o Estado que obrigatoriamente vai empreender as
reformas. É através dele que serão tomadas as decisões e é em prol do benefício do povo, da
nação que será despendido esse esforço. No entanto, antes de o Estado iniciar esse processo
de modernização há que se fazer uma reforma na sociedade – basta nos lembrar que antes que
um projeto institucional seja empreendido, do ponto de vista formal, há que haver uma
reeducação do povo-massa, de modo que este venha a estar preparado para receber este novo
modelo de sociedade. Assim o “complexo cultural” deve estar adaptado à essa nova forma
institucional, assim como essa nova forma institucional deve ser moldada de acordo com o
local onde ela for ser posta em prática.
Na tentativa de se perceber a realidade do Brasil para realização deste novo projeto
institucional perceber-se-ia que devido a nosso passado somos uma sociedade de elites. Com
efeito,
Estas grandes e pequenas oligarquias não são, pois, em si mesma,
condenáveis. Num povo como o nosso, são elas mesmo inevitáveis.
Diremos mais: elas são necessárias. O grande problema não está em destruílas: está em educá-las, em discipliná-las... Estas oligarquias esclarecidas
seriam, então, realmente, a expressão da única forma de democracia
possível no Brasil. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 161)
Complementando está visão Frederico Costa afirma:
A imagem que melhor ilustra a idéia de elite política em Oliveira Vianna –
este tipo de homem fora da História – é a por ele construída a respeito da
elite do Império, os “homens de 1000”. Estes homens estavam fora da
história porque não os animava na vida pública o instinto individualista e
privatista típico do povo-massa, além de serem recrutados pela atitude
conscientemente seletiva do Imperador, ‘estes homens, assim tão grandes,
não eram grandes porque inspirados no povo-massa, mas na sua cultura e
em seus complexos respectivos’ mas antes por seu carisma, e repito, por
suas qualidades excepcionais, identificáveis e aproveitadas pelo Imperador.
(2005, p. 44)
Há nesta visão de Oliveira Vianna a percepção sociológico-histórica do homem
brasileiro como sendo o homem que crescendo separado, isolado, “dendrófilo” e “fragueiro”,
sem laços mecânicos com a sociedade que o cerca. Assim (apud VIANNA, 1997, p. 172), “...
o nosso homem do povo, o nosso campônio é essencialmente o homem de clã, o homem de
caravana, o homem que procura um chefe, e sofre uma como que vaga angústia secular todas
as vezes que, por falta de um guia, tem necessidade de agir por si, autonomamente”.
Complementando esta visão temos esta citação de Oliveira Vianna
Valente, bravo, altivo, arrogante mesmo, o nosso campônio só está bem
quando está sob um chefe, a quem obedece com uma passividade de
autômato perfeito... Do nosso campônio, do nosso homem do povo... está a
base da sua consciência social... Toda a sua psicologia política está nisso”
(apud MEDEIROS, 1978, p. 192).
Após esta apresentação poder-se-ia perguntar para qual o objetivo desta obra
reformadora que toca toda a sociedade. Existem na tradição das ciências Sociais três
interpretações para essa resposta. Segundo Ricardo Silva:
Com a justa preocupação em distinguir entre as diferentes modalidades do
pensamento autoritário, as quais circulavam naquela década politicamente
turbulenta e intelectualmente criativa, Santos observa que, além do
autoritarismo justificado com argumentos éticos e naturalistas (como o dos
integralistas) e do autoritarismo justificado por razões de ordem históricoestrutural (Azevedo Amaral e Francisco Campos, por exemplo), havia uma
terceira corrente de pensadores autoritários que, diferentemente das duas
primeiras, via no “sistema político autoritário” apenas um meio para se
chegar a uma “sociedade liberal” (2008. p. 241)
Sobre essa interpretação nos diz
No entanto, apesar do evidente autoritarismo que inspira o preconceito
anti-parlamentar de Oliveira Vianna, o sociólogo fluminense deixa uma
porta aberta à democracia e é em virtude dessa obra que podemos falar na
presença, na sua obra, de um autoritarismo apenas instrumental, como
sugere Wanderley Guilherme dos Santos. Essa porta aberta é a afirmação de
Oliveira Vianna, de que a independência do poder Judiciário garantirá no
Brasil as liberdades civis dos cidadãos, e que, garantidas essas liberdades, o
Brasil poderá pensar na conquista das liberdades políticas. Ricardo Vélez
Rodríguez (1997, p. 192)
Isso pode ser comprovado ao analisarmos a citação contida em Medeiros
o que é capital para a democracia é a participação coletiva, a participação
destas classes como tais nos negócios públicos, na atividade dos governos,
na determinação de suas diretrizes administrativas e políticas... [Para
compensar a derrogação das] garantias políticas ele pede a
institucionalização de um sistema judiciário garantidor dos direitos civis.
Organização sólida e estável da liberdade, principalmente da liberdade civil,
por meio de uma organização sólida e estável da autoridade, principalmente
da autoridade federal... Um poder Executivo forte; ao lado dele, um Poder
Judiciário ainda mais forte – eis a fórmula... Ora a verdade é que é possível
existir um regime de perfeita liberdade civil sem que o povo tenha a menor
parcela de liberdade política: e o governo do ‘bom tirano’ é uma prova disso.
(1978, p. 172)
Neste contexto pode-se também entender o que Oliveira Vianna compreendia como
sendo sua “democracia social”. Esse conceito expressa a ideia de que a democracia
verdadeira, aquela que surtiria efeito no Brasil e que era trazia em si o que melhor poderia
existir era a democracia corporativa.
Neste sentido, o sociólogo fluminense estava preocupado com a representação e a
participação de todas as camadas sociais na política. Por certo, como já deixei claro acima, ele
compreendia que existia uma elite social que deveria controlar e dirigir a obra política do país.
Não obstante, isso não significava que as classes baixas não teriam nenhum tipo de
representatividade. Assim, “A realização de um grande ideal nunca é obra coletiva da massa,
mas sim de uma elite, de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele
peleja que, quanto vitoriosa, lhe dá realidade e lhe assegura a execução...” (apud MEDEIROS,
op.cit. p. 193). E segundo Medeiros:
As elites, assim, seriam os ‘mais capazes’, ‘os melhores’, ‘as maiores
competências’, os ‘ quadros dirigentes’ de qualquer grupo classe ou
categoria. Para ele nada havia de antidemocrático na expressão Governo das
elites, essa forma de governo democrático muito mais penetrada do espírito
do povo, que lhe permite uma representação direta e imediata, do que a
forma de democracia até agora realizada pelo sistema de partidos, que só
lhe permite uma representação indireta e mediata. (op.cit. p. 193-4)
O grande problema do Brasil na perspectiva de Oliveira Vianna é que nós absorvemos
muitas coisas de outros povos como o voto direto e universal, o liberalismo e a democracia de
massas, no entanto não estávamos preparados para elas, e concomitantemente, não houve
nenhuma adaptação deste ideal pra nossas instituições e nossa nação – observando-se os
valores e a tradição histórica do Brasil.
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho expresso na introdução era esboçar, baseado na bibliografia
existente o pensamento nacionalista autoritário no Brasil de inícios do século XX,
especificamente o pensamento de Francisco José de Oliveira Vianna, professor de sociologia
e homem muito influente na academia brasileira da época e na política, assumindo vários
cargos no governo Vargas. Dentro deste espectro, busquei apresentar e discutir as suas críticas
à sociedade da época, nossos gargalos que nos impediam de crescer e entrar de vez na
modernidade e, concomitantemente, sua contribuição para a academia.
Para isso, no primeiro capítulo fiz algumas discussões teóricas sobre o pensamento
autoritário e a suas características mais gerais; também neste ponto apresentei a interpretação
mais aceita que embasa o pensamento autoritário no Brasil – a saber, a sociologia weberiana
que vê no Estado uma instituição própria com sua agente e seu proceder próprio, não sendo e
agindo em concordância com o mercado como bem discutiu Bolívar Lamounier. É também
neste capítulo, no segundo tópico que recorri ao contexto histórico para apresentar o espírito
de antiliberalismo que existia na época. Desse modo, apresento uma das teorias mais
importantes deste período no Brasil: o Positivismo.
Deste subtítulo podemos extrair alguns pontos. O primeiro deles é que o contexto
histórico em que o Brasil, e consequentemente os homens que nele habitavam e pensavam,
estavam sendo muito influenciados por ideais que não os liberais. O segundo ponto que
podemos extrair deste tópico é que a sociedade brasileira, e mais especificamente, alguns
homens, estavam começando a pensar a nossa realidade de acordo com as nossas
possibilidades. Assim, os positivistas são um exemplo de como as ideologias difundidas na
Europa e os Estados Unidos já não são vistas como panacéias, ou seja, já há no país, um
espírito crítico que surge contra a colocação ipso facto de concepções oriundas de outros
lugares aqui no país. Isso é bem evidente nas palavras de Miguel Lemos e Teixeira Lemos em
carta a Laffite.
A partir dos anos de 1910, já existem autores escrevendo sobre o Brasil afirmando o
que mais tarde será difundido por Oliveira Vianna, Alceu Amoroso Lima, Francisco Campos
e Plínio Salgado – um dos que estiveram na vanguarda deste movimento foi Alberto Torres. É
sobre isto que fala o capítulo dois deste trabalho. Se no capitulo um estive preocupado com
uma breve discussão teórica sobre as bases interpretativas do pensamento autoritário, no
capítulo dois estive interessado em dar mais atenção a cada autor em separado. Deste modo,
nos três subtítulos discuto separadamente o pensamento de Francisco Campos, Alceu
Amoroso Lima e Plínio Salgado.
Sobre o primeiro autor o que podemos afirmar é a sua percepção de que as reformas
deveriam ser feitas de cima para baixo, os seja, o Estado Autoritário por ele é justificado
devido à inexistência de qualquer consciência na população brasileira. Isso porque Francisco
Campos é um dos autores que mais fizeram parte do governo de Getúlio e estava interessado
em reformas efetivas e tinha de pensá-las em termos práticos, que pudessem ser empregados
no momento. Todo o movimento de reformas deveria ser feito pelo Estado – haja visto que a
população não tinha capacidade de promover revoluções de fato.
O pensamento de Alceu Amoroso Lima pode ser bem colocado e entendido na
perspectiva da ciência + religião. Muito influenciado pela ideologia da Rerum Novarum e da
Ação católica, ele é está muito atento às necessidades do Brasil de vencer os limites das
classes, pondo a sociedade corporativa, autoritária, moderna de democrática. Tanto para um
lado, quanto para o outro compreendiam que existiam necessidades que deveriam ser sanadas
pelo Estado, como o benefício à saúde, educação, emprego e melhores condições de vida. E
como uma das marcas já faladas sobre estes autores, Amoroso Lima também compreendia
que as reformas deveriam ser promovidas pelo Estado, pois é a partir da autoridade existente
nesta instituição que fará com que os projetos sejam efetivamente postos em prática. Neste
autor, encontramos várias citações de que o que se deveria buscar é humanizar o capitalismo,
a democracia, com vistas a ensejar o desenvolvimento espiritual dos homens.
Outro autor que esteve muito ligado à ação política foi Plínio Salgado. Desde a
década de 1930 com a criação da Ação Integralista Brasileira, ele estava atento aos problemas
do país e apontava que a via autoritária seria a melhor e única solução. Sendo um dos autores
mais importantes deste período ele tinha muitas características das apontadas como sendo
gerais deste pensamento: Estado elitista, autoritário, democrático-corporativo. Como concebia
uma crítica muito ácida ao liberalismo é importante que se apresente: compreendia os
problemas da sociedade hodierna como sendo devido à cobiça e ao egoísmo liberal que teria
devastado o espírito do ser humano, sendo necessário o resgate deste espírito abandonado.
Na parte final deste trabalho o assunto central é o pensamento de Oliveira Vianna e
podemos perceber duas coisas: a primeira é que ele é um dos mais importantes autores desta
linha de pensamento, haja visto a sua grande produção bibliográfica, sua participação nas
reformas promovidas pelo governo Vargas e sua influencia após sua morte.O segundo motivo
para essa maior atenção a seu pensamento e às interpretações que se fizeram do mesmo é
devido à sua contribuição no que concerne a análise da realidade brasileira, observando as
relações entre senhores e escravos, entre patriarca e seus agregados, a inadequação das
ideologias aqui em nosso país e o esforço de em colocar o país na ordem do dia do
desenvolvimento ocidental capitalista. O trabalho dele em tornar as pesquisas sociológicohistóricas no Brasil em trabalhos científicos, objetivos, o mais imparciais possível, sendo
apontado como um dos primeiros cientistas sociais no moldes modernos da história do Brasil.
Sobre isso, todos os autores estavam preocupados em dar uma contribuição real e objetiva
para o país com o objetivo de através de suas análises participarem do processo de
modernização da nação.
Assim, ainda que aceitemos que Oliveira Vianna era um autor de linha autoritária é
importante entendermos como ele concebia sua forma de revolução e transformação sociais. E
neste sentido que quero corroborar aqui a tese de Wanderley Guilherme dos Santos sobre o
‘autoritarismo instrumental’. Ela pode servir como um Norte para se discutir esse pensador.
Oliveira Vianna é um autor que tem suas pesquisas permeadas por um eixo comum – a
saber, a dualidade fatores culturas e formais institucionais na constituição de uma determinada
nacionalidade. Seu autoritarismo para além dos preconceitos e incoerências interpretativas de
outrem pode ser enquadrado como sendo instrumental porque tinha como principal objetivo a
adaptação do ideal democrático ao país. Assim, devido a nossa história de mandonismo e de
quase nenhum contato com a liberdade deveria ser de tipo corporativo, pois assim, estaria
sendo garantida o acesso ao processo de decisão política todas as classes, sem nos
esquecermos do controle que seria exercido pelas elites esclarecidas.
É um autor muito preocupado com a realidade do Brasil e com a nossa inserção no
mundo e com a garantia de nossa evolução e crescimento enquanto nação. Tinha muitas
preocupações com nossa nacionalidade e contribuiu para a edificação dos pressupostos
teóricos científicos de muitas áreas e pesquisas durante o século passado. Seus conceitos
influenciaram muitos estudiosos e fazem parte das principais interpretações sobre o Brasil.
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O Pensamento Político de Oliveira Vianna - revisado -