UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
SUPORTES IDEOLÓGICOS DO PROCESSO DE TRABALHO
DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
MARCIA CRISTINA FERNANDES
ORIENTADOR:
PROF. Ms. ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY
RIO DE JANEIRO
MARÇO/2003
I
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
SUPORTES IDEOLÓGICOS DO PROCESSO DE TRABALHO
DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
MARCIA CRISTINA FERNANDES
Apresentação de monografia ao Conjunto Universitário
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Terapia de Família.
RIO DE JANEIRO
MARÇO/2003
II
AGRADECIMENTO
Este é mais um momento importante de minha vida.
E, para que ele se tornasse realidade muitas pessoas
contribuíram – cada uma a sua maneira. Assim
agradeço:
... a minha família pelo incentivo e apoio que me deu
em continuar, apesar das dificuldades.
... a Valmir, meu namorado e companheiro pela
paciência e compreensão nos momentos em que
esta trajetória nos impediu de ficarmos juntos.
... às amigas Denise e Rita de Cássia e ao amigo
Sylvio pelo apoio , amizade e companheirismo que
demonstraram durante o período em que estivemos
juntos.
... a todos os professores e, em especial àqueles
que, tendo verdadeiro compromisso com os alunos
contribuíram, efetivamente, para nosso crescimento
profissional.
... a todos os funcionários da Universidade que com
presteza nos serviram.
... a Deus, por ter me dado forças nessa trajetória e
também por ter colocado pessoas maravilhosas e
especiais no meu caminho. Por que cada uma, do
seu jeito
deu sua contribuição para o meu
crescimento pessoal e profissional.
III
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia a todas as pessoas
que, de alguma forma, tiveram participação em
minha trajetória como estudante de PósGraduação em Terapia de Família.
IV
EPÍGRAFE
“Só se vê bem com o coração. O essencial é
invisível aos olhos”.
(Antoine de Saint Exupéry)
V
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
07
CAPÍTULO I
Um pouco de história da Ação Comunitária Sal da Terra
09
CAPÍTULO II
Afinal, o que é uma ONG?
14
CAPÍTULO III
Política social: um tema com muitas definições
31
CAPÍTULO IV
Algumas reflexões acerca da política social no Brasil
47
CAPÍTULO V
O processo de trabalho do serviço social na ação Comunitária
Sal da Terra
53
CONCLUSÃO
67
BIBLIOGRAFIA
68
ÍNDICE
69
ANEXOS
70
FOLHA DE AVALIAÇÃO
71
VI
INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho
surgiu da experiência que adquirimos no
trabalho voluntário realizado no Serviço Social da Ação Comunitária Sal da
Terra – uma ONG, obra social da Paróquia S. Tiago Apóstolo, no bairro Lins de
Vasconcelos, Rio de Janeiro no período de janeiro de 2000 até janeiro de 2001.
Atuar no
plantão de atendimento do Serviço Social
onde os
usuários traziam as mais diversas demandas – alimentos, roupas, calçados,
remédios dentre outros levou-nos a observar que aquela população carente
que buscou o Serviço Social estava totalmente “abandonada” no que se refere
aos direitos básicos – saúde, educação, moradia, emprego , lazer, e tantos
outros garantidos na Constituição Federal Brasileira
e que a ausência de
políticas sociais mais amplas por parte do Estado contribuía para que, aquela
comunidade buscasse no Serviço Social a “solução “ para os seus problemas
cotidianos.
Foi atendendo no Plantão, que tivemos a oportunidade de observar
que a busca incessante dos usuários por tantas demandas evidenciava uma
questão fundamental: apesar de buscarem o Serviço Social por tanto tempo
aquelas famílias continuavam na mais profunda miséria e dependência dos
serviços oferecidos pela instituição. Parecia faltar algo, então começamos a
refletir sobre o que poderia levar a tanta procura e buscamos analisar como
estavam as políticas sociais no nosso país. Sabemos que a política neoliberal
adotada pelo governo visando ajustar a estrutura de nossa economia gera
seqüelas sociais cada vez mais graves e que tal política contribui para que se
desmonte as estruturas organizacionais públicas que prestam atendimento à
população, através da privatização das mesmas e, se observarmos, o descaso
do Estado como aumento das desigualdades sociais tem contribuído e muito
para o aumento da miséria e conseqüentemente para o surgimento das ONG’S
que crescem rapidamente, não só no Brasil, mas em nível mundial.
VII
O fato de
termos trabalhado como voluntários em uma ONG
despertou-nos o interesse sobre a importância e o papel dessas organizações
na sociedade. Seriam as ONG’s as substitutas do Estado na implementação de
políticas sociais? Ou seriam elas os instrumentos da sociedade civil para
cobrar do Estado as políticas públicas reivindicadas pelos excluídos. E assim,
começamos a produzir esse trabalho. Para melhor compreensão, nosso estudo
foi subsidiado em cinco capítulos.
No primeiro capítulos buscamos resgatar a história do surgimento da
Ação Comunitária Sal da Terra como uma ONG, pontuando os serviços que ela
oferece à comunidade, bem como a implantação do Serviço Social na mesma.
Sendo o Sal da Terra uma ONG, procuramos no segundo capítulo
abordar
a discussão das ONG’s, buscando entender: o que são? Como
funcionam? Para que servem? Nesse capítulos, a fala da assistente social
entrevistada nos dá a noção de como alguns atores sociais que fazem parte
das ONG’s encaram essa forma
de organização social. Além da fala da
assistente social sobre o tema citamos exemplos de algumas ONG’s
brasileiras.
A política social é enfatizada no capítulo três onde buscamos
apontar algumas definições dessa temática enfocando duas perspectivas: a
tradicional e a marxista ressaltando suas funções política, econômica e social e
no capítulo quatro damos continuidade a essa temática, porém priorizando
algumas reflexões sobre a política social no Brasil.
De posse das reflexões construídas nos capítulos anteriores, no
capítulos V abordamos o processo de trabalho do Serviço Social na Ação
Comunitária Sal da Terra.
VIII
CAPÍTULO I
UM POUCO DE HISTÓRIA DA AÇÃO COMUNITÁRIA
SAL DA TERRA
A falta de registros oficiais e fontes documentais sobre a Ação
Comunitária Sal da Terra fez com que durante quase todo o período como
voluntários desconhecêssemos a história dessa Ação e conseqüentemente
sobre os reais objetivos e propostas da mesma.
No momento em que buscamos investigar/repensar nossa prática
como voluntários, percebemos que
história poderíamos
somente
através do resgate
melhor entender ao trabalho do
dessa
Serviço Social neste
espaço. Dessa forma, optamos por entrevistar a assistente social da Ação
Comunitária Sal da Terra e através de seus longos relatos fomos
(re)construindo a história dessa Ação.
Os dados e fatos que ora apresentaremos nesse capítulos são frutos
desses depoimentos colhidos na entrevista realizada em dezembro de 2000.
Queremos deixar claro que, a assistente social entrevistada foi o primeiro
agente do Serviço Social
dessa instituição sendo também um membro da
comunidade com expressiva participação na organização da mesma, por isso
seus depoimentos possuem extrema relevância no resgate da história da Ação
Comunitária Sal da Terra.
Assim, para entendermos o significado da Ação Comunitária Sal da
Terra é necessário que, inicialmente, se faça um breve comentário sobre a
Paróquia S. Tiago Apóstolo, em virtude daquela ser uma obra social desta
última.
IX
Em julho de 1968 surge, no bairro Lins de Vasconcelos, a Paróquia
S. Tiago Apóstolo como resultado de um desmembramento da Igreja Nossa
Senhora da Consolação. De acordo com explicação da entrevistada, tal
desmembramento ocorre quando o número de fiéis aumenta ao ponto
espaço físico da
do
Igreja não comportar mais pessoas. Nesse caso,
Arquidiocese vai criando outros espaços de evangelização. Assim, o espaço
físico escolhido para ser a sede da Paróquia S. Tiago Apóstolo foi uma antiga
fábrica
de papelão, no Lins d e Vasconcelos. No início a Igreja era apenas
um galpão com um altar onde eram celebradas as missas. O primeiro nome da
paróquia foi S. Jaime em homenagem a D. Jaime de Barros Câmara que a
inaugurou. Nesse período iniciava-se um processo de mudanças no Vaticano
II. Tais mudanças religiosas se davam ao nível da formação e orientação , pois
a Igreja começava a modificar a sua linguagem com relação ao povo.
Desde 1968, quando foi criada até os dias de hoje, a Paróquia S.
Tiago Apóstolo contou com a presença de vários padres, visto que essa
mudança, de acordo com a Assistente Social, é um procedimento normal nas
Igrejas.
Em 1977, a paróquia recebeu um novo padre cuja preocupação
estava centrada na questão da educação e da formação religiosa. Tal
preocupação levou-o a ampliar na comunidade, as Pastorais, porém dando
maior prioridade a Pastoral da Catequese, em virtude de haver, na
comunidade, muitas crianças e adolescentes - alvos de sua preocupação.
Nesse período, ainda não havia um Centro Comunitário, pois como
relatado acima o espaço físico da Igreja ainda não era estruturado
como
atualmente é. Na época, não haviam espaços para trabalhos individualizados
ou mesmo em grupo. A única coisa que havia era a missa aos Domingos.
X
Esse padre, doutor em arte sacra, também tinha como preocupação
a parte artística e cultural da comunidade e por isso incentivou o movimento
comunitário na busca de espaços adequados para desenvolver sua proposta,
dinamizando a comunidade para criar um Centro Comunitário.
Tal objetivo foi atingido com a criação do Centro Comunitário no
Morro D. Francisca que foi inaugurado em 1982. Esse Centro, além de
funcionar como uma capela também servia como espaço para diversas
atividades da Igreja e do Serviço Social. Através dele foi possível iniciar a
ampliação do trabalho de evangelização da comunidade, já que facilitou o
acesso das pessoas aproximando-as mais da Igreja.
Um dado importante lembrado pela assistente social é que, em toda
a época de Campanha da Fraternidade, que é anual, a Igreja tem uma
preocupação no aspecto social. No ano em que a saúde foi alvo da campanha,
a Igreja contou com a participação de uma pediatra que deu atendimento às
crianças da comunidade e quando o tema foi a educação, a alfabetização de
adultos – trabalho que já existia
na Igreja – mas uma
vez foi priorizada.
Segundo a Assistente Social cabe ressaltar que a Paróquia S. Tiago Apóstolo
não cria algo apenas por causa dessas campanhas como outras Igrejas fazem,
e que após a campanha costumam abandonar o trabalho iniciado, mas pelo
contrário procura dar continuidade aos trabalhos.
De 1983 para 1984 ocorreu mais uma mudança de padres. Tal
mudança se deu entre um padre de uma Paróquia da favela da Rocinha e o da
Paróquia S. Tiago. O que veio para a S. Tiago trouxe consigo uma grande
experiência social do trabalho que desenvolveu na Rocinha.
Nessa época as atividades da Igreja eram efetuadas no Centro
Comunitário que era coordenado por um grupo de freiras, responsáveis pela
evangelização da comunidade e que coordenavam os círculos bíblicos onde se
fazia uma leitura, uma reflexão sobre passagens bíblicas. Através desses
círculos bíblicos, onde a comunidade participava diretamente, criou-se
XI
um
movimento em que foram apresentadas algumas necessidades – a principal foi
a de se fazer algo para as crianças da comunidade que ficavam muito
abandonadas. A proposta das mães foi a de que era necessário criar uma
creche comunitária. Assim, em 1984 iniciou-se o movimento pró-creche onde
foram feitas diversas campanhas para construir uma creche. Em 1985 a
Creche Chameguinho foi inaugurada conta do com o trabalho de voluntários e
com a ajuda da Prefeitura que fornecia alimentos, inclusive uma
das
exigências dela, era a de que se tivesse um freezer o qual foi comprado com o
dinheiro doado pelo matemático Oswald Souza.
Na época da inauguração da Creche Chameguinho, a comunidade
já usufruía de diversos serviços oferecidos pela Paróquia como: atendimento
com advogado; cursos de corte e costura, marcenaria, de alfabetização de
adultos dentre outros – todos efetuados por voluntários.
Assim, com a experiência adquirida nos diversos trabalhos sociais e,
principalmente, com a criação da Creche Chameguinho percebeu-se
a
importância de se constituir uma pessoa jurídica para coordenar todo o trabalho
social que havia, visto que a Prefeitura para mandar os alimentos para a
Creche tinha como principal exigência que os convênios fossem efetuados
com pessoa jurídica. A antiga LBA (Legião Brasileira de Assistência) na época
com o
Projeto Creche Casulo também exigia que os convênios fossem
fechados com pessoa jurídica. Essa pessoa
jurídica seria uma ONG –
Organização Não Governamental – como coloca a entrevistada: “ Aí é que
vem, o que é ONG? Hoje sabemos que isso é ONG, mas na época, com
certeza não tínhamos noção de nada”.
Vemos assim, que mesmo com a pouca clareza sobre as funções de
uma ONG dentro da sociedade, a Ação Comunitária Sal da Terra foi fundada
devido às exigências feitas para o funcionamento da Creche.
XII
Na verdade, a criação da pessoa jurídica visava representar os
trabalhos sociais desenvolvidos pela igreja. Desse modo, o padre criou um
movimento convidando a entrevistada para fazer parte da obra social. Era um
momento que começava-se a definir as pessoas que constituiriam essa Ação
Comunitária e muitas delas já estavam ligadas diretamente ao trabalho, sendo
que algumas tinham representação dentro da comunidade. Ao todo foram
convidadas, para fazer parte da coordenação da obra social, dezoito pessoas.
O nome da instituição foi definido através de eleição e o nome
escolhido foi o Sal da Terra. A Ação Comunitária Sal da Terra foi registrada no
dia 12 de junho de 1985 oferecendo às comunidades dos diversos morros que
cercam a Paróquia S. Tiago Apóstolo - sede da obra social - os serviços de
atendimento com advogado,
dentista , psicólogo, médico, ambulatório; os
cursos de marcenaria, corte e costura e alfabetização de adultos; o Projeto
Educar Para a Vida; a Creche Chameguinho dentre outros serviços.
Como pessoa jurídica o Sal da Terra é formado por uma diretoria
executiva e por um conselho deliberativo, porém não tem sede própria tendo
que dividir o mesmo espaço físico com a igreja. Portanto, são duas instituições
num só espaço.
Cabe ressaltar, que, o fato de atuar como membro na Paróquia há
muitos anos pode ter contribuído para que, em 1987, quando nossa
entrevistada formou-se em Serviço Social, o padre fizesse o convite para que
ela desse sua contribuição à recém criada obra social, porém dessa vez como
profissional e não como conselheira. Assim, o Serviço Social passou a se mais
um serviço prestado à comunidade pela Ação Comunitária Sal da Terra.
XIII
CAPÍTULO II
AFINAL, O QUE É UMA ONG?
Desde o início de nosso trabalho voluntário
sabíamos da Ação
Comunitária Sal da Terra.
Não tínhamos conhecimento das exigências que levaram essa
instituição a se registrar como ONG e muito menos
o que significava uma
ONG do ponto de vista político/social.
Por isso, durante a entrevista realizada indagamos da assistente
social a respeito do papel das ONG’s em nossa sociedade e as razões de seu
surgimento. Obtivemos a seguinte resposta: “As ONG’s serão o caminho da
organização comunitária ou de organização social. Todo mundo vai ter que
viver dentro de uma ONG” e completou dizendo que, atualmente,
“nenhum cidadão pode deixar
de participar de uma ONG. Tem que
participar de alguma organização: é a
organização do seu prédio, é a
organização do seu condomínio, da sua
igreja, do seu trabalho, da sua faculdade.
Tem que estar envolvido com alguma
organização. Por que é nela que você vai
aprender
esse senso social. NA parte
social vai aprender também a parte do
uso coletivo das coisas, do bem-comum,
então são pontos até em níveis doutrinais
enquanto igreja... a dignidade humana, o
bem-comum, o respeito ao próximo; a
sociabilidade; a sociedade em si; a sua
hierarquia e as ONG’s, por que, hoje, a
política social está diretamente ligada às
ONG’s”.
XIV
Após ter afirmado que, atualmente, as ONG’s estão diretamente
ligadas às políticas sociais a entrevistada buscou nos explicar como entende
essa ligação:
“Através dos Conselhos é que
são criadas as políticas sociais. Mas o
que são os Conselhos? Com a reforma
constitucional de 1988 o poder com
relação a aplicação dos recursos; aos
direitos, deveres e obrigações foi
descentralizado passando do nível
federal para o nível municipal. É a
municipalização, que , no entanto, ainda
não ocorreu em todos o s municípios
devido cada um apresentar barreiras com
relação a essa mudança. Esses
conselhos são constituídos assim, metade
governamental
e
metade
não
governamental, que é constituída por
indivíduos da sociedade civil que atuam
como representantes das ONG’s. Na
verdade, o governo conta com as ONG’s
para definir as políticas sociais através
dos Conselhos que administram os
recursos. Por exemplo a LOAS – Lei
Orgânica da Assistência Social –
determina o que pode ser cumprido ao
nível de assistência social e o Conselho
Municipal da Assistência Social é que
administra o recurso dela criando as
políticas sociais. O Conselho é que vai
operacionalizar, fiscalizar e implementar
as políticas”.
O depoimento supracitado, parte de constatações superficiais,
genéricas e muito confusas do ponto de vista teórico. A simplificação do
verdadeiro papel das ONG’s, ao nosso ver revela a falta de clareza por parte
da entrevistada, sobre o que vem a ser realmente
uma ONG. Se toda
organização social que não nasce do Governo é ONG como parece crer a
entrevistada então sempre existiram ONG’s. Sendo assim, onde reside a tão
divulgada novidade?
XV
Com base nessa indagação procuramos aprofundar um pouco mais
essa discussão buscando também entender a ligação, até então, ainda pouco
clara para nós entre as ONG’s e as políticas sociais.
Desse
modo,
procuramos
construir, nesse estudo, algumas
reflexões que nos ajudassem a entender essas questões.
2.1. ONG’s, COMO FUNCIONAM E PARA QUE SERVEM
A expressão ONG – Organização Não Governamental – de acordo com La
Rocca, criador do Projeto Axé, de Salvador
“foi criada pela
ONU –
Organização das Nações Unidas – na década
de 40 para designar entidades não oficiais que
recebiam ajuda financeira para executar
projetos de interesse de grupos ou
comunidades”.
(Revista Veja, 1994, p. 75)
As ONG’s brasileiras possuem um perfil político e de acordo com
Ponte e Bava tal perfil
“é fruto de mais de vinte anos
de trabalho pela construção dos direitos
de cidadania junto aos movimentos
populares e aos demais atores da
sociedade civil”.
(Ponte e Bava, 1996, p. 136)
Assim é importante revermos um pouco como se construiu tal perfil.
A década de 80, no Brasil foi marcada pela participação
de
movimentos populares urbanos. No campo popular teve início uma maior
indagação e questionamento sobre o novo caráter dos movimentos populares;
e no campo das práticas, não exclusivamente populares, surge um interesse da
parte de pesquisadores por outros tipos de movimentos sociais como
XVI
movimento de mulheres; da ecologia; dos negros, índios, dentre outros que
naquele período ganhavam expressão.
De acordo com Gohn, o fato de surgirem esses novos estudos
“demarcou duas novidades, a
saber: uma nova concepção para o novo
e uma divisão paradigmática”.
(Gohn, 1997, p. 27)
O novo passou a se referir a movimentos que tinham como demandas não
somente bens e serviços fundamentais para a sobrevivência cotidiana cujas
demandas estavam inscritas mais no campo dos direitos sociais tradicionais:
direito à vida; à alimentação; à moradia dentre outros direitos básicos, mas
também se referia a outra ordem de demanda, vinculada aos direitos sociais
modernos que trazem a idéia de igualdade e liberdade nas relações de gênero,
raça e sexo. Com relação
à divisão paradigmática, ocorreu ao nível das
interpretações das ações, das análises, sendo que predominaram as análise de
cunho marxista para os movimentos populares.
Os novos tipos de movimentos criados no início dos anos 80, foram
frutos da conjuntura político-econômica do momento. Tais movimentos não se
igualavam aos movimentos sociais clássicos e muito menos aos que haviam
surgido na década de 70. Os novos movimentos foram os dos desempregados
e os das “diretas já” cuja luta começara pela ausência de trabalho e pela
necessidade de se mudar o regime político brasileiro - a ditadura. Nesses
movimentos, já haviam, ainda que embrionariamente, algumas questões
relativas ao plano da moral, da ética na política que mais tarde, em 80, já
seriam questões mais evidenciadas na sociedade.
Com relação às fases dos movimentos sociais no Brasil, no decorrer
da década de 80 eles passaram como coloca Gohn
XVII
“no plano da atuação e no
plano das análises que lhes são feitas, da
fase do otimismo para a perplexidade e,
depois, para a descrença”. Vários fatores
contribuíram para estas mudanças,
destacando-se as alterações nas políticas
públicas e na composição dos agentes e
atores que participam da implementação,
gestão e avaliação das mesmas políticas;
o consenso; a generalização e o posterior
desgaste
das
chamadas
práticas
participativas em diferentes setores da
vida social; o crescimento enorme do
associativismo
institucional,
particularmente nas entidades e órgãos
públicos, que cresceram muito em termos
numéricos ao longo doa anos 80,
absorvendo
grande
parcela
dos
desempregados do setor produtivo
privado; o surgimento de grandes centrais
sindicais e de entidades aglutinadoras
dos movimentos sociais populares,
especialmente no setor da moradia; e,
fundamentalmente, o nascimento e o
crescimento, ou a expansão, da forma
que viria a ser quase que uma substituta
dos movimentos sociais nos anos 90: as
ONG’s
(Organizações
Não
Governamentais)”.
(Gohn, 1997, p. 28)
Juntamente com esse cenário havia a decepção da sociedade civil
que não concordava com a prática política das elites dirigentes, bem como
com aquela praticada pelos partidos políticos. Todas essa alterações levaram a
redução da capacidade de mobilização e de esforço que podia ser observada
na sociedade civil, na década de 70.
Iniciava-se a mudança, pois os
“militantes,
assessores
e
simpatizantes deixam de exercitar a
política por meio da atuação nos
XVIII
movimentos sociais, movidos pela paixão,
pela ideologia ou por acreditarem em
algumas causas e valores gerais”.
(Gohn, 1997, p. 29)
Nos movimentos, a profissionalização ou “liberação” trouxe efeitos
contraditórios, visto que criou uma camada de dirigentes que se distanciavam
cada vez mais das bases dos movimentos, e aproximavam-se das ONG’s.
Esses dirigentes passaram a ter como ocupação a elaboração de
“pautas
e
agendas
de
encontros e seminários(nacionais nos
anos 80 e internacionais nos anos 90,
como a ECO-92; a; a Conferência de
Estocolmo, em 1995; o Encontro Mundial
das Mulheres em Pequim, em 1995; o
Hábitat-96, na Turquia etc.)”.
(Gohn, 1997, p. 29)
Nos anos 90, a consolidação dos movimentos sociais como
estruturas da sociedade civil não foi reconhecida sendo considerada como um
projeto utópico no cenário político das décadas de 70 e 80, período em que o
Estado era tido como inimigo.
Com a produção de conhecimento sobre os movimentos sociais
surge o “novo” numa dupla dimensão: a primeira, em que ele aparece como
elaborador de espaços de cidadania, através das novas l eis que se
estabeleceram no país e que o melhor exemplo é o da nova Constituição
brasileira, em 1988, de modo particular o capítulos sobre os novos direitos
sociais e , a segunda, na reviravolta teórica que se inicia no plano das análise
onde podem ser destacadas as novas categorias que passaram a fazer parte
da agenda dos estudiosos sobre os movimentos sociais como: Heller (1982);
Bobbio (1991); Arendt (1989); Lefébvre (1969,1971) etc. que tanto contribuíram
para
XIX
“os novos olhares com que
passaram a ser apreendidos e analisados
os movimentos. A dicotomia público e
privado; a questão da cidadania; a cultura
política
presente
nos
espaços
associativos;
a
importância
das
experiências cotidianas etc. ganham
destaque no lugar das categorias
macroexplicativas anteriores”.
(Gohn, 1997, p. 30)
Com a chegada dos anos 90, o cenário das lutas sociais, no Brasil, é
redefinidao, visto que a política neoliberal, que teve seu campo preparado
desde a época da ditadura militar, período em que “começou o processo de
dilapidação do Estado brasileiro, que prosseguiu sem interrupções no mandato
“democrático” de José Sarney” e que
“propiciou o clima para que a
ideologia
neoliberal,
então
já
avassaladora nos países desenvolvidos,
encontrasse terreno fértil para uma
pregação antisocial. Aqui no Brasil, não
apenas pelos reclamos anitestatais (na
verdade,
anti-sociais)
da
grande
burguesia, mas sobretudo pelos reclamos
do povão, para o qual o arremedo de
social-democracia ou do Estado de bemestar, ainda que de cabeça para baixo,
tinha falhado completamente”.
(Oliveira, 1998, p. 25)
No Brasil,
“a eleição de Collor deu-se
nesse clima, no terreno fértil onde a
dilapidação do Estado preparou o terreno
para um desespero popular, que via no
Estado
desperdiçador,
que
Collor
simbolizou com os marajás, o bode
XX
expiatório da má distribuição de renda; da
situação depredada da saúde, da
educação e de todas as políticas sociais.
Foi esse voto de desespero que elegeu o
Bismarck das Alagoas”.
(Oliveira, 1998, p. 25)
Assim, na década de 90 acentua-se a crise, em parte significativa
dos movimentos sociais populares urbanos. A crise se dá tanto no nível interno
com as crises de militância, de participação, de credibilidade nas políticas
públicas, de confiabilidade e legitimidade dos movimentos junto à própria
população quanto no nível externo com as crises
“decorrentes da redefinição dos
termos do conflito social entre os
diferentes atores sociais e entre a
sociedade civil política, tanto em termos
nacionais
como
em
termos
dos
referenciais internacionais( queda do
muro de Berlim; fim da União Soviética;
crise das utopias, ideologias etc.”.
(Gohn, 1997, p. 30)
A temática da participação social, já nos anos 80, era um elemento
constante da pauta na agenda política das elites políticas deixando claro que,
por um lado, as estruturas de poder do Estado estavam desgastadas
e
deslegitimadas pelo autoritarismo e por outro, as demandas expressas pelos
movimentos sociais, sejam novos ou velhos, começavam a ganhar legitimidade
e a conquistar espaços institucionais sendo aceitos como interlocutores.
A agenda política das elites dirigentes sofre mudanças em função
tanto de problemas internos como das alterações geradas pela globalização e
pelas novas políticas sociais internacionais impostas ao mundo capitalista.
Assim, cabe destacar que:
XXI
“nesta nova agenda Sá há
lugar para a participação e para os
processos
de
descentralização
construídos no interior da sociedade
política, por iniciativa dos dirigentes,
segundo critérios estabelecidos pelo
poder público, no qual a base de
estruturação dos colegiados deixa de ser
o
critério
de
representatividade
institucional, após processo de debate e
consulta às mesmas, e passa a ser o
critério pessoal, individual, de indicação,
baseado nas qualidades de ser “ um
notável” em determinada área de atuação.
(...) as políticas são formuladas para
segmentos sociais dentro de um recorte
que privilegia os atores sociais que serão
os parceiros, e não mais os segmentos
segundo o recorte das classes sociais (...)
os sujeitos das ações transfiguram-se em
problemáticas: a fome, o desemprego, a
falta de moradia. Antes eram os
favelados, os sem-terra, os sem-teto etc.”.
(Gohn, 1997, p. 31)
Importa lembrar que a década de 80, considerada por muitos como
“década perdida” foi um período em que a “sociedade civil” demonstrou intensa
vitalidade”, pois
“ao contrário do pessimismo de
uma teoria política economicista, que
associa queda na taxa de crescimento
econômico e apatia e estados de anomia,
à desorganização social, enfim a
sociedade mostrou uma extraordinária
capacidade de responder ao ataque
neoliberal, organizando-se(...) nesta da
década foram
construídas as três
grandes
centrais
sindicais
de
trabalhadores,
com
diferenças
programáticas e ideológicas, sem dúvida,
mas num movimento totalmente contrário
àquilo que o pessimismo indicava como
sendo o roteiro da derrota da sociedade”.
(Gohn, 1997, p. 31)
XXII
Mesmo com a criação das centrais sindicais como forma de
resistência dos trabalhadores, os neoliberais não se deixaram abater e deram
continuidade a uma das propostas da política neoliberal que visa
“destruir a capacidade de luta e
de organização
que uma parte
importante do sindicalismo brasileiro
mostrou. É este o programa neoliberal em
sua maior letalidade: a destruição da
esperança
e
a
destruição
das
organizações sindicais,, populares e de
movimentos sociais que tiveram a
capacidade de dar uma resposta à
ideologia neoliberal no Brasil”.
(Oliveira,1998, p. 28)
E ainda na década de 80 – como um fenômeno recente – se dá “o
período de crescimento e expansão no Brasil de entidades que surgiram e se
auto-identificaram como ONG’s” (Gohn, 1997, p. 59) e que se somaram “as
demais entidades e movimentos que lutam pela democratização do país, por
condições dignas de vida para todo cidadão brasileiro” (Pontes e Bava, 1996,
p. 136).
Em décadas anteriores, já haviam organizações e entidades
assistenciais e/ou filantrópicas, que, no entanto, não se autodenominavam
como “ não governamentais”. Na verdade, já faziam parte da vida sociopolítica
brasileira, porém como entidades caritativas, porém
“cumpre registrar também que
as principais ONG’s brasileiras não são
assistenciais/filantrópicas,
mas
as
cidadãs, embora as filantrópicas sejam a
maioria em termos numéricos”.
(Gohn, 1997, p. 59)
Assim sendo, o termo ONG, no Brasil está relacionado
XXIII
“a um tipo peculiar de
organização da sociedade. Trata-se de
um agrupamento de pessoas, organizado
sob a forma de uma instituição da
sociedade civil, que se declara sem fins
lucrativos, com o objetivo de lutar e/ou
apoiar causas coletivas”.
(Gohn, 1997, p. 60).
Ainda de acordo com Gohn
“a diminuição dos movimentos
sociais organizados foi proporcional ao
crescimento e surgimento de redes de
Organizações
Não
Governamentais,
voltadas para o trabalho em parceria com
as populações pobres ou fora do mercado
formal de trabalho”
(Gohn, 1997, p. 12)
Assim sendo, a partir dos anos 90 começa a ser construída uma
nova estrutura de relações sociais, pois
“trata-se
de
soluções
engendradas pelas ações coletivas
populares, baseadas em planos coletivos
de baixo custo e com utilização do
trabalho
comunitário,
no
cenário
brasileiro, tanto urbano como rural”.
(Gohn, 1997, p. 12)
E para se criar uma ONG não parece ser muito difícil, pois como
coloca LA Rocca, criador do Projeto Axé: “Basta reunir um determinado número
de associados, fazer a ata da primeira reunião e registrá-la em cartório” (Veja,
1994, p. 75). No entanto, cada ONG criada tem uma preocupação distinta
como por exemplo: a questão da fome e da miséria; da cidadania; do
desemprego; da ecologia; da educação; dos direitos da mulher, da criança , do
adolescente, do idos, do negro, dos índios, dos sem-teto, dos sem-terra dentre
outros. Portanto, o modo de atuação das ONG’s ocorre também de forma
diferenciada.
XXIV
Espalhadas por todo o país, tais entidades multiplicam-se no Brasil
da crise dedicando-se a diversas causas. Algumas ensinam crianças a ler e
escrever; outras dedicam-se a alfabetização de adultos; outras oferecem
cursos profissionalizantes diversos; buscam “soluções” para reduzir a questão
da fome; em fim buscam
respostas para problemas sociais
que muitas
vezes o governo não dá conta, ou até mesmo não se preocupa em reduzir com
políticas sociais.
Na reportagem da Revista Veja de 09.02.1994, Ernesto Bernardes e
Kaíke Nanne deram exemplos de ONG’s bem sucedidas:
“Wagner
dos
Santos,
a
testemunha-chave
da
chacina
da
Candelária, em que sete meninos de rua
foram assassinados pela polícia, continua
vivo porque está sob proteção de duas
dessas entidades, no interior da Bahia.
Santos acredita que já teria sido liquidado
se não tivesse essa proteção paralegal;
em Salvador, o Projeto Axé, criado pelo
advogado e pedagogo italiano Cesare de
La Rocca, 55 anos, gasta no máximo 50
dólares mensais para alimentar e educar
cada uma das 2.7474 crianças que
salvou das ruas nos últimos anos; em
Santarém, no Pará, a Fundação Saúde e
Alegria está conseguindo acabar com a
cólera e outras doenças causadas por
água
contaminada,
como
a
esquistossomose; enquanto o ensino
público cai aos pedaços, a Federação de
Organização de Assistência Social e
Educacional – FASE – do Rio de Janeiro,
mantém
núcleos de alfabetização e
escolas rurais em quinze Estados, nos
quais estudam milhares de pessoas”.
(Revista Veja, 1994, p. 70)
Outra ONG destacada na reportagem da revista Veja, o Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE – criado por Herbert de
Souza, o Betinho pode não ser tão popular, mas a campanha nacional contra
XXV
a fome e a miséria merece destaque: “comandada a partir do quartel-general
do IBASE, no Rio de Janeiro liderada por Betinho que
“conseguiu(...) dramatizar um
problema a que os brasileiros já não
prestavam mais atenção, despertando os
impulsos de solidariedade adormecidos
em cada cidadão”.
(Revista Veja, 1994, p. 70)
No Brasil, a idéia do Estado como uma entidade poderosa, capaz de
tudo, predominou durante várias décadas. No entanto, como coloca Leôncio
Martins, professor da Universidade de Campinas
“a proliferação de entidades
civis como as ONG’s é prova de que
existe uma saudável desconfiança em
relação aos poderes do Estado numa
sociedade cada vez mais disposta a
assumir tarefas que antes se julgava
serem exclusivas do governo”.
(Revista Veja, 1994, p. 72)
Ampliando o s horizontes de nossas reflexões podemos perceber
que, neste fim de século, as grandes correntes ideológicas parecem ter
deixado de empolgar as pessoas – aprece haver uma crise utópica. A
pretensão, agora, não é a de “salvar os oprimidos” de todo o mundo, mas de
buscar amenizar as injustiças e incentivar o progresso através de tarefas
bastante
diferentes
realizando conquistas que apear de pequenas podem
contribuir para “modificar” a vida das comunidades onde ocorrem. Essa é uma
característica das ONG’s, pois, geralmente, o trabalho de cada ONG está
vinculado a uma causa diferente.
Ainda que as ONG’s contribuam para amenizar determinadas
questões sociais como a fome e a miséria, isso não significa que devam
substituir o Estado em seu papel
de criar políticas sociais, e nem que são a
solução para acabar com a desigualdade social, no entanto, cabe ressaltar
que, elas cumprem um papel importante na sociedade que é o de levar grande
XXVI
parte dos indivíduos a participar e refletir e assim contribuir na elaboração de
“soluções” para os problemas coletivos. Tal participação tem aumentado a
cada dia, seja na área da assistência social; do meio ambiente ou qualquer
outra em que se produza “melhoria” das condições de vida dos indivíduos.
Apesar da maioria da
liderança das ONG’s estar nas mãos de
antigos militantes de esquerda, como Carlos Minc e como já esteve com
Betinho, outras pessoas que não têm um “passado vermelho” na carteira
começam a se engajar nessa nova proposta de organização da sociedade.
Ainda de acordo com dados colhidos na entrevista da revista Veja, a
multiplicação das ONG’s constitui-se um fenômeno mundial, pois
“nos Estados Unidos existem
785.000 entidades, que movimentam
anualmente 20 bilhões de dólares e
envolvem entre 10% e 20% da população
do país (...) na Europa são 400.000
organizações, com orçamento
anual
estimado em 10 bilhões de dólares”.
Talvez haja tantas ONG’s devido a pouca
rigidez quanto á hierarquia e porque estão
livres de qualquer controle burocrático o
que lhes dá uma série de vantagens
sobre as instituições tradicionais”.
(Revista Veja, 1994, p. 73)
As ONG’s podem ser consideradas como “um laboratório de idéias
na sociedade” como bem coloca Jorge Eduardo Durão, presidente da ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – que completa
dizendo: “Elas propõem alternativas de desenvolvimento que nem o governo
nem as instituições tradicionais conseguem produzir”. (Revista Veja, 1994, p.
74)
É bastante
provável que a globalização
da economia e da
informação tenha contribuído, em grande parte, para que as ONG’s
crescessem mundialmente. Elas são produtos da transformação do planeta
XXVII
numa aldeia global – sem fronteiras. Os meios de comunicação reduziram a
distância entre os indivíduos no mundo. Podemos observar isso porque após o
fenômeno da globalização o movimento negro brasileiro pôde manter
intercâmbio como o movimento negro de outras partes do mundo, assim como
algumas ONG’s brasileiras passaram a receber ajuda financeira de países do
primeiro mundo.
A internacionalização da militância torna-se evidente pelas redes
multinacionais de ONG’s. Na Inglaterra a entidade “Amigos da Terra, com
escritórios em 47 países, tornou-se uma autêntica ONU do meio ambiente”
(Revista Veja, 1994, p. 75) e no Canadá, o Greenpeace, criado na década de
70 “tem 5 milhões de filiados em 29 países”.
As ONG’s possuem muitos patronos famosos: artistas; roqueiros;
aristocratas e autoridades que são contratados para promover campanhas e
acabam se beneficiando do marketing quando associam a própria imagem à
defesa do meio-ambiente, dos índios ou de crianças que vivem nas ruas.
Muitos desses patronos famosos fazem doações como Paul Mac Cartney que,
em 1994, na cidade de S. Paulo doou a renda do show à filial brasileira do
Greenpeace ou fundam entidades como Bianca Jagger, ex-mulher do roqueiro
Mick Jagger que criou a entidade Amanaka para defender os direitos
dos
índios da América do sul. Outros como Richard Gere assinam contratos com
empresas promovendo campanhas como a feita pela Harrod’s que,
preocupada, contratou o ator para desfazer sua imagem que iria desmoronar
com a manifestação feita pelos “Amigos da Terra”, em frente a sua sede em
Londres, pois a Harrod’s vendia móveis fabricados com mogno extraído das
florestas do sul do Pará.
Apesar de não apresentar tantas dificuldades para ser criada, é
preciso que as pessoas estejam atentas ao fazerem doações para
determinadas ONG’s, pois como coloca Larronde na entrevista à Revista Veja
XXVIII
“a tradição da malandragem
carioca cataloga como um dos golpes
mais antigos vender o Pão de Açúcar aos
mineiros. Mais tarde, passaram a vender
a Ponte Rio-Niterói. Hoje, o negócio é
vender árvores da Amazônia aos
estrangeiros. Quem conhece a região
sabe que é mais seguro comprar um
terreno na lua”.
(Revista Veja, 1994, p. 76)
Devido a essas falcatruas Roberto Esmeraldi diz que jamais daria
dinheiro a uma entidade com esse propósito e completa dizendo que “casos
como esse
ocorrem pela falta de controle sobre a atividade das ONGs”.
(Revista Veja, 1994, p. 76).
As ONG’s sendo entidades sem fins lucrativos estão livres de pagar
impostos ou de qualquer
fiscalização gerando um problema sério porque
como bem coloca Esmeraldi
“tão fácil quanto receber
doações é fazer maracutaias com o
dinheiro. Na prática, ninguém sabe direito
quanto entra e quanto sai dos cofres
dessas entidades”.
(Revista Veja, 1994, p. 74)
Para Denise Paiva assessora do presidente Itamar Franco , na campanha
contra fome isso acontece porque
“aqui no Brasil, para montar um
botequim o cidadão precisa de dúzias de
documentos. Para montar uma ONG, não
precisa de absolutamente nada e
ninguém vai fiscalizá-la”.
(Revista Veja, 1994, p. 76)
Contudo, apesar das corrupções existentes muitas pessoas de
países ricos ainda preferem mandar o dinheiro para essas entidades do que
entregar seus recursos a Órgãos Governamentais, pois os meios de
XXIX
comunicação estão sempre divulgando sobre os recursos entregues a
determinados
governos, que, são desviados por corruptos ou mesmo
desperdiçados por indivíduos incompetentes e inconseqüentes.
O que a sociedade civil busca é contribuir para minimizar ou reduzir
a miséria; a violência, o desemprego, o desespero da população brasileira
que parece enfrentar um momento
de total abandono por parte do Estado.
No entanto, para que a realidade atual possa ser modificada, é necessário
“conhecê-la a fundo, identificar
os mecanismos geradores da exclusão e
do aprofundamento da desigualdade, e
propor novas políticas que se utilizem dos
fatores disponíveis na conjuntura, para
sua execução”.
(Pontes e Bava, 1996, p. 142)
e que nós assistentes sociais possamos “produzir diagnósticos que dêem
conta
de interpretar a realidade atual em cada campo concreto de nossa
intervenção” (Pontes e Bava, 1996, p. 142), a fim de que possamos efetivar as
possibilidades de contribuirmos para “modificar” a realidade que se nos
apresenta no cotidiano.
XXX
CAPÍTULO III
POLÍTICA SOCIAL: UM TEMA COM MUITAS
DEFINIÇÕES
Ao tentarmos entender a conexão entre as ONG’s e as políticas sociais,
começamos a perceber que não existe um consenso em torno da definição de tais
políticas. As diferentes percepções sobre
as mesmas
decorrem, sobretudo, das
perspectivas teóricas de seus estudiosos e como explica Joaquina Barata Teixeira:
“A política
social tem sido
abordada sob perspectivas teóricas e
práticas divergentes, ou
seja,
sob
contraditórias visões de mundo; de
grupos, em posição diversificada na
estrutura social. São posições que
revelam o caráter real da oposição de
interesses particulares, de interesses de
classe. E, é claro que o profissional não
está fora deste conflito, quer ao nível do
discurso ideológico, quer ao nível das
práticas históricas”.
(Joaquina Barata Teixeira, 1980, p. 22)
Desse modo, consideramos importante ressaltar as duas vertentes
básicas eu compõem/orientam o conjunto das reflexões sobre o tema: a
perspectiva tradicional e a perspectiva marxista.
3.1. A PERSPECTIVA TRADICIONAL
Na perspectiva tradicional, as políticas sociais são vistas como
conjunto de ações implementadas pelo Estado, que visam
um
reduzir as
desigualdades sociais. Tais políticas seriam pensadas como um meio
de
“correção” dos efeitos negativos gerados no processo de acumulação
capitalista. Assim sendo, como coloca Alejandra Pastorini
“as
entendidas
XXXI
políticas sociais são
como
um
conjunto
sistemático de ações do Estado que têm
uma finalidade redistributiva”.
(Alejandra Pastorini, 1995, p. 81)
Nesta perspectiva, tais mecanismos estatais seriam vistos como a tendência
geradora da reversão das desigualdades sociais que há entre os indivíduos e
que muitas vezes são tidas como necessárias ou até mesmo “naturalizadas”.
Essas desigualdades derivam da forma como se dá a participação na divisão
social do trabalho;
da riqueza do mercado. São elas
que geram uma
sociedade heterogênea, com situações de extrema pobreza, de privação, de
insatisfação das necessidades básicas.
Para alguns autores que seguem a perspectiva tradicional, todas
essas problemáticas requerem políticas sociais que podem ser entendidas
como “concessões” feitas pelo Estado e definidas como
mecanismos que
tendem a redistribuir os “escassos recursos sociais” tendo como finalidade
gerar o bem-estar da população como um todo, principalmente, aqueles
prejudicados pelo mercado.
De acordo com essa visão pode-se deduzir que a “solução” para
redução das desigualdades sociais estaria na redistribuição da renda ou numa
distribuição menos desigual dos recursos sociais.
Nesse sentido, as políticas sociais apresentam-se como ações que
buscam reestabelecer o equilíbrio social através da redistribuição da renda.
Partindo-se da idéia de que não há igualdade de oportunidades, de que a
desigualdade social predomina, surgem as políticas sociais, cujo objetivo é
compensar os que foram “prejudicados” na distribuição.
Como principal fonte de arrecadação de “recursos escassos”
destinados ao processo de redistribuição temos a tributação. Os recurso
obtidos por esse meio são destinados `população mais carente, seja
diretamente como ajuda econômica ou indiretamente como serviços, visando o
XXXII
“reequilíbrio social” de acordo com autores que seguem esta linha de
pensamento.
Cabe ressaltar, que Marshall, um desse autores, identificou quatro
“categorias” de política social, a saber: de educação; de saúde; de pobreza e
da indústria, cujo objetivo era a proteção dos trabalhadores por um lado, e por
outro, a assistência aos pobres e indigentes, visto que a existência do seguro
se restringia às pessoas que estavam empregadas e aos que possuíam renda
inferior a um máximo estabelecido. Assim, Marshall entende que:
“isto deu a impressão de que a
população como um todo estava dividida
agora em duas classe – a dos que
contribuíam e a dos que recebiam.
parecia que o fato de receber ajuda de um
órgão público deixara de acarretar o
estigma
da
indigência,
mas
se
transformara num índice de classe social.
E levantou pela primeira vez em sua
forma moderna, o problema de decidir se
os serviços sociais deviam ser utilizados
como um
instrumento para a
redistribuição de renda entre uma classe
e outra. O auxílio à indigência nunca
provocara essa questão, visto que se
tratava de um tipo de caridade pública
que não exercia nenhuma influência sobre
a sociedade como um todo”.
(Marshall apud Pastorini, 1997, p. 83)
Podemos perceber que na análise efetuada por Marshall o ponto
central encontra-se na discussão da ajuda e da assistência do Estado aos
trabalhadores e aos indigentes levando a pensar as políticas sociais como
meros instrumentos de redistribuição da renda entre diferentes grupos ou
classes sociais.
XXXIII
Já Graciarena, sociólogo da CEPAL, entende as políticas sociais de
uma outra forma. Para ele:
“as políticas
sociais são
elaborações apendiculares, cuja função
central é a correção mediante a
assistência social dos efeitos malignos
que produz uma determinada estratégia
de crescimento capitalista”.
(Graciarena apud Pastorini, 1997, p. 83)
As políticas sociais, para Graciarena surgem no momento em que o
mercado como instância distributiva e eqüitativa começa a ser questionado
aparecendo, assim, a necessidade da intervenção estatal. Elas seriam as
alternativas para o combate às desigualdades sociais.
Dessa forma, as políticas sociais como ação do Estado ganham um
caráter compensatório, paliativo e corretivo das desigualdades geradas no
mercado como conseqüência do desenvolvimento capitalista.
Numa linha de análise semelhante, um outro autor conceitua as
políticas sociais como:
“a intervenção na realidade ,
por meio de ações (...) que outorgam
recursos escassos para aumentar o
bem-estar da população
em seu
conjunto. O que em geral se alcança
(sobretudo) diminuindo os setores que
vivem em situação de pobreza”.
(Franco apud Pastorini, 1997, p. 84)
Essa análise deixa evidente a exaltação da busca do bem “comum”
por parte do Estado; a naturalização sem solução, da origem das
desigualdades sociais e da pobreza geradas nas sociedades com “recursos
escassos”, além da diminuição “quase mágica” dos setores espoliados através
da execução de políticas sociais, sem se tocar em qualquer elemento
estrutural.
XXXIV
Partindo do princípio que em toda sociedade há desequilíbrios
“naturais” o mesmo autor acrescenta que:
“a
desigualdade
é
um
componente estrutural inevitável de toda a
sociedade (...) onde as políticas sociais
são só um elemento entre os outros para
atingir as sociedades menos desiguais”.
(Franco apud Pastorini, 1997, p. 84)
Assim, a redistribuição dos recursos sociais apresenta-se como
alternativa válida perante a “naturalização” das desigualdades entrando em
cena as políticas sociais, essencialmente ligadas a modelos de estado
benfeitores, de caráter “populista”, democráticos. Essas políticas, vistas como
meras concessões por parte do Estado, cuja pretensão é reverter as
desigualdades “naturais” produzidas na sociedade e no mercado vão se
fundamentar numa lógica de “desigualdade” de signo contrário, de acordo com
Pastorini.
Nessa perspectiva as políticas sociais são criadas como mecanismo
compensatório das desigualdades
próprias do mercado, o que torna
necessário que tais políticas sejam tão desiguais quanto o mercado, porém
num sentido contrário, s o mercado privilegia a uns e desfavorece a outros, as
políticas sociais “redistributivas” tem como papel fundamental favorecer
somente aos desfavorecidos pela lógica do mercado. Isso caracteriza esse
mecanismo como de compensação que, de acordo com o pensamento desses
autores é o responsável pelo equilíbrio das desigualdades e leva ao combate
da pobreza.
Pode-se
considerar essa visão como romântica, visto que , a
redistribuição através das políticas sociais não é suficiente para compensar as
desigualdades sócio-econômicas e políticas manifestadas no mercado e
geradas na esfera produtiva, pois na realidade tais pensadores aludem à
“redistribuição e não
a “distribuição”. Para eles, a finalidade das políticas
sociais estaria na repartição dos recursos escassos, cujos custos são
XXXV
socializados por meio da tributação e nessa socialização a sociedade como um
todo é que contribui e não apenas os mais favorecidos, detentores do poder, os
privilegiados na sociedade e responsáveis pela geração das desigualdades.
Por estarem as políticas sociais ligadas à “redistribuição”, e não
à
distribuição, assumem um papel de instrumento “dócil” que serve ao sistema
capitalista. Elas não incidem, questionam ou condicionam a distribuição
desigual, cuja origem encontra-se na esfera produtiva e se realiza no mercado.
O fato do Estado intervir através das políticas sociais, não implica que tal
intervenção se dê de modo significativo revertendo as desigualdades sociais,
principalmente porque a intenção do Estado, na verdade, acaba sendo a de
reforçar a lógica capitalista – contribuindo para valorizar o capital – através da
concessão de poucos benefícios aos prejudicados pelo mercado.
Nesta concepção, o principal aspecto abordado
é o econômico,
redistributivo em detrimento dos demais aspectos – a aspecto político e o
político-econômico.
De acordo com Alejandra Pastorini é possível que os autores que
adotam essa concepção se esqueçam que as políticas sociais se constituem
como um produto concreto do desenvolvimento capitalista; de suas
contradições; da acumulação crescente do capital, sendo portanto, um produto
histórico, e não fruto de um desenvolvimento “natural”, pois nessa concepção o
Estado surge como representante do “bem comum”, como um instrumento que
atende igualmente aos diversos interesses da sociedade no seu conjunto,
buscando elevar os níveis de vida de todos maximizando a igualdade e o bemestar da população, porém num ilusório contexto onde os conflitos sóciopolíticos estão ausentes ou são minimizados.
XXXVI
3.2. A PERSPECTIVA MARXISTA
A perspectiva marxista surge em oposição a concepção tradicional
das políticas sociais que coloca a necessidade de se pensar tais políticas
como “concessões e conquistas” e não apenas como concessões.
Nesta perspectiva predomina a idéia de que as políticas sociais não
podem ser pensadas como meras concessões por parte do Estado. Não há
uma relação bipolar, mas sim, múltipla, que envolve pelo menos três sujeitos
protagonistas: as classe hegemônicas; o Estado, como intermediador e
hegemonizado pelas
classes
dominantes e as classes trabalhadoras e
subalternas como beneficiários das políticas sociais.
Desse modo, partindo-se da idéia de que esses três
atores
principais encontram-se em conflito e tensão constante podemos refletir sobre
a impossibilidade de se estender as políticas sociais como simples
“concessões” de apenas um desses sujeitos e sim buscar entendê-las como
produtos das relações conflitivas entre os diferentes atores envolvidos.
Com isso, para se analisar o fenômeno das políticas sociais não
basta considerar somente a atitude e o “produto final”, o benefício ou o serviço
prestado pelo Estado, é fundamental não desconhecer as lutas prévias e os
conflitos anteriores que levaram o Estado a esse ato de “conceder”.
Os autores dessa perspectiva - a marxista – vêem a constituição
das políticas sociais como um
instrumento “redistributivo”, mas que,
simultânea e principalmente, cumprem outras funções políticas e econômicas.
Isso significa que as políticas sociais não devem ser vistas como meros
instrumentos de prestação de serviço, mas , de modo contrário,
é preciso
analisar a sua contraparte que refere-se , principalmente, ao barateamento da
força de trabalho através da socialização dos custos de sua própria
reprodução.
XXXVII
De acordo com Pastorini, a perspectiva marxista apresenta avanços
com relação a perspectiva tradicional, que podem ser sintetizados em dois
elementos fundamentais: o primeiro, que foi a incorporação da perspectiva da
totalidade às análises das políticas sociais e o segundo elemento, que foi a
incorporação a estas pesquisas da centralidade e da relevância da luta de
classes.
Partindo-se de uma perspectiva da totalidade, o estudo das políticas
sociais nos leva a apreensão conjunta dos momentos de
produção e de
distribuição como elementos que constituem uma totalidade, além de nos levar
a considerar os indissolúveis entrelaçamentos que há entre economia e
política. Sendo assim, como coloca Pastorini
“só poderemos capturar a
complexidade de um fenômeno social se
compreendermos os seus vínculos com a
economia e a política; sem descuidar
nem de uma nem de outra dimensão da
totalidade social”.
(Pastorini, 1997, p. 87)
Na perspectiva da totalidade, percebe-se como erro,
primeiro, o
entendimento das políticas sociais apenas como ações, cuja tendência seria
diminuir as desigualdades sociais, e segundo como
reestabelecedoras
do
equilíbrio social através da redistribuição de recursos.
Partindo de um enfoque antagônico, de acordo com Pastorini,
“a
perspectiva
marxista
entenderá as políticas sociais como
mecanismos de articulação, tanto de
processos políticos, que visam o
consenso
social,
a
aceitação
e
legitimação
da
ordem,
a
mobilização/desmobilização
da
população, a manutenção das relações
sociais, a redução de conflitos etc. quanto
econômicos, procurando a redução dos
custos de manutenção e reprodução da
XXXVIII
força de trabalho, favorecendo a
acumulação e valorização do capital etc.”.
(Pastorini, 1997, p. 87)
O alvo de tais políticas sociais
encontra-se nas seqüelas da
“questão social”, que , como bem coloca Netto é
“aquele
conjunto
de
problemáticas
sociais,
políticas
e
econômicas
que se gesta com o
surgimento da classe operária, dentro de
uma sociedade capitalista”.
(Netto apud Pastorini ,1997, p. 87)
Assim, as políticas sociais têm como objetivo garantir as condições essenciais
ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção e também a
concentração e a centralização peculiares ao capital e não somente a simples
correção dos efeitos nefastos, negativos desses processos.
A perspectiva marxista trás em seu bojo o entendimento de que só
há possibilidade de analisar as políticas sociais partindo-se de uma ótica da
totalidade, a medida em que os elementos econômicos sejam estudados, não
isoladamente, mas em conjunto com os elementos sociais e políticos.
O desenvolvimento das políticas sociais no mundo capitalista
apresenta funções e Pastorini ressalta as duas que considera como principais:
a função social e a econômica. Com relação ã função social pode-se afirmar
que as políticas têm por objetivo gerar certa
redistribuição dos recursos
sociais de um lado, através da prestação de serviços sociais e assistenciais e,
de outro, concedendo
um complemento salarial à parcela carente da
população.
Ocorre que, tal função social, na verdade, encobre e mascara as
principais funções que as políticas sociais desempenham no mundo capitalista,
quando se apresentam perante os indivíduos como mecanismos institucionais
cuja tendência é
diminuir
as desigualdades sociais redistribuindo seus
XXXIX
escassos recursos em oposição ao mercado onde o que tem menos será o
que mais receberá das políticas sociais. No entanto, esse sistema de
solidariedade social encobre e oculta o centro da questão – que neste caso,
são as funções políticas e econômicas das políticas sociais e que podem ser
observadas na análise de Iamamoto quanto ao significado dos serviços sociais
desenvolvidos através das políticas sociais, tanto para os que as usam quanto
para os setores que as implementam. Para ela:
“ do ponto de vista das classe
trabalhadoras, estes serviços podem ser
encarados como complementares, mas
necessários à sua sobrevivência, diante
de uma política salarial que mantém os
salários
aquém
das necessidades
mínimas, historicamente estabelecidas
para a reprodução de suas condições de
vida(...) Porém, à medida que a gestão de
tais serviços escapa inteiramente ao
controle dos trabalhadores(...) tendem a
ser utilizadas como meio de subordinação
dessa população aos padrões vigentes(...)
Do ponto de vista do capital, tais serviços
constituem meios de socializar os custos
da reprodução da força de trabalho”.
(Iamamoto apud Pastorini, 1997, p. 88)
Na análise de Iamamoto é possível observar a existência de uma
dualidade contraditória nas políticas sociais. Por um lado, mostram
aos
beneficiários uma imagem “redistributiva”, que atua como reparadora , e por
outro, para as classes dirigentes/dominantes desempenham um papel
de
redução dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho,
socializando o que deveria ser um custo exclusivo do empregador. Há uma
outra função, que é a de legitimar a ordem estabelecida e inibir as eventuais
crises sociais. Nesse sentido, tornam-se evidentes as funções econômicas,
políticas e sociais que as políticas públicas cumprem.
Com relação a outra função – a econômica – cabe ressaltar que o
Estado capitalista através da implementação de políticas sociais contribui para
XL
o barateamento da força de trabalho. Isso se dá por meio da socialização dos
custos da sua reprodução. Desse modo, como coloca Pastorini
“as
políticas
sociais
–
juntamente com seus programas de ajuda
social (por exemplo as transferências de
bens e recursos), subsídios e subvenções
– têm como um dos objetivos principais
contribuir com a reprodução da força de
trabalho”.
(Pastorini, 1997, p. 89)
No entanto, o financiamento da tais políticas se dá com recursos públicos
recolhidos através de impostos, especialmente os indiretos, que a população
paga. Com isso no processo de produção o custo com a reprodução do
trabalhador acaba sendo pago pela sociedade como um todo, que subsidia e
contribui para a geração de recursos destinados à garantir a sobrevivência dos
trabalhadores e de suas famílias quando deveria ser de total responsabilidade
dos mais favorecidos, dos que dominam, dos verdadeiros responsáveis pelo
acirramento da questão social.
Portanto, é possível observar que as políticas sociais apresentam
dupla contribuição, visto que, favorecem à subordinação do trabalho ao capital
gerando facilidades, bem como criando as condições necessárias
para o
desenvolvimento capitalista quando preservam e controlam tanto a força de
trabalho ocupada quando a excedente servindo também para adequar e
controlar a mão-de-obra futura atuando com instrumento oposição à tendência
ao subconsumo como observa Netto quando se refere a função da política
social:
“a funcionalidade essencial da
política social do Estado burguês no
capitalismo monopolista se expressa nos
processos referentes à preservação e ao
controle da força de trabalho – ocupada,
mediante a regulação
das relações
capitalistas/trabalhadores”.
(Netto apud Pastorini, 1997, p. 89)
XLI
Tal fenômeno deve-se a existência de políticas sociais como as
políticas de saúde, que visam manter o trabalhador saudável para a produção;
as políticas na área da educação, cujo principal papel é capacitar os
trabalhadores de acordo com as exigências do processo de produção; há
também as destinadas à prevenção de acidentes de trabalho; as que são
criadas para dar assistência às creches, nos casos em que o trabalho feminino
é requerido dentre outras. Tais políticas são criadas visando assegurar as
exigências necessárias à valorização do capital.
Há também políticas sociais, cujo destino é atender a força de
trabalho excedente, excluída do processo de produção capitalista – a
população que tem como função servir
como exército industrial de reserva,
que não é atendida pelos seguros sociais ou pelos aposentados e pensionistas
alvos da Previdência Social.
Neste sentido, as políticas seriam estratégias do Estado na busca
por integrar a força de trabalho na relação de trabalho assalariado. Com isso,
a questão social termina por ser pensada de modo fragmentado e parcializado,
transformando as políticas sociais que são direcionadas ao atendimento de
problemática particulares e específicas, individualizando-se as questões
sociais, o que faz com que a solução
para tal problema escape ao controle
dos trabalhadores. Essas políticas sociais têm como principal função
subordinar os trabalhadores à ordem vigente, o que leva à reprodução das
desigualdades sociais que derivam da diversidade de participação no processo
de produção.
Como já vimos as políticas sociais cumprem também uma função
política, isto é, por seu intermédio ocorre maior integração dos setores
populares com a vida política e social, assim como à ordem sócio-econômica
contribuindo para a criação de padrões de participação, de espaços onde
participar, porém a participação apresenta limitações que podem ser
observadas na fala de Pastorini quando diz:
XLII
“este é um mecanismo para
enquadrar, limitando institucionalmente a
participação, ou seja,
pretende-se por
meio da integração e adaptação dos
indivíduos ao sistema conjuntamente com
as alianças entre os diferentes setores,
contrapor o avanço dos subalternos,
como forma de ampliar o controle social”.
(Pastorini, 1997, p. 90)
Assim pode-se perceber que as políticas sociais têm participação na
reprodução das estruturas política, econômica e social. Elas reproduzem as
condições
de
dominação
e
subordinação,
portanto
fortalecendo
as
desigualdades sociais e contribuindo para a aceitação e legitimação essenciais
à manutenção da ordem vigente como destaca Netto:
“o capitalismo monopolista,
pelas suas dinâmica e contradições, cria
condições tais que o Estado por ele
capturado ao buscar legitimação política
através do jogo democrático. É permeável
a demandas das classes
subalternas,
que podem
fazer incidir nele sues
interesses
e
suas
reivindicações
imediatas(...) É somente nestas condições
que as seqüelas da “questão social”’
tornam-se – mais exatamente podem
tornar-se – objeto de uma intervenção
contínua e sistemática por parte do
Estado”.
(Netto apud Pastorini, 1997, p. 90)
Em sua fala Netto deixa claro que as políticas sociais podem e
devem ser pensadas “dentro dos quadros da totalidade social”, como produtos
da articulação tanto do aspecto econômico como do político e não
separadamente como na perspectiva anterior.
Cabe ressaltar um outro elemento que a perspectiva marxista
incorpora às análises das políticas sociais, que é a importância de pensá-las
sim, porém sem esquecer de incluir um fator que permeia o modelo de
sociedade capitalista – a luta de classes.
XLIII
Como já vimos, os principais envolvidos na produção de políticas
sociais são: o Estado, as classes hegemônicas e as classe subalternas. Assim,
as políticas sociais surgem como produtos das lutas de classes e da correlação
de forças existentes na sociedade capitalista.
Importa destacar uma definição de Faleiros sobre as políticas
sociais, que as vê como:
“formas de manutenção da
força
de
trabalho
econômica
e
politicamente articuladas para não afetar
o processo de exploração capitalista e
dentro do processo de hegemonia e
contra-hegemonia da luta de classes”.
(Faleiros apud Pastorini, 1997, p. 91)
Nessa relação conflitiva o Estado atua como mediador de conflitos,
como o condensador das relações entre as forças sociais e também como
expressão das contradições de classe. Isto porque em sua atuação o Estado
deve incorporar algumas das reivindicações e demandas dos setores
subalternos, a fim de garantir a legitimação do modo de produção capitalista.
Dessa forma, se estabelece um “pacto de dominação” implícito em que cabe ao
Estado incluir e dar respostas a determinados interesses e demandas das
classes menos favorecidas para obter em troca a sua legitimação.
Com isso, as políticas
sociais podem ser entendidas como
instrumentos úteis que servem para mediar os elementos conflitivos das lutas
de classes transformando-as num elemento de pacto entre classes opostas.
Neste sentido, para se compreender o fenômeno das políticas
sociais em sua amplitude e complexidade – suas funções econômicas, políticas
e sociais – torna-se fundamental que se incorpore a presença das lutas de
classes ao estudo das mesmas.
XLIV
Desse modo, ressaltamos a importância da perspectiva marxista que
inseriu no debate das políticas sociais a perspectiva da luta de classes
determinando uma relação entre sujeitos protagonistas, bem como a
perspectiva da totalidade cuja importância está em se pensar as políticas
sociais nos três níveis fundamentais à constituição da sociedade: o político, o
econômico e o social de forma conjunta.
Geralmente,
o
Estado
atende
às
reivindicações
feitas
por
determinados grupos de indivíduos outorgando um benefício ou serviço como
conseqüência direta da organização dos mesmos, porém em alguns momentos
o Estado – um ator com capacidade de iniciativa – pretendendo evitar os
conflitos sociais busca se antecipar e atender a eventuais demandas desses
segmentos mesmo que ainda não tenham sido declaradas. Podemos perceber
que a possibilidade de haver pressão e lutas exerce um papel central para a
implementação de políticas sociais por parte do Estado, que certamente não
se anteciparia se tal possibilidade não existisse.
Para completar essas breves reflexões sobre as políticas sociais,
cabe ressaltar, a importância de se levar em consideração o processo de
“demanda, luta, negociação e outorgamento” na análise dessas políticas, seja
esse processo implícito ou explícito, visto que de todas as formas esses
elementos encontram-se presentes no processo de elaboração, definição e
implementação da políticas sociais.
Isto posto, nos colocamos mais uma indagação: as ONG’s possuem
um potencial político capas de mobilizar os indivíduos, no sentido de fortalecer
suas reivindicações frente ao Estado, ou ao contrário, elas substituem/ocupam
as
funções
das
políticas
sociais
desresponsabilizando
cumprimento dos direitos do cidadão?
XLV
o
Estado
no
Com base na perspectiva marxista, procuraremos, no decorrer deste
estudo responder a essa questão. Antes, porém, consideramos importante
tecermos algumas considerações acerca da realidade das políticas sociais em
nosso país.
XLVI
CAPÍTULO IV
ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA POLÍTICA
SOCIAL NO BRASIL
Apesar de ter passado por muitas modificações até os dias atuais, a
política social no Brasil não conseguiu eliminar todas as barreiras necessárias
para o enfrentamento das questões sociais. Atualmente, ela ainda esbarra em
limites. Consequentemente são muitas as carências da população brasileira
que não tem acesso as mesmas
e dependem do assistencialismo de
organizações como a que enfocamos neste estudo e como fica claro no que diz
Yasbek:
“no caso do assistencial, o
Estado, muitas vezes, abarca as
iniciativas da rede solidária de entidades e
movimentos
da
sociedade
civil
direcionados
ao
enfrentamento
de
questões relativas à minimização da
pobreza. Esta articulação é na maior
parte das vezes regulada por contratos
ou convênios nos quais o Estado aparece
como agente financiador e supervisor da
produção de serviços sociais pelas
entidades”.
(Yasbek, 1996, p. 52)
Para se ter um idéia da problemática da política social em nosso
país, é importante recordar sua trajetória nesta latitude.
Após
incorporadas
ao
1830,
no
costume
Brasil,
as
reformas
político
tendo
constitucionais
continuidade
na
foram
República,
principalmente, após a década de 20. Cabe lembrar que a última reforma
constitucional neste país ocorreu em 1988.
XLVII
Na verdade, o papel das reformas constitucionais é o de atender às
exigências da classe dirigente, que, no Brasil, constitui-se, historicamente,
como uma classe cada vez mais subordinada à modernização imposta de fora.
Dessa forma, cada nova constituição que surge apresenta atrasos
com relação às novas exigências da classe dirigente, visto que a mesma está
sempre elegendo novas regras, com a justificativa de que, para manter a
estabilidade e o crescimento do país mudanças tornam-se necessárias. Isso
pode ser observado na fala de Evaldo A. Vieira que entende que:
“a política social percorre dois
momentos políticos distintos e marcantes
do século XX no Brasil: o primeiro,
período
de
controle
da
política,
correspondendo a ditadura de Getúlio
Vargas e ao populismo nacionalista, com
influência para além de sua morte em
1954; e o segundo, período de política do
controle, cobrindo a época da instalação
da ditadura militar em 1964 até a
conclusão dos trabalhos da Constituinte
de 1988”.
(Evaldo A. Vieira, 1997, p. 68)
Em tais períodos, a política social brasileira sofreu mudanças, no
entanto, conservou o seu caráter fragmentário, setorial e emergencial
permanecendo voltada à necessidade de legitimar governos que necessitam
apoiar-se em bases sociais, a fim de garantir sua continuidade chegando a
aceitar, de forma seletiva, algumas reivindicações e, até mesmo, pressões da
sociedade.
Segundo Vieira, a política social no Brasil, atualmente, encontra-se
em seu terceiro período de existência ”que teve início a partir de 1988
constituindo-se o que ele chama de uma “política social sem direitos sociais”.
XLVIII
Com a reforma constitucional de 1988, muitos direitos nos campos
da
educação,
saúde,
assistência,
previdência
social,
trabalho,
lazer,
maternidade, infância, segurança dentre outros foram garantidos. Chegou-se a
definir: definir: direitos específicos dos trabalhadores urbanos e dos
trabalhadores rurais; da associação profissional ou sindical; de greve; da
participação de trabalhadores e empregadores em colegiados dos órgãos
públicos; da atuação de representantes dos trabalhadores no atendimento
direto com empregadores.
Apesar de tais direitos estarem garantidos constitucionalmente, na
realidade, como coloca Vieira: “ poucos desses direitos estão sendo praticados
ou ao menos regulamentados, quando exigem regulamentação”. (op. cit., p.
68) que complementa “o mais grave é que em nenhum momento histórico da
República brasileira, os direitos sociais sofrem tão clara e sinceramente
ataques da classe dirigente do Estado e dos donos da vida em geral, como
depois de 1995”. (idem)
A revolução tecnológica, a partir dos anos 70 ampliou-se levando o
capitalismo a ingressar numa nova fase de acumulação acompanhada de uma
crise estrutural, de caráter fortemente depressivo, cuja manifestação “mais
flagrante e inquestionável” encontra-se no crescimento exagerado da taxa de
desemprego.
Nessa sua nova fase, o capital adota o neoliberalismo como modelo
de política social negando os direitos sociais, e garantindo o mínimo aos
“indigentes” que encontram-se fora do mercado formal de trabalho, visto que
exige contrapartida para o gozo dos benefícios, que vincula o nível de vida
diretamente ao mercado, transformando-o em mercadoria.
Geralmente, a elaboração de políticas sociais envolve diversos
fatores como “direitos sociais, projetos, diretrizes, orçamentos, executores,
resultados, impactos etc.” e com isso, torna-se evidente a necessidade das
políticas sociais
passarem sempre por uma avaliação. Tal avaliação
XLIX
apresenta-se como uma exigência fundamental, obrigatória, principalmente,
nos casos em que os recursos para implementação da s políticas sociais saem
do “bolso “ do “povo” através dos impostos que pagam.
Na falta desses recursos emerge a “crise fiscal do Estado”
contribuindo para o crescimento dos avaliadores, que de acordo com Vieira
apresentam como justificativa a preservação do bem e do patrimônio públicos.
Assim, os avaliadores tendem a igualar os elementos necessários a
implementação de políticas sociais como os
“direitos sociais, os projetos, os
executores, os processos, a eficiência, a
eficácia , os resultados, os impactos. Para
Vieira” esta nova fase de acumulação
capitalista não se importa com direitos.
Seus filhos mais queridos, os recentes
avaliadores, nutrem-se do relativismo tão
a gosto da meritocracia”.
(op. cit., p. 71)
Em referência a meritocracia atual, Vieira cita Cristopher Lasch que
retrata em sua fala a idéia de que: “as novas elites, sentem-se à vontade em
trânsito, a caminho de uma conferência importante, da festa de inauguração
de uma nova franquia, de um festival internacional de cinema, ou de uma
estação de águas ainda inexplorada. A sua visão de mundo é, essencialmente
a de um turista – não é uma perspectiva que possa incentivar uma apaixonada
dedicação à democracia (...) Quando falamos de democracia, hoje, estamos
nos referindo, quase sempre, à democratização da auto-estima”.
Lasch ao enfocar a meritocracia ressalta que:
“o cosmopolitismo de uns
poucos favorecidos, por desconhecerem
a prática da cidadania, acaba sendo uma
forma superior de provincianismo. Em vez
de apoiar os serviços públicos, as novas
elites aplicam o seu dinheiro na melhoria
de seus próprios encraves fechados em si
L
mesmos. Pagam com prazer as escolas
particulares dos subúrbios, a polícia
particular, os sistemas particulares de
coleta de lixo; mas conseguiram se livrar,
impressionantemente, da obrigação de
contribuir para o tesouro nacional. Seu
reconhecimento das obrigações cívicas
não vai além de seus vizinhos mais
próximos”.
(idem)
Numa visão democrática, a avaliação dos elementos essenciais à
implementação das políticas sociais deveria levar, minimamente, em conta o
respeito aos direitos sociais reconhecendo sua superioridade por constarem
na Constituição Federal de 1988.
Assim, cabe ressaltar três conseqüências políticas geradas pela
supressão dos direitos sociais colocadas por Vieira:
“a) Tidas como naturais e
independentes, as leis da economia,
lamentavelmente, transmitem a impressão
de que se extinguem as sociedades
sobrevivendo apenas os mercados e os
grupos unidos a ele. Em conseqüência,
arruinam-se as classes sociais, os
movimentos sociais, as teorias e o próprio
pensamento , no mundo em incontrolável
mudança. b) O processo produtivo
submete-se,
intensamente,
ao
capitalismo financeiro: este acumula mais
lucro com a especulação do que com a
produção. Ao mesmo tempo, se
internacionalizam a criação e a difusão
das indústrias de comunicação, tornandose a “globalização econômica” em
crescente “americanização” da cultura de
massa. c) Os “ajustes estruturais” ou a
“livre circulação dos capitais” debilitam os
processos produtivos das sociedades,
sujeitando-se às aventuras do capitalismo
financeiro e à “americanização” da
cultura”.
(Vieira, 1997, p. 72)
LI
Para Vieira
“mesmo em ocasiões de
negação explícita de sua presença na
economia, o Estado funciona como
salvaguarda e propulsor dos detentores
de capital”.
(Vieira, 1997, p. 73)
Ao analisarmos as políticas sociais, no Brasil de hoje, podemos
perceber, não somente sua deterioração e privatização, como também um
distanciamento cada vez maior dos indivíduos no seu interior, os canais de
participação da população nas políticas sociais são praticamente inexistentes
sendo poucos e frágeis os movimentos sociais
que ainda lutam por essa
participação.
Neste contexto, considerarmos que o papel das ONG’s na sociedade
brasileira não deixa de ter sua importância, a medida que atende diversas
demandas colocadas pela questão social, no entanto, é preciso que estas
organizações não sejam encaradas como responsáveis pela criação das
políticas sociais, mas como um elemento capaz de fortalecer os movimentos
sociais levando-as a pressionar o Estado no cumprimento dessas políticas
sociais, tendo em vista que toda política social é fruto da correlação de forças
presente na sociedade.
Assim sendo, com essa nova etapa de desemprego em massa e de
privações ilimitadas, que atingem a maior parte da sociedade atualmente, a
intervenção do Estado torna-se imprescindível para que os direitos sociais
contidos na Constituição de 1988 sejam concretizados, visando assegurar a
segurança social no Brasil, e não apenas o Estado de bem-estar social, que as
ONG’s devem “forçar” o Estado com relação ao cumprimento de suas funções
políticas e sociais junto à sociedade civil e não retirar a responsabilidade dele
nesta tarefa.
LII
CAPÍTULO V
O PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL
NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
Durante nossa experiência na Ação Comunitária Sal da Terra foi
possível perceber que o modo como se desenvolveu o processo de trabalho
do Serviço Social nesta instituição está intimamente ligado à história de vida
da assistente social que gerencia tal processo.
Neste sentido, é importante assimilar que a trajetória da assistente
social que atua no Sal da Terra antecede a criação dessa obra social, visto
que toda a sua família sempre foi católica e participativa nas atividades da
Igreja.
Enquanto membro ativo da Igreja e da comunidade, ela teve sua
atuação ampliada no período – durante seis anos -
em que esteve como
coordenadora da catequese, que durante alguns anos contou com a presença
de cerca de 600 crianças que vinham das comunidades dos diversos morros
próximos á Igreja.
A dificuldade que havia para desenvolver esse trabalho pode ser
observada na fala da assistente social: “E isso, exigia da gente um desgaste
muito grande, um trabalho de organização. Tanto organização para
atendimento às crianças quanto organização enquanto catequistas, ao nível de
coordenação.
Eu
e
outra
colega
que
coordenávamos
juntas”.
A
responsabilidade de criar atividades, de organizar os materiais a serem
utilizados era atribuição delas enquanto coordenadoras cuja preocupação
envolvia além das crianças, os pais, os catequistas, a Igreja dentre outras
questões.
LIII
Cabe ressaltar que, a assistente social, na época já utilizava grande
parte de seu tempo a serviço da Igreja. Pudemos perceber isso em sua fala: Às
vezes, as pessoas dizem assim: você fica o sábado inteiro na Igreja... Eu já
fico na Igreja há mais de 20 anos. Não foi o Serviço Social que me levou a
trabalhar sábado na Igreja. Há mais de 20 anos que eu faço isso! Então, já faz
parte do meu trabalho, da minha disponibilidade para o serviço à Igreja.
Conforme mencionado acima, houve época em que na catequese
haviam 600 crianças dos diversos morros: Amor, Cachoeirinha, D. Francisca,
Barro Preto, Barro Vermelho, Cabuçu, dentre outros próximos à Igreja e que,
na verdade, levavam para a aula de catecismo todos os seus problemas de
fome, de miséria, de dificuldades econômicas, enfim todas as questões sociais
que envolviam aquelas comunidades carentes e que exigiam das catequistas
alguns programas de ação imediata para atender àquelas necessidades que
chegavam. Assim, “ nenhuma criança deixava de fazer a catequese porque não
tinha um livro ou de participar de um teatro porque não tinha dinheiro para
comprar aquela roupa.
Ninguém deixava de fazer primeira comunhão porque não tinha
dinheiro para comprar sapato. Essas coisas, trabalhávamos ,solidariamente,
buscando alternativas”, complementa a assistente social.
Em sua fala a entrevistada revela que aprendeu bastante com essa
vivência comunitária, com esse trabalho de coordenação. Com relação à
solidariedade explicou: “Claro que já é um pouco de nós. Faz parte da nossa
personalidade...” e foi nesse trabalho de coordenação que ela começou a sentir
necessidade de se aprofundar em algum conhecimento, algo mais técnico,
apesar de não ter muita clareza do que era.
Desse modo, na época em que se viu compelida a buscar uma
profissão através do ensino universitário, pensou em duas possibilidades: a
Pedagogia e o Serviço Social, porém sem ter o devido esclarecimento sobre
qualquer uma das profissões.
LIV
Nessa época trabalhando como caixa do Banco do Brasil, um
trabalho bem diferente do que a entrevistada realizava na coordenação da
catequese que assumiu também “sem conhecer bem toda essa fundamentação
bíblica, doutrinária, embora sendo católica a vida inteira... sempre fui desde
muito criancinha...” ela reconhece que “no sentido de formação técnica... que é
muito importante...” não tinha conhecimento algum, no entanto, com relação ao
trabalho como coordenadora da catequese complementa: “ aprendi muito
nessa época para poder preparar material. Fiz cursos, ainda vou fazer um dia,
se Deus quiser a Teologia, para ter mais bagagem de conhecimento”.
A dúvida entre a Pedagogia e o Serviço Social surgiu mesmo tendo
feito a inscrição para as duas faculdades, no entanto, no dia da prova para
pedagogia “um serviço religioso” a impediu de fazer a prova – foi ser madrinha
da filha de uma prima – tendo que optar entre ser madrinha ou fazer a prova
e... “ o sentido religiosos foi mais forte”.
Assim sendo, ela acabou fazendo a prova para o Serviço Social na
faculdade Veiga de Almeida e foi aprovada. Mesmo nunca tendo tido contato
com um assistente social, de não ter noção do que um assistente social fazia
buscou essa profissão para contribuir com o trabalho que exercia na Igreja e
pensou “ vou ver no que vai dar, ver o que é isso... mas também sem muita
clareza da profissão em si”.
No período em que fez estágio teve que “abandonar” a coordenação
da catequese e os compromissos religiosos, visto que seu estágio se dava
também aos sábados, em horário integral.
Antes de terminar a faculdade de Serviço Social, em 1987, a
entrevistada já atuava como conselheira na Ação Comunitária Sal da Terra,
tendo sido convidada pelo padre que fez um novo convite após ela ter
concluído a faculdade. Ela lembra: “ fui convidada pelo padre... para ... ajudálo. Não sei se a palavra certa é ajudar, mas dividi com ele muitas das
demandas que vinham para a Igreja à procura dele, mas eram coisas sociais e
LV
que ele enquanto padre como se diz... estava apenas se preocupando com o
social. Não estava se preocupando com a parte da evangelização. Mas essas
coisas se misturam. Elas não são divididas. Por isso, como naquela sua
pergunta sobre o agente cristão e o agente social... você não é isso ou aquilo.
Você está na Igreja, você é cristã, mas você está ali recebendo uma demanda
que... seja espiritual ou seja social, você, entre aspas, precisa dar conta ou
orientar , apresentar alguns caminhos” e assim, “ ele me chamou para... que
eu começasse como assistente social na Igreja”.
Já formada como assistente social voltou a atuar na catequese,
porém dessa vez, não como
coordenadora, mas como catequista aos
sábados. Com isso o atendimento do Serviço Social ficou para os dias úteis à
noite, visto que ela trabalhava durante o dia todo.
Assim sendo, reservou um dia da semana para atuar como
assistente social, no entanto a demanda era muito grande, pois como já vimos
anteriormente, há diversas comunidades, na sua maioria carentes, nos morros
próximos à Igreja,
que
buscavam o Serviço Social. Era sua primeira
experiência enquanto profissional sem recursos, sem idéias do que fazer ou
como fazer... para dar conta de tanto trabalho. Em sua fala ela explicita essa
dificuldade” ...não sabia de nada, Por mais que você possa ter aprendido
algumas coisas no estágio...” e principalmente porque no estágio “Esse tipo de
trabalho, naquela época de implantação desses projetos na comunidade estava
numa linha metodológica do Boris Alex Lima, que era uma linha assim de... a
comunidade vai participar, não temos que ir atrás da comunidade. Temos que
estar lá para orientar,... tem que partir deles”. Para a assistente social tudo isso
era complicado porque, enquanto estagiária sentia-se incomodada porque na
Igreja estava acostumada a trabalhar num “pique louco” e no estágio o ritmo de
trabalho era diferente. No entanto, apesar das dificuldades ela foi à luta e jogou
sua experiência de trabalho anterior.
LVI
No campo de estágio, porém após formar-se e ter que atuar como
profissional diz ter percebido que” é diferente, você de um dia para uma noite,
já é um profissional e como é que faz?”.
Essa dúvida constitui-se um eixo comum, articulador dos diferentes
campos problemáticos com que se defronta o Assistente Social, é o debate
sobre o papel profissional: a que venho, para que, com que função?
(Iamamoto, 1992, p. 201)
Apesar das dificuldades enfrentadas inicialmente, a assistente social
contou por um período com um trabalho “interdisciplinar” na instituição e
lembra: “ tivemos um período que na nossa igreja teve esse trabalho conjunto...
nos reuníamos uma vez por semana ou de quinze em quinze dias. Tinhe eu de
assistente social, o advogado que atendia, a Dra. Ana, padre Gustavo. Celinha,
educadora e uma outra educadora também catequista, a Carmencita que era
psicóloga. Juntávamos um grupo onde se discutia tanto ao nível doutrinal , em
termos de Igreja quanto ao nível do trabalho social da comunidade na qual
trabalhávamos”.
Desse modo, temos a impressão que, o Serviço Social, para a
assistente social parece estar, intimamente, ligado à religião, pois nessa sua
fala demonstrou valorizar o estudo da doutrina religiosa como fator
complementar para o desenvolvimento da prática profissional. É como se ela
estivesse investida “ de uma missão de apostolado decorrente... da adesão aos
princípios católicos”. (Iamamoto,1982, p. 223)
Nesse sentido, a prática profissional dessa Assistente Social se
enquadra no que Iamamoto considera como “messianismo utópico” que
“privilegia as intenções, os propósitos do sujeito profissional individual, num
voluntarismo marcante, que não dá conta do desenvolvimento social e das
determinações que a prática profissional incorpora nesse mesmo movimento. O
messianismo traduz-se numa visão “heróica”, ingênua das possibilidades
LVII
revolucionárias da prática profissional, a partir da visão mágica da
transformação social”. (1992, p. 115-116)
5.1. A INFLUÊNCIA DO IDEÁRIO CATÓLICO NA TRAJETÓRIA
DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA
TERRA
Após esses comentários preliminares sobre a trajetória do Serviço
social na Ação Comunitária Sal da Terra, que, na verdade, está diretamente
relacionada a trajetória da assistente social em foco pretendemos discorrer um
pouco sobre o Serviço Social – profissão cuja implantação está relacionada
“diretamente
às
profundas
transformações econômicas e sociais
pelas quais a sociedade brasileira é
atravessada, e à ação
dos grupos,
classes e instituições que interagem com
essas transformações”.
(Iamamoto, 1996, p. 220)
e que surgiu no
“seio
do
bloco
católico
mantendo por um período relativamente
longo um quase monopólio da formação
dos agentes sociais especializados, tanto
a partir de sua própria base social, como
de sua doutrina e ideologia”.
(Iamamoto, 1996, p. 220)
Começou a desenvolver-se a partir do momento em que a Igreja se
mobilizou, visando recuperar, bem como defender seus interesses e “privilégios
corporativos” buscando reafirmar sua “influência normativa na sociedade”,
portanto, essa profissão, inicialmente, esteve
vinculada às idéias do
voluntarismo e do assistencialismo e apesar do movimento de reconceituação
ocorrido na década de 60, atualmente, alguns profissionais do Serviço Social
LVIII
permanecem com uma atuação voltada para uma prática de caráter
assistencialista.
Na Ação Comunitária Sal da Terra, o trabalho do Serviço Social
apresenta um caráter de missionarismo com:
“a visão messiânica e
a
histórica do Serviço Social; deslocada do
solo da história, de cunho voluntarista e
subjetivista,
ingênua
quanto
às
possibilidades
revolucionárias
da
profissão, muitas vezes embalada por um
discurso com propostas e veleidades
críticas. Marcada por uma visão mágica
da transformação social, que passa a ser
reduzida a uma questão de princípios.
Muitas vezes, esse discurso se reduz ao
compromisso individual do Assistente
Social, como se a nossa vontade e
propósitos
individuais
fossem
unilateralmente suficientes para alterar a
dinâmica da vida social, caindo, não raras
vezes, numa concepção basista da
condução do exercício profissional”.
(Iamamoto, 1996, p. 24)
Há dois fatores que nos levam a concordar com essa reflexão: o
primeiro, é o fato da prática profissional se desenvolver em uma instituição
religiosa, visto que o Sal da Terra é uma obra social da Paróquia S. Tiago
Apóstolo, uma Igreja Católica cujo espaço físico é a sede da própria paróquia e
segundo que, a assistente social é católica praticante há mais de vinte anos e
que em sua fala demonstra claramente acreditar que a prática do Serviço
Social e a evangelização não se separam como fica claro em sua fala sobre a
evangelização já mencionada “... mas essas coisas se misturam. Elas não são
divididas... Você está na Igreja, você é cristã...
Assim,
torna-se
fundamental
ressaltar
que
nesse
espaço
institucional a assistente social com a sua visão da profissão como um
“apostolado social ” não permite que os profissionais tenham uma prática
LIX
reflexiva que como Ana Maria Vasconcelos define: consiste em “... uma prática
educativa, crítica, criativa, politizante, que aponte para a ruptura com o
instituído...” (1997, p. 3). Pelo contrário, utiliza as reuniões efetuadas com os
profissionais para informar sobre os projetos e parcerias que o Sal da Terra
faz com a prefeitura ou com as outras instituições, do que para discutir a sua
prática profissional, porque sendo a prática um ato, um movimento “necessita
ser pensada, analisada, avaliada quanto aos seus objetivos, metas, resultados,
dando visibilidade ao seu desenvolvimento” (Vasconcelos, 1997, p. 10).
5.2.
AS
ATIVIDADES
DO
SERVIÇO
SOCIAL
NA
AÇÃO
COMUNITÁRIA SAL DA TERRA
No período em que atuamos como voluntários na Ação Comunitária
Sal da Terra percebemos que a demanda principal, que chegava ao Serviço
Social, era
a necessidade de alimento, visto que a maioria dos usuários
cadastrados, conforme registro no Plantão de Atendimento, apresenta renda
muito baixa, cuja média fica em torno e 1 a 2 salários mínimos/mês por família.
Com isso, o primeiro problema enfrentado pelo Serviço Social nessa
instituição é a questão da fome gerada pelos baixos salários e pelo aumento
crescente do desemprego, principalmente, porque essas famílias tendem a ser
numerosas, seja pelo número de filhos ou pelos “agregados” (primos, tios,
avós, netos ,irmãos dentre outros) que as constituem.
Um outro grupo de indivíduos – os aposentados - também
contribuem para engrossar a fila dos que buscam alimentos, por que muitos,
com o que ganham têm que pagar contas, aluguel, comprar alimentos,
remédios, enfim têm de sobreviver e buscam no Serviço Social a “a solução”
para complementar a renda mensal e levar uma vida mais digna, com menos
dificuldades.
LX
O alimento não é a única demanda que chega para o Serviço Social,
há outras como remédios, roupas, calçados, móveis; outros procuram creche
para os filhos menores, a fim de que possam trabalhar; outros mostram-se
interessados por cursos, porque acreditam
que
os ajudará a ter melhores
chance para conseguir um emprego; outros ainda buscam atendimento do
ambulatório, do dentista e até mesmo o advogado que orienta as pessoas
quanto aos seus direitos; muitos perderam documentos e pedem orientação
sobre onde tirar a 2a via e até mesmo a 1a via de documentos onde não
tenham que pagar.
E o Serviço Social vai enfrentar essas questões utilizando-se dos
serviços oferecidos pelo Sal da Terra como a Creche Chameguinho, no morro
D. Francisca que atende 55 crianças com idade entre 02 e 06 anos de idade,
em horário integral contribuindo para que muitas mulheres possam também
trabalhar e assim, ajudar no orçamento doméstico; o Projeto Educar Para a
Vida que atende, prioritariamente, as crianças que saem
da creche até
completarem 11 anos de idade, porque ao saírem da creche essa crianças vão
para a escola pública, cujo horário não é integral, o que preocupa as mães,
que, tendo que trabalhar temem sair para o trabalho deixando seus filhos
expostos à influência dos traficantes e marginais que moram na comunidade e
a presença constante da polícia, em fim expostos à violência cotidiana dos
morros e no caso de irem para o Projeto Educar após a escola, as mães
podem ficar mais tranqüilas; os cursos de eletricista , de core]te e costura, de
marcenaria e o de informática são bastante procurados pela população que,
em sua maioria estando desempregada, acredita que com alguma “ profissão”
pode ter maior chance de encontrar emprego. A instituição, além do alimento
também faz doações de roupas, sapatos, móveis, material escolar, remédios
dentre outras.
A questão da fome é enfrentada através do programa da bolsa de
alimentos que é distribuída, mensalmente, às famílias que participam do
Projeto Amizade, financiado pela ONG Visão Mundial e que atende 100
crianças; há também adolescentes inscritos nos diversos cursos oferecidos
LXI
pela instituição, sendo que são “ beneficiados” até 20 adolescentes e também
os idosos que fazem parte do Projeto Rio Experiente.
Em virtude da demanda por alimentos se constituir maioria, o
Serviço Social da Ação Comunitária Sal da Terra busca recursos que são
obtidos através de doações de tickets-refeição por funcionários do Banco do
Brasil para compra de alimentos, bem como da campanha do quilo feita na
Igreja , mensalmente, e que são doados às famílias que participam do Projeto
Amizade e também através de parcerias entre a instituição e a Prefeitura do
Município do Rio de Janeiro que sustenta os projetos Rio Jovem e Rio
Experiente doando bolsas de alimentos.
Assim sendo, o processo de trabalho do Serviço Social no Sal da
Terra ocorre, basicamente, através de três atividades: o Plantão de
Atendimento; as visitas domiciliares e as reuniões mensais com os usuários
que recebem a bolsa de alimentos. Para isso a assistente social conta com a
presença de estagiárias de Serviço Social de três universidades: UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro), UFF (Universidade Federal
Fluminense) e UVA (Universidade Veiga de Almeida), bem como assistentes
sociais voluntários.
No Plantão de Atendimento – porta de entrada do Serviço Social – a
intervenção profissional se inicia pela entrevista
feita com o usuário. Na
verdade, a entrevista é aberta e se desenvolve através da “escuta”
pelo
estagiário ou pelo profissional que buscam junto com o usuário fazer uma
reflexão sobre o problema apresentado e direcionam cada caso aos recursos
oferecidos pela instituição (alimentos, cursos, creche, dentista, advogado,
creche) além de
efetuarem encaminhamentos
dos usuários para outras
instituições (Postos de Saúde: Centro de Defesa da Cidadania, Fetranspor,
Banco da Providência)
LXII
Cabe ressaltar que, todo atendimento é registrado num documento
individual, uma espécie de “prontuário” onde são relatadas todas as demandas
trazidos pelo usuário; onde o profissional registra os procedimentos adotados.
Há também uma documento onde
se anota
cada doação recebida pelo
usuário.
Concordamos que é importante registrar os relatos dos usuários,
como bem coloca Vasconcelos:
“o contato direto com os
usuários produz dados a serem utilizados
nesse processo de construção do espaço
profissional
que,
além
de
ser
concomitante à prestação de serviços, é
sistemático e permanente”.
(Vasconcelos, 1997, p. 17)
portanto necessita ser registrado.
Na entrevista, instrumento utilizado para anotar-se tanto os dados
trazidos pelo usuário como a forma de intervenção do profissional, o estagiário
pode perceber através da fala do usuário outras demandas que,
não se
enquadrando nos serviços oferecidos pela instituição podem, posteriormente,
ser pensadas, analisadas, a fim de que sejam criadas formas diferenciadas de
atuar e intervir na realidade apresentada, como podemos observar na fala de
Vasconcelos:
“são os assistentes sociais, no
caso do Serviço Social, os responsáveis
por criar os serviços a serem oferecidos –
espaços, rotinas, atividades – tendo como
base o movimento institucional – recursos
objetivos dos diferentes segmentos
envolvidos – tendo como parâmetro as
demandas
posta,
explícita
ou
implicitamente. A responsabilidade pela
definição dos projetos profissionais, das
possibilidades de atenção às demandas,
não pode ser atribuída aos usuários, a
LXIII
outros profissionais, nem ignorar a
qualidade e quantidade das demandas
dirigidas ao serviço. Por exemplo, na
definição dos instrumentos de trabalho
não cabe priorizar o trabalho individual,
tendo em vista o gosto e/ou a facilidade
do profissional em trabalhar com
entrevistas se, a grande quantidade de
demanda, na maioria dos espaços
profissionais – queixa constante dos
assistentes sociais – exige a priorização
do trabalho coletivo, tendo-se ou não
facilidade de trabalhar com reuniões”.
(Vasconcelos, 1997, p. 25)
Com efeito, os assistentes sociais, devido a sua formação
profissional e ao lugar que ocupam na divisão social do trabalho, são os que
mais possuem condições de se debruçarem
“criticamente sobre a riqueza
de dados e informações que acumulam
e/ou
podem
acumular
sobre
as
instituições, os segmentos populares
envolvidos, o cotidiano de sua prática. A
eles é permitido abrir arquivos, ter acesso
a todo tipo de documentação; dados;
recursos;
pesquisas;
projetos;
governamentais e não governamentais –
podendo criar tempos; espaços; rotinas;
diferentes atividades, objetivando uma
prática de qualidade”.
(Vasconcelos, 1997, p. 16)
Assim sendo, cabe aos assistentes sociais “ realizar levantamentos,
pesquisas” a fim de produzirem conhecimento sobre o espaço institucional,
sobre o próprio processo de trabalho,
“sobre os dados que fazem
emergir da
atenção prestada aos
usuários,
nas
suas
inter-relações,
interpretações dissecando e intercruzando
esses dados para que, explicitando o
movimento da realidade social trabalhada
possam se colocar
criticamente,
LXIV
definindo prioridades , estratégias,
alianças,
limites
e
possibilidades,
avaliando as conseqüências das ações
realizadas”.
(Vasconcelos, 1997, p. 16)
É importante que o assistente social tenha preocupação com a
produção de conhecimento, para que se sinta seguro ao “ se colocar frente à
complexidade das demandas institucionais e dos usuários”, e sobretudo
seguindo nessa direção terá as condições essenciais para que possa construir
as bases “para, mesmo no cotidiano em movimento” ter a noção “do espaço
profissional ocupado e a ocupar”, bem como de saber o porquê, o como e o
que está oferecendo aos usuários mantendo-se atento às respostas
institucionais a serem dadas no cotidiano de sua prática.
A racionalidade burocrática aparece na forma como o processo de
trabalho do Serviço social está organizado no espaço de intervenção do
assistente social na ONG Sal da Terra. O Plantão de Atendimento, as Visitas
Domiciliares e as Reuniões – atividades realizadas aos sábados, pela
assistente social , pelas estagiárias e pelos profissionais voluntários - são os
espaços da prática profissional.
Assim sendo, relataremos um pouco dessa prática. Normalmente o
Plantão de Atendimento e as Visitas Domiciliares ocorrem pela manhã, à tarde
há reuniões com as famílias e também as reuniões com os estagiários e os
profissionais voluntários, no entanto cabe deixar claro que, tais reuniões não
ocorrem
concomitantemente, mas pelo contrário, ocorrem em sábados
diferentes.
No período
que atendemos no Plantão de Atendimento nos foi
possível perceber a racionalidade burocrática nessa atividade, visto que a
rotina do Plantão se limita a ”escuta”, ao preenchimento da ficha de
acompanhamento
onde
se
anota
o
relato
de
cada
usuário;
aos
encaminhamentos para outras instituições e também de alguns formulários
preenchidos para controle das doações que entram e que saem da instituição;
LXV
as fichas sociais elaboradas com perguntas “fechadas” onde alguns dados
representam interesses da Igreja sendo preenchidas, não de imediato, mas
após o usuário já ter sido atendido pelo Plantão pelo menos por duas vezes.
Um outro tipo de racionalidade – a racionalidade técnica – pode ser
percebida na organização do processo de trabalho do Serviço Social através
da forma como são obtidos os recursos: são feitas parcerias e convênios com a
Prefeitura, com o Banco do Brasil e outras instituições que contribuem com os
recursos necessários ao atendimento das demandas trazidas pela população
usuária que o Sal da Terra busca atender.
A assistente social tem que prestar contas de como estão sendo
utilizados os recursos obtidos através das parcerias, das campanhas do quilo
feitas na Igreja e também dos tickets-refeição doados pelos funcionários do
Banco do Brasil assinalamos que, possivelmente, o objetivo institucional seja o
de reduzir, ainda que parcialmente, as dificuldades com relação à alimentação
das famílias que buscam o Serviço Social na Sal da Terra, principalmente, por
que grande parte desses indivíduos encontra-se fora do mercado de trabalho.
Na Sal da Terra, a triagem dos que vão ter acesso ou não a algum“
benefício material” (alimentos, roupas, remédios) ou
aos cursos oferecidos
pela instituição é feita pelos estagiários e profissionais voluntários do Serviço
Social, no Plantão de Atendimento e nas Visitas Domiciliares.
Quanto
formulários) são
aos
instrumentos
profissionais
(fichas,
documentos,
elaborados pela assistente social, responsável pela
organização das atividades e pelo gerenciamento do processo de trabalho do
Serviço Social. Algumas vezes estagiários e profissionais voluntários
(assistentes sociais) contribuem para elaboração de tais instrumentos.
LXVI
CONCLUSÃO
Por ser a temática ONG, um assunto bastante recente e complexo
em nossa sociedade, e em virtude de ainda não haver consenso sobre o
conceito de política social buscamos nesse estudo, priorizar a discussão
acerca
dessas
organizações,
principalmente
as
mesmas,
atualmente,
apresentam-se como alternativas para o mercado de trabalho do Serviço Social
e pelas políticas sociais serem o campo clássico de inserção da profissão.
O fato da Ação Comunitária Sal da Terra ser uma obra social da Igreja
Católica e da assistente social ter uma atuação significativa nesse espaço, enquanto
profissional e membro da Igreja nos levou a perceber que a prática do Serviço Social
nessa ONG possui limites que interferem na mediação entre a teoria e a prática
profissional. A existência de tais limites se deve aos suportes ideológicos – vinculados à
religião – que sustentam a prática dessa assistente social, que fazendo parte da Igreja
desde muito jovem e não tendo se atualizado após ter se formado, vem atuando como
um “moderno agente da caridade” e apesar de seu discurso ser moderno(falar em ONG,
em parcerias) na prática segue o viés religioso, com fortes marcas do messianismo, do
voluntarismo e da prática caritativa presentes no surgimento da profissão como se a
intervenção profissional fosse um “ apostolado social”. Esses limites permeando a
prática dessa assistente social impedem uma reflexão que garanta uma totalidade para
melhor compreensão e contextualização da prática junto aos usuários do Serviço Social.
Assim, a crítica às pioneiras dessa profissão parece não ter valor para essa assistente
social que, “investida de uma missão de apostolado”, tem sua prática pautada,
principalmente, nos princípios católicos.
Esperamos que esse estudo possa contribuir par a que os
profissionais do Serviço Social nessas organizações possam refletir sobre a
prática profissional tendo uma visão crítica da realidade social, a fim de evitar
os mesmos “equívocos” da profissão quando do seu surgimento.
BIBLIOGRAFIA
LXVII
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sociedade civil brasileira na era da globalização. São Paulo: Cortez, 1997.
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PASTORINI, Alejandra. “Quem mexe os fios da políticas sociais? Avanços e
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VASCONCELOS, Ana Maria. Serviço Social e prática reflexiva. 1997,
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VIEIRA, Evaldo Amaro. “As políticas sociais e os direitos sociais no Brasil:
avanços e retrocessos”. In: Serviço Social e sociedade, n. 53. São Paulo:
Cortez, Ano VXII, março, 1997.
LXVIII
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO
AGRADECIMENTO
DEDICATÓRIA
EPÍGRAFE
INTRODUÇÃO
II
III
IV
V
07
CAPÍTULO I
Um pouco de história da Ação Comunitária Sal da Terra
09
CAPÍTULO II
Afinal, o que é uma ONG?
2.1. ONG’s, como funcionam e para que servem
14
16
CAPÍTULO III
Política social: um tema com muitas definições
3.1. A perspectiva tradicional
3.2. A perspectiva marxista
31
31
37
CAPÍTULO IV
Algumas reflexões acerca da política social no Brasil
47
CAPÍTULO V
O processo de trabalho do serviço social na Ação Comunitária
Sal da Terra
53
5.1. A influência do ideário católico na trajetória do Serviço
Social na Ação Comunitária Sal da Terra
58
5.2. As atividades do Serviço Social na Ação Comunitária
Sal da Terra
60
CONCLUSÃO 67
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
FOLHA DE AVALIAÇÃO
68
70
71
LXIX
ANEXOS
LXX
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Instituto de Pesquisa Sócio-Pedagógicas
Pós-Graduação “Latu Sensu”
Título da Monografia
Data da Entrega: ___________________________
Avaliado por: ______________________________Grau:
________________
Rio de Janeiro, ______ de ______________________ de ________
_______________________________________________________________
Coordenação do Curso
LXXI
Download

universidade candido mendes pró-reitoria de planejamento e