XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI
GT 21: Recomposição Espacial, Políticas Públicas e Superação da
Pobreza
O Algodão no Contexto Sócio-histórico do Nordeste
Dr. Ranonildes Alves Gomes – UFCG – e-mail: [email protected]
Luan Pabllo Silva Oliveira - UFCG – email: [email protected]
Introdução
Esse artigo constitui-se basicamente da primeira parte da pesquisa, realizada no âmbito
do projeto PIBIC, intitulado: RECONVERSÕES PRODUTIVAS E POLÍTICAS PÚBLICAS
NO CARIRI PARAIBANO: O RETORNO DO BINÔMIO ALGODÃO-PECUÁRIA. Neste
primeiro momento da pesquisa o objetivo central foi analisar mais precisamente o papel
do algodão, com intuito de compreender a relevância econômica e social que esta
espécie desempenhou naquilo que historicamente formou o binômio algodão-pecuária.
Para alcançar este objetivo utilizamos basicamente técnicas como a pesquisa bibliográfica
e documental.
Nas últimas décadas observa-se que há certo consenso em torno da ideia de repensar o
modelo de desenvolvimento rural adotado no Brasil. Esta ideia rebate diretamente no
campo das políticas públicas no sentido de impingir uma reorientação dos diversos
agentes.
A análise que pretendemos fazer neste projeto de pesquisa tem como centralidade de um
lado evidências empíricas – ou seja, os agricultores voltam a plantar e a combinar
algodão e pecuária -; e de outro lado,um certo movimento das agências científicas,
impulsionando as pesquisas voltadas para o algodão, ora geneticamente modificado, ora
orgânico. No caso da pecuária, constata-se um esforço voltado para à sanidade e a
nutrição dos animais. É nesse sentido que estamos analisando a retomada da estratégia
produtiva, que associa a atividade produtiva da pecuária à atividade agrícola do algodão.
Para conhecer a dinâmica ensejada pelo algodão no período mais recente recorremos a
pesquisa sócio-histórico a fim de compreender os elementos, atores e discursos que
compunham a estratégia denominada e conhecida como binômio algodão-pecuária. Este
processo converge também para movimentos de reconversão produtiva inseridos no
contexto
de
modernização
agrícola
produto
de
políticas
públicas
de
crédito,
financiamento, incentivos fiscais, tecnologias desenvolvimentistas, a partir da crise do
sistema algodoeiro e do insucesso das políticas de combate à seca.
O Algodão no Contexto de uma economia agro-exportadora colonial
O algodão foi durante o fim dos séc. XIX e a primeira metade do séc. XX, uma
cultura de suma importância para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro, contudo
desempenhando um papel significativo desde o período colonial, quando o Brasil
assentava sua economia sobre uma base agro-exportadora, estabelecido como uma
colônia de Portugal. O algodão, junto às culturas da cana e da pecuária, inseriu o
Nordeste na lógica da exploração colonial e o lançou no contexto internacional como uma
fonte de matérias primas. Através dele se desenvolveram relações de poder, arranjos
políticos e sociais que repercutiram seus efeitos até os dias de hoje.
O primeiro boom algodoeiro a surtir efeitos no Nordeste, data do período colonial
em fins do séc. XVIII e tem como foco a província do Maranhão, é causado pela
demanda da fibra pela então nascente indústria têxtil britânica que coincidia com a Guerra
de Independência dos EUA, e que eram até aquele momento o maior produtor e
fornecedor de algodão para o mercado britânico , já naquele momento fica demonstrada a
relação de extrema dependência dos fatores e flutuações do mercado externo, o que
torna o desenvolvimento dessa cultura peculiarmente suscetível á eventos e causas
externas.
O Nordeste, neste caso precedido e encabeçado pela província do Maranhão, é
alçado ao posto de maior produtor de algodão da colônia já em princípio do séc. XIX.
Ao comentar a ascensão e causas da elevação da província do Maranhão a esse
posto, Moreira e Santos afirmam:
“Os agentes responsáveis por este aumento das exportações de
algodão nesta fase foram, primeiramente, a Guerra de Independência
norte-americana que impediu o fornecimento de algodão dos Estados
Unidos a Inglaterra, logo depois a revolução industrial. (…) Portanto a
nova conjuntura, aliada às facilidades advindas da criação da
Companhia do Grão Pará e Maranhão,foi suficiente para enorme
expansão que experimentou a lavoura algodoeira maranhense,
mesmo após a extinção da Companhia, em 1798. A expansão foi
tamanha que o Maranhão, no período de 1760 a 1818 ocupou a
posição de maior produtor de algodão do Brasil”. (MOREIRA e
SANTOS apud COSTA, 1996:50)
O potencial econômico da cultura era tão extraordinário que enquanto no último
quartel do séc. XVIII a colônia passava por dificuldades, a capitania do Maranhão
desfrutava de uma incomum prosperidade econômica, o Nordeste então seguindo seu
exemplo começava a dedicar recursos para a produção de algodão. (FURTADO,
2007:140-141)
O Algodão na Paraíba
Mesmo após o primeiro surto da procura pelo algodão e seu respectivo
arrefecimento, os demais estados do Nordeste continuaram a destinar mais recursos em
favor da cotonicultura e consequentemente uma maior estrutura que daria suporte ao
futuro crescimento da demanda, durante toda a extensão que se situava entre as décadas
de 1820 e 1860 eixo de produção e distribuição do algodão sofre um lento e gradual
deslocamento do estado do Maranhão em direção aos estados da Bahia, Pernambuco,
Paraíba e Rio Grande do Norte.
A Paraíba que partilhava dos fatores geoclimáticos com os demais, se destacava
por técnicas mais apuradas e por um maior histórico de familiaridade com a cultura devido
a uma pequena, mas relevante produção de algodão do tipo mocó, uma variedade
arbórea endógena da região do Seridó que abrangia os estados da Paraíba e do Rio
Grande do Norte, além disso, contava com Campina Grande, cidade que veio a se tornar
em uma das maiores praças de comércio e distribuição de algodão no mundo. Tal
configuração, fez com que o estado da Paraíba pudesse aproveitar imensamente o
próximo boom na demanda, que ocorreria agora em função da Guerra de Secessão nos
EUA que durou de 1861 a 1865, e que mais uma vez privava o mercado de seu maior
fornecedor, fazendo com que o preço do algodão se elevasse exponencialmente. Esse
contexto fez com que a Paraíba experimentasse influxos de renda sem paralelos em sua
história, e subverteu até mesmo as posições na balança de exportações, desbancado a
cultura canavieira de seu tradicional posto de maior atrativo de divisas para o estado, do
começo da década de 1860 ao começo de 1870. Tal movimento pode ser conferido no
quadro 1:
Quadro 1
Província da Paraíba: evolução das exportações de algodão, açucar e couro 1862/1871
Anos
Algodão
Índice
(arrobas)
Açúcar
Índice
(arrobas)
Couros
Índice
(arrobas)
1862
216.468
100
683.081
100
9.600
100
1863
197.505
91,2
574.274
84
21.377
222,6
1864
397.728
183,7
432.318
63,2
22.259
231,8
1865
446.937
206,4
269.885
39,5
13.258
138,1
1866
542.133
250,4
400.047
58,5
19.938
207,6
1867
398.620
184,1
320.275
46,8
12.877
134
1868
569.897
263,2
300.937
44
27.817
289,7
1869
533.609
246,5
448.445
65,6
30.126
313,8
1870
377.178
174,2
268.205
39,2
17.212
179,1
1871
681.355
314,7
230.481
33,7
45.495
437,9
Fonte: VASCONCELLOS, 1980:71
Percebe-se através da tabela que o período abrangido entre 1862-1871 conteve
um aumento de mais de 200% no volume de algodão exportado, isso em grande parte
decorrente da Guerra de Secessão que contribuiu sobremaneira para a expansão
algodoeira no interior do Nordeste e Paraíba.
Tal movimento não ocorreu sem convulsões e modificações profundas no eixo de poder, o
capital agrário que antes se encontrava concentrado no litoral e na zona da mata devido a
cana, agora de se deslocara de forma muito substancial e relativamente rápida para o seu
interior. Como um simples exercício de comparação, imagine a capital de qualquer estado
brasileiro nos dias de hoje, perder o seu posto de importância política e industrial para o
seu interior em um espaço de apenas dez anos, que transformações não acompanhariam
essa mudança?
O Eixo Político Das Mãos da Elite Canavieira Litorânea Para as Mãos da Elite
Latifundiária do Interior
Um dos efeitos de que maneira alguma pode ser desconsiderado, é o que ocorreu
no cenário político do Estado. Os conflitos ocorridos em torno das questões políticas que
vieram no encalço da mudança do eixo econômico do litoral para o interior foram tão
consistentes, que ainda hoje se pode observar a animosidade guardada entre as elites
políticas do litoral e do interior do Estado.
A violenta e abrupta mudança ocorrida no cenário econômico transferindo
importância para o interior, não ocorreria na mesma intensidade no que tocava o status
quo político da Paraíba, a elite política do litoral ofereceu bastante resistência ao
enfraquecimento do seu poder frente a afluência econômica do interior.
A luta política se centrava principalmente em torno das divisas econômicas que
significavam as exportações do algodão, de fins do séc. XIX até a década de 1930, o
algodão além da maior fonte de renda para o Estado, era a principal fonte de poder e
dinheiro para os coronéis da região. Tal fato não deixou de despertar nos políticos da
Capital seus próprios interesses, aliados a burguesia pessoense, comerciantes e médios
beneficiadores, eles em mobilizaram a máquina estatal na tentativa de obter ganhos,
obrigando que o algodão aqui produzido, fosse comercializado e exportado pelo porto de
Cabedelo, garantindo reserva de mercado aos comerciantes e beneficiadores locais,
como também obtendo verbas mediante a taxação do produto. Esse conflito foi efetuado
pela tentativa de se obrigar que os cotonicultores despachassem sua mercadoria pelo
porto de Cabedelo ao invés do Recife, não contavam que o capital internacional
dificultaria seus planos, ainda que de maneira incidental através da figura da
Great
Western Brasil Railway, companhia de trem responsável por levar a estrada de ferro ao
interior da Paraíba, por conveniências geográficas e estruturais acabou conectando o
ramal ferroviário de Campina Grande a cidade de Recife, notadamente esse era um
projeto que datava desde o Império, a burguesia comercial da cidade de Campina
Grande, se antes do trem os grandes proprietários já preferiam a capital pernambucana
para o escoamento do “ouro branco”, com o trem conectando Campina e Recife o volume
e intensidade do comércio entre as duas cidades só aumentou de intensidade. A capital
paraibana foi constantemente preterida frente a pernambucana, Campina Grande, que se
situava entre as maiores rotas de comércio que ligavam os sertões dos estados do Ceará,
Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.
A ostensividade da relação entre as elites interioranas e o capital sediado na
Capital de Pernambuco fez com que Campina Grande fosse chamada de “a mais
pernambucana das cidades da Paraíba” (ARANHA)
Essa situação fica mais clara ao se observar o quadro 2, contendo as exportações
de algodão que passavam pela cidade de Campina Grande:
Quadro 2
Destino do Algodão Comercializado em Campina Grande:
Ano
Algodão comercializado em C. Grande (em
João Pessoa
%
Recife
%
toneladas)
1919
5210
1793
34,5
3417
65,5
1920
10316
3443
33,3
6873
66,7
1921
8976
3899
43,4
5077
55,6
1922
10529
2643
25
7886
74,9
1923
14053
1245
8,8
2808
91,2
1924
9104
6039
66,3
3065
33,7
TOTAL
58189
19063
32,8
39126
67,2
Fonte: VASCONCELLOS 1980 p.71
Todo esse volume de algodão comercializado em Campina a tornava a terceira
maior praça de negociação de algodão no mundo, além da produção de praticamente
todo estado, Campina operava como um hub de escoamento da produção de algodão do
Ceará e do Rio Grande do Norte.
Condições e arranjos de trabalho em torno da cultura do algodão na Paraíba
Deve-se levar em conta que o enorme progresso e influxo de capital por meio do
algodão não foi feito senão através de um rígido esquema de exploração do trabalho, a
“sujeição”. Entre 1870 e 1930 às novas configurações de uso da terra engendradas pela
cotonicultura modificaram drasticamente às relações de trabalho, Linda Lewin relatando a
situação do “'novo' campesinato” faz a seguinte colocação:
“O mais forte impacto do algodão nas zonas interioranas resultou na
reorganização da população rural num novo sistema de trabalho.
Embora legalmente livres, os moradores agrícolas do Nordeste foram
incorporados num arranjo subordinado ao que eles próprios se
referiam como sujeição literalmente, submissão ou subjugação. Mais
recentemente, este sistema tornou-se universalmente familiar como
trabalho cambão, nome derivado da peça de madeira que se
dependura ao pescoço das reses bravias para impedi-las de correr e,
assim, controlar a boiada.”(LEWIN, 1993:63-4)
Lewin ainda destaca que, ironicamente, esse recrudescimento das relações de
trabalho se deu enquanto o regime escravocrata já cedia lentamente através do país, e
ainda acrescenta sobre as configurações de trabalho impostas pela cultura do algodão
sublinhando duas de suas características:
“Seja através de partilha da colheita ou de arranjos de quase
arrendamento, o sistema de sujeição predominou por todo o interior
do Nordeste depois do auge do algodão da década de 1860. Um meio
de exploração que assegurava trabalho barato e submisso para os
proprietários, o sistema da sujeição divergia em dois aspectos das
relações anteriores entre proprietário e morador. Em primeiro lugar,
sua existência dependia do desaparecimento ou da obliteração
deliberada do campesinato médio e da conversão daquele estrato de
proprietários livres num grupo de moradores agrícolas sem terra.”
(LEWIN, 1993:64)
A desapropriação da terra do pequeno agricultor e sua consequente sujeição se
deu de maneira mais enfática a partir da década de 1870, após o primeiro surto do
algodão, o proprietário de grandes extensões de terra, fazendo uso de seu poderio
econômico concedia empréstimos ao pequeno proprietário, que com a queda sucessiva
nos preços após a queda da demanda ou devido a reveses na própria safra, não
conseguia saldar seus débitos, e como sua pequena propriedade fora dada como
garantia, o grande proprietário logo a anexava ao seu latifúndio, deste modo, um enorme
contingente de pequenos proprietários viu-se destituída e lançada ao esquema de
sujeição tornando-se então meeiros, posseiros ou foreiros.
Em situação ainda mais precária encontrava-se o trabalhador assalariado, o braço
alugado, este além de destituído de quaisquer garantias, tinha uma situação bastante
instável ligada ao regime de safras, era de longe “o mais miserável dentre os
trabalhadores sertanejos” e ainda era marcado pelo estigma, disseminado até mesmo
entre os pequenos trabalhadores do regime de sujeição, que tal trabalhador estava
reduzido a nada, fica fácil entender o porquê de tal estigma se tentarmos enxergar como o
trabalhador do regime de sujeição encarava à sua própria situação, Aranha salienta esse
aspecto:
“(...)o que é curioso é que, no imaginário dos trabalhadores que se
submetiam à 'morada', eles não se viam a si próprios como categoria
explorada. Eles não percebiam, por exemplo, que a relação de
'morada' encerrava, em si, um determinado grau de exploração, haja
vista que ela colocava ao dispor do proprietário toda uma capacidade
de força de trabalho, por um baixo custo de reprodução.”(ARANHA,
1991:213)
Inserido nesse contexto de exploração, estava o fato que o algodão se apresentava
como uma excelente cultura para o consórcio, esta era a principal estratégia produtiva
tanto entre pequenos como entre grandes, entre grandes, o algodão era relegado muitas
vezes como segunda cultura, tendo o primeiro lugar a pecuária, é interessante notar, que
a pecuária muitas vezes deficitária era encarada como principal atividade do grande
proprietário tendo o seu déficit coberto pelo excedente da produção de algodão (ARAÚJO,
2006).
Porém devemos notar que tal situação não deve ser observada somente pelo
prisma da exploração, esse arranjo, embora altamente questionável por nossos padrões,
representava sim, algumas vantagens para os pequenos agricultores que a ele se
submetiam, nesse aspecto devemos tentar enxergar com os olhos do pequeno agricultor,
situado em uma região de adversidade climática, sujeito às mais diversas intempéries que
estavam sujeitos os trabalhadores do campo, essa relação de clientelismo e
patriarcalismo, acabava por representar um refúgio para ele.
Fitossanidade e Histórico da Pesquisa Cientifica e Desenvolvimento Tecnológico
em Torno do Algodão
Com o desempenho do algodão fazendo-se notar de tal maneira na economia, era
de se esperar que, seguindo um fluxo natural dentro do sistema capitalista, meios para
uma maior produtividade fosse logo adicionados a sua cadeia de produção e cultivo. De
maneira que o algodão sofreu um grande aporte de recursos no seu desenvolvimento
enquanto cultura de interesse para o mercado.
Outra característica peculiar à cultura do algodão, era que como uma planta
cultivada em clima tropical, a ocorrência de pragas era algo praticamente inerente ao seu
cultivo. No Nordeste, os registros das primeiras pragas a atingir o algodão, datam de
1587, Alberto da Silva Rêgo cita Gabriel Soares de Souza sobre uma “lagarta que
destroçava plantações de algodão”. Em 1794, Manoel de Arruda Câmara relata uma série
de doenças e pragas que afligem o Algodão no estado do Pernambuco, entre 1848 e
1852 a safra cearense é duramente atingida pela proliferação do “mofo”. A partir do séc.
XX o registro se faz mais apurado:
Em 1916, Iglesias, na Estação Experimental de Coroatá, no
Maranhão é quem primeiro divulga informações acerca da brocagasterocercodes gossypii Pierce(...)
Em 1917, relatado por Green e A. M. Costa Lima(1918-1919) têm-se
as primeiras referências da lagarta rosada como pragas dos
algodoeiros do Nordeste Brasileiro.
Em 1921, Pearse, em seu Brazillian Cotton, reitera a existência de
lagarta rosada e curuquerê como as pragas de maior importância nos
algodoeiros nordestinos. (REGÔ, 1971:8)
A lagarta rosada, sendo uma praga de extrema gravidade para cultura algodoeira
no Nordeste, introduzida no país ainda no séc. XIX segundo registro:
Ainda sobre a lagarta rosada, dados coligidos por A. M. Costa Lima e
Green, permitem afirmar que em 1882 é que houve a introdução
dessa praga no País.(REGÔ, 1971:9)
Praticamente toda melhoria em torno da cultura do algodão se fez na tentativa de
se obter uma maior robustez frente às pragas e o clima árido. A pesquisa cientifica se
concentrou em torno do cruzamento entre diversas espécies exógenas e o algodão mocó,
com fins a se atender o mercado externo e, como de praxe, a necessidade por maior
produtividade da indústria capitalista. Rêgo (1971:09-10) afirma que a introdução de
variedades exógenas começou já a partir do século XVIII, em fins do séc. XIX começam
experimentações com o cruzamento de variedades, e no séc. XX a vinda de especialistas
ingleses traz um maior aporte cientifico a cultura. A tradição e responsabilidade sobre a
pesquisa e melhoramento genéticos cairão por fim sobre a EMBRAPA.
Do auge ao declínio
O cenário aqui tratado esboça o início e algumas características que marcaram o
ciclo do algodão na Paraíba, que durou de forma substancial das décadas de 1860 a
1930, esse ciclo comportou todo um conjunto de mudanças e situações definidoras de
uma série de relações sociais que estenderam seus efeitos até o dia presente. O algodão
representa, de fato, a inserção do Nordeste e da Paraíba em uma nova conjuntura, que
ultrapassa o mercantilismo representado pela cana de açúcar e apresenta um novo
paradigma da divisão do trabalho e da produção alocando o Brasil e o Nordeste como um
fornecedor de matérias primas às potências industriais. Embora tal processo tenha
desencadeado desenvolvimento tecnológico e social para às nações industrializadas,
aqui ela representou atraso e um recrudescimento nas relações sociais, como pode ser
observado no caso da sujeição.
No entanto é patente que do ponto de vista econômico o algodão representou um
importante avanço para o Nordeste e Paraíba. A partir de 1860, atrelado ao panorama
internacional, esse mercado trouxe renda e recursos que foram mais do que necessários
ao desenvolvimento do estado e da região, ainda que pálido face às mudanças ocorridas
em outros locais, esses avanços formaram às bases do que viriam a ser às relações
sociais que se mostram presentes até o dia de hoje. O mercado de algodão, com seus
sucessivos ciclos de expansão e retração, configuraram um dos maiores influxos de renda
para o estado até os anos 1930, quando mudanças no mercado externo, a
industrialização do sudeste, a mudança do eixo de produção do algodão para o sudeste e
centro-oeste, e o aparecimento de pragas, começaram a fragilizar e por fim destituir o
algodão de seu posto de extrema importância para a economia do Nordeste, fatores
esses que contribuíram para o fenômeno do grande êxodo de trabalhadores nordestinos
em direção ao sudeste do país.
A possível retomada
O algodão ensaia agora, no séc. XXI, uma retomada do seu papel de extrema
importância para a vida e o desenvolvimento dos setores rurais da Paraíba, e em especial
da agricultura familiar. Em 1970 é criada no estado à EMBRAPA ALGODÃO, que tem por
fim o desenvolvimento de tecnologias capazes de modernizar e adaptar a cultura a uma
estratégia produtiva galgada sob o paradigma da sustentabilidade. O algodão orgânico e
o naturalmente colorido representam um avanço nessa direção, focado agora na
agricultura familiar, tida como ator capaz de fomentar um avanço sustentável não só
ambientalmente, mas socialmente de acordo com às diretrizes pretendidas pela
EMBRAPA. Nesse novo cenário, onde o foco é o agricultor familiar, é notável que a
cultura tenha aumentado sua complexidade não só no que se refere a tecnologia e o
cultivo, mas sobretudo em sua cadeia de distribuição, envolvida em uma série de laços
discursivos e institucionais que englobam o discurso sustentável. Essa complexidade, em
contraste com o histórico da cultura do algodão e seus traços de patriarcalismo e sujeição
são fatores que a fazem demandar políticas públicas para o seu sucesso.
O binômio Algodão Pecuária no Cariri Paraibano
O Cariri
O Cariri Paraibano é uma microrregião do estado da Paraíba, subdividida em duas
partes, Oriental e Ocidental, o Cariri Oriental fica localizado na porção central do estado, o
Cariri Ocidental na margem oeste da planície da Borborema. Contém 26 municípios e
uma população de 177.323 habitantes segundo o censo IBGE de 2000.* Localizada no
eixo das secas, é a região com a menor densidade pluviométrica do país. “A vegetação é
constituída pela caatinga, a mais xerófila, apresentando-se geralmente com fisionomia de
estepe arbustiva, deixando aparecer, durante a estiagem, um solo geralmente desnudo –
sem recobrimento herbáceo – e, portanto, não passível de incorporar matéria
orgânica.(...)” (Duqué e Caniello 2004)
A Agricultura no Cariri
Apesar da adversidade climática, o Cariri sempre teve na agricultura e pecuária a
sua atividade primária. Sua história está intimamente ligada a história da ocupação do
solo, os eventos ocorridos na região formam um paralelo típico com o que ocorreu em
outras regiões agrárias do país. A microrregião apresenta em si uma série de
características daquilo que é a história rural do Nordeste. Com uma distribuição de terras
majoritariamente latifundiária, com uma estrutura social marcada pelo, coronelismo, a
amplo e indiscriminado uso dos sistemas de parceria e morada reforçando ainda mais a
relação patriarcal e a hierarquia da sujeição. Esses elementos sem dúvida, formam uma
imagem do que é o Nordeste Rural. A pecuária extensiva, cotonicultura e agricultura de
subsistência formam o tripé de ocupação da terra na região.
Êxodo Rural e Retorno
Após o arrefecimento do ciclo do algodão, a cultura serviu basicamente para a
manutenção do gado através da torta do algodão que servia de ração. Após a depressão
ciclo algodoeiro e a exaustão do sistema de pecuária extensiva com baixa produtividade
sujeita a peculiaridade climática da região. A região foi abruptamente atingida pelo êxodo
rural. Vendo sua população economicamente ativa partir em busca de oportunidades de
emprego e renda nos grandes centros urbanos do país a partir da década de 1950, um
movimento que perdurou de maneira significativa até o último quartel do séc. XX,
situação essa do êxodo rural compartilhada por boa parte do interior do Nordeste.
Muito desses trabalhadores tento suas expectativas frustradas, e até mesmo por
um movimento natural, agora retornam a sua terra natal impulsionados por um novo ciclo
de desenvolvimento marcado pelo paradigma da sustentabilidade. O retorno do binômio
algodão-pecuária, através do gado de pequeno porte e do algodão orgânico, como
estratégia produtiva no Cariri Paraibano se apresenta como uma alternativa de renda e
melhoria de vida para uma boa parte desses trabalhadores e famílias.
No entanto dada a complexidade do mercado atual e da cultura em si, demandam-
se políticas públicas capazes de instrumentalizar o sucesso desse novo ciclo do algodão
na região. Observando se o objetivo proposto pelas agências de uma maior
responsabilidade social e de fato cumprido.
Às informações aqui dispostas visam fornecer dados para que políticas públicas
sejam implementadas de maneira mais eficiente e abrangente no que se trata do retorno
do algodão como uma chave de desenvolvimento, apresentando o contexto sóciohistórico do qual o algodão fez parte e onde desempenhou seu papel de catalisador
social. Agora mais uma vez o algodão se apresenta no horizonte como um veículo de
transformações e progresso, porém desta vez sob um prisma de responsabilidade social e
ambiental.
BIBLIOGRAFIA:
ARAÚJO, Jair Barbosa. O algodão de Campina Grande: Uma discussão acerca dos livros
didáticos de história. Campina Grande: Agenda, 2006.
ARANHA, Gervácio Batista. Campina Grande No Espaço Econômico Regional: Estrada
de Ferro, Tropeiros e Empório Comercial Algodoeiro (1907 – 1957). Campina Grande:
UFPB,
1991.
Dissertação
de
mestrado
em
Sociologia
Rural
COSTA, José Jonas Duarte da. A Crise do Sistema de Produção algodoeiro Paraibano:
(uma análise das causas). Campina Grande: UFPB, 1996. Dissertação de mestrado.
DUQUÉ, Guislaine e CANIELLO, Márcio. Agrovila ou casa no lote: a questão da moradia
nos assentamentos da reforma agrária no Cariri Paraibano, 2004
DUQUÉ, Guislaine. “Estrutura fundiária e pequena produção: um estudo de caso no Cariri
Paraibano”.
Raízes:
Revista
de
Ciências
Sociais
e
Econômicas,
no
4-5
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras,
2007.
LEWIN, Linda. Política e parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base
familiar. Rio de Janeiro: Record, 1993.
RÊGO, Alberto da Silva. Algodão. Recife: Superintendência Do Desenvolvimento do
Nordeste, 1971.
VASCONCELLOS, Silvano Alberto de. Ascensão e Queda da economia algodoeira de
Campina Grande (1907-1940): um estudo de caso. Campina Grande: UFPB, 1980.
Dissertação de mestrado em Engenharia de Produção.
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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE