PEDRO LUIZ WANDERLEY TEIXEIRA
[email protected]
um rolê pelas ruas da cultura digital
FLORIANÓPOLIS – SC
2010
1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE ARTES – CEART
PPGAV – 2010
PEDRO LUIZ WANDERLEY TEIXEIRA
[email protected]
um rolê pelas ruas da cultura digital
Dissertação de Mestrado, PPGAV- CEART –UDESC
Orientadora:
Prof. ª Dr.ª Célia M. Antonacci Ramos
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Yara Guasque – CEART UDESC
Prof.. Dr. Massimo Canevacci – Universidade de Roma
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3
AGRADECIMENTOS
Essas são as últimas palavras que venho a escrever nessa pesquisa e aqui no silêncio de
minha sala e na inquietação de minha mente minha boca sorri por ter chegado no alto desta
montanha. Apesar de estar rodeado de nuvens que não me deixam sequer enxergar meu nariz, é
de olhos fechados que vejo o mais bonito e significante desta etapa, o caminho percorrido. Uma
multidão de pessoas que cruzaram este meu caminho e a luz vinda daqueles que realmente me
deram força, apoio e Viida, para que fosse possível seguir passo a passo. Assim deixarei os nomes
e os momentos ecoarem palavras de agradecimentos que não são capazes de atribuir tudo o que
desejo a estas pessoas, mas é assim que se fez toda esta trajetória, transformando anseios e
pesquisas em palavras escritas.
Um pouco com Deus é muito e a essa divina experiência diária de viida que primeiro venho
agradecer, pois és minha base e minha fortaleza. Aos meus pais, Sergio e Eva, pois é por eles que
vivo e que reconheço a mais cintilante tradução da palavra AMOR. Juntamente com a Dri, o Sé,
que grande honra, e, deles seguiram os frutos, Bibi, Juju, Clarinha e Gui com os seus Lulu e Má e
também a Yas a Cris, minha família minha fortaleza longe ou perto somos um.
Dizem que junto de um grande homem vem uma grande mulher, no meu caso fui
abençoado com algumas grandes mulheres.
Celia Maria, minha profi, minha amiga sem você nada disso teria acontecido, a importância que
você tem em minha Viida é tão grande quanto a Africa.(hehehehe) muito agradecido de coração.
Cora Teixeira, minha amada, e minha companheira, sem sua força eu teria caído no segundo
round, te amo.
Pai Julio e Mãe Antonia, que os grandes deuses retornem a bondade que vocês tem para
com o mundo Axé!
Amizade é um dos presentes mais belos e partilhar esse sentimento me faz uma pessoa realmente
feliz.
Willian, Thiago, Henrique (e Aline Sudo minha revisora), Ubirajara, Duts, Zé e Salim, Carlão, desde
semmmpre....
Quinho, Carol, Rafa, José, Cris e Kian, sem vocês eu estaria ilhado. E nessa ilha fui abençoado
pela Conceição e seus filhos, Shao, Santosha, Xandinho e suas meninas encantadas.
Tru e Marcia, Din e Camila, Dr Marco, Fernando e dona Maria, Janete, Billy, Dani, Yuri,Valdo e
Call vocês são um grande exemplo para mim, pois em vocês vejo meu passado e projeto meu
futuro.
Essa viida de arteiro me trouxe grandes celebridades: Cores e Tim gracias... pela rua, dae foi um
passo e Vejam, Rizo, Marina Baldini, Stasy, Tanja e Nogger, Barnero,Mos, Danka, Pinguim, Paulo
Govea e todas as cores... tamu junto e misturado.
As palavras as vezes podem salvar viidas, muito agradecido Daniel Barcellos pelas mensagens e
toda sua família por me acolherem num momento muito especial.
CEART, quase dez anos em minha viida. Meus eternos amigos, Beto, Julio, Jun, Icaro, Matozzo,
Bibi, Atur, Caligas, Max, Cássio, e a todos que fazem deste espaço um ambiente lúdico de amor e
ódio.
Ao professor Kinceler por indicar um outro relacionamento com a arte, à Yara, pelo
mergulho num espaço no qual eu estava me afogando e agora se apresenta como ondas do mar
prestes a serem surfadas. Rosângela, Vargas, Regina e Sandra Ramalho belas sementes foram
por vocês plantadas e, assim como a lâmina que abriu os olhos de um cão andaluz, minha retina
por vocês também foi modificada. Nelly, acho que virei aquela escultura. Agradeço também a dois
anjos, Sandrinha e Márcia, sem a ajuda e emails de vcs estaria literalmente perdido.
E meus queridos amigos de escalada. Araceli minha grande secretaria....hahaha... Felipe ..
Cleverson... Karin, Adriane, Aletea, Cristiane, Fernanda, Mari Ines, Rosanny, Sandra, Tatiana,
Vera, Janis, Amanda, Elisa, Fran e João essa estrada é nossa.
4
SUMÁRIO
Apresentação
Sobre os caminhos percorridos…… 08
Introdução …………. 11
Capítulo 1 - Indisciplinas nas cidades disciplinadas. .............. 22
1.1 tags/pixos/graffit............................... 23
1.2 O berço e a essência ...................28
1.2.1 Ver e ser visto ............................28
1.2.2 Estilo..............................................29
1.3 Sobre os tags/pixos/grafiiti ....................31
1.4 Agora é “nóis” – Brasil ...........................37
1.5 Pra quem sabe ler um pixo é letra....... 50
Capítulo 2 – Ciberespaço .............. 57
2.1 Virtual .....................................58
2.2 World Wide Web ...............60
2.3 Sobre o Ciberespaço ...........66
2.5 Comunicação Digital ................76
2.6 Cibercultura ................................77
2.7www.culturadigital.br .............. 82
Capítulo 3 – Redes .................... 95
3.1 Redes de transgressão ...............95
Capítulo 4 – Cores em bits ...............121
4.1 [email protected]
4.2 O Rolê ......................................24
4.3 ............................................124
4.3.1 Banksy ......................132
4.3.2 Blu ..........................136
4.4 O Atack........................140
4.4.1 Atack I .....................140
4.4.2 Atack II ......................143
4.4.3 Atack III .......................144
4.5 As tretas ........................146
4.5.1 A treta ..............................147
4.5.2 O Atropelo .........................148
Conclusão ....................................177
5
Bibliografia ......................................180
RESUMO
Rolê na gíria urbana quer dizer caminhar, dar uma volta. Seguindo esta
definição, esta pesquisa caminha por arquivos postados pelos escritores urbanos,
nas vias da grande rede mundial de computadores.
O avanço tecnológico permitiu grandes mudanças na maneira de nos
comunicarmos. Os espaços de relacionamento humano se estenderam, e também
são ciberespaço e o rolê agora pode ser também digital. Para compreender este
mergulho no virtual, presente em toda a geração do século XXI, é necessário
conhecer a origem da internet e também conceitos referentes ao espaço virtual e
às mudanças na comunicação diante dos meios tecnológicos digitais.
As abordagens aqui apresentadas partem de historicidades, uma sobre os
tags/pixos/graffiti e, paralelamente, sobre a grande rede virtual.
No campo das artes, anteriores a internet, alguns artistas desenvolveram
uma conexão mundial de troca de arquivos, por meio do correio; destaca-se aqui o
grupo Fluxus como um dos pioneiros. Dentre os inúmeros arquivos, circulavam
obras de artes, fotografias e cartões, que provocaram rupturas e devires nas
instituições das artes e possibilitaram um registro histórico. Nesse fluxo da arte
postal, conceitual, o trabalho de Cildo Meireles e Paulo Bruscky consolidou, no
Brasil, uma produção artística a partir de espaços autônomos, e promoveu
circuitos alternativos de informação. Precursores à internet, esses artistas
publicaram suas obras com informações de caráter político e simbólico e, mesmo
diante de um regime militar, foi possível a circulação da informação pelo meio
social, usando os próprios canais de mass media e os sistemas tradicionais de
troca. Da mesma forma os escritores urbanos, autônomos, fizeram circular suas
polifonias pelo digital usando a grande rede como um canal de troca de
informação, como uma grande ferramenta publicitária, ativismo e protagonização
política.
PALAVRAS – CHAVE: Graffiti, pixo, tag, arte, transgressão, internet, ciberespaço,
6
cultura digital.
ABSTRACT
Rolê, in urban slang means to walk around, to go for a walk. Following this
definition, this research walks through files posted by urban writers, in the great
computer‟s world wide net.
The technological advance allowed great changes in the way we
communicate to each other. The spaces for human relationship have spread, and
are also cyberspace and the rolê now can be digital. To comprehend this dive in
the virtual, present in every generation of the XXI century, it is necessary to get to
know the origins of the internet e also concepts which refer to the virtual space and
the changes in communication towards the digital technological means.
The approaches presented here depart from historicities, one about the
tags/pixos/graffiti and, in parallel, about the great virtual net.
In the arts field, before the internet, some artist developed a world wide
connection of files exchange, through the post; highlighted here the Fluxus group,
as one of the pioneers. Among innumerous files, pieces of art, photos and cards
circulated, which provoked ruptures and a series of transformations in the art
institutions and allowed a historical record. In this flow of postal, conceptual, art,
the work of Cildo Meireles and Paulo Bruscky consolidated, in Brazil, an artistic
production from autonomic spaces, and promoted alternatives circuits of
information. Previous to the internet, this artists published their pieces with political
and symbolic information and, even towards a military regime, it was possible the
circulation of the information among the social environment, using the mass media
channels and the traditional exchange systems. In the same way, the urban
writers, autonomous, made the polyphonies circulate the digital using the great net
as an information exchange channel, as a great advertising, activism and political
protagonism tool.
KEY WORDS: Graffiti, pixo, tag, art, transgretion, internet, cyberspace, culture
digital.
7
BANKSY – forgive us1
“Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a
desobediência é a virtude original do homem.”
Oscar Wilde
1
http://www.banksy.co.uk/outdoors/outuk/horizontal_1.htm acessado em 05 de outubro 2010
8
Sobre os caminhos percorridos .....
Tudo isso começou por influência da minha professora e grande amiga
Célia Antonacci. Movido por uma inexplicável inquietude, larguei os pincéis e as
telas e fui sentir o cheiro do spray na rua. A partir daí, o posicionamento desta
pesquisa parte de minha experiência de cidadão do mundo contemporâneo que
tem a rua como território e a internet como extensão das interações com a viida2.
O fato que me levou a desenhar esta pesquisa foi simplesmente observar e
analisar algumas ações cotidianas contemporâneas com mais atenção. Quase
sempre que volto para casa depois de um graffiti, após também ter feito registros
da ação em fotos, faço o download delas em minha página no facebook e no
flickr e, anteriormente, o fazia no fotolog e no orkut. Dessa forma, aquilo que
estava na rua passa a não mais ter um endereço apenas físico, mas também um
ciberespaço. Essa migração dos arquivos para o espaço virtual faz parte de uma
época tecnológica, um fenômeno de nossa geração, de originar relações também
através de mídias virtuais. Os registros dessas ações possibilitam diferentes
experiências que serão apresentadas no desenrolar destas linhas.
É por meio do ciberespaço que eu e alguns amigos transmitimos nosso
“rolê” em imagens postadas que ajudam a tecer redes de informações com
pessoas dos quatro cantos do mundo. A potência dessas redes virtuais foi o que
despertou meu desejo para pesquisar e escrever sobre as relações dos artistas e
escritores urbanos no ciberespaço.
No ano de 2008 fui convidado a participar de uma exposição na cidade de
Herne, na Alemanha, e, mais uma vez impulsionado pela minha orientadora,
decidi aproveitar e visitar Berlim. Buscando conexões, naveguei por um site
(plataforma multiusuário) chamado www.flickr.com (atualmente bem utilizado por
artistas e escritores urbanos) e encontrei um artista alemão, vulgo Stasy
(http://www.flickr.com/photos/ritschkow/), na lista de contatos de um grande amigo
– Rizo – que produz intervenções junto comigo nas ruas. Stasy, por sua vez, já
2
Viida vêm escrito dessa forma por representar minha assinatura nas ruas.
9
havia passado pelas paredes de Florianópolis. Enviei a ele uma mensagem
dizendo que estava indo para a Alemanha e que seria interessante se
pudéssemos fazer algo por lá, especificamente em Berlim. Quando percebi já
estava
hospedado
em
sua
casa
e
pintando
a
East
Side
Gallery
(http://www.eastsidegallery.com/), que é uma das partes preservadas do Muro de
Berlim, e na sequência pintamos com outros artistas locais em algumas fábricas
abandonadas da antiga Berlim.
Veja em fotos do rolê em:

www.flickr.com/photos/ritschkow/3008004903/in/set72157606762874681/

www.flickr.com/photos/ritschkow/3008844582/in/set72157606762874681/

www.fotolog.com.br/driin/42457611
Ao vislumbrar tais acontecimentos, frutos de uma interação virtual a partir
dos arquivos postados e vivenciados nas plataformas multiusuários, neste caso o
flickr, percebi que podia falar dessas relações e seus desdobramentos. Uma
percepção da cultura urbana dos tags/pixos/graffiti3, vista de dentro do olho do
furacão. Digo desta forma, pois, ao conversar com diferentes escritores urbanos,
tanto pela net quanto nos próprios rolês, é nítida as divergências de opiniões a
respeito dos tags/pixos/graffiti quando publicados na grande rede. O exemplo
acima citado, da viagem para a Alemanha, é apenas um fragmento dessa
imensidão de relações feitas através das cores “espancadas”4 nas ruas e
transmitidas por satélites. A conversa com amigos e escritores urbanos e a
observação dessas relações geradas por outros artistas nos espaços virtuais,
foram as razões pelas quais estas linhas seguem. Pois, é dessa mesma forma que
nos tornamos viajantes navegando pelo mundo, seja ele virtual ou concreto.
3
O motivo pelo qual descrevo essas ações dessa maneira é que os tags, pixos e graffitis são denominações de poéticas
urbanas contemporâneas, cada qual com sua particularidade, porém também com sua similaridade.
4
Como cita Gustavo Rebelo Coelho de Oliveira em sua dissertação de mestrado - PiXação: arte e pedagogia como crime defendida no Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(2009)
10
A partir dessa imensa muralha de bits, acompanho o “rolê” de artistas
como
Osgemeos
www.osgemeos.com.br/,
www.flickr.com/photos/zezao,
Banksy
Blu
www.blublu.org,
www.banksy.co.uk,
Titi
Zezão
Freak
www.titifreak.blogspot.com e muitos outros. Através dos registros de suas obras e
ações (fotos e vídeos) nos mais variados lugares do mundo, foi possível vivenciar
as movimentações e as expressões, seja instigado pela identificação ou
curiosidade e também para alimentar o repertório estético e/ou subjetivo, motivos
esses que me levaram a pesquisar tal tema.
11
INTRODUÇÃO
Sobre os tags/pixos/graffiti
Os registros em diferentes espaços geográficos, concretos ou virtuais,
indicam que o universo do Tags/pixos/graffiti, seus signos e símbolos
transmitidos pelas imagens aplicadas nas ruas constituem uma espécie de livro
urbano, com diferentes histórias a serem contadas através da tinta, seja ela do
spray, rolo ou da caneta e, agora, traduzidas também em bits. Tags/pixos/graffiti
são denominações de manifestações que compõem o cenário contemporâneo das
poéticas visuais de artistas urbanos.
Desde suas primeiras aparições, os tags/pixos/graffiti ocupam os meios
urbanos e circulam em outros espaços midiáticos como jornais, revistas,
fotografias, museus, galerias e bienais. Pintados em trens, muros e nos mais
variados espaços, a “imagem” graffiti foi reproduzida tecnicamente em stencils na
rua e também apropriada pelas mídias oficiais, pelos designers e publicitários e,
hoje, são os próprios escritores urbanos que multiplicam suas imagens nas mídias
virtuais.
Atualmente, uns poucos passos em uma metrópole contemporânea ou
alguns clicks no mouse nos possibilitam acessar os mais diferentes lugares. Na
cidade e na internet navegamos por entre ruas ou vias bombardeadas de signos.
A cidade agora é também cibercidade, e os tags/pixos/graffiti proliferam de
forma caótica por entre essas duas geografias, promovendo uma narrativa
histórica através dos registros e fomentando a própria cultura e identidade dessas
nações.
Imagens e letras inscritas nos muros de concretos, hoje circulam nos muros
virtuais e problematizam alguns muros sociais. Uma inquietude que vem dialogar
com o cotidiano e que, num gesto por vezes até considerado criminoso, consegue
roubar sua alva maquiagem hegemônica.
O trabalho assume o pressuposto de que os tags/pixos/graffiti são formas
12
de poéticas urbanas que expressam vozes de sujeitos fora dos sistemas
comunicacionais, e suas ações por vezes transgridem as normas da cidade, de
algumas propriedades privadas, sistemas de sinalização urbana, mídias de
comunicação privada - outdoors -, subvertendo a ordem oficial, tanto no que se
refere à arte, quanto às políticas econômicas, sociais e culturais.
Ao pintar muros, portas e túneis rodoferroviários, os “escritores (...) esses
novos gutembergs” (SÁ, 2006, apud BOLETA, 2006, p. 10) reinventam a cidade e
a arte, alteram os modos de ver o espaço urbano. Dentro da cultura dos
tags/pixos/graffiti
os
escritores
urbanos
se
utilizavam
de
cadernos
(agendas/blackbook) e panfletos para desenvolver trocas de informações e redes.
Esta produção cultural seja ela estética ou fortalecimento de identidade, agora,
invade também a Windows5. Os artistas e escritores urbanos internacionalizam
suas escritas bombardeando essa grande cibercidade. As fronteiras parecem ter
sido dissolvidas pelas redes virtuais de informações.
Não cabe a esta pesquisa atestar nem formular alguma espécie de
tags/pixos/graffiti virtuais, pois sua existência é somente a partir de uma ação no
espaço urbano. O que este trabalho pretende dizer é que, através do bombardeio
de imagens dos tags/pixos/graffiti também nas mídias virtuais, torna-se evidente
a construção de várias redes de discussões e aproximações, num processo de
fomento da cultura por meio dos fenômenos da cultura digital.
5
Neologismo usado para representar as janelas hipertextuais dos meio digitais.
13
Sobre a pesquisa
Esta pesquisa tem como objetivo estudar as poéticas urbanas conhecidas
por tags/pixos/graffiti e suas migrações para o novo grande fetiche-virtual
urbano6, o ciberespaço. Os escritores urbanos ao se apoderarem também desse
elemento de comunicação, a internet, transmitem suas polifonias transgressoras e
geram redes de relacionamentos, via essa nova geografia interativa.
“O pior analfabeto, velho Brecht, é aquele que não sabe lê sua própria cidade” 7
xico sá s/p.
A rua agora também é vista.com outros olhos. Sem limites físicos, a cidade
de bits possibilita dar saltos por entre o virtual. O ciberespaço criou outros muros
de propagação dessa manifestação e os cadernos - blackbooks/agendas transformam-se também em blogs, flickrs, fotologs.
Percebe-se assim, que um “rolê” escrito nas ruas e agora na internet
possibilita aos escritores urbanos protagonizarem suas ideias e ideais a
partir deles mesmos. Essa ocupação da cultura digital relativiza questões
políticas fundamentais e nos instiga a investigar os novos caminhos das
relações de poder.
A importância desta pesquisa se dá em parte pelo fato das academias
falarem pouco sobre os tags/pixos/graffiti e menos ainda de sua discussão na
net. Tal campo se abriu no virtual e produziu redes de interatividade. Conversas
que estavam nas esquinas, nos blackbooks/agendas, agora também estão nos
[email protected]. 8
6
Como define Massimo Canevacci
(SÁ, 2006, apud BOLETA, 2006, p. 10)
8
O neologismo [email protected] vem a ser uma metáfora sobre a migração das imagens dos tags/pixos/graffiti
para o espaço virtual. Um endereço “fantasia” representando as redes sociais dos escritores urbanos.
7
14
Sobre os métodos
Este estudo pode ser lido de duas formas: em hipertexto eletrônico e
impresso tradicional.
O surgimento da comunicação eletrônica, as novas mídias virtuais e a
“aceleração” dessa aldeia global me fez refletir sobre a metodologia deste projeto.
As mudanças na comunicação geraram um fenômeno denominado cultura digital,
que nos incita a operar em formato de hipertexto. Essa será a metodologia
aplicada nesta pesquisa, com a possibilidade de outros acessos, determinando
diferentes caminhos por meio de links e tags.
Mike Featherstone, em seu texto O flâneur, a cidade e a vida pública virtual
(1996, apud ARANTES, 2000, p. 187) nos leva a perceber que estamos diante do
desafio de aprender a operar em formatos de multimídia, onde o texto escrito é
acompanhado por imagens, vídeos, sons e palavras.
A cidade é um hipertexto.
Dialogar com a cidade contemporânea é perceber seus diferentes sujeitos
constantemente conectados com os links de Windows comunicacionais e
informacionais que dão sentido a antigas e novas geografias urbanas. Para
Massimo Canevacci, “a cidade se caracteriza pela sobreposição de melodias e
harmonias,
ruídos
e
sons,
regras
e
improvisações
cuja
soma
total,
simultaneamente ou fragmentária, comunica o sentido da obra”. (1993, p.18)
Já Walter Benjamin, em seu Projeto das Galerias, havia construído as
imagens e textos justapostos, uma fotomontagem inspirada e influenciada pelo
surrealismo. Mike Featherstone lembra que Benjamin “colecionava sinais e pistas:
restos da vida urbana como panfletos, ingressos, fotografias, anúncios, diários,
recortes de jornal. (...)”, apontando que esses “pedaços da vida urbana deviam
falar por si mesmos” (1996, apud ARANTES, 2000, p. 188). Para ele, se Benjamim
estivesse vivo seu projeto se realizaria de modo mais pleno com o hipertexto e a
15
multimídia.
“Aquilo que é escrito é como uma cidade, para qual as palavras são milhares
de entradas”.
Walter Benjamin (FEATHERSTONE, 1996, apud ARANTES,
2000, p. 188)
Seguindo Walter Benjamin, Mike Featherstone sugere a passagem dessa
cidade como texto para uma cidade como dado, um modo mais significativo da
experiência contemporânea, onde a internet se apresenta numa espécie de
moldura arquitetônica de interação humana que tem a necessidade de outros
métodos de representação. Métodos que pretendem capturar um pouco mais as
qualidades experienciais da “cidade ciberespacial de bits”. (1996, apud ARANTES,
2000, p. 189)
Para Pierri Lévy
Desterritorializado
o
hipertexto
contribui
para
produzir
aqui
e
acolá
acontecimentos de atualização textual, de navegação e de leitura. Somente
estes acontecimentos são verdadeiramente situados. Embora necessite de
suportes físicos pesados para substituir e atualizar-se, o imponderável
hipertexto não possui lugar. (LÉVY, 1996, p. 20).
Habitante do ciberespaço, o hipertexto está em todos os nós da rede virtual
ao mesmo tempo, existindo/não, atualizado de acordo com a própria navegação,
com o acesso aos endereços e abertura das janelas. A leitura do hipertexto
acontece de forma não linear, em que é possível promover a interatividade, e
possibilitar ao leitor a própria edição do texto e da leitura. Dessa forma, convido ao
leitor a produzir seus próprios saltos.
A memória é uma ilha de edição9
Diante da tela do computador, o pensamento analógico linear quase que se
dilui. As informações estão disponibilizadas em Windows, e os saltos entre as
9
Palavras de Wali Salomão retiradas de um trecho do álbum o Silêncio que precede o esporro,da
banda O Rappa.
16
justaposições de imagens/textos/sons, percebidas em velocidade, nos provocam
novas formas de fluxos e experiências.
Uma profunda identificação com a dissertação de mestrado de Gustavo
Rebelo Coelho de Oliveira - PiXação: arte e pedagogia como crime - defendida no
Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (2009) me fez repensar o modo e a linguagem do texto, podendo assim
traçar linhas com palavras menos acadêmicas e mais próximas de meu objeto.
O rolê
A comunicação urbana se dá através da leitura da cidade, de suas
geografias concretas e virtuais, da malha feita e costurada pelas mais diferentes
redes. “Uma cidade que será „lida‟ e interpretada utilizando pontos de vista
diferentes, vozes „autônomas‟ com suas regras, seus estilos, suas improvisações”.
(CANEVACCI, 1993, p.18).
Este texto é uma deriva por entre os tags/pixos/graffiti no ciberespaço, ou
seja, a migração desta linguagem para as mídias virtuais.
Uma comunicação através dos espaços urbanos levando “a extensão
geográfica das relações sociais a nossa experiência de tudo isso”. (MASSEY,
1991, apud ARANTES, 2000, p.178)
Neste rolê, salto por entre textos e obras, desenvolvo blocos de reflexão a
partir de referenciais teóricos, entrevistas abertas com escritores e artistas
urbanos, pesquisas em sites, blogs, flickrs e outras janelas virtuais.
Divisão do trabalho
O surgimento do graffiti fez com que outras vozes pudessem falar, seja dos
guetos de Nova Iorque e Paris, dos protestos do Muro, das fábricas abandonadas
e das ruas de Berlim, ou vindas de qualquer esquina de São Paulo. Escritores
saíram às ruas para dialogar suas subjetividades e espancá-las em muros.
O primeiro capítulo será composto por um histórico sobre o surgimento dos
17
tags/pixos/graffiti. Para contar a história dessas vozes utilizei a pesquisa de
minha orientadora, a Profª Drª. Célia Antonacci, Grafite Pichação & Cia (1994),
com seus registros temporais e sociais dessa manifestação urbana, desde sua
imprecisa origem até sua manifestação próxima/distante de nós: o Maio de 1968,
com os Situacionistas em Paris; o get up dos guetos novaiorquinos dos anos
1970, sua transmigração para o bombardeio do Muro de Berlim entre os anos
1980/90; e, sua expressão no Brasil, em São Paulo, na década de 1980 aos dias
atuais, com referências nos livros Graffiti Brasil (2005), organizado por Tristan
Manco, Lost Art e Caleb Neelon e o livro TSSS...: a grande arte da pixação em
São Paulo, Brasil (2006), escrito a partir da agenda/blackbook do pixador Boleta.
No desenrolar desse primeiro capítulo tracei uma narrativa histórica sobre
os tags/pixos/graffiti em São Paulo, divididos em três gerações. Uma pesquisa
de grande valor para pontuar esses registros foi a dissertação de mestrado de
Sergio Miguel Franco, Iconografias da Metrópole: grafiteiros e pixadores
representando os pixadores (2009).
Busquei neste primeiro capítulo relatar não apenas os acontecimentos,
mas também apresentar os conceitos e raízes pertinentes à cultura dos
tags/pixos/graffiti, sendo eles princípios básicos para se entender um pouco os
caminhos traçados pelos escritores, e as consequências, dialogando entre os
trabalhos dos escritores urbanos e suas projeções no campo da arte e nos canais
de comunicação, desde produções autônomas ao mass media.
Ciberespaço
Assim como apresenta Castells na introdução de seu livro, A Galáxia da
Internet, este segundo capítulo “tampouco trata todos os temas relevantes,” (2003,
p.11) até porque, “a pesquisa não pode ser completa quando seu objeto (a
internet) se desenvolve e muda muito mais depressa que o sujeito (este
pesquisador – aliás qualquer pesquisador)” (2003, p.11). A obra de Castells é de
grande importância para a fundamentação das linhas que seguem, e compartilho
tal anseio sobre a amplitude de escrever a respeito deste espaço virtual. O próprio
18
fato de usar o objeto, a rede, para obter informações sobre ela mesma, já é um
fator instigante. Um universo de informações se abriu em Windows. Ao mesmo
tempo lia os livros através do www.books.google.com, baixava artigos.pdf, viajava
por sites, pesquisava as plataformas multiusuários e interagindo na “galáxia” em
total movimento.
Para iniciar esse capítulo tracei um breve histórico sobre a internet, com
base na obra de Asa Briggs & Peter Burke, “Uma história social da mídia – De
gutemberg à internet” (2006), também o livro do acima citado Manuel Castells e
algumas informações a partir da Wikipédia10. O fato de usar a Wikipédia vem a
ser um posicionamento particular deste pesquisador, pelo fato da própria
“enciclopédia livre” ser um retrato, ou a metáfora, com mesmo modelo
arquitetônico que a cultura dos [email protected], base dessa
pesquisa, utilizam para interatividade e conexão com seus indivíduos. Uma cultura
baseada no desdobramento de posts, downloads, uploads e broadcast entre
outros, fomentada por sujeitos plurais.
Para refletir sobre as geografias virtuais, utilizei as obras de Pierre Lévy, “O
que é o virtual?” (1996), e “Cibercultura” (1999), com a finalidade de embasamento
e compreensão do ciberespaço, e da virtualização.
O artigo do Prof. Dr. Walter Zanini, “A Arte da Comunicação telemática – a
interatividade no ciberespaço” publicado na revista Ars, em 2003, também foi de
grande
importância,
pois
descreveu
alguns
novos
caminhos
sobre
as
manifestações artísticas no espaço virtual e principalmente retratou a questão da
percepção humana, modificada por meio dessa nova comunicação, trazendo a
tona pensamentos do artista, teórico e educador Inglês Roy Ascott e do pensador
Italiano Mario Costa.
A parte final desse capítulo retoma com maior profundidade a questão da
10
Bem-vindo(a) à Wikipédia, uma enciclopédia escrita em colaboração pelos seus leitores. Este site utiliza a ferramenta
Wiki, que permite a qualquer pessoa, inclusive a você, melhorar de imediato qualquer artigo clicando em editar no menu
superior de cada página. Se tiver dúvidas como editar clique em ajuda de edição (no fundo da página). Sim, você também
pode editar! Leia a Introdução para mais informações. A Wikipédia em língua portuguesa começou em junho de 2001 a
partir da tradução do conteúdo da versão original, em inglês, e cresceu desde logo com a produção de novos verbetes. A
comunidade vem crescendo de dia para dia. Porém, precisamos de mais colaboradores para podermos ampliar o número
de artigos em língua portuguesa e expandir, melhorar e consolidar os que já existem.
19
cibercultura, pois esse vem a ser um dos pilares desta pesquisa, em que os
escritores urbanos, utilizando-se dos meios da cibercultura (tecnológicos,
intelectuais), fomentam sua própria cultura e também tecem redes de
relacionamentos de discussão e aproximação. Uma cultura horizontal, sem a
necessidade de depender das grandes corporações e redes hegemônicas de
comunicação e nem servir a interesses capitalistas. Uma manifestação cultural
baseada nas relações humanas dentro dos meios virtuais.
Esta parte da pesquisa é também uma espécie de diálogo com a obra
Culturadigital.br. (2009), livro organizado por Rodrigo Savazoni e Sergio Cohn.
Esta obra é construída a partir de entrevistas realizadas em São Paulo, Salvador,
Rio de Janeiro e Brasília com “gente do governo, do mercado, da sociedade civil
organizada, da academia, que se dispôs a pensar conosco, em conversas abertas,
sobre as mutações em curso” (SAVAZONI, 2009, p.8). Conversas estas que se
apresentam ipsis litteris nesse texto, com o intuito de mostrar diversos pontos de
vista, pois trata-se de um momento presente e em rápida mutação.
As redes de comunicação e de transgressão
O terceiro capítulo é um estudo sobre o desenvolvimento das relações
artísticas através das redes de relacionamento. O capítulo inicia com uma breve
apresentação sobre as redes de comunicação, continuando com a pesquisa de
Castells. A partir de textos do Prof. Dr. Walter Zanini, das pesquisas da Profª Drª
Cristina Freire em, “Arte Conceitual” (2006), descrevo uma narrativa sobre
conceitos envolvidos em relação à arte postal e, juntamente, apresento grupos de
artistas que promovem por meio de redes de trocas de arquivos, ideias e obras,
rupturas nos sistemas das artes, gerando “circuitos alternativos”11. Essa narrativa
começa com o grupo Fluxus, seus integrantes, suas obras e sua poética e, para
isso, também utilizei a dissertação de doutorado de Ana Paula Felicissimo de
Camargo Lima - Fluxus em museus: museus em Fluxus - defendida em 2009,
Unicamp.
11
Assim como descreve Cristina Freire em sua pesquisa Arte Conceitual.
20
Nesse capítulo busquei apresentar as proposições artísticas por meio da
descrição das obras e também pelos depoimentos dos próprios artistas. O recorte
para essa parte do trabalho foi trazer a tona as proposições artísticas do fim do
século passado, que tiveram como intenção a ruptura de antigos paradigmas e a
criação de diferentes canais autônomos de circulação das informações. Para isso,
pesquisei além do grupo Fluxus, alguns de seus “herdeiros” no Brasil e destaquei
dentre eles Paulo Bruscky e Cildo Meireles. Para finalizar esse capítulo, menciono
o trabalho da artista mexicana Minerva Cuevas, apresentado na pesquisa de
Cristina Freire, em que descreve parcialmente o seu projeto Mejor Vida
Corporation. A partir de pesquisa em seu próprio site (www.irational.org/mvc),
descorro um pouco mais sobre seu projeto em seu depoimento para a 24ª Bienal
de Ljubljana, Slovenia.
Cores em bits [email protected]
O quinto capítulo, o coração desta pesquisa, acelerado e inquieto explode
as cores em bits na net. Fotos, relatos, discussões obtidas nos espaços concretos
e virtuais, diálogos corpo a corpo e via internet com os escritores, artistas de rua,
bombardeiam o último capítulo.
Qual a importância da internet para os tags/pixos/graffiti?
Partindo dessa interrogação dividi o capitulo em três partes que pudessem
ilustrar algumas das possibilidades atuais de ações promovidas pelo meio digital.
Sendo a internet um canal de comunicação livre, os escritores urbanos, por meio
de sua apropriação, apresentam suas poéticas com seus arquivos, vídeos,
imagens, links e textos, produzindo grande e especifico fluxo de informações e
seus posicionamentos políticos dentro de suas comunidades e para toda rede. O
capitulo foi dividido nas seguintes partes: O ROLÊ, O BOMBARDEIO, O ATACK, e
AS TRETAS.
A primeira parte, O ROLÊ, retrata a deriva pelo meio digital e a maneira
como
cada
escritor
urbano
enxerga
essa
possibilidade
virtual
dos
tags/pixos/graffiti. A fundamentação foi por meio de entrevistas com diferentes
21
escritores urbanos, feitas pela rede digital dentro das plataformas multiusuários.
A segunda parte, O BOMBARDEIO, apresenta dois artistas, Banksy e Blu,
que se destacam na cena artística urbana mundial. Essa escolha deu-se pela
percepção de que ambos haviam alcançado notoriedade a partir da divulgação de
suas obras via internet. Os sites proporcionaram uma excelente visibilidade e
audiência e trouxeram para esses artistas um ganho de capital simbólico e
inserção no campo e mercado das artes.
A terceira parte descreve os três ATACKS ocorridos às instituições de arte
Centro Universitário de Belas Artes, Galeria Choque Cultural e 28ª Bienal de São
Paulo, em 2008. Esses ATACKS foram o resultado de ações planejadas,
organizadas e divulgadas em redes virtuais. A internet serviu de base para o
ativismo político e social e foi um canal para a proliferação de ideias e para a
divulgação dos registros das fotos, vídeos, debates e seus desdobramentos na
mídia oficial e nas redes dos escritores-pixadores.
A última parte são as TRETAS entre os escritores urbanos. TRETA na gíria
urbana vem a ser discussão, conflito, desarmonia, falta de respeito e brigas em
geral. As TRETAS aqui apresentadas referem-se ao resultado de um quarto
ATACK, em que o mesmo grupo de pixadores, apresentados acima, “atropelaram”
– pintaram por cima – de murais de graffiti de escritores urbanos consagrados no
campo das artes e na grande mídia. O resultado desse último atack foi uma
discussão nas ruas e dentro dos canais virtuais de comunicação, como no caso do
Brasil, as duas plataformas multiusuários mais conhecidas dentre os escritores
urbanos, o Fotolog e o Flickr. Escolhi uma página de cada uma dessas
plataformas, ainda que sejam do mesmo escritor urbano, o Djan “Cripta”.
Para apresentar tais questões, esse capítulo faz uma justaposição de
imagens
e
textos
tal
qual
aparecem
nas
Windows,
costuradas
com
argumentações e análises, e desenhadas nas páginas da dissertação.
Experiências
vivenciadas/não,
a
espera
de
um
click:
[email protected]
22
Capítulo 1
“INDISCIPLINA NAS CIDADES DISCIPLINADAS.”
23
1.1 Tags/pixos/graffiti
Graffiti não é moda... graffiti não é para sair, pintar meia dúzia de coisas e
dizer... “eu faço graffiti... eu sou escritor de graffiti”...
Graffiti não é inventar boatos para se ter ibope... graffiti não é desenho em
roupas..graffiti não é roubar o estilo do outro... graffiti não é decorações em
lojas... graffiti não é qualquer coisa ...
...graffiti é:
Sigilo, silêncio, anonimato, surpresa, inovação, ação,
transformação, conteúdo, qualidade, marcar, intervenção, produção, atitude,
estilo próprio e inteligente, linguagem universal... respeito.
FIZ 12
Desde a antiguidade os seres humanos marcavam sua história com
desenhos nas paredes. A nomenclatura que denomina atualmente essa expressão
deriva da palavra italiana sgraffito – rabisco, ranhura – e um de seus registros
mais primitivos está nas grutas de Lascaux, França. Por meio de ossos furados,
era soprada uma espécie de pigmento que formava a silhueta das mãos. Dessa
forma, foi desenvolvido os primeiros métodos do que conhecemos atualmente
como spray e stencil, ferramentas ideais e principais para o movimento
denominado graffiti.
Célia Antonacci Ramos, em sua pesquisa, descreve o surgimento da
manifestação conhecida como graffiti e suas origens contemporâneas, ainda que
imprecisas. Para ela, “o grafitti é o mais antigo registro de linguagem” (1994, p.13).
Documentos históricos atestam a presença de afrescos-murais em diferentes
espaços e tempos. De Lascaux a Altamira, passando pela Grécia e Pompeia, as
12
A citação que antecede estas palavras foi tirada de uma revista sobre graffiti produzida no Brasil na década de 90
intitulada FIZ , da qual possuo dois volumes.. Cultura, ações, textos, entrevistas com artistas costuradas pelas fotos de
ambientes “degradados” pelo tempo e marcados com gestos coloridos e transgressores compunham seu corpo, talvez uma
espécie de zine anarquista produzido para dar voz àquela cultura de forma autônoma. Essa revista tinha como intenção
manter-se fiel a ideologia do graffiti, pelo ponto de vista de seus produtores, os quais integravam a „segunda geração‟ do
grafffiti no Brasil. Essa revista não possui nenhuma especificidade de autoria, edição e qualquer referência. As publicações
transitavam nas comunidades com o intuito de promover a cultura e incentivar novas gerações e fazer um registro histórico
dessa manifestação artística.
24
paredes das cavernas ou das arquiteturas serviram de suporte para registros de
comunicação visual.
Nicholaz Ganz, em seu livro O mundo do grafite: arte urbana dos cinco
continentes (2008), aponta também sobre esses registros encontrados em cidades
na Grécia antiga e na cidade italiana de Pompeia que, dentre uma diversidade de
imagens, anotações em argilas e desenhos obscenos, já continham acima de tudo
a vontade e a necessidade dos indivíduos de se comunicar.
O autor descreve que no ano de 1984 foi lançada a primeira revista de
“graffiti de banheiro” chamada Antropophyteia e, segue contando que durante a
Segunda Guerra Mundial os nazistas utilizaram inscrições em muros para
propagar suas ideologias e, paralelamente, grupos inconformistas alemães como
o “Rosa Branca” se manifestavam por meio de slogans nos muros e folhetos com
informações contra o regime nazista em 1943. (2008, p.08).
Foi também através dos muros que, em maio de 1968 na França, grupos de
estudantes saíram às ruas para declamar suas polifonias pintando frases como a
“imaginação toma o poder” e “é proibido o trabalho alienado”, numa revolução
contra a opressão política.
Desde sempre jovens vivem seus rituais de passagem, usando os meios e a
mídia de seu tempo. Gangues formadas por jovens agressivos, cheios de
testosterona, sempre existiram – e assim será – vide Montéquios e Capuletos
revistos em West Side Story, o Muro de Berlin e seus pixos maravilhosos
preservados em livros de arte, ou maio de 68 em Paris, quando estudantes
barbarizaram os muros da Sorbonne com pérolas como “É proibido proibir”,
“Fodam-se uns aos outros senão eles te fodem”, “A anarquia sou eu”, “Não
reclamaremos nada. Não pediremos nada. Tomaremos. Ocuparemos”. E mais e
mais. (WAINER, 2006, apud BOLETA, 2006).
Percebemos que a “imaginação toma o poder” desde as cavernas de
Altamira até maio de 1968, em Paris, chegamos aos dias de hoje bombardeando
os muros da cidade com apelos de “é proibido proibir”, uma ordem da juventude
que por meio da escrita urbana demonstrava sua revolta e questionava as
ideologias dos sistemas dominantes. Esse despertar parisiense é conhecido como
25
um dos primeiros registros oficiais do graffiti em nossa contemporaneidade.
Paralelamente aos eventos parisienses, frases como “abaixo a ditadura” eram
escritas no Brasil, por manifestantes e estudantes com intuito de ir contra ao
regime militar em resposta à opressão política. Mensagens outras também foram
registradas ao longo desse período histórico, muitas em ações de protestos e
outras também no devir de indivíduos que, subjetivamente, ocupavam novos
espaços com escritas pelas ruas, gerando canais de comunicação e fluxos de
informação diferentes das mídias oficiais hegemônicas.
Movidos por uma inquietude humana, contra regimes, sistemas, imposições
e aliados a uma imensa vontade de comunicação, sujeitos marcaram os muros de
nossa história. Transgressão como essência, as armas são as subjetividades e as
tintas e muros os meios mais acessíveis ao processo e à uma excelente
audiência.
Inúmeros
desdobramentos
artísticos,
sociais
e
importantes
manifestações políticas trouxeram os indivíduos às ruas numa oportunidade de
expressão singular, na qual permeia os tags/pixos/graffiti.
Ao
caminhar
pelas
ruas
somos
bombardeados
por
informações,
transmitidas, no que se refere ao espaço urbano, por signos e códigos, inseridos
em publicidades, intervenções urbanas e sinais de organização social, entre
outros.
Décio Pignatari em Informação, Linguagem, Comunicação (s/d), comenta a
respeito da implosão da informação:
Somos continuamente bombardeados por uma massa heterogênea de
informações que nos urgem e pressionam a, seguida renovadamente, buscarlhes uma ratio, uma rede significante de relações, dentro e fora de nosso campo
específico de atividades. A implosão da informação nos convida e força a
estabelecer relações, é um convite e um comando a perceber estruturas – e
toda síntese é estrutura. (PIGNATARI, s/d, p.59).
É nesse udigrudi urbano que nos relacionamos com as informações e que
nos possibilitam as mais diferentes percepções. Para muitos, os ruídos causados
pelas intervenções e poéticas urbanas trazem desconforto, assim como são alvo
26
de críticas pelo fato de estarem presentes, muitas vezes, apenas pela vontade de
quem o fez, sem a necessidade de autorização, produzido com autonomia e sobre
qualquer forma de censura, muitas vezes pela invasão da propriedade privada.
Mas as intervenções urbanas não são apenas os carrascos e vilões da cidade,
elas também despertam a atenção, causam suspiros e, desde sempre, possuem
status de obra de arte e são inseridas nas instituições que as atestam como tal.
Segundo Guilles Deleuze em O que é filosofia? – Percepto, Afecto e
conceito, no que se refere à arte e sua relação com os indivíduos: “Ela é
independente do criador, pela auto-posição do criado, que se conserva em si. O
que se conserva, a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, isto é um
composto de perceptos e afectos.” (1992, p.213). Esses “perceptos e afectos”,
gerados nessa relação do ser com a obra, são independentes e individuais, muitas
vezes produzidos a partir de concepções e cânones preestabelecidos ou ditados
por blocos hegemônicos, e podem ser também gerados na própria questão de
identificação indivíduo/obra, seja cultural, simbólica e/ou imaginária. A leitura da
cidade é, de certa forma, um caminho percorrido pelo indivíduo e suas relações
com os códigos e signos.
Guy Debord, em Apologia da deriva; escritos situacionistas sobre a cidade,
aponta a observação urbana sobre certos “processos do acaso e do previsível” e
descreve esse fenômeno como uma forma de “psicogeografia” (apud Jacques,
2003, p.39):
A palavra psicogeografia, proposta por um cabila analfabeto para designar o
conjunto de fenômenos observados pelo nosso grupo no verão de 1953, tem
sua razão de ser. Faz parte da perspectiva materialista do condicionamento da
vida e do pensamento pela natureza objetiva. A geografia, por exemplo, explica
a ação determinante das forças naturais gerais, como a composição dos solos
ou dos regimes climáticos, sobre as formações econômicas da sociedade e, por
isso, sobre o conceito de mundo que esta pode ter. A psicogeografia seria o
estudo das leis exatas e dos efeitos preciosos do meio geográfico, planejado
conscientemente ou não, que agem diretamente sobre o comportamento afetivo
dos indivíduos. O adjetivo psicogeográfico, que guarda uma imprecisão
interessante, pode portanto ser aplicado aos dados estabelecidos por esse
27
gênero de pesquisa, aos resultados de sua influência sobre os sentimentos
humanos e até, de modo mais geral, a qualquer situação ou conduta que
pareçam provir do mesmo espírito de descoberta. (DEBORD, 1955, apud
JACQUES, 2003, p.39)
Para Guy Debord, a leitura observada por seu grupo, se deu nos
parâmetros geográficos, nas condições das cidades e suas relações afetivas e
econômicas com os indivíduos. No caso das poéticas urbanas tags/pixos/graffiti,
essa leitura é feita a partir dos espaços como possibilidade de inscrição e,
também, da decodificação das inscrições presentes. Tal leitura é o que transforma
e impulsiona as relações dos escritores urbanos, no que se refere à abertura de
“blocos” de percepções gerados pela implosão/decodificação da informação
escrita no espaço urbano, promovendo uma comunicação que segue em
constante movimento até os dias de hoje. Dessa forma, os “perceptos e afectos”
são sentidos nesses códigos e signos, por meio da leitura dos tags/pixos/graffiti.
Seja pelo estilo, caligrafia, ousadia do espaço - no alto de prédio, nos trens – essa
comunicação foi baseada na autonomia das expressões e fomentada pela troca
de informações.
Os tags/pixos/graffiti apropriaram-se das cidades sem pedir autorização,
viajaram o mundo sem passaporte e hoje formam uma das expressões mais
presentes nos grandes centros urbanos. A origem dessa inquietude parece ser um
misto de provocação com brincadeira, porém, os sujeitos, as intenções e as
geografias são tão plurais que seria impossível classificar, homogeneizar e muito
menos rotular ou estabelecer adjetivos a essas ações.
Escrever nas paredes das cidades, nos trens e nas demais superfícies foi à
maneira na qual os grupos de jovens encontraram para dialogar e transmitir suas
subjetividades.
De maneira ilegal e muitas vezes considerada criminosa os
tags/pixos/graffiti invadiram os quatro continentes. Sua mais bela especificidade
é que, mesmo sem serem convidados, os sujeitos foram às ruas e tomaram seus
lugares, divulgaram sua cultura através folhetos, revistas, filmes e documentários
com grande orgulho dessa atitude e postura. Atualmente, os registros dos
tags/pixos/graffiti são proliferados pela grande rede de informação, a internet,
28
tecendo redes de relacionamento, discussão e aproximação, como já citado na
introdução. No capítulo seguinte falarei com mais ênfase sobre essa articulação.
Os relatos que seguem compõem em parte o cenário das manifestações
urbanas. Minha intenção é trazer um registro histórico dos tags/pixos/graffiti, por
meio de uma narrativa não linear, buscando uma visão poética sobre as ações e
também apresentar alguns canais de mídia que ajudaram a divulgar essa
expressão cultural, produzidos de maneira autônoma, pelos indivíduos e grupos,
ou pertencente ao sistema tradicional e dominante de comunicação.
1.2 O berço e a essência.
Nomes e pseudônimos bombardeados em códigos e signos traçam essa
rede de comunicação de tags/pixos/graffiti, marcam o território e fomentam a
autorrepresentação do indivíduo perante esse espaço interferido e seus sujeitos.
Para os grupos de jovens urbanos, escrever nas ruas é uma ação caracterizada
aqui no Brasil por “rolê”. O rolê pode ser descrito como o conjunto de ações que
um indivíduo faz no espaço urbano para criar relações com os indivíduos de seu
grupo e, também, com os que circulam por essas geografias marcadas à tinta.
Dois aspectos, descritos nos itens abaixo, são de grande relevância para
tentar entender e, se possível, traduzir um pouco da essência e da mágica desse
universo dos tags/pixos/graffiti:
1.2.1 Ver e ser visto
Essa é uma das questões mais fortes para a produção das intervenções, a
visibilidade e a fama, o ibope, como chamamos no Brasil. Ele se dá muitas vezes
pela repetição, quanto mais lugares melhor. A escolha e ousadia do lugar é um
fator de grande importância, quanto mais alto ou mais arriscado e perigoso
melhor. É claro que a questão da apropriação do espaço pode vir a ter
diretamente uma relação com a intervenção pensada para aquela especificidade,
e também completa o sentido da obra. Porém, em suma, o impacto final do
29
conjunto é o que realmente conta e conduz ao ibope, seja ele percebido ao vivo ou
por registro, promovendo certa competição e estabelecendo uma enorme rede de
signos que se comunicam entre os indivíduos.
1.2.2 Estilo
Estilo é uma das coisas mais importantes no meio dos grupos e também
para a percepção das intervenções.
No início em Nova Iorque, o graffiti era
transmitido basicamente por letras e essas caligrafias foram trabalhadas por
gerações, construídas e desconstruídas por diversos sujeitos. Depois, vieram os
desenhos de personagens e alguns o levaram a abstração. Essas mudanças se
davam, tanto na troca de informações, por meio dos cadernos, agendas e folhas,
quanto na percepção no meio urbano e nas referências registradas nos canais
tradicionais de comunicação, em sua maioria impressos. No Brasil desenvolvemos
uma caligrafia própria que foi intitulada de pixação, movimento que será abordado
mais adiante.
Carlos “Mare 139”, ícone old school13 (velha escola que pintava os trens em
Nova Iorque, por volta de 1976), comenta, em sua entrevista a Chris Pape (a.k.a14
Freedom) extraída do livro, Born in the streets: Graffiti (2009), que a única maneira
de desenvolver seu próprio estilo é estudar e praticar com outros escritores, o que
eles chamavam de bitting. Para ele, todo grande style master faz isso e esse fato
traz longevidade à cultura. Ainda cita que isto não é uma coisa depreciativa e para
demonstrar esse processo diz: “One of my favorite artist was a brillant “bitter”.
Pablo Picasso”. (PAPE, 2009, apud CARTIER, 2009, p.62)
É por meio do estilo que os escritores são reconhecidos e valorizados e
suas expressões vão conquista audiência e potência.
Os irmãos, Osgemeos, escritores consagrados por seu estilo próprio e pela
grande produção ao redor do mundo, atualmente no mainstream dos circuitos das
artes, contam um pouco a respeito da questão “estilo” em entrevista para o site
13
As terminologias foram aqui citadas em inglês para preservar a expressão dita pelo próprio escritor em entrevista, visto
que uma tradução poderia alterar o significado e o impacto do termo.
14
A.k.a. - Also known as - sigla para “também conhecido como”.
30
www.lost.art.com.br:
É engraçado isso, "estilo", a palavra estilo às vezes te limita, por exemplo, você
tem um estilo e pronto, às vezes as pessoas que não sabem desenhar acabam
tendo mais estilo, porque nunca desenhou antes na vida, nós sempre
desenhamos, sempre procuramos ser nós mesmos, a desenvolver o desenho,
no começo copiávamos outros artistas, nosso irmão mais velho Arnaldo
desenha e nossa mãe também, eles sempre nos influenciaram, crescemos
vendo nosso irmão desenhando, e ele nunca se preocupou com essa coisa de
estilo, acho que e uma coisa muito natural, acho que estilo no traço você nasce
com ele , você pode aperfeiçoá-lo ou matar toda aquela coisa inocente no seu
traço, em busca de um estilo perfeito, nosso estilo hoje é uma mistura de tudo
que agente gosta, desde pequeno nos levamos a sério desenhar, a aprender, e
é engraçado que nos chegamos ate aqui pra ver que estilo é uma coisa que
você já nasce com ela, um dia um amigo nosso, Speto, nos disse; pega tudo
que você admira em outros artistas mais aquilo que ta dentro de vocês bate
num liquidificador , que começa a amadurecer seu estilo.foi o que fizemos ,
então isso tudo nos ajudou (http://www.lost.art.br/osgemeos_interview_01.htm,
2003, acessado em 28 de outubro de 2008).
Dentro dessas características existem variações e muitos desdobramentos
a respeito das intervenções urbanas contemporâneas. A cada escritor cabe suas
ideologias e intenções. A relação e a postura para com os outros escritores e para
com o próprio meio são aspectos que não podem ser abrangidos em sua
totalidade, devido à intangibilidade da subjetividade alheia. Visto que as
intervenções urbanas adentraram no sistema e mercado das artes e dentro desse
campo os tags/pixos/graffiti também se tornaram grandes negócios, a rua
possibilitou uma visibilidade ímpar.
Porém, produzir intervenções nas ruas requer acima de tudo atitude. É
necessário sair da zona de conforto e buscar na cidade algo que preencha e
motive a própria existência, seja ela, a expressão de sentimentos de raiva, revolta,
amor, oposição, protesto, seja pela questão das cores, das formas, do próprio ato
em si, a adrenalina, a brincadeira, o jogo, a fama, ibope, fatores esses que
chamarei de inquietude. Esses aspectos acima citados têm influência e referência
31
às origens e raízes dessas manifestações denominadas tags/pixos/graffiti, e
trazem consigo questões sociais, políticas, econômicas, psicológicas, artísticas,
enfim, humanas, tão amplas que essa pesquisa não conseguirá abranger, tanto
pela complexidade quanto pelas limitações de tempo, energia e conhecimento.
É por meio do vandalismo15 e da apropriação dos espaços urbanos, sejam
eles propriedades privadas ou estatais, que esses sujeitos marcam seus nomes
na história de nossa sociedade contemporânea.
1.3 Sobre os tags/pixos/graffiti
As tags parecem ter sido os primeiros a aparecerem na cidade de Nova
Iorque. Essas imagens são formas visuais de (re)screver o próprio nome e deixar
uma assinatura.
Para Célia Antonacci Ramos,
Escrever o próprio nome tem, assim, uma dimensão mágica que tira o indivíduo
do anonimato, assinala sua presença e a conseqüente posse do objeto. Esse
desejo é registrado em muitos ritos e se encontra, primitivamente, nas cavernas
quando o homem já marcava sua presença e possessão do espaço quando
imprimia suas mãos. (1994, p.48)
Muros, trens e demais superfícies foram marcadas com nomes ou
pseudônimos,
quase
sempre
agregados
a
números
que
muitas
vezes
identificavam o nome da rua ou da linha de ônibus no qual os escritores viviam
e/ou circulavam. Artistas como Julio 204, Cat 161, Cornbread e Taki 183 foram um
dos pioneiros a pintar seus nomes nas estações de metrô e ao redor de
Manhatan. O primeiro escritor urbano nova-iorquino a ter seu nome escrito em
jornais foi Taki 183 www.taki183.net. No verão de 1971, as tags de Taki 183s
despertou a atenção de um repórter do New York Times e as portas foram
abertas, ou melhor, o graffiti entrou na mídia.
15
Para muitos escritores esse termo não configura uma forma depreciativa de traduzir suas expressões, mas é um dos
aspectos fundamentais para sua produção. Seguirei com essa opinião não fazendo apologia, mas pelo fato desse termo ser
realmente uma questão de grande importância para a valorização dos escritores dentro de seus grupos, grifes e também da
própria cultura.
32
Nicholas Ganz conta que as tags se ampliaram tanto na quantidade quanto
no próprio tamanho até se transformarem nos primeiros “pieces” (abreviação de
“masterpiece” – obra-prima). (2008, p.8).
Logo as tags começaram a ser desenvolvidas e elaboradas com grande
habilidade estética, as letras ganharam volumes, cores e formas, e muitas vezes
eram associadas com desenhos de personagens criados pelos próprios artistas ou
então apropriados das culturas de massa, nascendo assim essa identidade bem
marcante do graffiti. Letras desenhadas em muros nos guetos do Brooklyn e Bronx
ganharam um novo espaço: os trens. Uma das influências mais marcantes do
graffiti nova-iorquino para o resto do mundo foi à pintura nos trens e metrôs, que
proporcionava a visibilidade e audiência por um número bem maior de pessoas.
Com a mesma quantidade de material que se pintava um muro também se podia
pintar um trem que circulava em diferentes trechos da cidade e, então, a imagem
seria vista por um maior número de pessoas. Havia também a questão da
dificuldade e da ilegalidade, fatores que proporcionavam status para o escritor.
Com essa atitude, os escritores urbanos começaram a criar e ampliar seus canais
de comunicação e fomentar sua autorrepresentação.
Célia Antonacci cita Baudrillard, que nos anos 1980 já dizia que o graffiti de
Nova Iorque era uma “rebelião que consistiria em dizer: „Eu existo, eu sou tal, eu
habito esta ou aquela rua, eu vivo aqui e agora‟” (1979, apud RAMOS, 1994,
p.14), e também relata que “esses grafites surpreenderam a população,
afugentaram os turistas dos metrôs e foram combatidos pela polícia” (1994, p.14).
Coco 144 comenta, também em entrevista extraída do livro, Born in the
streets:Graffiti, que o primeiro trem foi pintado em 1973, no túnel 1, na 37th Street,
e que a pintura dos trens se tornou um ritual semanal. Para ele, sua meta era a de
pintar um tag em cada vagão, isso com a idade de treze anos. A competição era
então por um maior número de tags em cada vagão, depois pelos maiores
“pieces”. (2009, apud CARTIER, 2009, p.18).
Artistas como Seen, Lee, Dondi, Stayhigh 149, Zephyr, Blade, e Iz the Wiz
tornaram-se ícones dessa cultura pela qualidade e quantidade de trens pintados
segundo Nicholas Ganz. (2008, p.09). Alguns desses artistas protagonizaram dois
33
dos mais importantes filmes sobre esse movimento, o documentário Style Wars16
e o filme Wild Style17. Tais filmes foram responsáveis por influenciar gerações nos
mais diferentes cantos do planeta. Além da cultura hip-hop, que sempre exerceu
forte influência sobre os jovens, esses filmes registraram uma época áurea do
movimento, atrelado as suas raízes e aos seus elementos: música, dança, graffiti
e poesia.
A relevância dos registros das ações e fenômenos culturais é de grande
valor para o fortalecimento da identidade e, os filmes acima citados, juntamente
com materiais gráficos da época, foram responsáveis, em grande parte, pela
explosão dessa cultura ao redor do mundo. Outra questão que influenciou e
ajudou a difundir o graffiti foram as viagens feitas pelos escritores nova-iorquinos e
o intercâmbio com outros artistas, principalmente europeus, e logo, os trens da
Europa começaram a ser atacados.
Para executar as pinturas, os escritores tinham seus próprios métodos,
cada linha descoberta era guardada com sigilo. Para isso, era preciso
conhecimento do local e ousadia; alguns chegavam a roubar as chaves dos trens
e copiá-las, para em seguida trocar ou vendê-las, permitindo assim acesso ao
interior dos trens. Grades cortadas, trancas arrebentadas, rostos encapuzados,
fuga, tudo isso faz parte do universo dos tags/pixo/graffiti.
O momento da
pintura nos trens requer atenção dobrada, a adrenalina é sempre alta e não é
possível cometer erros para não ser pego pelos policiais e seguranças dos trens.
Lee “Quinones” conta no livro18, Getting Up: subway graffiti in New York
(1982), escrito por Craig Castleman, sobre o dia em que ele e alguns poucos
amigos resolveram pintar um trem inteiro. Para eles, essa ação demandou um
trabalho intenso para a compra das latas, horas e horas de esboços em papéis e
cadernos, além da descrença de outros escritores. Foram meses de projeto para o
início, entretanto, logo na primeira tentativa não foi possível finalizar, devido a
incidentes e ao suposto aparecimento dos policiais. Durante a fuga, um dos
16
Documentário sobre a cultura do hip-hop produzido por Tony Silver e Henry Chalfant, em New York City em 1983.
Wild Style foi o primeiro filme sobre o movimento do hip-hop. Produzido em 1983 por First Run Features o filme foi
dirigido por Charlie Ahearn e com atuação de Fab Five Freddy, Lee Quinones, the Rock Steady Crew, The Cold Crush
Brothers, Patti Astor, Sandra Fabara e Grandmaster Flash. Os protagonistas encenaram papéis fictícios e um deles
chamado "Zoro" foi representado pelo lendário escritor nova-iorquino "Lee" George Quinones.
18
Tradução livre do autor. As expressões seguem em Inglês para manter a fidelidade e veracidade do texto.
17
34
escritores afirmou para Lee que eles teriam que voltar àquele lugar para terminar
de pintar os trens, pois, não tinham concluído o planejado. Lee descobre que na
verdade não tinha sido a polícia, mas uma brincadeira sem graça de um dos
amigos, então, eles voltaram na próxima noite e estava tudo como havia sido
deixado no momento da fuga, as latas, a câmera fotográfica e até a bolsa de sua
mãe estava lá. Assim, eles continuaram a pintura dos trens, deixando o local por
volta das seis da manhã, e por volta das sete o trem sairia para fazer sua linha.
Lee chegou à estação e lá estavam alguns outros escritores já comentando a
pintura do trem de maneira negativa “It´s bad style Lee”, “It´s bad!”. Lee, surpreso
com os comentários saiu e pegou um trem, em direção ao Bronx, para a estação
na qual ele teria a possibilidade de ver todo o trem. Chegando lá, mais duas
meninas esperavam o trem e, ele ansioso gritava “look at that train”, as meninas
não entendiam e Lee: “it´s comming!” - e as meninas: “what´s comming?”. Lee
descreve sobre o reflexo das cores sobre os raios de sol, comparava o trem a um
cavalo cavalgando em direção deles e dizia: “there it goes”, o entusiasmo era total:
“There it goes”. Lee conta que de tão entusiasmado esquecera-se de bater as
fotos e seu amigo gritava em seu ouvido: “the pictures!” e, Lee mal conseguiu
registrar o momento. Conta ele que as duas garotas estavam paralisadas, de boca
aberta, e que era possível ver um brilho em seus olhares.
Este fato ocorreu duas semanas antes do Natal e, como não tinha
conseguido registrar bem, devido ao entusiasmo, Lee entrou no trem pintado e
esperou o momento certo para puxar a trava de emergência que paralisaria o trem
permitindo a saída e uma visão perfeita (ação já bem freqüente e dominada pelos
escritores da época). Conta ele que estava agora entre dois vagões e inúmeras
pessoas em volta que não faziam a menor idéia de quem tinha pintado o trem, e
então Lee começou a perguntar para as pessoas, “How do you like it, people?” e
as pessoas respondiam positivamente e outros espantados, as crianças gritavam
“Mickey Mouse”, pois Lee tinha pintado uma figura do rato mais conhecido pelos
americanos para realmente brincar com suas mentes, como ele mesmo
descreveu. Para ele, era como se estivesse numa exposição de arte e seu trem
era a obra capaz de gerar “blocos de perceptos e afectos” nos mais diferentes
35
indivíduos. O trem começou a sair e, então, Lee e seus amigos ergueram a
cabeça e gritaram “Yeah, Fabulous Five” (CASTLEMAN, 1982, p.02-11).
Esta fábula aqui apresentada faz parte da história de um grupo de artistas
que até hoje influenciam – por meio dos registros - e resgatam a essência do
movimento hip-hop, e principalmente do graffiti. A partir desse evento os
“Fabulous Five” se tornaram os “Kings”19 da rua e se tornaram lendas. A narrativa
desse episódio ilustra muito bem questões importantes da cultura do graffiti. O
planejamento da ação, a ousadia, os riscos e a mágica do momento. Um fator de
grande relevância é também a questão da comunicação com os outros escritores,
o “diz que me diz”, a competição entre eles e a busca pela superação. Em seguida
o reflexo disso está na importância do registro, das fotos, que seriam uma das
melhores maneiras de mostrar aos outros devido à efemeridade da pintura,
conquistando assim “seus 15 minutos de fama”.
Nicholas Ganz afirma que em meados da década de 1980 não havia
sequer um trem que não havia sido pintado. Um dos melhores registros dessa
época pode ser visto no livro “Subway Art”20 publicado primeiramente em 1984
pela Thames & Hudson, produzido pelos fotógrafos Martha Cooper e Henri
Chalfort. Esse livro contém inúmeras fotos dos trens e dos escritores, nos mais
diversos ângulos e agrega uma eximia descrição do movimento, com histórico,
vocabulários, técnicas, enfim, um perfeito canal de transmissão e proliferação da
cultura. Atualmente, as pinturas em trens, além de atraírem inúmeros escritores,
são ações ainda muito arriscadas. Contudo, promovem o escritor urbano a grande
reconhecimento e respeito.
A pintura em trens tornou-se uma das atividades mais procuradas pelos
escritores da época. Porém, por volta de 1986, essa cena mudou quando as
autoridades de Nova Iorque resolveram fechar o cerco, literalmente, aumentando
a segurança nas linhas de trem. Cartazes foram colocados com recompensa
àqueles que tivessem informações sobre pessoas envolvidas com o graffiti. Para
19
“Kings” - reis das ruas - seriam conquistar o Ibope máximo, é muito comum ver junto as assinaturas o desenho de uma
coroa.
20
Este livro é facilmente encontrado para download via “Google - rapidshare” e muito bom de ser visto pela qualidade e
poética das fotos, bem como, pela sua organização.
36
eles, o graffiti era o “destroyer of our beautiful neighborhood”. (CARTIER, 2009,
p.91).
A polícia começa então a perseguir mais e mais os escritores e pintar nas
ruas realmente passou a ser uma ação criminosa. A descrição policial traçava um
perfil comum dos “graffiti ofender” como sendo homens, negros ou portoriquenhos, estudantes de baixa classe social, com idade entre 13 e 16 anos.
Enquanto alguns escritores eram presos, outros eram conduzidos às mais
importantes galerias, museus e bienais ao redor do mundo. Um dos maiores
exemplos é o artista Jean-Michel Basquiat, nascido no Brooklyn. Por volta de
1977, aos 17 anos, ele e um amigo, Al Diaz começaram a escrever frases em
prédios abandonados em Manhattan. Assinando com o pseudônimo SAMO ©
("SAMO shit", "same old shit", ou, traduzindo, "a mesma merda de sempre").
Basquiat escreveu frases como: “SAMO © as a new form of art; SAMO © as a
alternative of God; SAMO © saves idiots.” Segundo Leonhard Emmerling na obra
Basquiat (2005), “o projeto SAMO © atacava a especiosidade da sociedade
materialista”. Basquiat insultava aqueles que ele queria contatar através de seu
graffiti, os “Yuppies”, e que mais tarde viriam a comprar suas obras com os
“dólares do papá21”. Para Leonhard Emmerling, SAMO ©, na essência, era uma
espécie de religião, “uma contestação contra a forma como a sociedade usava
seus valores e ideais, um produto artístico concebido para uma sociedade
emproada”. (2005,p.12).
Leonhard Emmerling ainda aponta que Basquiat, assim como outros
artistas de sua época,
passaram da pintura das carruagens do metropolitano para as telas das
galerias, de serem ignorados a andarem de inauguração em inauguração,
somente para depois serem bruscamente abandonados mal o interesse por
eles morresse.(2005,p.14).
De Nova Iorque, o graffiti migra para as demais capitais mundiais. Em
Berlim temos uma das suas mais fortes expressões concretizadas em um muro
21
Expressão usada por Basquiat nos muros.
37
construído para a segregação de um povo e símbolo de um autoritarismo
perverso, como diz Célia Antonacci (1994) em sua pesquisa. Construído
fisicamente em 1961, o muro começou a ser pintado por volta de 1980. Seus
blocos sustentavam poemas concretos como “Poder é sempre sem amor, amor
nunca é com poder”. Também junto com as frases vieram as pinturas figurativas, o
famoso beijo, e assim o muro se tornou um endereço cobiçado por artistas de
vários lugares do mundo, como o artista norte-americano Keith Haring.
Entre 1989/90, após a Queda do Muro de Berlim, 100 artistas de várias
regiões do planeta foram convidados a pintar um espaço denominado East Side
Gallery. Atualmente, com cerca de 1,3 Km de comprimento, fica entre
Oberbaumbrücke (Ponte Oberbaum) e Ostbahnhof, e é cotidianamente atacado a
spray, pincel ou rolo. Denominada a maior galeria de arte a céu aberto, esse
espaço conta parte da história do graffiti, bem como da humanidade, no que se
refere ao sentimento pós-guerra vivenciado por uma geração. Esse restante do
muro tornou-se um grande livro urbano, com registros de gerações inscritos em
suas páginas.22
1.4 Agora é “nóis” - Brasil
São Paulo vem a ser o berço do graffiti nacional. Por volta de 1978, um dos
primeiros a pintar as ruas foi o etíope Alex Vallauri, que com seus stencils
espalhados pela cidade influenciou uma série de outros artistas. Entre 1982/83
Vallauri esteve de passagem por Nova Iorque, considerada um ícone na cena do
graffiti mundial. Nessa época, a cidade estava vivenciando seu “boom”, motivo
22
Em 2008 tive a oportunidade de visitar Berlim e ainda por cima deixar uma marca desta passagem junto com as
milhares de intervenções feitas em quase 20 anos de existência. Quando voltei novamente em 2009 o muro estava quase
todo reconstituído para a comemoração dos 20 anos de sua queda, e as marcas todas apagadas ou pela revitalização das
pinturas ou por tinta branca. Talvez estas marcas tivessem deixado o muro mais humano, esteticamente caótico, porém
com registros de várias histórias contadas e que agora sobrevivem na memória das pessoas ou então registradas por
câmeras e impressas em papel fotográfico ou postadas em algum site da internet. A efemeridade do graffiti tornou-se algo
questionável depois do surgimento do espaço virtual e este assunto será trazido com maior riqueza nos capítulos que
seguem.
38
esse que atestou grande visibilidade para o artista rendendo-lhe o título de
pioneiro no graffiti brasileiro. Vallauri morreu em 27 de março de 1987, data que
posteriormente tornou-se o dia nacional do graffiti no Brasil. (MANCO, 2005, p.15).
O livro graffiti brasil (2005) aponta que, mesmo não sendo tão
documentado como em Paris ou em Nova Iorque, o graffiti produzido por meio do
stencil foi um movimento de massa no Brasil e artistas como Hudnilson Jr,
Maurício Villaça e Jorge Tavares fazem parte dessa história. A pesquisa de Célia
Antonacci apresenta dois grupos influentes nesse período em São Paulo: o grupo
dos artistas Vallauri, Carlos Matuck e Waldemar Zaidler e o grupo Tupinãodá.
Presentes nas ruas de São Paulo, esses dois grupos também fizeram parte de
exposições em galerias de arte. Em 1987, Alex Vallauri, Carlos Matuck e
Waldemar Zaidler participam da Bienal de São Paulo. Vallauri com a “Rainha do
Frango-Assado”, Waldemar Zaidler com o trabalho “Siesta” e, Carlos Matuck com
um trabalho intitulado “Joaquim, Mário e Afonso”, em homenagem aos escritores
brasileiros Joaquim Machado de Assis, Mario de Andrade e Afonso Lima Barreto.
Na dissertação de mestrado de Sérgio Miguel Franco, Iconografias da
Metrópole: grafiteiros e pixadores representando o contemporâneo (2009), o autor
divide os acontecimentos pertinentes a historia das intervenções urbanas no Brasil
em três períodos:

Pioneiros – de 1970 a 1980

Old school – 1990 a 2000

New school – a partir de 2000
Dentro desse panorama, o autor pontua os artistas, suas intervenções e
suas relações com o campo da arte contemporânea e seu respectivo mercado.
Seguirei esse modelo de divisão pela coerência das datas e das influências que
cada período possui. O objeto desta pesquisa vem a ser a produção cultural e
seus meios de comunicação, autônomos ou inseridos nos sistemas tradicionais,
bem como as trocas de informações pelas redes de relacionamento.
No grupo dos pioneiros estão os artistas acima citados, com seus stencils,
performances e frases ocupando o espaço urbano. Franco apresenta a pesquisa
de Arthur Lara que descreve as primeiras intervenções em São Paulo sobre três
39
perfis diferentes, ligados ao conteúdo e também aos seus propositores. As frases
como “Abaixo a ditadura” eram feitas por estudantes e manifestantes, já as frases
do tipo “Gonha mó breu” eram produzidas por jovens dos bairros da Lapa e do
Alto de Pinheiros e eram restritas a esses bairros. Por último as frases
“publicitárias” como “Cão Fila Km 26” (LARA, 1996, apud FRANCO, 2009, p.32).
Para Franco, as intervenções dessa época relacionadas aos grupos de
artistas como Carlos Matuck, Vallauri, Rui Amaral, Jaime Prades, John Howard e
Carlos Delfino, e remetiam ao campo da arte conceitual e também à inserção em
espaços expositivos, visto que artistas como Jean Michael Basquiat e Keith Hering
tinham impulsionado suas carreiras artísticas, visibilidade e valor simbólico a partir
das intervenções urbanas e também na influência de grupos como Fluxus, ligados
as performances e a teatralidade das ações, diferente do movimento que
acontecia nas ruas de Nova Iorque.
A respeito da vinda do graffiti para o Brasil, relata Franco que a Bienal
Internacional de São Paulo foi de grande importância para elevar seu “status”.
Com inserções na década de 1980, a 17ª Bienal trouxe os artistas Keith Haring e
Kenny Scharf, momento que coincidiu com a recente consagração de Basquiat na
Documenta Kassel, em 1982, sendo o artista mais jovem daquela edição, anterior
aos trabalhos dos artistas da primeira geração. (FRANCO, 2009, p.35)
Em entrevista23 com Rui Amaral, um dos pertencentes ao grupo Tupinãodá,
o artista revela que iniciou suas práticas urbanas por volta de 1976. Nesse ano,
ele e um colega começaram a pintar nas ruas do próprio bairro o nome “Patrulha
Canábica”, com uma folha da maconha ao lado por meio de um stencil, a partir de
referências obtidas de um livro que seu colega trouxe dos EUA. Completa ainda
Rui Amaral, que os primeiros a “importarem” o modelo americano para as ruas de
São Paulo foram a geração “Old school” representada pela dupla Osgemeos, Alex
Hornest, Binho, Tinho e Speto, entre outros (AMARAL, 2007, apud FRANCO,
2009, p. 32).
É por volta do fim da década de 1980 que o movimento hip-hop chega com
força à cidade de São Paulo. Os encontros agrupavam jovens de vários cantos da
23
Entrevista concedida ao Sergio M. Franco em junho de 2007
40
cidade misturando classes, promovendo uma cultura “importada”, que em pouco
tempo foi assimilada e tornou-se um dos mais fortes movimentos de periferia no
Brasil. O Largo São Bento24 e a Praça Roosevelt foram um dos berços da cultura
hip-hop, responsáveis por uma grande mudança na cidade de São Paulo. Os
encontros eram ritmados pelo rap25, embalados pelo break, coloridos pelos graffitis
e os Mc´s comandavam a festa. Em sua essência, ressaltavam a competição dos
grupos e a união das pessoas dos mais diferentes cantos da cidade, que iam ali
buscar inspiração, entretenimento, cultura e identificação. Esses encontros
serviam de estímulo para as ações nos bairros, que aconteciam quase que
simultaneamente, pois, na época os canais de mídias eram escassos e não
abrangeria este tipo de movimento.
Sergio Franco destaca então que “assim foram construídas as redes de
sociabilidade para estes jovens percorrerem a metrópole a partir dos „points‟ do
centro, tendência esta que foi assimilada e consolidada pela pixação.” (FRANCO,
2009, P.49). Dentre os artistas estavam Osgemeos, Zélão, Guerra das Cores,
Tota, Bonga, Kase, Victhé, Marrom, Binho,Speto, Herbert, Tinho e Rip, muitos
deles ainda na cena urbana e também percorrendo os circuitos e instituições de
arte.
Desse grupo de artistas os que possuem maior destaque na mídia e no
campo das artes atualmente são Osgemeos. Essa dupla paulistana, do bairro do
Cambuci, já estava presente, na década de 1980, nos encontros dos “points” do
graffiti (Largo São Bento) e do pixo (Ladeira da Memória, Praça da Estação do
metrô Paraíso e no Centro Cultural de São Paulo), seja dançando break, cantando
rap, ou pintando na rua. Muitos foram os fatores que levaram os irmãos ao
reconhecimento, primeiramente internacional e consequentemente em território
nacional. São naturais de um bairro onde foi possível estabelecer as mais
diferentes relações com todos os tipos de classe sociais, o que veio a ter grande
24
Atualmente existe um documentário sendo produzido por Guilherme Botelho (DJ Guinho) com intuito de resgatar e
registrar a essência do movimento na época. www.temposdasaobento.blogspot.com/. Rodado entre os anos de 2007 a
2010, Nos Tempos da São Bento é um documentário que busca a memória coletiva do hip-hop. Um dos intuitos é resgatar
a memória daqueles que fizeram a História do Hip-Hop, ocupando por vários anos o espaço do Metrô São Bento, no centro
da cidade de São Paulo. Minuciosa, a estrutura discursiva nos leva ao conflito com o esquecimento; o ato social de se
apagar fatos, pessoas e grupos da história. É justamente este conflito, apresentado através do exercício da narrativa, que
se transforma em ação dramática, onde a personagem principal é a memória coletiva
25
Rhythm and poetry
41
relação
com
suas
futuras
expressões.
Inicialmente,
eram
diretamente
influenciados pelos graffiti´s nova-iorquino, estilo que preservam até hoje nos
throw ups, letras grandes bombardeadas com caráter transgressivo. No entanto,
foi através dos personagens e dos cenários lúdicos, denominados por eles de
“tritrez”, uma espécie de universo paralelo, que ganharam espaço no campo da
arte e atenção na grande mídia.
Segundo Tristan Manco (2005), um fator decisivo para esta transformação
e amadurecimento da dupla ocorreu em 1993, quando Barry Mcgee (a.k.a. Twist)
vem morar na cidade de São Paulo. Uma das experiências mais marcantes com a
cultura brasileira foi numa viagem a São Cristovão, interior da Bahia, onde o
americano teve contato com a religiosidade local que o inspirou e exerceu forte
influência sobre seu trabalho. Mas não foi apenas Barry Mcgee que obteve ganhos
simbólicos por entrar em contato com a cultura local. Em meio a um intercâmbio
de informações e encontros com Osgemeos, Mcgee mostrou-lhes um universo
novo por meio de seu próprio trabalho e das fotos e revistas que trouxera dos
EUA. O estilo do trabalho d´Osgemeos ainda seguia os cânones de origem novaiorquina, porém o artista americano espanta-se com a sua qualidade, tendo em
vista o isolamento e a falta de material na época. Conta ainda Tristan Manco que
além de apresentar um novo repertório para os irmãos, baseado nas linguagens
dos escritores urbanos americanos, Twist estimulou-os a buscar também
influências em suas raízes e cultura e, essa ruptura foi de grande ganho simbólico
nas futuras produções. Um dos grandes exemplos dessa influência da cultura
brasileira no próprio trabalho de Barry Mcgee está expresso no cartaz de sua
exposição, no museu Lasar Segall em São Paulo, em 1993. O cartaz traz as letras
com fortes características da estética da pixação, formando uma espécie de
moldura e no centro, estava desenhado um rolinho de pintar parede. O Brasil foi
responsável pela inserção da tinta látex de parede e do rolinho nas pinturas
urbanas, o que foi desenvolvido pelos escritores brasileiros principalmente devido
ao custo das latas.
Cedar Lewinsohn (Revista Folha, 2008) curador da mostra Street Art na
qual Osgemeos junto com outro escritor urbano brasileiro, o Nunca, participaram
42
pintando a fachada do Tate Gallery, Londres, comenta em entrevista a Revista
Folha26, sobre as peculiaridades do graffiti brasileiro. Para ele a street art no Brasil
tem uma forma única e exclusiva o que a diferenciou das dos outros cantos no
mundo. Uma das razões vem a ser o fator econômico (o custo das latas) e
também o relativo isolamento que obrigou os jovens a improvisar e inovar com
novas ferramentas e maneiras de pintar. Cedar Lewinson descreve também que
quando o hip-hop chegou à Europa “as pessoas simplesmente o compraram na
prateleira”. Para ele, isso resultou numa mesmice, apontando que os graffiti´s
“eram muito similares em diferentes lugares do mundo” (Revista Folha, 2008, ano
17 # 827).
Os brasileiros reinventaram, de maneira autêntica, a linguagem dos
tags/pixos/graffiti e o convite para a exposição no Tate Gallery já demonstrava
tal alcance e interesse. Mas outros interesses não explícitos favoreceram também
tal abertura. As inserções nas instituições de arte possibilitam ganho de grande
valor simbólico e projeção no mercado da arte, fatores decisivos para a inclusão
destes artistas na mostra, devido aos interesses econômicos. Foram possíveis e
determinados pelas conexões d´Osgemeos com o grupo Art Unlimited, que foi
responsável pela coordenação da 23ª, 24ª e 25ª Bienal Internacional de São
Paulo, e que possui redes e conexões com museus e galerias internacionais
(FRANCO, 2009, p.55)
Em entrevista na Juxtapoz Magazine27, Osgemeos relatam que quando
Barry Mcgee deixa o Brasil, eles mantêm contato através de cartas com
depoimentos e fotos, pois na época não havia internet disponível. Tal conexão foi
de suma importância, tanto para Osgemeos quanto para a projeção do graffiti
nacional.
Tristan Manco (2005) descreve que em 1997 o Brasil já tinha uma cena
consolidada com revistas e vídeos, na maioria produzidos de maneira autônoma.
Dentre eles estão a revista Fiz, produzida pelos próprios Osgemeos, juntamente
com Herbert Baglione (Cobal) e inúmeros colaboradores de dentro da cena dos
26
Revista Folha, julho de 2008, ano 17 # 827
Revista americana de “art + culture”, uma das principais em street art e seus desdobramentos no campo da arte, galerias
e museus. www.juxtapoz.com. Julho, 2010.
27
43
tags/pixos/graffiti. Uma publicação feita para promover a cultura, registrar as
ações, os roles nacionais e internacionais, mostrar as diferentes ideologias a partir
de entrevistas, colaborando com a proliferação dos tags/pixos/graffitis e
valorizando seus sujeitos, principalmente aqueles que obtiveram espaço nesta
mídia.
Foi também Barry Mcgee que introduziu Osgemeos e a cena brasileira dos
tags/pixos/graffiti no editorial chamado 12 Oz Prophet, em 1997, fazendo com
que São Paulo se tornasse conhecida e desejada por muitos escritores urbanos e,
consequentemente, em 1998 surgiram os primeiros contatos via essa rede de
comunicação.
O primeiro grande encontro internacional foi realizado na Avenida 23 de
Maio, próximo ao Centro Cultural, onde escritores brasileiros e alemães
produziram um grande painel. Dentre eles estavam os nacionais da velha guarda,
Osgemeos, Victhé, Nina, Herbert e os gringos Codeak (Hildsheim), Loomit
(Munchen), Daim e Tasek (ambos de Hamburg).28 Diante desse cenário,
estabeleceu-se uma conexão e então, a convite de Loomit e Peter M, Osgemeos
viajam para a Europa e conhecem outras turmas de grafiteiros. Dessa forma, a
dupla conseguiu permanecer períodos viajando, hospedando-se na casa de outros
escritores.
O escritor Ges, da 3A CREW, comenta no livro, O mundo do grafite, que
“O vinculo internacional entre os grafiteiros é um dos aspectos da cultura que
parece ser exclusiva do grafite. (...) Somente no mundo do grafite é possível
descer de um avião em outro continente e acabar ficando na casa de uma
pessoa com quem você sequer tinha contato.” (GANZ, 2008, p.20).
Viajar vem a ser uma das riquezas mais importantes para a troca cultural,
28
A Alemanha possui uma das cenas mais intensas em relação à produção de tags, graffiti e intervenções urbanas. A
pintura nos trens e metros são uma característica muito forte e o preciosismo na criação das letras (estilo), no tamanho e na
preservação das raízes da expressão ligadas ao vandalismo. Berlim é atualmente uma das poucas capitais que concorrem
com São Paulo na questão de produção e quantidade. Uma das características mais interessantes são os lugares
abandonados, antigas fábricas que se tornaram endereços cobiçados pelos escritores e possuem uma renovação
constante, visto que é comum o “atropelo” dentro destes espaços. Outra grande constatação se dá no uso da tinta látex
atualmente nos graffiti´s, uma espécie de desconstrução da forma, visto que os Alemães eram sempre enfatizados pelo
preciosismo nas composições e nas letras 3D. Talvez por influência da pixação brasileira atualmente um dos trabalhos que
mais tem chamado atenção dos escritores alemães são as pinturas no topo dos prédios com frases, e palavras pintadas
com rolinhos e tinta de parede, trazendo grande valor simbólico e status para seus produtores.
44
para
o
conhecimento
de
coisas
novas,
fomentando
novas
redes
de
relacionamento, conexões e de mudanças a partir do contato com outros
costumes. A possibilidade de uma auto-análise nos faz descobridores e ao mesmo
tempo protagonistas de nós mesmos, a partir da maneira como deixamos que os
outros nos percebam e de acordo com os signos que comunicamos.
Para Osgemeos29 “viajar faz você conhecer melhor quem você é e de onde
veio”
No universo dos tags/pixos/graffiti talvez seja mais fácil notar as
mudanças de estilos, possibilitados pela troca com outros escritores e na própria
cultura, como um aspecto formação de uma identidade comum, mesmo que em
diferentes lugares e em constante processo de enriquecimento.
Os tags/pixos/graffitis podem falar vários idiomas, mas a língua oficial é o
spray na mão e a ação, na rua. As viagens consolidam um processo de grande
importância para o desenvolvimento de uma visão ampla a partir do conhecimento
de vários pontos de vistas.
A respeito das trocas e das mudanças nas viagens, Osgemeos 30
descrevem que:
Quando nós começamos a viajar nosso trabalho era mais concreto. Nós
sabíamos naquele tempo o que queríamos em nosso trabalho. Viajar foi uma
conseqüência, logo foi fácil, porque as coisas que aprendemos nós somente
filtramos e observamos. Poderia ter sido diferente se tivéssemos viajado em
1987, por exemplo, nós seriamos apenas outros estrangeiros fazendo “wild
style”31. Nós amamos isso e começamos dessa maneira, porém nós gostamos
de descobrir novas coisas também. Então, em todos esses anos nós
estudamos diferentes estilos para achar o que temos hoje. Para nós é melhor
porque podemos ver de maneira bem diferente e olhar mais do lado de fora e
então gostar mais ainda. Eu penso que quando os caras vieram para São
Paulo, em 1997, era a época em que estávamos começando a achar nosso
estilo, e nesse tempo nós estudamos muito para ver como evoluir nosso estilo,
visão e essência.
29
30
31
Em entrevista à Juxtapoz acima citada (julho 2010, #114, p.63). (Tradução livre do autor).
Idem anterior
Letras características da linguagem do hip hop com maior rebuscamento e efeitos gráficos.
45
Foi necessário um escritor urbano americano, Twist, falar aos brasileiros da
importância de desenvolver uma linguagem própria, mais próxima de sua cultura,
para que os tags/pixos/graffitis do Brasil pudessem viajar primeiro em fotos e
imagens por meio da rede postal entre Osgemeos e Barry Mcgee, para então se
tornar uma publicação, chamada 12ozProphet. Revista que circulou e fez com que
a cena brasileira fosse notada e respeitada por todo o resto do mundo
possibilitando inúmeras conexões. Dessa forma, a conexão se dá geralmente pela
proximidade de interesses e também nas possibilidades de trocas, e esse corpo a
corpo vem a ser muito importante para a produção e renovação cultural. A escolha
pela dupla Osgemeos nesta pesquisa se dá pelo fato de que eles foram os
escritores que mais conseguiram usufruir e aproveitar das conexões, tanto no
campo do graffiti quanto no campo das instituições internacionais e mercado das
artes, sendo também pioneiros no processo de internacionalização dos
tags/pixos/graffiti brasileiros no mundo.
Outro grande momento cultural na história dos tags/pixos/graffiti, em São
Paulo, foi, no fim da década de 1990 e início dos anos 2000, a Geração do Beco/
Escola Aprendiz. Sérgio Miguel Franco (2009), em sua pesquisa, conta que esta
geração passou por um momento muito importante e de grande troca, produção e,
consequentemente, conflitos. Em primeiro lugar, a situação era a seguinte; estava
de um lado a ONG procurando desenvolver intervenções na Vila Madalena, bairro
de classe média, e de outro, os escritores urbanos sem estrutura e sem condições
para comprar latas.
Essa historicidade que venho apresentar não atesta de maneira alguma que
foi apenas em São Paulo que os tags/pixos/graffiti tiveram sua origem e suas
influências. Duas questões me remetem a tal recorte: uma é que a falta de
material específico e fontes bibliográficas de outros centros urbanos, o que traz
para São Paulo a maior expressividade; outra questão é que através desses
momentos históricos, torna-se possível tecer e apresentar os conceitos pilares
dessa dissertação dentro do recorte dos tags/pixos/graffiti.
Tim tchais (Martim Ancôna Amaral), um dos escritores pertencentes a esta
46
geração conta em entrevista32:
Comecei a pintar nas ruas de São Paulo no ano de 1997, criamos entre amigos
um nome para nossa crew: Tchais, no inicio eram 5 a 7 pessoas que faziam
parte dessa crew, em 1999 fiz um curso com o grafiteiro Fabio Ribeiro o Binho,
onde muitas técnicas foram aprendidas, e exercitadas continuamente na rua,
onde é a verdadeira escola para se fazer graffiti. No ano 2000 surgiu a ONG
Aprendiz na região da Vila Madalena – São Paulo, essa ONG foi bastante
importante para a evolução do meu trabalho porque nos dava estrutura para
pintar: Espaço, tinta e escadas, além de ser um canal com outras empresas que
começaram a contratar os serviços dos artistas que ali se encontravam.
O escritor Binho, citado por Tim Tchais, é um dos “porta-vozes” do graffiti
perante as instituições artísticas e governamentais. É representante da velha
escola e um dos únicos a seguir com a estética tradicional do graffiti, com suas
origens nova-iorquinas, também proprietário de uma loja de material para graffiti e
responsável pela revista Graffiti: arte e cultura de rua. Assim, Binho vem a ser
detentor de um grande canal de mídia com capacidade de influenciar e promover
escritores e a própria cultura. Sérgio Franco traz a tona o fato de que na capa da
edição nº38, 2007, Binho aparece com o prefeito Kassab, da cidade de São Paulo,
responsável pelo projeto “Cidade Limpa” que “atropelou” de cinza inúmeros
tags/pixos/graffiti, escrevendo na parede, ao lado de um painel por ele
financiado na Av. Paulista, “isto que é arte”. (FRANCO, 2009, p.63).
Assim se caracterizava a nova escola, influenciados pelos escritores da
velha guarda, esses jovens escritores se encontravam frequentemente no
Aprendiz para ter aulas, produzir nas ruas e ainda fazer trabalhos e parcerias com
as empresas, um cenário e momento de grande riqueza cultural por agregar
diferentes perfis e também diferentes classes econômicas.
Dentre os escritores dessa geração destacamos Zézão (José Augusto
Capela), Boleta (Daniel Medeiros), Niggaz (Alexandre da Hora), Highgraff, Titi
Freak, Mazu, Tim Tchais e muitos outros. Alguns desses participavam dos
encontros nas oficinas e ações no Aprendiz.
32
Entrevista feita pelo autor em 2010
47
Duas questões muito importantes, em relação a esse momento
histórico, definiram alguns caminhos para a cena artística urbana desse período. A
primeira foi a transformação do bairro da Vila Madalena em um grande laboratório
e principalmente um dos cartões postais da cidade de São Paulo para a cena dos
tags/pixos/graffiti, com referência no famoso “Beco do Batmam”. A outra questão
relevante foram os contatos com as empresas, mercado de trabalho e inserção no
campo da arte ligado às instituições que a representam. O laboratório, a fusão de
conhecimento e sinergia possibilitou uma vertente até então não difusa nas
pinturas, que foi a criação de um movimento ligado às formas abstratas, que
rendeu aos artistas grande visibilidade. Dentre eles destacavam-se Zezão,
Highgraff, Boleta e Tim Tchais. Em relação aos conflitos, em sua maioria eram
gerados em primeiro lugar à própria instituição Aprendiz, que rendia a seus
artistas uma pequena porcentagem e futuramente as próprias relações de
inserção de uns e exclusão de outros nos “jobs” e nos espaços expositivos. O
surgimento de galerias especializadas em comercializar “street art”, seguindo
moldes internacionais, também foi fator de grandes debates e proporcionou
diferentes posicionamentos. Enquanto uns, com dificuldades de se enquadrar nos
moldes do mercado ficaram a margem, outros puderam gozar de uma valorização
de capital econômico, simbólico e cultural perante as instituições e canais de
mídia. O maior exemplo é a “Galeria Choque Cultural”, que em seu site se define
assim:
O que é a Choque Cultural?
A Choque Cultural não é apenas um projeto de galeria comercial, envolve
também educação e compromisso sócio-cultural. A sua principal missão é
aproximar o público jovem das artes plásticas, incentivando o colecionismo,
produzindo conhecimento e promovendo intercâmbios. Desde a sua fundação,
em 2003, o projeto apresentou mais de 200 artistas brasileiros, trouxe para o
Brasil mais de 50 artistas internacionais, levou brasileiros à Europa e Estados
Unidos em mais de 10 grandes exposições, editou muitas gravuras e livros.
Criou um importante network global, entre galerias, artistas e colecionadores,
além de ter chamado a atenção de instituições e museus por todo o mundo
(www.choquecultural.com.br, acessado em 23 de janeiro de 2009).
48
Alguns escritores tiveram oportunidades de participar de exposições
nacionais e redes, e foram levados a importantes conexões, enquanto outros não
tiveram possibilidade de ascensão, mesmo com potentes trabalhos nas ruas e
uma grande visibilidade entre os escritores.
Os canais de mídia começaram a falar mais sobre a inserção dos graffitis no
campo da arte e, em 2005, foi publicado um dos livros mais importantes, até então
um dos primeiros nesse formato “comercial”, com fotos coloridas e um precioso
trabalho gráfico, intitulado Graffiti Brasil 33. Neste livro é possível conhecer um
pouco do histórico dos tags/pixos/graffitis no Brasil e também traz um número
grande de escritores urbanos com suas pinturas e informações sobre a vida e
trajetória de cada um resumida. Assim a cena nacional estava consolidada e
pronta para ser exportada, visto que o livro foi publicado em inglês. Dentre os
artistas, muitos deles estavam relacionados com redes e conexões dentro de um
mercado das artes e esta publicação trouxe maior visibilidade e possibilitou
ganhos simbólicos tanto para os escritores quanto para as instituições que os
representavam.
Como mostra a galeria Choque Cultural em seu próprio site.
Desde o início, uma boa parcela (50%) do que a Choque comercializa é
exportada, tanto de gravuras quanto de originais. Importantes parcerias e
associações nos tem garantido acesso ao mercado externo, que é muito
interessado no que temos apresentado. Hoje, estamos mais presentes nos
Estados Unidos, Inglaterra, França e Espanha. Por exemplo, em 2006 iniciamos
um programa de intercâmbio com a galeria Jonathan Levine, de Nova Iorque,
que trabalha com artistas e público semelhantes aos da Choque. Temos
mostrado continuamente artistas brasileiros lá e trazendo americanos para cá,
com sucesso de crítica e público para ambas as galerias. Na Inglaterra, desde
2005 temos uma parceria com o escritor britânico Tristan Manco, que tem entre
seus vários títulos lançados, o livro Graffiti Brasil (Thames and Hudson, 2005).
Essa parceria resultou na criação do site choquecultural.co.uk, responsável pela
distribuição mundial das nossas gravuras e no início de um ciclo de exposições
dos nossos artistas na Inglaterra (www.choquecultural.com.br, acessado em 23
33
Livro já citado anteriormente.
49
de janeiro de 2009).
Os canais de mídias agora também serviam para valorizar os escritores e
trazer um aumento na audiência e principalmente uma projeção no mercado das
artes, pois esses estavam relacionados com interesses econômicos e eram
produzidos pelos setores hegemônicos. No caso do livro citado, foi escrito pela
mesma pessoa com a qual a “Choque Cultural” possui relações comerciais.
A partir da individualidade dos escritores urbanos, e da particularidade e
potência dos trabalhos, o mercado foi um divisor de águas, no que se refere a
visibilidade e ao ibope. Artistas como Zezão, que durante anos tinha inserido suas
pinturas nas galerias de esgotos, para se esconder e fugir de sentimentos
depressivos, buscando no isolamento um propulsor de seu processo criativo, teve
seu trabalho inserido em inúmeros espaços expositivos, inclusive no MASP em
2010, na exposição coletiva, “De dentro pra fora e de fora pra dentro”, e em mídias
distintas e publicados em território nacional e internacional. Zezão com seu
trabalho nas galerias subterrâneas do esgoto de São Paulo abriu outro canal de
aplicação e veiculação e problematizou também questões ambientais, bem como
conseguiu que os registros de seus trabalhos, em sua maior parte fotos e vídeos,
fossem também inseridos em espaços expositivos e institucionais, transferindo a
esses registros também o caráter de obra de arte.
Um grande marco nessa fase de internacionalização institucional dos
escritores e seus trabalhos, relacionados diretamente no meio urbano, foi a
exposição “Nas ruas de São Paulo” em 2007 na Jonathan Levine Gallery. Essa
mostra trouxe a ascensão comercial de uns e o “fracasso” financeiro de outros, em
se tratando das vendas, acompanhadas através da rede simultaneamente.
Todavia, o capital simbólico foi muito importante a todos. Também foram
levantadas supostas divergências dentro do próprio grupo, formado por Zezão,
Fefe Talavera, Highgraff, Kboco, Onesto, Speto, Titi Freak e Boleta.
Assim, os escritores, na cidade de São Paulo, se encontravam divididos em
grupos, cada qual com seus interesses e posturas diante do reconhecimento no
rolê das ruas, em relação às questões de estilos, em produções conjuntas de
50
grande escala, e nos bombardeios, ligados ao vandalismo e ilegalidade das
intervenções, e nas relações com o mercado, tanto das empresas quanto das
instituições e circuito das artes. As “panelas” eram formadas e os debates
traçavam linhas de aproximação e de discussão em relação às posturas
assumidas. Dessa forma, as gerações vindouras encontraram um cenário que
tinha nas ruas uma grande possibilidade de visibilidade e, consequentemente,
foram surgindo outros grupos de convergência e divergência sobre as posturas
assumidas pelos membros das segunda e terceira geração.
1.5 Para quem sabe ler, um pixo é letra.
Dentro do cenário das intervenções urbanas, surge um braço originalmente
brasileiro. Este braço foi estendido com “extensor e rolinho” para alcançar grandes
dimensões nos viadutos. Também usou as pernas e a agilidade e subiu nos mais
altos prédios para deixar sua marca, mesmo que fosse necessário um plano
estratégico, quebrar as trancas das portas ou escalar, o importante era realmente
se fazer presente no espaço urbano. A história desse movimento caminha junto
com os tags e graffitis. Para Sergio Miguel Franco, seria possível traçar planos
distintos de análise e optar por apenas um deles seguindo pelas diferenças,
porém, “perderíamos um ponto fundamental da reflexão: a comunhão subterrânea
que
eles
possuem,
tanto
na
história,
quanto
da
prática
como
nas
interdependências processuais para interferirem na cidade.” (FRANCO, 2009,
p.20).
A relação histórica da pixação tem muito em comum com as raízes do
movimento hip-hop nos anos 1980, em que grupos de classes menos favorecidas,
e de regiões periféricas espancaram seus nomes nas superfícies do espaço
urbano. A grande questão em território nacional se dá na recepção dos diferentes
signos, visto que ambos possuem a característica de transgressão como ponto
crucial e a cidade como suporte, e se diferenciam pelo fator estético e questões
culturais nos códigos e signos.
Esses jovens tomaram a cidade. Atualmente a cidade de São Paulo está
totalmente coberta pela pixação. Entre os escritores, o que vale é a ousadia e a
51
repetição, bem como as distâncias cruzadas registradas nos rolês escritos na
paisagem urbana.
A pixação possui um código de honra: L.H.P (Lealdade, Humildade e
Proceder). Dentro desse parâmetro os escritores se agrupam em “grifes” e
desenvolvem uma caligrafia própria, um alfabeto e são valorizados também pelo
estilo das letras, bem como pela singularidade dos caracteres. Na assinatura, ou
pixo, segue muitas vezes o nome da grife, aliado ao vulgo, a data e um “salve”
para outro escritor quando ausente, preso (código da lei) ou “falecido”. A questão
do grupo é muito importante. A pixação resgatou os antigos “points” de encontro,
que são organizados através de panfletos com as datas e locais. A postura dos
escritores, envolvidos nas pixações, são sempre de caráter anárquico e com
ênfase nas conquistas de maior ibope pelo grau de dificuldade e risco de cada
ação.
Com intenção de maior visibilidade, alguns escritores conseguiram veicular
seus pixos nos canais de mass media. Relata Sergio Miguel Franco (ano??), que
Boleta (Daniel Medeiros) em 1991 fundou com seu amigo Padre, escritor de
grande renome em seu bairro, a grife “Vicio”, que teve grande destaque e adquiriu
grande status no meio depois que estudaram e mapearam os locais onde as
câmeras da TV Globo extraíam as imagens para a corrida de São Silvestre, que
acontece tradicionalmente dia 31 de dezembro. Conseguiu que seus pixos fossem
televisionados, ação esta que foi apropriada por outros escritores e obrigou a rede
de televisão a mudar todo ano seu posicionamento das câmeras. Boleta também
foi o organizador do primeiro livro nacional a tratar das questões da pixação, com
fotos das intervenções e das ações. A partir da agenda do escritor, encontramos,
neste livro, toda uma postura e poética em relação aos valores e conceitos
culturais, bem como as páginas da própria agenda, registros feitos no caderno que
ilustra o repertório estético e cultural desse movimento. É comum aos escritores
colecionar e guardar numa pasta as assinaturas de outros escritores e grupos nas
chamadas “folhinhas”, dessa forma a comunicação se dá também pela troca e o
reconhecimento de grifes de regiões distantes. O lançamento do livro foi no dia 31
de janeiro de 2006, na casa da socialite paulistana Erika Palomino, evento cheio
52
de divergências tanto por parte dos escritores que se viram inseridos num meio
distante de sua realidade, e, em resposta, pixaram toda a casa, quanto pela
própria socialite que ficou constrangida e de mãos atadas sem ter no que fazer
diante de tal transgressão.(FRANCO, 2009, p.85).
Boleta, com essa publicação, consegue assim agregar capital cultural em
relação às instituições que abrem portas para futuros trabalhos de curadoria, bem
como a abertura de sua própria galeria de arte, a Grafiteria. Juntamente com
Boleta, fazem parte da grife Vicio, escritores como Zezão, e outros relacionados
às duas vertentes, graffiti e pixação, relação que causa grande discussão no meio.
Tal discussão gerou conflitos referentes à postura de alguns escritores que
tinham através do graffiti sua inserção em campanhas publicitárias, no campo das
artes e também em projetos de painéis financiados pelos setores do governo,
fugindo assim de sua essência transgressora, tanto defendida e assimilada pelos
escritores relacionados às pixações, pois esses são mais coibidos pelos sistemas
de segurança público e privado e também pela sociedade no Brasil.
Na poética de Xico Sá:
Para os novos Gutenbergs, reinventores dos tipos gráficos das metrópoles, não
há limite. Se deixarem, picham, digo, pixam <o xis dos moleques que vingou
sobre a vossa excelência a Norma Culta portuga/brazuca> até a bunda de
Deus, ora, quem manda deixar o traseiro assim de bobeira, só porque é Deus
pensa que é dono do mundo e de todos os latifúndios dorsais e curador
igualmente do Museus d’Orsay, ora pois. Pixo, logo assusto, impressiono, e
existo no topo, invertendo a pirâmide escrota e naturalista. O resto é BAFO e
bula e abafa o caso. Eis o alfabeto de vera da PEDAGOGIA DO OPRIMIDO.
Purgatório neles, berram as pequenas autoridades, a Prefeitura, o Estado, as
ONGS, os bons burgueses, ah, entendi, querem salvá-los!!! Que gente
decente!!! Então tá combinado, todos doravante, data vênia, esqueceram a
palavra vândalo, que pregaram na testa dos ttsss... e querem os meninos
domados, grafitando como os boyzinhos novaiorquinos, bem entendido, rumo
às galerias e aos slogans oficiais! (SÁ, 2006, apud BOLETA, 2006, p.09)
Assim descreve o panorama e a visão daqueles que do alto desafiam a
gravidade, as autoridades e conquistam suas medalhas arriscando-se o quanto
53
puder para erguer a bandeira de suas grifes em território privado.
Xico de Sá, no livro TSSS..., apresenta em seu texto dois recortes de jornal,
um na seção de cartas do Estadão e outro no Noticias Populares. No primeiro
jornal retrata a postura da sociedade reportada na grande mídia impressa em
relação ás pixações:
“As ruas e muros de São Paulo são o exemplo real de como os pichadores são
cruéis. Eles não poupam obras-de-arte, monumentos históricos e muito menos
as paredes de inocentes residências. Na sua sede de vândalos, enfeiam a
cidade com rabiscos incompreensíveis e de mau gosto, como mostra a foto de
D.A. Retratando uma casa simples da avenida Amador Bueno da Veiga, na Vila
Marieta, a imagem mostra o que se passa pela cabeça desses predadores
incansáveis: o desejo único de sujar a cidade. Se já não bastasse toda a
poluição que São Paulo possui, esses anônimos contribuem para o visual de
abandono e sujeira que estereotipa as periferias onde muitas vezes os próprios
pichadores residem”. (SÁ,2006, apud BOLETA, 2006, p.09)
Dessa forma, sendo o jornal grande formador de opinião e atestador de
“verdades” e conceitos, a mídia reporta às pixações como uma espécie de
poluição na cidade. Com pré-conceitos estabelecidos de acordo com os interesses
da mídia e das instituições hegemônicas, a pixação é coibida principalmente pelo
seu caráter transgressor e também pelas questões econômicas e sociais de seus
sujeitos, questões retratadas com mais ênfase na repercussão do caso da 28ª
Bienal internacional de São Paulo de 2008, em que o veredito final foi a prisão da
escritora Caroline Piveta, da grife “sustos”, por 54 dias.
Já no segundo recorte é possível notar a ousadia e as estratégias utilizadas
para atingir maior visibilidade e, consequentemente, ibope, com a seguinte notícia.
Publiquemos aqui, pois, a acontecência: “O Conjunto Nacional, que fica na
Avenida Paulista 2.073, foi alvo de pichações no setor residencial, que tem
entrada pela rua Augusta, em Cerqueira César. Segundo um morador, que
pediu para ser identificado apenas como Di, os pichadores podem ter entrado
no prédio pulando de cima de um orelhão para o beiral da fachada. Dali teriam
quebrado uma janela no 1º andar. Ele contou que, além de quebrar o vidro e
54
amassar essa janela, os invasores arrombaram portas. A administração do
prédio, que não registrou a ocorrência na Polícia, negou as informações
confirmando apenas que houve pichação. Di afirmou que ficou apavorado com
a situação. Segundo ele, o esquema de segurança do prédio não poderia
permitir esse tipo de ação, visto que há homens fazendo ronda por dentro e por
fora.“À noite, essa segurança é reforçada” destacou. Ele tentou apurar maiores
detalhes do que aconteceu, mas o porteiro e o segurança disseram que não
viram nada”. (SÁ, 2006, apud BOLETA, 2006, p.09)
Comenta ainda Sá, que foi o próprio Di o sujeito que pixou o prédio e que
num gesto midiático e transgressor conseguiu atestar sua façanha usando
também os canais da grande mídia.
Diferente do Brasil, as instituições na França foram de grande importância
para agregar capital simbólico e catalisaram o processo de internacionalização e
valorização dessa expressão, com grande atuação por meio da Fundation Cartier
pour l’art contemporain, promotora da exposição “Né dans La rue: Graffiti”, em
2009. Mostra que teve participação do escritor Djan “Cripta”, que colocou uma
sessão exclusiva da pixação final do livro “Born in the streets: Graffiti” e também
por fomentar a produção do documentário PIXO, de João Weiner, lançado em
2010. Outro registro nos canais de mídia francesa foi o livro São Paulo Signature,
de 2007, escrito por François Chastanet, com uma substancial análise tipográfica
sobre o movimento.
Livro que serviu de base para consolidar a cena dos tags/pixos/graffiti,
suas historicidades, seus conceitos e transformações ao longo do tempo. É uma
narrativa não linear que passa pelas origens nas ruas de Nova Iorque e sua
principal essência, a expressão de indivíduos aqui chamados de escritores numa
tradução do termo original “writers”. Também pelas intervenções no corpo textual
das cidades, promovendo uma comunicação ímpar com sujeitos plurais via urbes
e também na criação autônoma de novos canais, como os panfletos, revistas,
entre outros e, consequentemente, nos meios de comunicação em massa, seja
pela apropriação estratégica ou para servir aos interesses de instituições
relacionadas ao campo e mercado da arte.
55
Em busca de maior visibilidade os escritores usaram estratégias dignas de
planos de marketing, para consolidar sua “marca” que pode ser lida nas paredes e
superfícies das cidades, nos canais de mídias de grande atuação, com finalidade
de valorização simbólica perante sua comunidade, para inserção em novos
campos de atuação, seja eles econômicos, artísticos, e ou políticos.
Andy Warhol disse que pelo menos uma vez na vida todos terão seus
quinze minutos de fama. Publicitário de formação e um grande homem de
negócio, o artista ícone da Pop Art conseguiu com sua obra retratar e questionar a
sociedade americana e o mercado das artes utilizando-se de ícones da cultura de
massa e de consumo. Michael Archer, em Arte Contemporânea: Uma História
Concisa, cita que o trabalho de Warhol “enfatizava o reconhecimento de que a arte
não podia evitar era tratada como mercadoria da mesma forma que as latas de
sopa, barras de sabão e caixas de cereal (...)”.(ARCHER, 2001, p.11).
Preocupado com sua postura criou uma imagem “mítica” ao redor de si e
“encarnava o sonho de americano do lavador de pratos que chegou a milionário,
mas é claro que lavador nunca foi”. (HONNEF, 2005, p.07).
Talvez o que vemos nas ruas da cidade de São Paulo vem a ser uma
grande luta pela visibilidade e, diante desse contexto, cabe a crítica de Warhol.
Algumas empresas enxergam os tags/pixos/graffiti como um grande produto, e
se apropriam de sua linguagem e identidade para obter identificação com
determinados nichos de audiência e público. Para o mercado das artes, os
tags/pixos/graffiti proporcionam um excelente investimento financeiro e seus
sujeitos são tirados do anonimato e caminham para exposições nacionais e
internacionais, criando mitos e proporcionando ótimos lucros. Alguns sujeitos
provocam as instituições das artes apropriando-se de seus espaços e abrindo
fissuras nas sedimentadas posturas e conceitos pré-estabelecidos. Enquanto isso,
muitos ficam a margem, seja pela falta de interesse, de informação, ou pelo
sentimento lúdico de liberdade e autonomia, pois independentemente dos
sistemas e regras a cidade não para.
Célia Antonacci provavelmente tenha acertado quando cita em 1994, Decio
Pignatari dizendo que:
56
“...novos modelos de sensibilidade para as massas, que eles comecem a fazer
sentido para um público cada vez maior, porque “amanhã” uma pichação já
aparece numa revista, depois numa novela e assim vai.” (RAMOS, 1994, p.45)
O “amanhã” já é hoje e para Pinky Wainer em TSSS... :
Agora que chegamos ao futuro, tudo é consumido e descartado em duas
edições de alguma revista semanal. Poucas são as formas de arte
descompromissadas com o sonho da fama e da grana. O pixo começou assim.
Espero que ao serem domados pelos poderes públicos e incorporados ao
circuito oficial da arte – inevitável – esses meninos não percam a atitude e a
noção de que só o que é coerente sobrevive. (apud BOLETA, 2006, p.24).
Assim, o futuro trouxe inúmeras questões envolvendo os tags/pixos/graffiti
e também toda a comunicação humana. As conversas que estavam nas esquinas,
nos blackbooks/agendas, agora também estão nos fotologs, flickrs, blogs, sites da
internet, campo que se abriu no virtual e produziu redes de interatividade.
Percebe-se assim, que um “rolê” escrito nas ruas e agora na internet possibilita
aos escritores urbanos protagonizarem suas ideias e ideais a partir deles mesmos.
Essa ocupação da cultura digital a partir deles mesmos relativiza questões
políticas fundamentais e nos instiga a investigar os novos caminhos das relações
de poder. [email protected].
57
58
Capítulo 2
CIBERESPAÇO
2.1 Virtual
O surgimento do espaço virtual, a construção dessa nova realidade, base
das trocas e das relações humanas nos últimos anos é um assunto abordado
neste capítulo.
Atualmente, o mundo vive um dos momentos mais instigantes no que se
refere às questões de realidade, tempo e espaço, velocidade de informação e
comunicação. A grande net conectou diversos indivíduos de lugares próximos e
distantes, semelhantes e diferentes e tornou-se o “personagem” principal das
mudanças de comunicação e de informação, ou seja, dos relacionamentos sociais,
econômicos, culturais e políticos. A net hoje estrutura a nova ordem mundial.
O surgimento da internet, o mergulho dentro do ciberespaço, dessas
janelas de “realidades expandidas”, possibilitou outras maneiras de conceber o
tempo e o espaço. Diante desse novo território, as redes se formam, as culturas
se fundem, a velocidade conduz o meio, a interatividade muda o relacionamento
das pessoas e a informação traz diferentes experiências de realidade. Essa é a
denominada realidade virtual.
Pierri Lévy em sua obra O que é o virtual? (1996) relata a respeito da
origem da palavra virtual:
A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus,
força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não
em ato. (...) Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real,
mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser
diferentes. (LÉVY, 1996, p.15)
A compreensão da virtualização engloba diferentes aspectos que afetam
não apenas a comunicação, mas também as mudanças econômicas, políticas e
59
sociais no período histórico em que vivemos. A percepção do virtual modifica a
inteligência coletiva, a sensibilidade e a cognição humana. A grandiosidade, tanto
de extensão e abrangência da rede, quanto de potência de expressão do
comportamento humano faz da internet o fio condutor das mudanças globais. Para
o sociólogo espanhol e estudioso da rede, Manuel Castells, no livro A Galáxia da
Internet
a elasticidade da Internet a torna particularmente suscetível a intensificar
tendências contraditórias presentes em nosso mundo. Nem utopia nem distopia,
a Internet é a expressão de nós mesmos através de um código de comunicação
específico, que devemos compreender se quisermos mudar nossa realidade.
(CASTELLS, 2003, p.11).
Numa visão panorâmica, se é que seja possível voar para além do virtual,
podemos observar que a internet reflete, potencializa e registra as ações
humanas. Infinitas são as maneiras de navegar suas vias. Caminhos navegados
também por sujeitos em redes e tramas que maquinam atingir maior controle e
poder por meio dos fluxos de informações. A amplitude da rede global abrange
desde grandes corporações que financiam e praticam a guerra, seja bélica ou
econômica ou ambas, a indivíduos plurais que engatinham passos digitais.
Para Castells, a internet é “uma rede de comunicação global, mas seu uso
e realidade em evolução são produto da ação humana sob as condições
específicas da história diferencial” (2003, p.11). Cada indivíduo na rede pode ser
um ponto ou um centro, pois, foi assim que a rede foi idealizada por Paul Baran 34,
em suas pesquisas iniciais em meados da década de 1970. Dessa forma, a
interatividade na internet se faz presente na ação dos sujeitos em diferentes
situações, interesses e território. Castells também descreve que a “internet
redefine as distâncias, mas não cancela a geografia” (2003, p.170), e o espaço
que a rede ocupa é o espaço da conexão de lugares e dos fluxos de informações.
34
Paul Baran foi responsável pelo desenvolvimento de uma tecnologia revolucionária nas telecomunicações, pioneira na
transferência de informações por “pacotes” codificados, e trabalhava na Rand Corporation( centro de pesquisa californiano)
contratado pelo Pentágono. (Castells, 2003, p.14)
60
Iniciarei o capítulo presente com um breve histórico sobre a rede global,
para posteriormente relatar algumas questões conceituais referentes ao
ciberespaço e, consequentemente, à cultura digital.
2.2 WolrdWideWeb
Asa Briggs e Peter Burke em Uma história social da mídia – de gutemberg à
internet relatam a origem da internet atrelada às políticas de defesa durante o
período da Guerra Fria. Estabelecida entre 1968 e1969 com forte apoio do
governo americano por intermédio da ARPA, sigla para Advanced Research
Projects Agency35, essa poderosa rede foi desenvolvida com finalidade bélica,
como parte da resposta do governo ao Sputinik. (2006, p.300).
As pesquisas visavam a criação de uma rede de comunicações que
permitisse a descentralização das informações, devido ao grande risco de um
ataque aos Estados Unidos, especificamente ao Pentágono. Com isso
desenvolveu-se a ARPANET, criada pela ARPA. Segundo Briggs e Burke, a
ARPANET era uma rede limitada, de compartilhamento de informações entre
universidades e outros institutos de pesquisa. Para o Pentágono, um elemento
essencial de sua razão de existir era a de a rede sobreviver a retirada ou
destruição de qualquer computador ligado a ela. Já na visão das universidades,
sua importância se dava no fato de a rede fornecer “acesso livre” aos usuários,
professores, pesquisadores e comunicadores. (BRIGGS, ASA, 2006, P.301).
Ainda em sua pesquisa, Asa e Briggs descrevem que os responsáveis pelo
sistema se orgulhavam da rede poder ser conectada por qualquer computador. A
informação era então trocada imediatamente por “pacotes”, em que o sistema as
“quebrava”, codificando-as, para depois juntá-las, após terem viajado até seu
destino. O primeiro processador de mensagem, conhecido como IMPs foi
instalado no laboratório de Leonard Kleinrock na Universidade da Califórnia, em
1969 e, em apenas 2 anos, a ARPANET já era totalmente operacional. As
35
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Internet 12/08/2010
61
mensagens por email já eram a base das comunicações, sendo que nem todas se
tratavam de assunto de defesa.
Os autores retratam que em 1975 havia cerca de dois mil usuários e que
muitas convenções da futura internet já se encontravam estabelecidas. O sinal @
tornou-se rotina e em 1986 introduziu-se as abreviações “com” para comerciais e
“mil” para militares e “e” para educacionais. O grande avanço segundo os autores
deu-se entre setembro de 1993 e março de 1994, quando a rede tornou-se “a rede
das redes”, aberta a todos. Era uma rede “frouxa” e não tinha proprietários,
embora dependesse dos sistemas das agências de comunicação. Em dezembro
de 1993, o New York Times a descreveu como “ a primeira janela para o
ciberespaço”, num anúncio na seção de negócios, sobre um programa de
navegação chamado “Mosaico”, que visava atrair mais usuários, na época
chamados de “adaptadores”, e provedores (ASA, BRIGGS, 2006, p.300). A
“Mosaic
Communications”
teve
que
mudar
seu
nome
para
„Netscape
Communications” e tornou disponível na net o primeiro navegador comercial, o
Netscape Navigator, em outubro de 1994. (CASTTELS, 2003, p.18). O valor da
net dependia da ampliação das possibilidades comerciais e o primeiro provedor
começou operar em 1979, numa espécie de “um clube privado” que em parte era
propriedade do grupo Time/Warner. Com a rede aberta aos interesses comerciais,
logo apareceram os grupos rivais e o número de usuários chegou a cerca de 3,5
milhões e seu uso se ampliou. Castells descreve que em 1995 a Microsoft
finalmente descobre a Internet, e juntamente com seu Windows 95 lança o Internet
Explorer. Em meados da década de 1990, a Internet estava privatizada e dotada
de uma arquitetura aberta que possibilitava a conexão entre todas as redes do
mundo. O www funcionava com a utilização de softwares adequados e diversos
navegadores comerciais já estavam disponíveis para o público. (CASTELLS,
2003, p.19).
Para Asa e Briggs, Tim Berners-Lee em 1989 intitulou “World Wide Web”, a
partir do que ele especulava:
“Suponha que eu tenha a possibilidade de programar meu computador para criar
um espaço em que tudo possa ser ligado a tudo” e “(...) que toda a informação
62
arquivada nos computadores de todos os lugares estivesse interligada” (2006,
p.302).
Num momento em que a rede tinha alterado sua base para um instituto
europeu de pesquisa – CERN – situado nas montanhas da Suiça, a ideia de rede
para Berners-Lee não era uma tarefa lucrativa ou de alta segurança. Sua vontade
era de conservar a Web sem proprietários, aberta, livre, um meio de ampliar as
oportunidades. O desenvolvimento dos “hiperlinks”, textos e palavras em
destaques, que podiam ser “clicados sobre” abrindo novas janelas e conteúdos,
tornou-se a chave de todo o progresso futuro. Berners-Lee tinha tomado um
sistema de comunicação poderoso de uso da elite e transformou-o em meio de
comunicação de massa. (ASA, BRIGGS, 2006, p.302).
Essa abertura gerou muita discussão no que se refere a palavra “massa”,
pois, para alguns estudiosos e críticos quanto mais aberta a rede mais “terreno
inútil” existiria. Porém, a questão da expansão e da euforia era muito mais forte.
Os primeiros provedores de software consideravam que a Internet dava poder aos
indivíduos, vantagens à sociedade e, para alguns teóricos, a partir da
convergência tecnológica, alcançaríamos “maior liberdade humana, mais poder
para o povo e mais cooperação nacional”. (ASA, BRIGGS, 2006, p.302).
É claro que dentro dessa visão de emancipação que a internet possibilitava,
também uma imensa via de interesses comerciais bombardeava os fluxos de
informações. A rede se assemelhava à mídia, e também, através dela transmitia
informação, entretenimento e educação. Asa e Briggs comentam que Al Gore e
Bill Clinton em meados de 1996 denominaram a internet de “rodovia”, a partir da
simbólica ligação de telefones fixos com a rede nas salas de aula da Califórnia.
Entretanto, foi no seguimento dos negócios que a internet teve seu boom, uma
espécie de revolução do consumo (e-comerce). Nas palavras de Bill Gates em seu
livro The Way Ahead, de 1995, a internet faria com que “todas as mercadorias do
mundo (pudessem) estar disponíveis para serem examinadas, compradas e,
muitas vezes, feitas sob medida”. Gates via as máquinas como libertadoras, falava
numa linguagem diferente, permitia que seus colegas dedicassem parte do tempo
a tarefas criativas e usava parte de sua fortuna para financiar projetos
63
educacionais. A Microsoft e suas patentes estavam quase sempre nos noticiários
e a rede passou por um processo de des/valorização das ações das empresas
“virtuais”, denominado de e-conomy. (ASA, BRIGGS, 2006, p.304).
Altos e baixos das ações, “rodopios” nos mercados financeiros,
cibermilionários, Wall Street x Nasdaq, são terminologias que compõe o cenário
econômico gerado pela internet. Atualmente, a Nasdaq 36 (National Association of
Securities Dealers Automated Quotation System - Sistema Eletrônico de Cotação
da Associação Nacional de Intermediários de Valores), vem a ser a maior bolsa de
valores do mundo em volume de ações e de transações financeiras.
Porém não era apenas no lado econômico que a rede gerava
transformações e debates. No campo da política, os autores Asa e Briggs citam o
livro Communication and Control, 1991, de Geoffrey Mulgan, examinando o que
chamou de “tramas do mundo das redes”, onde a internet serviu para controle de
propagação de notícias e informações. Em relação à veracidade dos fatos que a
imprensa noticiava, os autores Asa e Briggs citam que:
Então, e desde então, independente da tecnologia, que se tornou possível trazer
as palavras – e, ainda mais importante, as imagens – para dentro de casa, parecia
estar ameaçada a veracidade como valor necessário por trás do jornalismo na
imprensa escrita e na televisão, e não pela primeira vez na história. Tantos os
eventos quantos os assuntos eram, por vezes, secretamente transformados em
tragédias, com a introdução de elementos ficcionais. As linhas divisórias entre
informação,
entretenimento
e
educação estavam,
por
conseguinte,
mais
embaçadas do que anteriormente. (2006, p.306).
Em meio às “linhas embaçadas”, a rede cresce para todos os lados e,
dessa forma, possibilita grandes aberturas para a circulação de fluxos de
informações em direção contrária aos interesses das grandes mídias e também
polemizadora dos conteúdos enlatados para controle hegemônico.
A expansão da internet causou uma revolução no comportamento humano.
A complexidade de entender as relações humanas a partir das novas tecnologias
geraram inúmeras indagações sobre como vigiar, controlar e legislar a rede. Até
36
http://pt.wikipedia.org/wiki/NASDAQ acessado em 20/09/2010.
64
hoje ainda é um desafio, por exemplo, como proibir ou controlar a pornografia? O
aparecimento dos novos crimes via rede, como pedofilia, entre outros levaram
governantes e empresas a buscarem constantemente a criação de novos
dispositivos desenvolvidos com a finalidade de vigiar. Sistemas de “filtragem”,
procedimentos de autorregulamentação, legislação e censura foram aplicados em
alguns países e empresas. Porém, conteúdos e decisões nacionais passaram a
ter repercussão em escala mundial e vice-versa. As fronteiras, entre cultura,
disciplinas – história, sociologia, antropologia, psicologia, direito, e , também entre
os costumes e hábitos se tornaram confusas. (ASA, BRIGGS, 2006, p.312).
A desterritorialização dos conteúdos e a descentralização da informação,
por meio da conexão na rede, possibilitou
acelerar o fenômeno denominado
“globalização”.
Com relação à “globalização”, termo em moda em meados de 1999, a
internet cumpre um papel único no que se refere às questões de uniformidade
religiosa, econômica, política e cultural. Muitas convergências e divergências
sobre o fenômeno global em trasformação. Asa e Briggs apresentam o autor
londrino Michael Glove que, em um ensaio sobre os filmes de Hollywwod feitos
para o mercado mundial, apontou que interromper a globalização seria uma
“missão impossível”, destacando que “a globalização talvez seja inevitável, mas
não temos que gostar dela”. Para Glove, “a globalização pode tornar mais fácil o
encontro de culturas novas, mas torna a viagem menos valiosa, porque as culturas
se tornam parecidas umas com as outras.”(2006,p.315).
O processo de internacionalização das culturas, das práticas capitalistas,
econômicas e políticas é assunto de extrema profundidade e relevância nas
transformações globais. Seus reflexos são frutos de uma ação ideológica que
parte do neoliberalismo e tem também como intenção o monopólio econômico das
grandes corporações mundiais, que buscam expansão de mercado, mão de obra
barata, por vezes “escrava”, e insenção fiscal.
Entretanto o avanço da internet, abriu também a possibilidade de fluxos
de informações alternativas, de troca de experiência e vivência; redes de
relacionamentos, redes de artistas, num processo
de emancipação do
65
conhecimento e fomento de cultura. Deixarei para retratar este tema com maior
ênfase em linhas posteriores. Da mesma forma que a informação e a mídia
servem como meios de controle elas podem também servir para libertar.
Um dos fenômenos mais poderosos e transformadores na evolução da
internet foram os sites de busca e pesquisa. Asa e Briggs relatam que em agosto
de 2004, Sergey Brin e Larry Page, os “jovens gênios”, que fundaram, em 1998,
numa garagem de São Francisco, o Google, despertaram atenção digna de
celebridades. O fato era que com apenas 24 e 25 anos respectivamente, os jovens
haviam lançados as ações da empresa num leilão não convencional. Os dois
empreendedores eram comparados com frequência aos rivais, um pouco mais
velhos, Jerry Yang e David Filo, que em 1994 tinham criado o Yahoo!.
O Google e o Yahoo! são duas páginas de pesquisa e busca que auxiliam a
navegação na internet. Dizia-se que o Google foi inspirado no computador da série
de TV Jornada nas estrelas, capaz de responder a (quase) qualquer pergunta. A
internet era agora considerada tão comum que as atenções populares se voltaram,
na imprensa e outros veículos, em que havia uma crescente demanda por
informações, para o cronograma de criação de uma sociedade digital e para a
mutável tecnologia das comunicações por telefonia móvel. (ASA,BRIGGS, 2006,
p.326)
A era digital causou uma verdadeira revolução na estrutura dos processos
humanos atuais. Com isso, as questões sobre esta grande rede global, os riscos e
perigos, as soluções e desenvolvimentos, em suma o contexto político, econômico
e social que a internet introduziu nesse período histórico, são de grande relevância
para o entendimento do aqui e agora. Falar sobre a expansão da realidade no
virtual pode parecer, para alguns, algo como um “déjà vu” de ficções científicas
futuristas. Contudo, da mesma forma que séries de TV tem a possibilidade de
mexer com a cabeça de jovens, que se capacitam para transformar algo
potencialmente lúdico, como um computador que sabe tudo, no Google,
ferramenta de extrema relevância nas pesquisas atuais, essas mudanças
tecnológicas
abalaram
e
modificaram
as
formas
contemporâneas
de
relacionamento e percepção humana.
66
Asa e Briggs trazem à tona alguns questionamentos levantados no artigo,
“Interrogar a sociedade da informação” publicado na Intermedia, em abril de 2004,
de autoria de Guy Gough Berger, chefe do Departamento de Estudos do
Jornalismo e da Mídia, na Universidade de Rhodes, na África do Sul. Berger
perguntava: “A „sociedade da informação‟ é algo que já estamos vendo e que
conhecemos, ou uma coisa a ser decidida e determinada?”, acrescentando em
seguida: “Poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo – algo aqui e agora e algo
que ainda está por vir?” (2006, p.327).
Talvez seja difícil descrever o aqui e agora, tampouco, realmente prever
novos caminhos diante do desenvolvimento tecnológico e das rápidas mudanças
sociais globais. A rede serviu para unir e separar, também é fonte inesgotável de
informação capaz de alienar, controlar ou libertar pensamentos e expressões
humanas. Hoje atua como entretenimento, é usada como forma de controle
hegemônico, de massificação de culturas, mas também tece redes piratas 37, que
criam outros centros descentralizados de informação e promovem culturas
alternativas. O sociólogo espanhol e estudioso da rede, Manuel Castells, afirmou
no livro A Galáxia da Internet que “a Internet é, acima de tudo, uma criação
cultural”. (2003, p.32).
A internet passou por
grandes desenvolvimentos tecnológicos e
acontecimentos históricos, para chegar ao que estamos vivenciando atualmente,
tanto no que se refere a velocidade da informação, quanto ao número e pessoas
conectadas. A grande rede é a base das transformações sociais, econômicas e da
revolução tecnológica da atualidade. Um novo campo se abriu e agora navegamos
nesse ciberespaço.
2.3 Sobre o Ciberespaço
Segundo o professor Walter Zanini, em seu artigo “A Arte da Comunicação
telemática – a interatividade no ciberespaço”,
publicado na revista Ars, o
ciberespaço é um termo criado por William Gibson, em seu romance
37
Citando como exemplo o programa bittorrents e o site www.piratebay.org.
67
“Neuromancer”, de 1984. (2003, p.12). Essa geografia virtual tornou-se um dos
pilares
que
estruturam
as
transformações
e
relações
sociais
da
contemporaneidade.
O letrista da banda Gratefull Dead, também fundador da Eletronic Frontier
Foundation, Jp Barlow38, foi intitulado como arquiteto do ciberespaço e, sobre esse
fato, comenta em entrevista:
Decidi nomear o ciberespaço. Decidi que o espaço que você ocupa quando está
ao telefone ou na rede precisava ter um sentido de lugar, ter uma identidade
política. Só então se pode discutir as conseqüências econômicas e sociais dessa
dimensão que a humanidade criou. (revista trip 22 maio de 2009).
A virtualização da comunicação humana, baseada nessa nova geografia, o
ciberespaço,
impulsionou
mudanças
em
quase
todas
as
esferas
do
comportamento humano. Pierre Lévy, em Cibercultura, descreve que:
O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de comunicação
que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não
apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura",
especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente
com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999, p.17)
Conectados por meio da tecnologia virtual navegamos em um espaço
desterritorializado do plano físico das coordenadas de Greenwich e do Equador.
Saímos do tic-tac dos ponteiros analógicos e estamos diante de um dos mais
significativos fenômenos de compreensão de realidade. Diante desse ciberespaço,
infinitas possibilidades se desdobram. As mudanças dentro dessa realidade
possuem reflexos culturais, sociais, políticos e econômicos. Para a compreensão
dessa nova geografia, que se apresenta no virtual, é necessário visualizar que
38
John Perry Barlow (https://projects.eff.org/~barlow/)
68
mesmo em meio as variadas opiniões teóricas, o virtual agora é realidade e como
tal requer um olhar desmistificado de utopias, mas ricos de possibilidades.
Continuando com Lévy,
Certamente nunca antes as mudanças das técnicas, da economia e, dos costumes
foram tão rápidas e desestabilizantes. Ora, a virtualização constitui justamente a
essência, ou a ponta fina, da mutação em curso. Enquanto tal, ela não é boa nem
má, nem neutra. Ela se apresenta com o movimento mesmo do “devir do outro” –
ou heterogênese – do humano. Antes de temê-la, condená-la, ou lançar-se às
cegas a ela, proponho que se faça o esforço de aprender, de pensar, compreender
em toda a sua amplitude e virtualização. (LÉVY, 1996, p.12)
Lévy descreve esse momento histórico como uma mutação em curso e o
aprofundamento nesse espaço nos leva as mais diferentes experiências diante
dos meios virtuais. A compreensão desses acontecimentos transita entre a esfera
do real concreto e virtual, devido à desmaterialização do processo de
comunicação, dos conteúdos e dos signos. Mesmo com a utilização dos meios
físicos e tecnológicos para se acessar essa geografia, o ciberespaço existe em
potência e não em presença. Para o autor, o virtual
tem somente uma pequena afinidade com o falso, o ilusório ou o imaginário. Tratase, ao contrário, de um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo
processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a platitude da
presença física imediata. (LÉVY, 1996, p.12).
Por se tratar de um fenômeno atual e pelas diversas formas de concebê-los
e interpretá-los, a percepção dessa virtualização ainda é passível de muitos
questionamentos. Alguns autores tem visões totalmente diferentes diante da
cibercultura. A escolha por Pierre Lévy se deu pelo seu otimismo diante dessa
geografia. A respeito desse posicionamento o autor aponta:
Estão certos. Meu otimismo, contudo, não promete que a Internet resolverá, em
um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta. Consiste
apenas em reconhecer dois fatos. Em primeiro lugar, que o crescimento do
69
ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para
experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as
mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura
de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as
potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político,
cultural e humano. (LÉVY,1999, p.11)
Diante da reflexão otimista de Lévy sobre esse espaço, cabe perceber que
estamos conectados com redes mundiais de indivíduos plurais e as possibilidades
de comunicação são infinitas e criadoras de experiências de relacionamentos e de
produção de cultura. Mesmo assim não podemos esquecer que nem todos estão
conectados na rede, e que o acesso requer desenvolvimento tecnológico, recursos
financeiros e principalmente interesse por parte das grandes corporações que
usam a rede como forma de bombardeio de publicidades e de ideologias
capitalistas. O ciberespaço também já está na era comercial e não podemos ser
“inocentes” ao ponto de não perceber que por trás das plataformas virtuais,
empresas como Microsoft, IBM, Aple, Google, Yahoo! trabalham numa perspectiva
dos valores hegemônicos de controle de mercado financeiro e de poder. Pierre
Lévy descreve também que existe um grande “abismo entre os bens-nascidos e
os excluídos, entre os países do Norte e as regiões pobres” (1999, p.??), onde
sequer existem os meios tecnológicos para comunicação.
Cabe ressaltar que a questão da exclusão é evidentemente crucial, pois o
acesso à rede depende, a princípio, de meios físicos e financeiros. Porém, Lévy
levanta uma questão relevante a respeito da exclusão. Para o autor, não basta
apenas a redução dos custos de conexão, mensurados por valores financeiros e
tecnológicos. Posicionar-se diante da tela do computador e acessar as interfaces
de interatividade e relacionamento não é suficiente para superar as situações de
inferioridade e exclusão. O maior desafio é realmente estar em condições de
“participar ativamente dos processos de inteligência coletiva que representa o
principal interesse do ciberespaço. (1999, p.238).
Outro questionamento vindo de Lévy é que não são os pobres que se
opõem à internet, mas são aqueles se sentem ameaçados de perder o monopólio,
70
o poder e os privilégios, sejam eles econômicos, políticos ou culturais, que
procuram limitar o acesso total ou parcial das informações e relacionamentos em
rede. Vide os exemplos de Cuba e da China com políticas de censuras dos
conteúdos que fogem a “ordem” das ideologias e estrutura de poder dominante.
Na visão do autor, esses novos instrumentos deveriam servir para priorizar
a valorização da cultura, os projetos locais, de forma a ajudar a participação de
coletivos de ajuda mútua, grupos de aprendizagem cooperativa, em suma, visa o
ganho em autonomia. (LÉVY, 1999, p.238). Autonomia vem a ser uma das
palavras-chave para a abordagem da internet como produtora cultural a partir dos
sujeitos plurais conectados dialogando seus hipertextos. Os meios digitais atuais
nos permitem expressar nossas subjetividades e experimentarmos uma
comunicação global, diante da não necessidade de utilização dos meios de
comunicação em massa, criando grandes espaços de proliferação de fluxos de
informações alternativos e independentes.
Contudo, a massificação da informação, a globalização das culturas
neoliberalistas, a manipulação das redes para apelos e interesses comerciais
transformam também a rede em uma “armadilha” com risco da “americanização”
das culturas locais por meio da manipulação dos conteúdos e imposição dos
valores, tornando o condutor não aquele que clica e abre as janelas, mas àqueles
que o conduzem ao mergulho.
Mesmo dentro desse cenário que nos faz “apóstolos” trabalhadores e
consumidores dessas grandes corporações hegemônicas, a relevância maior não
está em ser contra ou a favor, mas em entender que o ciberespaço se mostra
como a nova face da informação. Se por um lado, estamos a “serviço” das
Microsoft, por outro, ela também nos “serve” e somos capazes de burlar regras, de
piratear dados, de trabalhar em rede, de sermos ativistas e protagonistas políticos
de nós mesmos. Devido à potencialização dos signos nesse novo ambiente, a
comunicação por meio dos hipertextos digitais, promove mudanças na maneira de
interação, de relacionamento e da percepção da realidade.
71
Porém, para entender essa maneira de agir no ciberespaço, é necessária
uma compreensão desse território, mesmo que parcial, que nessa pesquisa em
particular se apresenta dentro de um ponto de vista “otimista” e “LÉVYano”.
Para refletir sobre as mudanças e transformações, o Prof. Dr. Walter Zanini
apresenta o artista, teórico e educador inglês Roy Ascott (1991), um dos
fundadores da arte telemática39, que afirma:
“estamos reescrevendo e reconstruindo o mundo através da percepção, memória,
inteligência e comunicação dos sistemas de mediatização do computador;
habitamos cada vez mais o que é essencialmente um dataspace, um environment
telemático, uma realidade virtual”. 40(apud ZANINI, 2003, p.14)
Essa realidade que se expandiu com a virtualização dos meios é fruto da
comunicação humana numa rede global de informações. Estamos em processo de
decifrar, e ao mesmo tempo (re)simbolizar essa justaposição dos signos em
metamorfose perpétua. A comunicação e sua percepção são feitas por meio de
blocos de hipertextos, onde “cada um é chamado a tornar-se um operador
singular, qualitativamente diferente, na transformação do hiperdocumento
universal e intotalizável”. (LÉVY, 1999, p.149).
Dessa forma, guiar, conduzir ou seguir, é de total responsabilidade do
cibernauta. Depende agora dos atores sociais, ativistas culturais, artistas, dentre
outros, não fazer com que esse espaço se torne uma reprodução dos meios de
comunicação de massa.
Lévy aponta também que esse movimento social e cultural não aponta
somente a um conteúdo em particular, mas que opera por meio de uma
comunicação interativa, comunitária e transversal. Para ele, o ciberespaço atua
também como uma grande ferramenta de organização de comunidades dos mais
variados tamanhos, possibilitando transformá-las em coletivos inteligentes que
articulam entre si e com outras comunidades. Essa interconexão é supostamente
39
(a palavra telemática, cunhada na França em 1977, por Simon Nora e Alain Minc, significa a conectividade entre a
tecnologia da informática e a da telecomunicação) atinge-se um dos pontos mais à frente do impulso de imaterialidade das
linguagens poéticas contemporâneas. (ZANINI, 2003, p.13).
40
Roy Ascott ,em artigo publicado em número especial da revista Leonardo, em 1991,no texto de Walter Zanini, na revista
Ars, 2003
72
positiva na visão do autor, pois coloca em contato indivíduos, lugares e momentos
diferentes, socializando seja de maneira lúdica, intelectual, ou econômica. A
descentralização da informação favorecida pela rede tem como contraponto a
análise, a princípio, das organizações, visando enxergar quais as finalidades e os
resultados obtidos com a sinergia de recursos financeiros e intelectuais na
propagação de informações e conteúdo na net. (1999, p.132-133).
Porém, para que possamos falar mais sobre esses acontecimentos, sobre
os posicionamentos e as relações em comunidades, um grande esforço está em
perceber de que modo a realidade virtual, ou expandida, nos afeta atualmente.
A respeito da percepção humana na era do ciberespaço, Walter Zanini
segue com Roy Ascott (1997) citando que:
Estamos entrando num mundo-mente (world-mind) e nossos corpos estão
desenvolvendo a faculdade de cibercepção (cyberception), isto é, a amplificação
tecnológica e o enriquecimento de nossos poderes de cognição e percepção.
(apud ZANINI, 2003, p.15).
Acredito que seja nítido as transformações de comportamento e de
recebimento das informações hipertextuais, propagadas pelos meios tecnológicos
em nossa geração, se pararmos para analisar a familiaridade com que as crianças
e adolescentes de hoje utilizam esses meio de comunicação, via interface digital.
Não são raros os casos em que as crianças ajudam os pais a atualizarem ou
manusearem um telefone celular ou uma navegação na internet.
O sociólogo Sergio Amadeu, no livro Cultura digital.br,
apresenta um
exemplo interessante sobre a questão do comportamento desses sujeitos
contemporâneos via geração digital.
Você vê um adolescente com uma tela aqui na frente e aí ele abre uma mensagem
instantânea aqui, está com 10, 15 telas abertas, está com um outro mensageiro
instantâneo aqui do lado, fazendo um trabalho de escola aqui, ao mesmo tempo
que ele está ouvindo uma música, ele está num site “x”ouvindo uma música que
provavelmente nunca ouvirá novamente, e está baixando algo numa rede
BitTorrent. Tudo ao mesmo tempo. Aí você pergunta para ele: “O que você está
73
fazendo?” Aí ele vira para você e fala: “Nada. Eu não estou fazendo nada.” [Risos].
(apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p.71).
Para o sociólogo, isso é uma nova cognição e de grande profundidade,
pois, se voltarmos os olhares para o “pessoal da velha guarda tem dificuldade de
deixar o Twitter aberto, o Gmail aberto e ir trabalhando um texto.” (apud CULTURA
DIGITAL.BR, 2009, p.71). Claro que esse exemplo pode ter controversias em
relação à idade e às gerações, porque essa familiaridade também se dá com o
uso, acesso e recursos. Para Sérgio Amadeu, isso pode ser definido como
multitarefa (termo que vem da informática), onde o cérebro humano permite que
se organize, recombine e trabalhe os hipertextos de formas simultâneas à
comunicação, transformando os meios e, consequentemente, modificando o
modus operandi do digital e do humano.
As mudanças das relações humanas estão totalmente ligadas ao meio,
tanto na tecnologia vigente quanto na maneira de nos comunicarmos. Assim,
compreender os meios, a linguagem e o espaço são formas de sentir o quanto a
inteligência humana e a comunicação transformaram a realidade atual. Roy Ascott
(1997) relata que:
Sabemos que se trata do virtual, de uma construção telemática, e ainda assim
vivemos a sua realidade. E isto porque nos damos conta de que, em toda a parte e
em todas as épocas, a realidade sempre foi construída e mediada pela última
tecnologia – linguagem humana - em toda a variedade de sua configuração
filosófica, cultural e tecnológica. As telecomunicações interativas - a tecnologia
telemática - são uma linguagem antes de qualquer outra coisa e nos falam, ou
melhor, nos transmitem uma nova linguagem e, ao fazer isso, para o nosso
melhor, falamos uma linguagem de cooperação, criatividade e transformação. É a
tecnologia não do monólogo, mas da conversação, que alimenta fecundos fins
abertos, e não uma estética fechada e conclusiva. A telecomunicação interativa é
uma tecnologia que capacita o indivíduo a conectar-se com outros. (apud ZANINI,
2003, p.15)
Essa comunicação através dos meios tecnológicos virtuais possibilitou uma
conexão ampla com sujeitos plurais. Dessa conexão surgiram diversas
74
plataformas de relacionamento em rede, de vivências e experiências onde os
indivíduos não necessariamente estão presentes nem no tempo nem no espaço.
Isso se dá, por exemplo, na comunicação feita por correio eletrônico, nas tele
presenças, e nos sites de relacionamento (plataformas multiusuários) tipo Orkut e
facebook. Estes espaços são transformadores de realidades, onde a presença do
indivíduo se dá no acessar seu perfil, nas relações com as imagens, textos, vídeos
e os links postados e também na própria imagem teletransportada em real time.
Uma realidade advinda da potência do hipertexto no momento da atualização.
Zanini menciona os conceitos da “Estética da Comunicação” - que Mario Costa
considera o presságio de uma nova idade do espírito, baseada numa
extraordinária fusão da arte, tecnologia e ciência. Assim Mario Costa (1986) atesta
que:
A “estética da comunicação” - afirma - “é uma estética de eventos”. O evento é
definido em suas propriedades e, sinteticamente, podemos dizer: não se reduz a
uma forma; apresenta-se como um fluxo espaço-temporal, um processo interativo
vivente; expande-se ilimitadamente no espaço-tempo; sua importância não reside
no conteúdo permutado mas nas condições funcionais da troca; seu processo se
faz em tempo real; é uma mobilização de energia que substitui forma e objeto; é o
resultado de duas noções interativas temporais: o presente e a simultaneidade;
consiste no emprego do espaço-tempo para criar balanços sensoriais. (apud
ZANINI, 2003, p.18).
A presença dos sujeitos transitando todos os lugares da rede e ao mesmo
tempo não existindo em nenhum lugar, talvez seja um desafio para entender essa
percepção da realidade virtual, entretanto, atualmente vivenciamos esses
exemplos quase que diariamente. Ao relacionarmos por meio das plataformas
multiusuários a comunicação humana percebemos que ela não é estática. A
interatividade do espectador e a percepção desses hipertextos como realidade
expandida, nos leva a encarar essa interface como presencial e real. Para Lévy, a
imagem perde sua exterioridade de espetáculo, abre-se para a imersão e sua
representação é substituída pela virtualização interativa. (1999, p.150).
75
Walter Zanini faz referência ao pensador italiano Mario Costa (1986), para
responder sobre a questão dessa representação da imagem.
Para ele, a “resposta decisiva parece ser a seguinte: a auto-geração e a autosuficiência existencial das novas imagens é, enfim, ainda e sempre, a exposição
de parte de nós mesmos e o que nelas contemplamos é, na verdade, a colocação
em cena da nossa potência” (apud ZANINI,2003,p.18).
Essa potência descrita por Mario Costa, vinda das “novas imagens”,
desdobradas pelos hipertextos que postamos na rede ou então acessamos,
conduzem a esse novo modelo de comunicação. A comunicação digital nos
permite a protagonização de nossos “eus”, permite acesso a outros indivíduos e
lugares a partir de um roteiro, ou edição daquele que comanda a “navegação”. É a
mutação desse ser digital desdobrado na rede.
Walter Zanini, citando Ascott (1997), declara sobre o ser que se transforma
biologicamente pela logística espacial das redes:
“Cada fibra, cada nó, cada servidor na Net é parte de mim. À medida que interajo
com a rede, reconfiguro a mim mesmo. Minha extensão-rede me define
exatamente como meu corpo material me definiu na velha cultura biológica. Não
tenho nem peso nem dimensão em qualquer sentido exato. Sou medido pela
minha conectividade. Minha paixão é plantar sementes conceituais no substrato da
Net e vê-las crescer; olhar a Net atentamente numa atitude Zen à medida que
novas formas emergem, à medida que a energia criativa da conectividade gera
novas idéias, novas imagens, uma nova vida. Emergência (emergence) é o
comportamento chave da Net.( apud ZANINI, 2003, p.15)
Em essência, é sobre esse ser tecnologicamente expandido e digitalmente
sensibilizado que esta pesquisa desenha suas interrogações e exclamações.
Sujeitos do aqui e agora, que propõem também as novas formas de cultura, de
expressão artística, ativista, rebelde ou passiva. Zanini também aponta que
76
entre outras múltiplas considerações, para as quais é preciso necessariamente
remeter o leitor, Ascott realça a mente humana nesse processo tecnológico da
rede (noz faz perceber) “que cada um de nós é feito de vários “eus”. (2003, p.16).
Conectados ou não somos parte dessa rede, a comunicação foi modificada
pelo meio eletrônico. O virtual abriu janelas com vista para um novo território. Para
Castells, a lição fundamental é que a maneira de transformar as tecnologias, seja
ela qualquer tecnologia, é experimentar, apropriar, e no caso da Internet, torna-se
mais verdadeira a mudanças pelo fato de ser uma tecnologia da comunicação.
(2003, p.10).
2.4 Comunicação digital
A comunicação consciente (linguagem humana) é o que faz a especificidade
biológica da espécie humana. Como nossa prática é baseada na comunicação, e a
Internet transforma o modo como nos comunicamos, nossas vidas são
profundamente afetadas por esta nova tecnologia da comunicação. Por outro lado
ao usá-la nós transformamos a internet. Um novo padrão sociotécnico emerge
dessa interação. (CASTELLS, 2003, p.10).
A própria mudança da comunicação induziu, consequentemente, à
modificação do indivíduo. A mutação do corpo humano híbrido com a máquina
parece desenvolver diferentes cognições. A interatividade faz com que o cérebro
trabalhe de maneira participativa, deixando de ser espectador apenas para se
tornar um ser de múltiplas percepções. Os olhos e a tela, a mão e o mouse, a
boca e o teclado, agora linkados e expandidos.
Uma problemática estética absolutamente original se configura nessa relação do
homem com a máquina de inteligência artificial, capaz de converter em imagens as
informações ( ou a provisão de símbolos codificados) contidos em seus circuitos. A
imagem torna-se “o produto de alguma forma vivente da tela e igualmente dos
dedos, da retina e do pensamento do observador; ela é o produto de uma
surpreendente hibridação de carne, de símbolos e de silício” , como diz Couchot,
que, ao mesmo tempo, realça o fato de nos encontrarmos diante de uma “nova
77
estética de distribuição”, na forma de “como a imagem é socializada”3. (ZANINI,
2003, p.12).
Socializar essas imagens é também socializar uma autorrepresentação
“editada”, publicando parte de nós mesmos. Essa nova comunicação desenvolve
uma sensibilidade radicalmente diferente do que já tinha ocorrido ao longo da
história, como relatou o antropólogo italiano Massimo Canevacci em entrevista41.
Para o pensador, a experiência de relação com as outras pessoas, em diferentes
tempo/espaços possibilita uma comunicação simultânea com sujeitos “que podem
morar em mais ou menos todos os lugares do mundo”, modificando intensamente
a capacidade perceptiva e também cognitiva. Além do que a possibilidade de estar
executando multitarefas, como ler um jornal de Nova York, mandar um email,
acessar o Orkut, é uma característica contemporânea dessa comunicação digital,
segundo Canevacci.
A interação e a distribuição dessa nova estética da comunicação humana
por meio da tecnologia digital “socializada” produz um fenômeno intitulado
cibercultura.
2.5 Cibercultura
Cibercultura designa a configuração material, simbólica e imaginária do período
pós-guerra correspondente à predominância mundial das tecnologias e redes
digitais avançadas, na esfera do trabalho, do tempo livre e do lazer. Nessa
perspectiva, o conceito de cibercultura, trabalhado em sua real amplitude, não se
equaciona somente aos processos internos ao cyberspace – vale especificar, não
envolve apenas “comunidades virtuais”, tendências comportamentais, questão de
gênero, novas formas de identidade e identificação, condição do corpo,
publicações e bibliotecas virtuais, web art, etc. –; mais que isso, diz respeito a um
arranjamento estrutural e estruturante de época que abrange o próprio contexto
tecnológico responsável pelo aparecimento do cyberspace. Rompe-se, aqui, com o
conceito reducionista de cibercultura, correspondente à visão mais comum hoje em
41
Entrevista realizada para a publicação Sextante - FABICO/UFRGS, sob orientação do jornalista Wladymir Ungaretti, em
agosto de 2007. http://www.overmundo.com.br/banco/entrevista-com-pensador-massimo-canevacci acessado em 12 de
agosto de2010
78
dia sobre a matéria (Trivinho 2000). Embora doravante conflua para o cyberspace,
a cibercultura está tanto além quanto aquém dele. Ela se conforma, a rigor, como a
atmosfera tecnológica integral do último quartel do século XX, em especial os anos
90, marcados pelo surpreendente advento, desenvolvimento acelerado e
multiaplicação civil da World Wide Web. A cibercultura é, propriamente, o mundo
em curso, em todos os setores. (TRIVINHO, 2001, p.112).
Se a internet conectou os quatro cantos do mundo, possibilitou o
desenvolvimento do espaço virtual, transformou radicalmente as relações,
percepções e comportamentos, é por meio da cultura digital que nos
movimentamos realmente nessa geografia.
Primeiramente para poder falar de cultura utilizarei uma breve definição que
Castells apresenta em seu livro já acima citado:
Por cultura entendo um conjunto de valores e crenças que formam o
comportamento; padrões repetidos de comportamento geram costumes que são
repetidos por instituições, bem como por organizações sociais informais. Cultura é
diferente de ideologia, psicologia ou representações individuais. A cultura é uma
construção coletiva que transcende preferências individuais, ao mesmo tempo em
que influencia as práticas das pessoas no seu âmbito, neste caso os
produtores/usuários da Internet.(CASTELLS, 2003, p.34).
Os registros das mais diferentes ações humanas, em redes virtuais
coletivas, agora podem ser vistas, experienciadas e acessadas pelos hipertextos
no ciberespaço. Essas ações traduzidas em bits fazem da rede um grande arquivo
de expressões postadas e publicadas. Como o próprio Castells já tinha
comentado, a Internet é antes de tudo uma criação cultural, assim, podemos
caracterizar esses hipertextos linkados como os próprios valores e crenças
culturais que transitam coletivamente na rede numa infinidade de ações locais,
tornando-se globais, que transformam todo esse universo num imponderável
hipertexto, como foi dito por Lévy.
Castells também comenta que a Internet foi projetada como uma tecnologia
de comunicação livre e o resultado não é que sejamos livres graças à internet,
mas que tudo depende do contexto e do processo, e devido à sua maleabilidade e
79
a possibilidade de alteração pela própria prática social, pode-se então trazer à
tona resultados sociais potenciais.
Para perceber melhor como se dá esse processo cultural é interessante
analisar seus agentes, os sujeitos e suas ações.
Castells afirma que a cultura da internet se caracteriza por uma estrutura
em quatro camadas: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura
comunitária virtual e a cultura empresarial. (CASTELLS, 2003, p.34).
Alguns relatos históricos citados no início deste capítulo ilustram ações e
reflexos dessas camadas culturais que o autor aponta.
As quatro camadas dispostas por Castells seguem uma hierarquização
disposta da seguinte forma: no topo está a cultura tecnomeritocrática, voltada a
projetos tecnológicos, de excelência científica e do mundo acadêmico. Baseada
no poder do conhecimento, “especifica-se como a cultura hacker ao incorporar
normas e costumes as redes de cooperação”. (2003, p.35). Os hackers com
domínio dos meios tecnológicos adotaram a crença na interconexão interativa,
construindo redes sociais e criaram comunidades online onde praticam uma
cultura comunitária virtual. Para Castells, a cultura comunitária virtual faz da
internet um “meio de interação social seletiva e de interação simbólica.” (2003,
p.35). A cultura empresarial utiliza-se das demais culturas para difundir suas
práticas em todos os domínios da sociedade buscando por meio da rede a
implantação veloz de seus interesses econômicos.
Seguindo com Castells, a internet no estágio atual possui dois tipos de
usuários. Os produtores/usuário, cuja prática é diretamente voltada às questões
tecnológicas de evolução do meio, e os consumidores/usuários, que são os
beneficiários dos sistemas e aplicativos e que não estão diretamente ligados ao
desenvolvimento da net. Cabe ressaltar que no início os primeiros usuários foram
os produtores-consumidores e que embora os consumidores não produzam os
sistemas e programas, seus usos possuem grande valor de mudança e de
importância para a própria produção da internet.
Uma vez que as comunidades virtuais, segundo Castells, são “fontes de
valores que moldaram comportamento e organização social.” (2003, p.46), o
80
recorte desta pesquisa desenhou linhas entre as comunidades virtuais. Composta
de sujeitos plurais, as comunidades on-line tiveram origens semelhantes aos
movimentos contra culturais dos anos de 1960. A cultura comunitária moldou as
formas sociais e os processos de uso, contudo, à medida que se expandiram em
relação ao alcance e ao número de usuários, suas conexões com os movimentos
alternativos se enfraqueceram. (CASTELLS, 2003, p.46-49). Devido a grande
flexibilidade da net em transitar fluxos de informações, muitos grupos aproveitaram
para disseminar suas ideologias, desde extremistas (neonazistas, racistas,
pedófilos) a ambientalistas e artistas.
Castells define que as comunidades possuem duas características
fundamentais, a primeira é a comunicação horizontal e livre, diante de uma era
dominada por “mídias e burocracias governamentais censoras”. (2003, p.48). A
segunda característica apresentada pelo autor é a formação autônoma de redes,
que possibilita qualquer pessoa de criar e fomentar grupos de identidade e
construção de significados, transformando essas comunidades em instrumento de
organização social e ação coletiva. (2003, p.49).
Esse caldo da cultura digital parece ainda estar sendo degustado e
digerido. As ações e reflexos são naturais de nossa geração, ou melhor, de nossa
era, pois as gerações são muitas, os interesses e os questionamentos são
inúmeros.
Rodrigo Savazoni em Provocações, apresentação do livro já mencionado
Cultura digital.br, explica:
Nosso intento com este trabalho é produzir provocações sobre a cultura digital.
Sabemos que as ideias sobre este nosso mundo acelerado ainda não decantaram.
O nosso vôo é inteiramente percorrido dentro de nuvens, por isso os efeitos da
turbulência são permanentes. Neste ambiente, as sínteses são impossíveis. A rota
parece infinita.
O diferencial, no entanto, consiste na utilização de um site de rede social para
organizar os debates no plano virtual. Nesse ambiente, os interagentes podem
organizar sua rede política de relacionamentos, construir grupos e fóruns de
discussão, propor atividades e conversas, produzir um blog, entre outras
atividades.(apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p.07).
81
Agende-se e participe, ajudando-nos a construir a cultura do presente.
Os organizadores Rodrigo Savazoni e Sergio Cohn reúnem na Cultura
digital.br um grupo de especialistas que discorrem suas várias opiniões e
interrogações sobre a cultura digital. Seguindo com a provocação de Rodrigo
Savazoni, essas linhas que seguem serão como um ready-made duchampiano,
uma apropriação Ipsis litteris (Ctrl V CtrlC)42 na tentativa de definir e dialogar sobre
a cultura digital.
O livro Cultura digital.br é
um apanhado com mais de vinte entrevistas
realizadas em São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília, uma mostra
bastante representativa do pensamento contemporâneo brasileiro sobre cultura
digital e suas mutações em curso. Para Savazoni Cultura digital.br “é uma obra de
intervenção e pensada com a intenção de provocar reflexão e ação em seus
leitores.” Basta acessar www.culturadigital.br e participar da discussão sobre a
cultura contemporânea, lá o livro continua de forma horizontal com os autores em
redes de discussões, abrindo fóruns, criando blogs, com a possibilidade de
“produzir suas próprias narrativas a partir das provocações que compilamos”.
(SAVAZONI, 2009, apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 117).
Com essa citação, o próprio organizador já define um pouco esse
fenômeno, demonstrando de maneira prática como funciona a cultura digital, nas
possibilidades de interatividade, de relações e da própria horizontalidade que é
permitida através da comunicação em rede.
Nós somos a própria cultura digital e sequer temos um espelho. Por isso,
resolvi deixar que cada entrevistado nos mostrasse seu caminho, sua opinião, tal
qual é mencionada no livro. Não é possível criar ficção neste momento, estamos
todos no olho do furacão, e repetindo o que o próprio organizador Rodrigo
Savazoni comentou; “estamos voando por entre nuvens e turbulências”. Logo, as
afirmações são feitas de dentro pra fora, cada qual com seu contexto, e aqui
apresentadas em seu total.
42
Este copia e cola, na realidade, vem a ser uma das metodologias mais atuais usadas por essa geração digital, devido a
velocidade e o volume de informações digitais e a possibilidade de acessar diversos conteúdos simultaneamente.
82
O presente requer que repensemos e reapresentemos a concepção de plágio.
Sua função tem sido há muito desvalorizada por uma ideologia que tem pouco
lugar na tecnocultura. Deixemos que as noções românticas de originalidade,
genialidade e autoria permaneçam, mas como elementos para produção
cultural sem nenhum privilégio especial acima de outros elementos igualmente
úteis. Está na hora de aberta e ousadamente usarmos a metodologia da
recombinação para melhor enfrentarmos a tecnologia do nosso tempo.
Critical art ensemble43, 2001 (Cultura digital.br,2009, p. 151)
A melhor maneira de preservar a integridade das opiniões foi a de colocar
como se fosse uma grande conversa, linhas desenhadas pelos entrevistados e
deslocadas para esse com-texto das redes virtuais, num processo de apropriação
como se fosse um urinol assinado por R.MUTT.
2.6 www.culturadigital.com.br
Para Franklin Coelho, coordenador do projeto Piraí Digital, a definição de
Cultura digital:
A cultura digital significa uma revolução em termos de hábitos cotidianos
baseada numa história de sociedade industrial compartimentada, segmentada.
Isto se quebra numa possibilidade de estrutura em redes. O digital é
exatamente a quebra dessa sociedade industrial e a possibilidade de uma
explosão em termos de uma sociedade em rede. (apud CULTURA DIGITAL.BR,
2009, p. 117).
André Lemos, sociólogo, apresenta um olhar sobre as origens desse
fenômeno e da possibilidade de protagonização política e representativa via
comunicação digital.
Às vezes, quando se fala de cultura digital, cibercultura, tem sempre uma ideia
futurista, uma ideia de ficção científica. E, na realidade, não é isso, trata-se da
cultura hoje marcada por essas ferramentas eletrônicas. O que a meu ver
alterou substancialmente a nossa relação com os objetos técnicos na
atualidade é que pela primeira vez, talvez, a gente tenha a dimensão técnica, o
43
Critical Art Ensemble (CAE) - www.critical-art.net
83
digital, colado à dimensão da comunicação. São tecnologias não apenas da
transformação material e energética do mundo, mas que permitem a
transformação comunicativa, política, social e cultural efetivamente. Porque nós
conseguimos transitar informação, bens simbólicos, não materiais, de uma
maneira inédita na historia da humanidade.
A gente pode empregar como sinônimos cibercultura e cultura digital, que
seriam nomes para a cultura contemporânea, marcada a partir da década de 70
do século passado, pelo surgimento da microinformática. A microinformática é
que vai dar esse tom planetário que ganha uma dimensão mais radical com o
surgimento das redes. Então é essa cultura do telefone celular, dos
computadores, das redes, dos micro-objetos digitais que funcionam a partir
desse processo eletrônico digital. A cultura digital é algo que já está entre nós
desde a década de 1970 e que ganhou contornos mais políticos e mais
comunicacionais hoje. (apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 136).
A produção dessa cultura via digital possibilitou a visualização dos eventos
gerados pelas margens. A comunicação dos periféricos ganha potência através da
combinação dos códigos e signos transitando pelos canais virtuais. O sociólogo
Sergio Amadeu, em sua entrevista sobre o fenômeno da cultura digital, aponta
que:
Práticas sociais que eram extremamente marginais ou secundárias, a partir do
momento que utilizam essas tecnologias da informação e utilizam estas
tecnologias em rede tomam um corpo maior, e nós temos um processo de
reversão dessa tendência. Então, tudo o que era separado, especializado,
passa a ser unificado na rede. Você tem o fenômeno da tecnoarte, que é um
típico fenômeno da cultura digital. É um fenômeno que se utiliza da
metalinguagem digital, da capacidade de recombinação de arquivos, da
capacidade de retrabalho de toda a produção simbólica. Então cada vez mais
ciência, tecnologia e arte se juntam. (apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 6768).
O que estava fora pode estar dentro. As redes virtuais possibilitam agora
uma conexão de indivíduos que não tinham voz dentro de um sistema hegemônico
de comunicação. Esse fenômeno abriu um novo espaço de atuação e de fomento
84
de cultura no ciberespaço, e desenvolveu, através do uso contínuo dos meios
tecnológicos, uma linguagem própria. Sobre o ciberespaço Sergio Amadeu relata:
Do Willian Gibson, de Neuromancer, para a academia. E ninguém é contra
aquela expressão para definir esse espaço onde se cria fundamentalmente uma
cultura digital, que não se limita efetivamente ao interior das redes. Mas quando
você pensa em cultura digital e cibercultura, necessariamente você está
pensando num fenômeno que se relaciona com as redes. Então, quando olho,
ouço ou penso a cultura digital, eu também penso numa fase da chamada
cultura de rede. É basicamente isso. Ela é ligada às redes que usam a
metalinguagem digital, que retiram toda a produção simbólica dos seus
suportes, e por isso ela permite tanta recombinação. (apud CULTURA
DIGITAL.BR, 2009, p. 67-68).
Tudo junto e misturado. O acesso por clicks, abrindo janelas para a grande
rede, consegue transformar os indivíduos, antes espectadores, em agentes
promotores da própria cultura de uma maneira muito rápida. Essa nova interface
da comunicação desenvolveu a produção descentralizada de fluxos de
informações independentes e de diferentes códigos, por meio da atualização de
signos, imagens e texto. A criação, artística ou não, quando colocada em rede
possibilita o despertar de novos blocos de percepção. O caminho, o conteúdo,
pode ser agora comandado ou acessado pelo indivíduo que esta por detrás da
tela, que digitaliza suas relações, edita sua autorrepresentação e as vivências na
net. A cultura digital em rede proporciona uma fusão de experiências
recombinadas simbolicamente, seja ela por um novo vídeo no youtube, uma nova
foto postada no facebook, flickr ou orkut, que vão ser atualizadas através dos
hipertextos, estimulando a percepção virtual e, assim, criando os eventos e as
movimentações dessa nova comunicação.
Dessa forma, a combinação das representações circuladas nas redes
virtuais possibilitou uma maior liberdade e abrangência das informações e a sua
circulação passa agora a não ter fronteiras, tempo e espaço são redefinidos pelos
acessos, pelos meios tecnológicos. A criação da cibercultura navega por entre os
espaços e aterrisa em lugares múltiplos simultaneamente. A inteligência coletiva
85
recombina os signos, não pede licença, e o que estava protegido pelos
Copyrights, agora é pirateado e distribuído.
Sergio Amadeu menciona que,
Então você tem um conjunto de ideias que foram hegemônicas durante todo o
século XX, até a emergência da rede. Por que eu digo isso? Porque quando a
rede liberta o texto do suporte papel, liberta a música do suporte vinil, liberta a
imagem do suporte ali da película, o que você tem? Você tem aquilo o que
sempre foi: criações. Quando aquilo vai para a rede, você tem não só uma
capacidade de convergência desses símbolos, desses ícones, de toda essa
produção, mas tem a possibilidade de fazer com que aquilo retorne ao ambiente
comum da cultura. Você recombina tudo.
(...).
Sem dúvida que está ocorrendo um processo do que é coletivo, do que é
comum. O que não significa que não exista a participação do indivíduo nesse
processo. Isso é impossível de você negar, uma vez que você teve um período
que criou esta construção social chamada indivíduo. Não tem jeito de você
dizer: “O indivíduo não tem um papel nesse processo.” Só que o que a rede
faz? Ela fala: “Indivíduo, você é limitado dentro desse processo. A sua criação é
necessariamente coletiva.” A cultura é, necessariamente, coletiva. E a cultura é
feita dessa forma. Nós, numa fase histórica, tivemos que dizer que isso era
extremamente relevante. A relevância estava no autor e no gênio, que pode
existir e que existe. Mas espera aí! Você está dentro de um contexto, então os
grupos são importantes nesse sentido coletivo. A rede retoma isso. A rede
permite que essas práticas se manifestem, e permite que a gente retome alguns
termos que eram aplicados num contexto completamente diferentes. (...)
O grande lance é que está se gestando uma fusão de culturas, uma diversidade
cultural que nós não tínhamos possibilidade de conhecer antes. As culturas
tinham mais dificuldade de se movimentar, mais dificuldade de se recombinar. A
rede facilita isso. E a ideia de que uma cultura ela está sempre em movimento,
porque ela sempre está movimento, ela sempre busca a criação, ela tem uma
dinâmica interessante e essa dinâmica se junta, no caso da rede, com uma
diversidade impressionante. Então eu acredito que esse fenômeno da
diversidade cultural ele foi reforçado, ele é reforçado no ambiente de rede.
(apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 69-71).
A cultura é, e sempre foi, coletiva, produzida por determinados grupos. A
86
importância também das redes virtuais vem a ser o registro de suas relações, a
própria movimentação dessas comunidades, que fomentam esse processo
cultural, onde através dos hipertextos postados torna-se possível traçar uma
narrativa dos acontecimentos.
A geração do agora, virtual, talvez vivencie essa realidade por meio da
autorrepresentação inserida dentro de determinadas “comunidades imaginadas”,
como denominou Benedict Anderson, que se manifesta através dos ambientes das
redes virtuais sociais, diferenciando-se de acordo com cada interesse do indivíduo
ou grupo. A possibilidade de conhecer pessoas que nunca viu, de ir a lugares
nunca visitados, traz infinitas possibilidades de comunicação e de combinação.
A respeito dessa produção cultural na rede, Sergio Amadeu segue dizendo,
O que a cultura digital exige? Qualidade. Me exige saber escolher, saber optar.
Então eu não me impressiono com o poder do processamento. A qualidade que
você tem que ter hoje é a de entender o processo de rede. É mais importante
do que o processamento. O processamento é importante. Mas, veja, a rede é o
grande multiprocessador. Então a questão é: quais são as suas estratégias na
rede? Como é que nós vamos organizar, articular nas redes?
Então a rede é a grande possibilidade de organização e comunicação. Não
existe organização sem comunicação. E se as redes são fundamentais
o
processo de organização hoje, você está dizendo efetivamente que dentro
dessa comunicação você tem que buscar aquilo que a gente chama de
hierarquização, de priorização, de relevância. O mundo presencial é o mundo
das escolhas. O ciberespaço não é o mundo das escolhas, por isso ele se
coloca apenas como democracia dentro de ciberespaço. Se eu não gosto do
teu site, eu vou para o outro. Eu não preciso optar. (...)
A internet é uma rede onde a inteligência está na periferia, e não no
centro. A internet não tem um pólo central. Agora, você tem a internet como um
grande oceano. A metáfora da navegação é muito boa. (apud CULTURA
DIGITAL.BR, 2009, p. 72- 75).
Broadcast Yourself, essa é a chamada do próprio site de vídeos youtube.
Esse slogan ajuda a definir bem sobre essa questão da cultura digital. Estamos
agora navegando por estradas de nós mesmos, somos criadores de nossos
87
eventos sem a necessidade de aprovação de instituições e de interesses. Na
horizontalidade da rede surge a possibilidade de piratear a própria cultura, de
samplear e recombinar, gerando ondas com enorme potência e amplitude cultural,
prontas
para
serem
navegadas.
Cada
rede
cria
seus
laços,
e
sua
representatividade está expressa diretamente nesses laços, nessa relação.
Comunidades que no passado recente utilizavam-se de meios de
comunicação como zines, xerox, correio, revistas, livros, e que estavam
identificadas pela maneira como se vestem, pelas ideologias e conceitos, agora
transitam com seus downloads pelos mais variados espaços, identificados pelos
sites que usam, pelas imagens postadas, músicas nos www´s.
Quando perguntado se essa questão da cultura do “faça você mesmo” vem
da herança punk, ou ciberpunk, como uma forma da contracultura e o peso disso
na cultura digital, o antropólogo André Lemos responde,
Ah, o peso é total. Continuamos ainda sobre esta influência, hoje todo discurso
por liberdade de expressão, discussão sobre direitos autorais, remediação de
mídia, blog jornalísticos, tudo isso aí vem justamente desses hackers que
inventaram a microinformática, que inventaram os protocolos da internet. Que
faz com que a gente possa usar a internet sem ter que pagar royalties, porque
esses protocolos são abertos e são uma ferramenta técnica da humanidade.
Então esse pensamento de liberação da informação e de trocas livres de
informação e produção colaborativa do conhecimento emerge justamente a
partir da microinformática, com essa possibilidade de construção aberta e
coletiva. Os primeiros hackers são os caras que vão inventar a microinformática
e os protocolos da internet, que vão construir a internet. O maior exemplo de
software livre que nós temos hoje em funcionamento é a própria internet. O
HTML é um código aberto, os protocolos são de domínio público. Então nós
temos uma herança do movimento ciberpunk, se a gente quiser chamar assim,
que seriam os punks da cibernética, aqueles que dizem “olha, aproveite a
tecnologia, faça da tecnologia o que você puder, faça dessa tecnologia uma
obra de arte, porque só assim você vai poder dominar esse sistema, e não
deixar que outros dominem o sistema e você junto”. (apud CULTURA
DIGITAL.BR, 2009, p. 138).
88
Dentro dessa contaminação diária de downloads e uploads, as tribos vão se
formando e se relacionando, a interatividade nos próprios meio virtuais consolidam
a identidade e o agrupamento em comunidades. A mudança radical nos meios de
comunicação, dentro de uma história extremamente recente, possibilita uma
grande independência na hierarquia da distribuição das informações. Claro, como
já mencionou Castells em linhas anteriores, a Internet não veio para libertar todos,
porém, quando sua utilização desloca o sujeito da dependência do mass media e
transforma em produtor cultural, seja ele, uma espécie de ciberpunk, de hacker ou
pirata da rede. Quando digo pirataria, venho mencionar o saque da soberania
hegemônica dos meios de comunicação com suas verdades impostas, que agora
através de ações virtuais coletivas conseguem desvirtuar a obediência “católica
apostólica” dos “papas” do capitalismo. Para Sergio Amadeu:
Isso me lembra um cara que me influenciou muito, um antropólogo da UnB,
Gustavo Lins Ribeiro. Eu li um texto dele, ele traz as ideias do Benedict
Anderson, que ele diz o seguinte, em síntese: o Benedict Anderson fala que a
imprensa foi fundamental para criar essa comunidade imaginária, que se chama
nação. A imprensa foi vital para solidificar uma pauta dessa fraternidade, dessa
comunidade, não é? E o Gustavo Lins Ribeiro diz: se a imprensa foi
fundamental para construir uma comunidade imaginada, chamada nação, será
que as redes digitais (ou a internet) não está ou não será fundamental para
construir uma comunidade imaginada transnacional?
(apud CULTURA DIGITAL.BR,2009, p. 76).
Esse grande sonho de comunidade global imaginada talvez não seja a
união de todas as nações num grande grupo homogêneo, pois seria uma grande
pobreza cultural e também de extremo perigo no que se refere ao controle
hegemônico de poder político e econômico. Mas o que potencializa as questões
em rede pode ser a capacidade de fusão e troca de diferentes culturas, a partir de
sujeitos e comunidades locais com possibilidades de intervenção globais.
Para Nelson Simões (diretor-geral da RNP, Rede Nacional de Ensinos e
Pesquisa) www.rnp.br/en reflete sobre a cultura digital e a importância das redes
nesse processo:
89
De tudo o que eu vivi, a colaboração digital foi talvez minha experiência de
interação mediada mais poderosa. Me surpreendeu o papel que o digital foi
tomando na sociedade. Tecnologicamente falando tudo isso é muito precário e
ainda muito recente, mas seus efeitos são muitos poderosos.(...) A rede é o
centro desta troca, seus usos são cada vez mais múltiplos e ela continua
ganhando papel central na forma como nos relacionamos hoje. A evolução que
se deu é surpreendente, os números foram muito rapidamente multiplicados por
dez mil na velocidade e na capacidade, e isso aconteceu por conta dos usos.
Uma rede dessa é mais do que a forma de comunicar, ela abre o espaço para
você criar coisas que nós não conseguimos imaginar ainda. A interação
próxima do real tem a ver com gerar uma oportunidade de inovar. A internet foi
construída por múltiplas mãos com uma visão de compartilhar, de trocar, de
interoperar. Ela nasce com o objetivo de integrar pontos que não conversariam
naturalmente, então todos esses requisitos de abertura, neutralidade,
diversidade, isto tem muito haver com aspectos culturais dos relacionamentos
da geração de conhecimento. A rede se encaixou nesse espaço e cumpre esse
papel. E criou a possibilidade de continuar avançando, isso não tem limite
ainda. (apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 108).
A cada dia as pessoas se mostram mais inseridas nas redes virtuais, com
diferentes idades e condições sociais. Quais os motivos? Quais os interesses? A
questão é que a complexidade dessa imensa rede não possibilita previsões,
profecias, pois, sua mutação é contínua, se faz a cada atualização, a cada nova
plataforma que se abre. Interatividade direta que influencia em novos modos de
comunicação, das redes acadêmicas e militares aos twiiters. Cada qual se
adaptando e aderindo aos espaços que surgem, por curiosidade, por interesses
econômicos, para inserção em comunidades. Impossível generalizar, todavia é
nítida a questão da importância de estar inserido na rede e não ficar a margem. A
conexão se faz necessária. A produção colaborativa independente pode ser um
ganho e um caminho alternativo nesse contexto de informação de massa gerada
pelos meios de comunicações hegemônicos.
Andre Lemos diz:
Eu acho que a produção colaborativa já está aí. Na realidade nem deram
90
um caminho, elas foram criadas e foram apropriadas.(...) Então eu acho que
nós precisamos hoje, em termos de inclusão, ensinar as pessoas a aproveitar
um potencial que já está aí e não ficar pensando “bom, quem sou eu para
produzir tal coisa, quando eu tiver uma inspiração, quando eu tiver os bons
meios aí sim eu vou produzir alguma coisa”. Nós já temos isso nas nossas
mãos e as pessoas já estão fazendo, embora eu acha que ainda timidamente.
Mas nós já temos um instrumento que pode se transformar efetivamente em
arte, no sentido de uma transformação artificiosa do mundo para produzir essa
relação com o outro. (apud CULTURA DIGITAL.BR,2009, p. 140).
Talvez um dos maiores desafios seja saber operar os meios de maneira
consciente. A transformar interação numa maneira política e/ou poética de
conexão, que visa também trazer voz para aqueles que deveriam estar mudos. As
grandes corporações se utilizam desses aparatos digitais como forma de
manipulação, sedução e controle, porém estas produções políticas e poéticas
permitem a produção de cultura e informação sem estar atreladas a nenhum
sistema político hegemônico ou de consumo.
O “do it yourself” é um dos grandes exemplos de como se interagir.
Atualmente os infinitos recursos nos permitem, ainda melhor, nos instigam a
operar e dialogar nesse espaço. André Lemos em sua entrevista segue dizendo
que mesmo diante de muita banalidade em termos de novas informações e
conteúdos, com a internet tem-se a possibilidade de produzir e escrever as
informações. Escrever com textos, fotos, vídeos, promover críticas às mídias e aos
jornais, conseguindo assim até produzir os próprios jornais. O grande desafio,
para ele, é que num país como nosso, de desigualdades, a inclusão das pessoas
e o estímulo para que as produções sejam feitas de formas colaborativas cria e
desenvolve um processo diferente de participação. Anteriormente, a inclusão se
dava numa questão do espectador, diante da tela do cinema, da televisão, e a
única possibilidade era a de uma postura crítica em relação ao texto como um
todo. Hoje temos possibilidades e recursos para que possamos realmente produzir
e publicar filmes com boa qualidade.
91
Então você tem em cada movimento, em cada instrumento que aparece uma
função social que rapidamente se apropria para fazer coisas. Não estou
dizendo com isso que nós estamos vivendo uma panacéia participativa. Quando
a imprensa de Gutemberg surge também tem uma possibilidade de que a gente
tivesse todas as publicações distribuídas e isso não garantiu necessariamente o
melhor dos mundos. Mas nós temos uma grande potência nas mãos, que está
sendo atualizada cotidianamente, e temos coisas já concretas acontecendo.
Mas não podemos pensar que isso vai resolver tudo, que a mera participação e
colaboração vai resolver todos os problemas. Mas a partir do momento em que
nós podemos emitir livremente, nos conectar aos outros, nós conseguimos
reconfigurar a cultura, a sociedade, a política. Esses para mim são os três
princípios básicos da cibercultura, e podemos encontrar isso nos blogs, nos
podcasts, no software livre, no Twitter. Todo mundo pode produzir. Essa
produção só faz sentido se um tiver conectado a outro, porque não é produzir
para mim mesmo, e sempre que uma sociedade dá voz às pessoas, as pessoas
podem falar, as pessoas podem se agregar para fazer coisas, isso tem uma
potência gigantesca de transformação social, política e cultural. Não é à toa que
são os países que não querem transformação que reprimem justamente a
emissão e a conexão. São os países mais totalitários hoje que tendem a
reprimir a internet, porque ela é justamente o lugar da emissão e da conexão.
(apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 142).
Por meio da cultura digital, os valores podem ser trocados e invertidos. As
periferias conseguem ser valorizadas, num movimento de dentro pra fora, sem a
necessidade de uma apropriação cultural pelos mass media, mas sim pela própria
criação de espaços de veiculação das proposições. É também por essa
virtualização da cultura, que nos permitimos a construção de uma hierarquização
das informações, onde somos capazes de nos guiarmos a partir de nossos
próprios interesses, editando os conteúdos que queremos acessar, criando novos
conteúdos para protagonizar nossos “eus”, singulares ou coletivos, através da
Internet.
Importante ressaltar que essa possibilidade de produção gera também um
boom de informações como nunca fora publicada anteriormente. Lévy apresenta
esta era digital, a partir de uma definição de Roy Ascott, como o “segundo grande
dilúvio”, o da informação. A densidade de links, imagens, hipertextos, a explosão
92
dos bancos de dados de maneira anárquica e caótica, a ensurdecedora cacofonia
das mídias que inundam regiões por ondas turbulentas de propagandas e apelos,
provocam sensações humanas até então nunca exploradas. Um período histórico
que tem como pilar a comunicação e informação num grau de influência nas
relações sociais, político e econômicas, que exigem cada vez mais a realização
das ações em redes virtuais. O Sociólogo Laymert Garcia dos Santos, em sua
entrevista no livro Cultura digital.br, diz que as mudanças a respeito da cultura vão
muito além de apenas a migração para o digital.
Na minha perspectiva, é outra história, porque não se trata só de uma digitalização
da cultura, mas da criação de uma outra cultura, com outros referenciais, com uma
outra cientificidade operatória (ou seja, uma outra maneira, um outro conceito de
cultura) e uma outra maneira de conceber o que deve ser considerado ou não
cultura e de como é que você olha as outras culturas, que não são a cultura de um
cibernético. E, ao tratar a cultura moderna como também sendo de um outro
tempo, como cultura tradicional, ela permite uma reavaliação completa das outras
culturas com relação ao moderno, e da moderna e das tradicionais com relação a
essa cibercultura. Então é uma questão muito maior do que só uma utilização, uma
tradução ou transposição do que é cultura para o mundo digital ou, enfim, para a
chamada realidade virtual. É muito mais do que isso. É uma reconfiguração da
própria noção de cultura e da noção de conhecimento, inclusive, que está junto
com a noção de cultura. Foucault percebeu que talvez a gente esteja indo para
uma formação outra, esteja entrando numa outra formação histórica e que há uma
transformação de fundo no campo da vida, do trabalho e da linguagem. Que são
os três campos fundamentais para mostrar que nós estamos caminhando para
uma outra configuração. Eu posso dar um exemplo disso, que é um caso muito
concreto. O que a vida cibernética trouxe? Ela trouxe a noção de informação. O
que é a informação? Informação é a terceira dimensão da matéria, junto com a
massa e a energia. Portanto, quando a informação começa a ser central na
elaboração e até na própria definição do que é o real, o entendimento a partir
dessa noção de informação (que é a diferença que faz a diferença), ao ser central
na cultura contemporânea, é necessário começar a ver também as outras culturas
a partir dessa noção. Se você começa a ver as suas culturas a partir dessa noção,
você começa a notar o seguinte: a alta tecnologia lida com atualizações do virtual,
de potências virtuais (ou potências do virtual, da dimensão virtual da realidade),
não da realidade virtual, mas da dimensão virtual da realidade, e ao lidar com
93
essas potências, ela atualiza um determinado número de potências de uma
determinada maneira. (apud CULTURA DIGITAL.BR, 2009, p. 286).
A busca por maior entendimento dessas mudanças no processo cultural e
até na própria cultura atual, como descreveu o sociólogo Laymert Garcia dos
Santos, é realmente o motivo pelo qual busquei, através de diversas opiniões,
principalmente nas páginas anteriores, formular conceitos, argumentos, em suma,
buscar embasamento para poder descrever, um pouco, o que vem acontecendo
com as relações humanas nesse início de século, no que se refere às mudanças
na comunicação por meio das tecnologias virtuais. Este fenômeno cultural é um
dos reflexos do comportamento de nossa sociedade em meio à virtualização. Não
é apenas uma particularidade dos artistas, nem, contudo dos escritores urbanos,
mas um processo de mudança social como um todo, caracterizado pelos usos das
tecnologias digitais.
Porém quando me debruço a esboçar estas linhas sobre a cultura digital, a
proposta deste trabalho é de trazer a tona alguns conceitos básicos para a
fundamentação teórica no que se refere a autorrepresentação política, artística e
cultural de indivíduos em redes sociais, comunidades, especificamente os
escritores urbanos, bem como seus registros no ciberespaço.
Falar de algo como cultura digital é falar de algo tão presente em nosso diaa-dia que poderia falar das interações dessa geração, na qual faço parte, que tem
como suporte de relações e experiências os meios virtuais.
Poderia aqui falar de fotos, arquivos, depoimentos, downloads, broadcast e
então analisar cada questão, quais os interesses nessa autorrepresentação nos
sites de relacionamento, na maneira como pesquisamos, escolhemos nossas
músicas e como interagimos com esse mundo de realidades concretas e virtuais,
de geografias expandidas.
Contudo, não é possível generalizar essas ações, pois as mesmas são
individuais e variáveis de acordo com o contexto, cultural, social, tecnológico e,
também, muitas vezes pelo caráter subjetivo e/ou pessoal.
No meu ponto de vista, esta geração aprendeu a vivenciar essas relações
virtuais como uma expansão da realidade concreta. Já não se pensa apenas no
94
material, o ciberespaço nos transforma em seres navegadores dessa realidade
virtual, no caso como explicaríamos a quantidade de relacionamentos que se
constroem através das redes virtuais e em muitos casos chegando até ao próprio
sexo virtual, por meio da imagem, seja ela estática (envio de fotos) ou movimento
(live cam).
No caso do graffiti, a cultura digital escreve, paralelamente com inúmeras
outras narrativas, o rolê de vários brazucas, tanto em território nacional, quanto no
grande e velho mundo, que está sedento por cores e poesias da antiga
Pindorama. A comunicação digital nos permite acessar uma imagem ou vídeo de
diferentes sujeitos conectados em redes, e poder mandar um salve em forma de
post, (uma mensagem, elogio ou crítica) e por vezes receber um também. Relata
também as possibilidades de nos influenciarmos, seja nas cores, no traço, na
atitude ou, até mesmo, na grandeza do exemplo de alguns artistas que há pouco
tempo estavam quase anônimos, e agora podem voar com a arte. Sujeitos esses
que descrevem suas trajetórias e alimentam “sonhos” através dessas imagens
postadas em flickrs, blogs e sites, que na filosofia da arte conceitual é o registro
histórico da obra, o arquivo, resultado da performance.
95
Capítulo 3
96
REDES
3.1 Redes de transgressão
Para Castells, “a Internet é o tecido de nossas vidas” e, “passou a ser a
base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede.”
(2003, p.07). O autor segue em sua pesquisa afirmando que a rede é um conjunto
de nós interconectados, que sua formação é uma prática muito antiga em nossa
sociedade e que ganhou vida nova em nosso tempo, transformando-se em rede
virtual de informações, denominada Internet. O capítulo que segue traz a tona
essa relação de “a rede é a mensagem”, parafraseando Castells, onde a rede
conecta sujeitos plurais com suas polifonias e serve de ferramenta de organização
essencial para comunicação e sobrevivência num ambiente de rápida mutação.
(CASTELLS, 2003, p.07).
As redes de comunicação fazem parte de nosso cotidiano. Suas
articulações e conexões são determinantes para o papel que exercemos no aqui e
agora. Hoje pensamos em rede, atuamos em rede, seja ela de maneira comercial,
política ou subjetiva, geramos ciclos de relacionamentos. Nossas conexões
profissionais, familiares, afetivas ou artísticas, nossa maneira de dialogar com o
meio e construir sistemas de trocas atualmente dependem também de interações
no ciberespaço. Essas redes são possibilitadas por um meio tecnológico que
armazena e distribui os diferentes valores e interesses.
Entretanto, quando parei para escrever sobre as redes de comunicação,
uma das metáforas que me veio à cabeça foram as redes dos pescadores daqui
da Ilha de Santa Catarina. Homens e mulheres sentados à beira da lagoa tecendo
e remendando redes de pesca a espera da época da tainha 44. Depois de tecida,
os pescadores vão para o mar com diversos barcos tripulados e as colocam em
pontos estratégicos com a finalidade de pegar toneladas de peixes. Alimentos
para sua própria sobrevivência e também para a sobrevivência de toda a
comunidade. Quando a pesca é bem sucedida, a comunidade espera na praia
44
Peixe local que tem forte influencia na cultura da pesca da Ilha de Santa Catarina.
97
para ajudar com “mil mãos”, fortes e unidas como um grande cardume, para puxála e assim conseguindo seus peixes vivos, frescos e muitas vezes de graça. Essa
rede, além de ser um instrumento para pesca é uma forma de cultura, pois sua
produção é manual e passada de geração a geração. Essa rede é a intervenção
no meio físico para garantir o alimento, uma união entre indivíduos e o seu habitat,
mas também é uma rede de comunicação entre as diferentes gerações e entre as
diferentes pessoas da comunidade. Essa rede é feita de linhas, nós específicos,
manualmente produzidos, por vezes “malha fina” para peixes menores, camarão e
pode ser lançada apenas por um pescador (tarrafa), entretanto, ela pode ser
quilométrica e ligar pontos distantes captando a maior quantidade de alimento
possível.
Dentro de pequenas comunidades, essa rede é a própria comunidade, seu
retrato, onde cada ponto pode ser comparado com cada habitante, e os fios
seriam então os relacionamentos, as trocas, tanto de experiências quanto de
cultura e subsídios físicos.
Este capítulo não vem a ser uma ode à pesca local ou a cultura ilhéu, nem
toda cultura ilhéu acontece em rede, e nem todo ilhéu é pescador. Ao pensar nas
tessituras das redes de comunicação entre os pescadores locais daqui da ilha de
Santa Catarina, percebe-se que a comunicação e a relação entre os indivíduos
traduzem o conceito de comunidade, que se conecta pelos meios de produção,
sejam econômicos, culturais ou políticos. É através da comunicação que as
linguagens e a identidade se fortalecem, e por meio das comunidades que os
indivíduos se organizam socialmente e exercem seu posicionamento político.
Para os autores Michael Hardt e Antonio Negri, na obra Multidão (2005),
sobre as redes sociais de comunicação e informação apontam que o,
(...) próprio trabalho, através das transformações da economia, tende a criar
redes de cooperação e comunicação e a funcionar dentro delas. Todo aquele
que trabalha com a informação ou o conhecimento – dos agricultores que
desenvolvem propriedades específicas em determinadas sementes aos
criadores de software – dependem do conhecimento comum recebido de outros
e por sua vez criam novos conhecimentos comuns. Isto se aplica
particularmente a todas as formas de trabalho que criam projetos imateriais,
98
como idéias, imagens afetos e relações. Daremos a este novo modelo
dominante o nome de “produção biopolítica”, para enfatizar que não só envolve
a produção de bens materiais em sentido estritamente econômico como
também afeta e produz todas as facetas da vida social, sejam elas econômicas,
culturais ou políticas. Esta produção biopolítica e a expansão do comum que
acarreta é um dos principais pilares em que se assenta hoje a possibilidade da
democracia global. (2005, p. 15).
Os autores descrevem a construção do conceito biopolítica através das
relações entre os indivíduos nos três níveis: econômico, cultural e político. Para
eles, a prática da “democracia global” vem da organização política, e entende-se
por política a junção desses três níveis de relacionamentos e o posicionamento
diante do grupo ou sistema. Então, quando a produção cultural é desenvolvida
pelas comunidades e trocada em ambientes em redes, os valores, crenças e
fluxos de informações representam, tanto de maneira singular, como plural –
indivíduo e/ou comunidade – a produção política e o modo como protagonizarão
essa identidade perante os outros grupos.
As comunidades, sejam elas de pescadores ou escritores urbanos,
produzem sua própria identidade cultural e se agrupam pelo espaço geográfico,
pelas relações, pelos laços familiares ou comerciais, interesses, traçando redes de
trocas e de vivências.
Essa rede desenhada pela arte urbana contemporânea tem um de seus
pontos ancorado nesta ilha e nem por isso é apenas ilhéu, ela é pirata, europeia,
americana, pode ser africana, figurativa ou abstrata, rebelde ou bela, é uma rede
que transforma os cardumes de cores e letras espancadas nas cidades em bits,
que alimentam a cultura digital da arte urbana contemporânea.
As mensagens pintadas em muros agora estão também formando redes
virtuais de cultura e comunicação e, dessa forma, pode-se exemplificar através
das redes dos tags/pixos/graffiti a transformação da nossa esfera azul em
“aldeia global”. Este fenômeno de virtualização das relações trata-se de um
acontecimento que engloba os mais diferentes indivíduos conectados e com
possibilidade de comunicação. Fenômeno não apenas restrito às comunidades
dos tags/pixos/graffiti, mas que envolve toda geração desse início de século e é
99
a base das transformações sociais atuais. Nesta pesquisa a cultura de arte urbana
contemporânea possibilita, através de sua representação nas plataformas digitais,
exemplificar uma parte dessas mudanças sociais, políticas e culturais, no que se
refere à aproximação e conexão de indivíduos de diferentes lugares num processo
de “desterritorialização” (aproximação atemporal) das geografias pelos meios
virtuais e na troca de informações e arquivos em escala global. Mas a qual aldeia
global nos referimos e como nos conectamos a ela? Em que medida os escritores
urbanos estão emaranhados na rede global?
O escritor moçambicano Mia Couto em seu texto sobre globalização e
tecnologia reflete sobre a possibilidade da web na perspectiva da mosca ou da
aranha. Para ele a web, esse entrelaçar de fios, pode ter uma relação ambígua
entre a rede e a teia. Escreve Mia Couto:
"No silêncio de uma velha sala, eu preparava esta intervenção quando me
aconteceu observar na esquina do teto uma teia de aranha. Esse pequeno
animal concebera e construíra não uma casa onde morar, mas uma armadilha
para caçar. Os ingleses chamam web a esse entrelaçar de fios. A tradução
deste termo é ambígua – pode ser rede, pode ser teia. Essa mesma
ambigüidade puxou o gatilho de uma velha inquietação. Venho partilhar
convosco esse desassossego.
Preocupa-me a maneira como estamos cedendo à tentação de olhar a
tecnologia como solução global para todos os nossos múltiplos males. Muitos
de nós acreditamos que é a técnica que vai nos salvar da miséria. (...) O que
nos separa da riqueza são, sobretudo, questões de natureza não técnica. São
atitudes, vontades, uma determinação política e uma postura do domínio da
cultura. Digitalizar não nos converte em seres modernos. Encostar a orelha num
telefone não nos torna produtores de coisa nenhuma. Caso não venhamos a
exercer alguma soberania em atos que afinal, são de cultura, entramos nesse
universo a que chamamos sociedade digital como um mercador menor, (...).
Não pretendo fazer a apologia de coisa nenhuma. Afinal, é inevitável que
abracemos todo este brilho das inovações digitais. (...) A Web é uma rede mas
também uma teia. Nessa teia a que voluntariamente aderimos seremos a
aranha se tivermos uma estratégia. Seremos uma mosca se nos mantivermos
pensando com a cabeça dos outros." (COUTO, Mia, p.65-67, 2005)
100
De acordo com o pensamento de Mia Couto, a metáfora da aranha e da
mosca - teia e rede -, nos traz muitas reflexões a respeito de nossa postura
política nas redes digitais. Talvez nesse momento ainda não seja fácil
percebermos o quanto estamos presos como moscas, mas também o quanto
podemos ser aranhas tecendo estratégias políticas contra hegemônicas ou, quem
sabe até, para alguns, armando teias perigosas. Temos que lembrar que a rede de
comunicação virtual foi criada com intenção bélica de segurança e sigilo militar.
Somente mais tarde, ela se tornou um meio de propagação de ideias e ideais de
grupos hegemônicos, de grandes corporações, do Estado, das Universidades, dos
pesquisadores financiados pelas empresas e, mais recentemente, essa tecnologia
vem sendo democratizada e permitindo acesso a classes sociais de baixa renda.
Agora, ela possibilita também um espaço para a movimentação de informação
com diferentes fluxos e conteúdos.
As posições diante desse sistema são ambíguas, como já disse Mia Couto,
e mesmo em relação às redes de relacionamentos traçadas pelos escritores
urbanos contemporâneos são diversos os posicionamentos. Estamos dentro
desse sistema de comunicação, cada um com suas particularidades, objetivos e
consequências. Agora, temos uma chance de usar esse meio para estabelecer e
protagonizar nossas ações de maneira autônoma.
Uma das questões que se pode levantar sobre a construção dessas redes
pelos artistas urbanos é que essa troca de informação, de arquivos postados em
sites virtuais traz um significante valor tanto histórico quanto cultural. Histórico no
que se refere à produção de uma narrativa não linear feita a partir dos registros
das intervenções urbanas postadas nas mídias virtuais. Cultural pelo fato da
interatividade possibilitar, por meio de depoimentos, de conexões dos indivíduos e
pela influência das próprias imagens via essa geografia, mudanças estéticas,
subjetivas e/ou políticas.
Entretanto, percebemos que antes das conexões em redes virtuais, os
artistas, desconsiderando as tradições das exposições em galerias e museus,
resolveram se conectar a outros meios. A busca por novos circuitos levou muitos
artistas a explorarem outros canais, a cidade, com os graffitis, o correio, com a
101
arte postal, o jornal como meio de intervenção e os walkie talkies, como meios de
comunicação nas derivas.
Para Walter Zanini os artistas antes mesmos das novas tecnologias digitais
de
comunicação,
nas
vias
de
“desmaterialização”
da
arte
conceitual,
desenvolveram uma rede transcontinental de troca de informações, obras,
ideologias e registros via correio, denominada arte postal. Para ele,
A arte postal (mail-art), um sistema prático de comunicação que aproveita como
suporte os serviços dos correios - ou seja, uma forma de intercâmbio que se
estabelece fora dos circuitos do establishment artístico e em condições econômicas
favoráveis - desempenhou um papel único de articulação comunitária, que é
indispensável reconhecer. Com origens remotas nas vanguardas iniciais do século
XX, mais tarde resgatada pelo Grupo Fluxus, a arte postal foi sinônimo, nas
décadas de 1960-70, de uma grande atividade multimídia. Todo o seu projeto, da
produção aos atos de remessa e recepção, colocava-se em situação de confronto
diante do complexo sistema econômico administrativo institucional que envolve a
obra-objeto. Espalhados pelos continentes, os artistas elegeram os meios
reprodutíveis adaptados ao canal, no propósito de estabelecer uma malha sem
intermediários de comunicação. Não raro seus trabalhos seriam expostos
publicamente. Tratava-se sobretudo de material impresso (cartões postais, gráficos,
fotografias, offsets, serigrafias, xerox, jornais, revistas, etc., mas também de filmes
super8 e vídeos), um prolífico mundo de imagens e palavras dirigidas à reflexão da
arte e de grande envolvimento em questões sociais e políticas na ordem do dia, em
problemas ecológicos, etc.. (2003, p.13).
Essas inovações provocaram grandes mudanças nos processos artísticos,
na pesquisa em arte, no que é arte, no que pode a arte e, também, na
apresentação e recepção da arte. Tudo isso, pode-se dizer, causou um curtocircuito nos circuitos das artes. Cristina Freire em sua obra “Arte Conceitual”
(2006) aponta para relevância desses acontecimentos em rede na arte conceitual.
Segundo Cristina Freire, essas práticas artísticas foram capazes de
questionar e interrogar as posições sempre instáveis e cambiantes das figuras
que compõem o sistema da arte (crítico, curador, editor, galerista), do estatuto
da obra de arte (por meio da indiferenciação entre documentação e obra de
arte), assim como dos meios e instituições que a legitimam. (2006, p.13).
102
A abertura de novos e diferentes espaços para a circulação da arte foi uma
forma de questionar os valores e a postura dos sistemas das artes, e surgiu como
uma força de independência das instituições e cânones preestabelecidos, e vem a
ser uma das palavras chaves dessa pesquisa. Claro que mesmo fora dos sistemas
tradicionais, essa produção já possuía sua própria forma de identidade e de
inclusão de seus propositores, e futuramente também fora apropriada pelos
sistemas das artes. As comunidades formadas pelos artistas teciam redes de
comunicação via correio e dialogavam suas experiências, seus valores na forma
de arquivos, construindo sua própria identidade a partir da liberdade, mas também
seguiam heranças de movimentos anteriores de sua produção. Porém, é a partir
desses novos fluxos de informações, transmitido por uma produção artística em
circuitos alternativos, que se desencadeou todo um movimento paralelo de
discussão sobre os preceitos das instituições das artes, buscando uma
aproximação “arte e vida”, nas décadas de 1960/70. A destituição do valor
mercadológico das obras, ligados a essa rede de produção artística independente
dos sistemas tradicionais possibilitava a abertura de outros espaços de circulação
da obra de arte e também um diálogo com sujeitos plurais e distantes, que por
meio das redes de trocas conseguiram polemizar e apontar caminhos diferentes
para o conceito de arte.
Cristina Freire segue descrevendo que era “necessário ampliar o sentido da
arte conceitual, para então incluir ações que partem do cotidiano, misturando arte
e vida, e para as quais projeto e registro integram uma mesma obra.” (2006, p.13).
Dessa forma, a arte postal, livre e “envelopada”, abriu outros caminhos que foram
percorridos pelos arquivos – obras, registros e experiências – em cartas
marcadas, desenhadas que construíram diálogos sem fronteiras.
Walter Zanini descreve que,
Essa arte, de profunda vocação dialógica, destituída de valor de mercado,
estabeleceu incontáveis alianças, situando-se para além das fronteiras
nacionais e blocos ideológicos. Por um específico sentido humano e global, ela
103
se projetou como presente pleno de verdadeiras indicações do futuro. (2003,
p.03).
O desenvolvimento dessa rede de artistas, conectados por meio dos
correios, utilizando-se de circuitos alternativos, foi de grande importância na
quebra de paradigmas de valores e conceitos nas artes, configurando-se numa
ruptura com a dependência dos sistemas tradicionais, instituição, museus e
galerias, apontando novos rumos para a produção artística.
Cristina Freire descreve que um dos pioneiros a exercer um tipo de arte
conceitual, e também a utilizar esse termo para representar manifestações
artísticas e acontecimentos, foi o grupo FLUXUS, em 1961, mas essa terminologia
(Arte Conceitual) foi sedimentada nos discursos do sistema das artes a partir da
próxima década, 1970. O interessante é que esse termo “Fluxus” foi criado
inicialmente para ser uma revista com o objetivo de publicar textos de artistas de
vanguarda. O grupo era estruturado ao redor do artista italiano George Maciunas,
radicado nos Estados Unidos, e tinha participação dos artistas Nam June Paik,
Joseph Beuys, George Brecht, Bem Vautier e Wolf Vostell. O Fluxus “desenvolveu
uma atuação social e política radical, que contestava a arte como instituição por
meio de performances, filmes e publicações (contando até com a Editora Fluxus)”.
(FREIRE, 2006, p.13).
As ações do grupo tinham como característica misturar arte e cotidiano e
buscavam destruir as convenções e valorizar as criações coletivas. Performances,
happenings, publicações, filmes e vídeos foram algumas das expressões do
grupo, que obtiveram um “profundo impacto nas artes pela sua postura radical e
subversiva.” (FREIRE, 2006, p.15). No grupo havia o interesse por essa “outra”
possibilidade de expressão que aproximava a arte com as ações do cotidiano, que
potencializava a produção coletiva, simbólica, possivelmente polêmica, e esse
sentimento foi capaz de influenciar gerações de artistas em diferentes cantos do
planeta conectados pelas redes postais.
Em seu artigo a, “Atualidade de Fluxus”, Walter Zanini, descreve,
104
O que George Maciunas pretendia, acima de tudo, na atmosfera poética do
trabalho de que foi iniciador, era uma arte feita de simplicidade, antiintelectual,
que desfizesse a distância entre artista e não-artista, uma arte em estrita
conexão com a normalidade da vida e segundo princípios coletivos e finalidades
visceralmente sociais. (...) Também Fluxus rejeitava o “objeto de arte (...) como
um bem não-funcional a ser vendido e meio de vida para um artista” e em favor
de uma produção antiindividualizada. (2004, p.11)
Dessa “simplicidade” nasciam as atividades do Fluxus, sua ideologia
buscava poetizar as “coisas belas” do cotidiano e banalizar e questionar as
tradicionais belas artes. O nome vem de origem latina e seu significado quer dizer,
por exemplo, “mudança contínua”, “estado não determinado”, “flutuante”. (ZANINI,
2004, p.13).
Ana Paula F. de Camargo Lima, em sua tese de doutorado, Fluxus em
Museus: museus em Fluxus, cita um trecho do catálogo da 17º Bienal de São
Paulo, 1983, que traduz, de maneira poética, o espírito do grupo.
Muito, muito tempo atrás, quando o mundo ainda era novo – isto é, aí por volta
de 1958-, um grupo de artistas, compositores e outras pessoas que queriam
fazer coisas bonitas começaram a olhar o mundo em volta de um jeito novo
(para eles): Diziam: - Ei! Uma xícara de café pode ser mais bonita que uma
escultura grandiosa. Um beijo de manhã pode ser mais teatral que o teatro de
um afetadinho qualquer. O barulho de meus pés nas botas encharcadas de
água pode ser mais bonito que uma imponente música para órgão. E quando
viam essas coisas ficaram mais ligados. E começaram a fazer perguntas. Por
exemplo: - Porque todas as coisas que eu vejo que são bonitas, como xícaras,
beijos e pés em botas encharcadas, têm de ser apenas transformadas em parte
de algo mais bonito e grandioso? Por que não posso simplesmente usá-las
como elas são? (apud LIMA, 2009, p.31).
Dick Higgins, uma história do fluxus para crianças. 45
45
apud Zanini, Walter (org) 17º Bienal de São Paulo, 1983, p.32 (catálogo de exposição)
105
De maneira lúdica poética, por vezes contestadora, o grupo Fluxus
começou a contar uma história diferente para os artistas e a apontar outras rotas a
serem percorridas no universo das artes. A partir de encontros e reuniões,
diversos artistas já propunham ações, anteriores ao “marco oficial” na história do
grupo.
Zanini conta que o grande evento que apresentou o grupo foi “a
multiperformance “Fluxus Internationale Festspiele Neuester Musik” (“Festival
Internacional Fluxus de Música Novíssima”), no salão de festas do Museu do
Estado de Wiesbaden, entre 1º e 23 de setembro de 1962”. O festival era
composto de 14 concertos e dentre os participantes, músicos e artistas de
diversas nacionalidades, estavam Dick Higgins, Alison Knowles, George Brecht,
La Monte Young e Maciunas, nos Estados Unidos e, na Europa, Ben Patterson,
Wolf Vostell, Tomas Schmit, o coreano Nam June Paik, Emmett Williams, Arthur
Koepcke e Robert Filliou.
Zanini comenta que houve “execução de peças de
ausentes, como John Cage”, e que “as performances tinham sua base na “música”
ou “antimúsica”, que criavam com revolucionário caráter teatral, visual e sonoro”.
O Fluxus originou-se de um agrupamento de artistas “como fruto de uma
internacionalização de propósitos”. (ZANINI, 2004, p.13).
Além de desenvolver seus próprios meios de expressão - (concertos,
publicações e festivais, entre outros) – os eventos tinham a intenção de polemizar
e provocar uma mudança na produção artística. Zanini usa as palavras do próprio
manifesto de 1966 para apresentar algumas ideologias do grupo. O Fluxus
“abandonara
a
distinção
“indispensabilidade,
entre
exclusividade,
arte
e
não-arte”
individualidade,
(...)
abandonara
ambição,
a
habilidade,
complexidade, profundidade, grandeza, valores institucionais e utilitários” e
conceituava-o como “monoestrutural, não teatral, não barroco, impessoal,
qualidades impessoais de um simples evento natural, um objeto, um jogo, um
quebra-cabeça ou piada. (ZANINI, 2004, p.12).
Maciunas e seu grupo fluíram em outras águas, no que se refere às
vanguardas artísticas de sua época. Com heranças nos movimentos futurista –
quanto ao “relacionamento das dimensões que separavam ancestralmente a arte
106
da vida” –, dadaísta – no “choque com os dominantes hábitos da sociedade
burguesa, em insólitos caminhos de liberdade” –, e em Duchamp, como guia
conceitual. (ZANINI, 2004, p.11). O grupo foi um dos pioneiros a buscar uma
quebra nos paradigmas das artes através de ações cotidianas no espaço urbano,
como também o desenvolvimento de trocas de informações, obras, arquivos por
meio de redes postais, na criação de festivais, happenings e na produção e
distribuição de mídias alternativas.
Caracterizados por intervenções lúdicas e poéticas no espaço urbano as
atividades do grupo Fluxus além de proporem uma ruptura nos processos
artísticos da sua época também questionavam alguns espaços institucionais, com
certa dose de humor e crítica.
Ana Lima, em sua pesquisa, comenta que em abril de 1963, o grupo,
liderado por George Maciunas, envia por meio do Boletim Fluxus nº6, a proposta
de “sabotar e interromper os usuais mecanismos e protocolos da sociedade de
espetáculo, teatros, museus e galerias.” As instruções eram as seguintes:
1.
Interrupção de concertos durante momentos sensíveis com “bombas de
fedor”, “bombas de espirro” e etc.
2.
Encomendas por telefone em nome de museus, teatros e galerias, a
serem entregues na hora exata ou logo antes das aberturas. Encomendar
grandes objetos: cadeiras alugadas, mesas, palmeiras, caixões, madeira, folhas
de compensado, tijolos, areia, carvão a serem entregues na calçada.
3.
Interromper entradas de salas de concertos, teatros, museus, galerias, etc.
durante as horas críticas chamando (pelo telefone) vários taxis, ambulâncias,
bombeiros, etc.etc.etc. (isso poderia ser combinado com a “pane” da frota
Fluxus). (LIMA, 2009, p.47).
Ana Lima atesta não conseguir relatar o quanto dessa proposta foi
empreendida, porém, traz como relevância, que a partir da conservação física
desse boletim, que chamaremos de arquivo, permanece “potencialmente uma
temporalidade estendida”, numa idéia de “fricção entre os limites da cultura
instituída e a rua”. (LIMA, 2009, p.47).
107
Assim, as proposições do grupo trouxeram para o espaço urbano
intervenções físicas com caráter ideológico de questionamentos, como no caso
das ações propostas pelo Boletim nº 6, também possibilitou uma diferente
circulação no fluxo de pessoas promovendo os festivais, e das informações,
desdobramentos, mapas ideológicos, transmitidas pelas obras (por músicas,
revistas e outros). Dessas propostas e eventos, o que se tem são arquivos e
documentações, como no caso do boletim nº 6, filmes e cartas, que se tornaram o
registro histórico de um pensamento coletivo, vivenciado por diversos artistas que
estavam conectados por essas redes.
A respeito das ações do grupo, por vezes individuais, Ana Lima, ainda em
sua pesquisa, descreve que o artista Robert Filliou instalou, em 1961, uma galeria
aberta na laje de seu apartamento para trazer interações imprevisíveis e ilimitadas
a partir de elementos como vizinhos, amigos, músicos, pássaros, chuva, numa
criação coletiva com os fluxos aéreos. Ana Lima relata que essa galeria era “um
ambiente no qual o aforismo “Arte é o que faz a vida mais interessante que a
arte46” (que toma emprestado dos dadaístas) fosse realmente experimentado”.
Assim, enfatiza a pesquisadora que a reivindicação pela liberdade, numa fusão
arte e vida, fazia do Fluxus “antes um estilo de vida do que uma estética ou teoria
rotulável”. (LIMA, 2009, p.48).
Robert Filliou propôs também a criação de uma Eternal Network, uma
conexão em que os artistas seriam pontos autônomos de contato e de troca, uma
valorização à interatividade e a circulação de instruções, mapas, partituras,
intituladas de cartão fluxus, produzidos com materiais de baixa qualidade e
semelhantes às cartas de baralho e também a cartões de visita, descartava-se
assim a necessidade de espaços instituídos pelos sistemas das artes.
Ana Lima, usando também as palavras de Robert Fillilou, descreve que a
abolição desses espaços:
permitiria, por outro lado a existência da arte em qualquer local onde se pense e
faça e discuta arte e vida, substituindo-se o conceito histórico de uma
vanguarda artística pelo de uma rede aberta, livre e eterna: “onde
46
Robert Fillilou
108
permanentemente existe alguém que faz uma coisa e alguém que faz outra
coisa. Há sempre alguém que dorme, alguém que se abstém, alguém que ama.
Somente a rede é eterna. (apud LIMA, 2009, p.50).
As proposições de Robert Fillilou trouxeram inúmeros desdobramentos para
as questões da arte conceitual, essas formas de agir, pensar e executar arte
problematizaram não só as relações de espaços e de desconstrução do objeto
arte, mas também refletiram e questionaram valores sociais, políticos e
econômicos.
Hélio Fervenza em seu texto - Considerações da arte que não se parece
com arte47 – apresenta uma proposição artística onde Allan Kaprow prepara um
chá gelado.
Ele coloca um recipiente no fogo para aquecer a água e observa quando esta
começa a ferver, sente o calor e vê as nuvens de vapor que se formam. Depois
derrama o líquido num bule e coloca folhas de chá. Uma vez resfriada a
infusão, ele acrescenta cubos de gelo. Ele sente o frio desses sólidos e observa
seus gestos ao manipulá-los. Ele faz chá, observa e se observa. (FERVENZA,
2005, p.95).
A proposta de Allan Kaprow vem como uma resposta a uma sugestão
impressa em pequenos cartões por George Brecht, entre 1959 e 1962, contidas
num dos textos de Events (Eventos). Textos esses que podiam ser compreendidos
e interpretados de forma diferente, geralmente aberta e ambígua.
Três eventos aquosos
gelo, água, vapor
Segundo Fervenza, esses eram os dizeres do cartão escolhido por Kaprow
e a poética estava na sua concepção de arte, propondo a produção de uma
bebida como manifestação artística. A grande relevância desses acontecimentos
na arte conceitual vem a ser as potenciais mudanças que os artistas quando
articulados em grupos, comunidades ou redes conseguem gerar, com a
47
Considerações da arte que não se parece com arte, Concinnitas, ano 6, volume 1, número 8, julho 2005
109
possibilidade de influenciar outros artistas e outras gerações, cada qual a sua
maneira. Na perspectiva do Fluxus, os trabalhos além de apontar para outros
rumos, novos espaços de circulação, também são embriagados de uma poética
lúdica e grande dose de humor.
No fluxo do Fluxus podemos destacar muitos artistas internacionais e
brasileiros, mas neste trabalho destaco dois artistas brasileiros, Cildo Meireles e
Paulo Brusky. A escolha deu-se pelo motivo de que esses artistas conseguiram
ampliar o sentido de circulação das propostas artísticas, a partir da criação de
espaços autônomos com a abertura de fluxos alternativos de informação inseridos
em suas obras.
Segundo Cristina Freire, em 1970, Cildo Meireles publica na seção de
“Classificados” do Jornal do Brasil dois anúncios intitulados Inserções. Anúncios
que antecederam a série Inserções em Circuitos Ideológicos, que será comentada
adiante. (2006, p.59).
Com essa obra, Cildo Meireles utiliza-se do meio de comunicação como
canal
para
inserção
de
informações
diferentes
daquelas
das
mídias
convencionais. Em depoimento registrado por Antônio Manuel para sua pesquisa
“Ondas do Corpo” o próprio Cildo Meireles48 aponta que:
Na verdade, as "Inserções em circuitos ideológicos" nasceram da necessidade
de se criar um sistema de circulação, de troca de informações, que não
dependesse de nenhum tipo de controle centralizado. Uma língua. Um sistema
que, na essência, se opusesse ao da imprensa, do rádio, da televisão,
exemplos típicos de media que atingem de fato um público imenso, mas em
cujo sistema de circulação está sempre presente um determinado controle e um
determinado afunilamento da inserção. Quer dizer, neles a 'inserção' é exercida
por uma elite que tem acesso aos níveis em que o sistema se desenvolve:
sofisticação tecnológica envolvendo alta soma de dinheiro e/ou poder. (1981)
48
*Extraído do depoimento de C.M. registrado na pesquisa Ondas do corpo, de Antônio Manuel. Copy-desk e
montagem do texto: Eudoro Augusto Macieira. Publicado no Livro "Cildo Meireles" da FUNARTE. Rio de Janeiro,
1981. (http://passantes.redezero.org/reportagens/cildo/inserc.htm) 23/08/2010.
110
Em 1970, Cildo Meireles propõe inserções em espaços não convencionais
para as artes, com a intenção de não depender de museus, galerias e críticos e
também de propor reflexão sobre os mesmos. Os artistas procuravam maneiras
de possuir autonomia total dos sistemas das artes, pois queriam trazer à tona
questionamentos sem que estivessem expostos à censura, sem pedir permissão,
atestando que o desdobramento da obra se daria pelo envolvimento imediato com
o público que estaria recebendo essas informações em diferentes canais de
circuitos ideológicos e dentro do próprio sistema de troca e comércio de
mercadorias
de
uso
cotidiano,
como,
no
exemplo
dos
classificados,
posteriormente nas garrafas de coca-cola e papel moeda.
Seguindo com o depoimento de Cildo,
Enquanto o museu, a galeria e a tela forem um espaço sagrado da
representação, tornam-se um triângulo das Bermudas: qualquer coisa, qualquer
idéia que você colocar lá vai ser automaticamente neutralizada. Acho que a
gente tentou prioritariamente o compromisso com o público. Não com o
comprador (mercado) de arte. Mas com a platéia mesmo. Esse rosto
indeterminado, o elemento mais importante dessa estrutura. De trabalhar com
essa maravilhosa possibilidade que as artes plásticas oferecem, de criar para
cada nova idéia uma nova linguagem para expressá-la. Trabalhar sempre com
essa possibilidade de transgressão ao nível do real. Quer dizer, fazer trabalhos
que não existam simplesmente no espaço consentido, consagrado, sagrado.
Que não aconteçam simplesmente ao nível de uma tela, de uma superfície, de
uma representação. Não mais trabalhar com a metáfora da pólvora - trabalhar
com a pólvora mesmo. (1981)
Assim, nessa busca para transmissão de “contra-informações”, como ele
mesmo descreve, Cildo Meireles desenvolve o “Projeto Coca-Cola”. É com frases
como “Yankees go home” que Cildo interfere diretamente nas garrafas de CocaCola a partir de decalques, inserindo informações que tanto contestavam a
produção capitalista, sendo a Coca-Cola um ícone, quanto criava um novo circuito,
inserido na própria obra que fora apropriada, um objeto não convencional das
111
artes, de uso comercial, cotidiano, e devolvida ao próprio sistema capitalista com
uma nova mensagem.
Hélio Fervenza descreve sobre a proposição do projeto de Cildo Meireles
fazendo um comparativo com o chá de Allan Kaprow.
Dessa vez não era uma bebida feita em casa, mas produzida e engarrafada aos
milhares industrialmente. Mais precisamente, ele questionava sua distribuição,
os significados por ela veiculados e sua onipresença econômica e cultural. Ao
mesmo tempo, indagava-se sobre o sistema de circulação que tornava isso
possível. Este se constituía na venda, no consumo da bebida e na devolução de
sua embalagem. Assim, produzia-se um ciclo, um circuito: a embalagem saía da
indústria para o distribuidor, do distribuidor para o consumidor e depois, num
movimento inverso, este último a devolvia ao distribuidor, que a fazia retornar à
indústria para ser de novo reutilizada. (2005, p.96).
Essas
proposições
foram
intituladas
de
“Inserções
em
Circuitos
Ideológicos” e, para Fervenza, Cildo percebe que ao utilizar o próprio sistema,
abre-se uma oportunidade para uma atuação crítica, que é inserida no mesmo
circuito percorrido pelas mercadorias industriais a partir das novas mensagens
aplicadas no objeto e devolvidas ao mercado. Em relação à arte e indústria Cildo
complementa, ainda em sua entrevista, que,
Por pressuposto, a arte teria uma função social e teria mais meios de ser
densamente consciente. Maior densidade de consciência em relação à sociedade
da qual emerge. E o papel da indústria é exatamente o contrário disso. Tal qual
existe hoje, a força da indústria se baseia no maior coeficiente possível de
alienação. Então as anotações sobre o projeto "Inserções em circuitos ideológicos"
opunham justamente a arte à indústria. (1981).
Dessa forma, Cildo permite-se questionar o sistema, num processo
autônomo e utilizando os próprios meios da indústria, visto que essas proposições
aconteceram no inicio da década de 1970, período no qual o Brasil vivia um
regime de grande censura e sobre intensa ditadura militar. Foi nessa fase de
medo e silêncio que surgiram proposições com caráter político e social crítico de
112
Cildo Meireles para com o então regime ditatorial. Esses anos que seguiram ao AI5 foram um período em que o regime militar com intenção de manter seu poder e
forçar a censura causou inúmeras prisões, torturas, exílios e mortes de artistas,
jornalistas e estudantes que se posicionavam contra o regime. Em 1975, Cildo
Meireles desenvolveu uma mensagem de crítica a esses acontecimentos. Em uma
série de notas de um cruzeiro carimbou a frase “Quem matou Herzog?”,
polemizando o “desaparecimento do jornalista Wladimir Herzog, morto pelos
órgãos de repressão dos militares. As obras de Cildo Meireles traziam fortes
questionamentos a respeito da política, do circuito institucionalizado das artes, do
sistema capitalista e do mercado da arte, porém, uma das questões mais
relevantes de sua obra é que nesses dois exemplos – garrafas de coca-cola e
notas carimbadas –, além das frases de conteúdo crítico, que serviam de estímulo,
exemplo para a continuação dessas propostas por outros sujeitos e também para
futuras proposições. Em algumas garrafas de Coca-Cola Cildo usou a frase;
“Gravar nas garrafas, opiniões críticas e devolvê-las à circulação”, e seguindo com
suas iniciais C.M. e a data, e também a frase “a reprodução dessa peça é livre e
aberta a toda e qualquer pessoa”. Sendo assim, o artista além de propor suas
inserções, também permite que essas possam ser veiculadas por outros sujeitos,
aumentando o poder de audiência e circulação da obra. Atualmente, o artista
inglês Banksy também permite o uso de suas imagens para download em seu site,
o que será tratado no próximo capítulo com mais profundidade, não só sobre o
artista, mas também sobre os desdobramentos de seus arquivos no virtual 49.
Paulo Bruscky, nos anos 1970, foi um dos artistas brasileiros em
conectividade com grupo Fluxos e que, juntamente com Julio Plaza, Mario
Ishikawa, Regina Silveira, Ivald Granato, Regina Water, Anna Bella Geiger, Bené
Fonteles, J. Medeiro, Unhandeijara Lisboa, Daniel Santiago, Ângelo de Aquino,
Gabriel Borba, Mauricio Fridman, e os mais jovens Mario Ramiro, Tadeu Jungle,
Walter Silveira, Hudnilson Jr. e muitos outros participantes compunham o
movimento da arte postal. (FREIRE, 2006, 65).
49
(http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo4/arteguerrilha/cildo/index.html) acessado em 22/10/10.
113
Bruscky é considerado um dos grandes expoentes desse campo artístico,
tanto pelas articulações quanto pela produção e suas conexões. Para Cristina
Freire, a arte postal foi muito significativa pela força subversiva à arte, pelo
rompimento com o mercantilismo e também pelo fato de compartilhar as criações
com o maior número possível de pessoas através da rede postal. (2006, p.64). A
arte postal permitiu uma facilidade de trocas de informações muito importante na
época, com a possibilidade de conexão de indivíduos até então na periferia dos
circuitos das artes como os latino-americanos, que buscaram na produção artística
em rede de correios uma chance para “subverter a repressão política e participar
do debate artístico mais amplo”. (FREIRE, 2006, p. 65).
Cristina Freire aponta que por meio da arte postal o valor de exposição foi
suprido pelo de circulação, onde a movimentação dos “arquivos-conceito”
transitava pelas margens dos circuitos oficiais das artes e transitava nas diferentes
localidades e temporalidades. Para a autora, as operações de trocas poderiam ser
divididas em três tipos:
a intervenção nos meios físicos que compõem a mensagem enviada pelo
correio, como por exemplo nos envelopes, selos, carimbos e etc.; a utilização
da via postal para a remessa de obras passíveis de serem enviadas pelo
correio como fotografias, Xerox, projetos e etc.; ou ainda a intervenção na
própria estrutura dos Correios. Não é procedente identificar cada artista, uma
vez que toda a rede de comunicação emissor-receptor, mensagem e suporte
constitui um sistema único. Isso significa que a figura do criador isolado dilui-se
com freqüência e o circuito artístico institucionalizado é questionado pelo
enorme elenco de participantes. (2006, p.67).
E, se na arte conceitual das décadas de 1960 e 1970 a arte correio tecia
uma importante rede entre artistas de todo mundo, e tinha como base a troca de
arquivos e registros que por muitas vezes questionavam os sistemas
institucionalizados, tanto das artes quanto do próprio capitalismo, atualmente,
essa rede de comunicação, inserida nos fenômenos da cultura digital, faz da
internet o meio de propagação mais importante na atualidade.
114
Cristina Freire descreve que os artistas “articulados à contracultura”,
produziram e geraram de maneira autônoma periódicos, inúmeras formas “de
jornais, fanzines, selos, carimbos, cartões e uma quantidade significativa de lista
de endereços tipo “quem é quem”. Para a autora, esses artistas “foram
precursores da internet, pois a rede postal era uma internet menos ágil e mais
preocupada com a relação forma-conteúdo”. (2006, p. 59).
Em uma entrevista ao livro Conceitualismos do Sul/ Sur, organizado por
Cristina Freire e Ana Longoni, Paulo Bruscky disse:
Os primeiros contatos com alguns integrantes do Grupo Fluxus, como também
com artistas do grupo japonês Gutai, ocorreram no início dos anos 1970, através
do movimento internacional de arte correio, sendo uma grande rede que
incorporou os equipamentos tecnológicos de comunicação até chegar na internet,
e possibilitou não só o intercâmbio entre artistas dos mais diversos países como
possibilitou exposições e realizações de projetos, agrupando estes artistas em
uma grande comunidade, já iniciada alguns anos antes pelos primeiros integrantes
do Fluxus. (BRUSCKY apud FREIRE, 2009, p.73).
É na abertura de circuitos alternativos que a arte conceitual tem uma de
suas expressões mais fortes, a partir da formação de redes de comunicação e
produção artística autônoma diante dos sistemas tradicionais. Para Cristina Freire,
“está implícita, dentro desse movimento da arte postal, a noção de uma forma de
arte como comunicação, sem a necessidade de intermediários, que desprezava as
instituições e visava uma produção direta para seu público, muitas vezes utilizando
o próprio sistema a ser questionado”. (2006, p. 57).
Seguindo a entrevista com Paulo Bruscky,
A arte correio surgiu como um veículo para unir as pessoas do mundo todo que
trabalhavam no mesmo segmento. Eu fiz um levantamento no Recife que você
pode fazer a projeção para qualquer lugar, guardadas as devidas proporções, e
esse era o único meio de comunicação incontrolada. Na época era preciso quase
metade da população para controlar o fluxo de correspondência expedida e
115
recebida. Era algo com a participação do mundo todo. Nós discutíamos o problema
social, inclusive. Na verdade, a proposta maior era o intercâmbio. O que ficou é a
prova disso, não são obras. É claro que tudo termina sendo obra, mas é a
comprovação de que o mais importante da comunicação entre os artistas era
discutir a vida, os conceitos.Tudo vira obra: se for uma coisa de artista,
inevitavelmente vira obra.
A internet hoje também cumpre hoje esse papel. Todos os e-mails… Realmente,
hoje há uma grande rede que veio evoluindo em função do correio, porque esse
era o único meio internacional de se comunicar. Essa rede podia unir artistas
porque estourou num momento que já vinham trabalhando isoladamente. Essa
rede conseguiu juntar essas pessoas do mundo todo, que já se afinavam no
conceito. O subterrâneo explodiu naquela época e conseguiu cumprir um papel
que vem desenvolvendo até hoje: a comunicação entre os artistas, a grande
discussão, que é o mais importante. (apud FREIRE, 2009, p.77).
Percebemos que para Paulo Bruscky, a rede serviu para unir artistas de
diferentes lugares que se afinavam com conceitos similares e que através da
transferência de arquivos tinham não só os registros das movimentações, mas
também os mesmos acabavam se tornando obra pelo fato de estar fazendo parte
de um processo artístico-cultural. Nessa mesma perspectiva, também percebo
atualmente a internet com a rede dos tags/pixos/graffiti traçando linhas similares
aos processos da arte postal. Essa rede também possibilita a união de diferentes
sujeitos e a troca de arquivos se dá através da migração deles para o espaço
virtual, a diferença através da percepção, que anteriormente era tátil e, agora, via
hipertexto digital.
Para Cristina Freire, “a arte postal transfere o foco do que é
tradicionalmente chamado de “arte” para o conceito mais amplo de cultura” e, para
a autora, essa mudança vem a ser o que faz essa prática artística ser tão
contemporânea. (2006,p.68).
Dentro da cultura da arte postal, a riqueza estava também em integrar
indivíduos de países que circulavam fora do circuito hegemônico dos Estados
Unidos e da Europa Ocidental. Esses circuitos autônomos eram responsáveis por
inúmeras exposições alternativas ao redor do mundo. Sua maior importância,
segundo Cristina Freire, é a criação de uma comunidade, uma tribo imaginária.
116
Tribo essa que conseguiu romper barreiras, estruturas, quebrar paradigmas
através de diferentes proposições artísticas e de uma produção autônoma, que
criou diferentes circuitos e propôs outros espaços. Para Freire, “vale lembrar que a
posição política não está necessariamente no conteúdo, mas nas estratégias e
práticas”. (2006, p.68).
Cristina Freire aponta que a arte postal foi uma espécie de estratégia
libertária, que articulou e mobilizou inúmeros artistas num contexto político
repressor e que a cada dia essa noção de rede se expande e englobam outras
mídias como telefone, fax e, por fim, a internet.
A arte postal possibilitou a criação de novos processos de significação
artística muitas vezes engajada num contexto político e social. Um exemplo disso
é apresentado pela autora, que relata o fato ocorrido com o artista Clemente
Padin, preso em 1977 pela ditadura uruguaia. Uma grande ação feita pelos
artistas, por meio da mobilização em rede, conseguiu pressionar o governo o que
levou à sua libertação. Para Padin, a arte postal representa uma descentralização
dos sistemas de arte – galerias, museus, críticos e curadores –, que possuem um
sistema de marketing e prestígio imponente e hegemônico na arte. Padin resume
seu pensamento em novos objetos para novos sujeitos. (FREIRE, 2006, p.70)
Cristina Freire relata que a intenção e os valores dessa rede sofreram
mudanças, pois, se anteriormente a arte postal questionava o status da arte como
bem do consumo, agora esses valores são substituídos, em alguns projetos na
internet, por uma postura mais radical que visa “promover uma sociedade mais
justa e solidária, por meio da atividade artística”. (2006, p.72).
Um dos grandes exemplos sobre os novos ativismos na net, citado pela
pesquisadora, é a artista mexicana Minerva Cuevas, com um trabalho investido de
questionar
as
grandes
corporações.
A
Mejor
Vida
Corporation
(www.irational.org/mvc) – uma empresa virtual com estrutura semelhante a de
grandes corporações, visa subverter o sentido das ações de comércio na rede. A
M.V.C. propõe mudanças sociais através de suas ações, campanhas e produtos,
bem como as relações sociais nesse tempo de globalização. Quando
117
entrevistada50,
durante
a
apresentação
de
seu
–
projeto
"Information/Misinformation" –, parte da 24ª Graphic Biennial, em Ljubljana,
Slovenia, maio de 2001, ela declarou:
É comum, por exemplo, que um dos artistas que está conectado ao meu trabalho
é Cildo Meireles com as garrafas de coca-cola ou as notas de dinheiro, mas eu
acho que e ele tem uma abordagem diferente nos assuntos sociais, eu não acho
que existe tal coisa como “arte política”. Eu penso no projeto MVC em termos de
ativismo social, mas estou usando mediadores e instituições do contexto da arte.
Uma coisa é usar elementos de um contexto social específico para produzir uma
obra de arte e outra coisa fazer um projeto útil em termos sociais. (tradução livre
do autor)51
Para a artista, seu projeto intitulado Mejor Vida Corporation busca através
de ações no corpo social, não só questionar, mas acima de tudo, busca a
possibilidade de transformar o meio. Minerva salienta a possibilidade de estar
utilizando o museu para articular uma audiência específica, mas enfoca também
que a internet e as intervenções urbanas também são excelentes canais de mídia.
Outra questão que Cuevas menciona nessa conversa, retirada de seu próprio site,
é que seu projeto assemelha-se ao Ne Pas Plier, na França, que se utiliza de
canais midiáticos como internet, adesivos, banners, cartões postais e jornais de
maneira autônoma, com intuito de transformação do meio a partir da informação
de cunho social, aplicada em materiais publicitários, similares ao das grandes
corporações hegemônicas. No entanto, a artista considera que além da
informação, a grande beleza desse coletivo francês está também em trabalhar
diretamente com crianças em projetos educacionais. Para Minerva Cuevas, o
50
Conversa entre Hans Ulrich Obrist e Minerva Cuevas (www.irational.org/mvc ) acessado em 22/10/2010
51
It's common, for example, that one of the artists that is linked to my work is Cildo Meireles with the coca-cola bottles or
money paper, but I find that he has a very different approach to social issues, I don't think there is such a thing as "political
art". I think about the MVC project in terms of social activism, but I am using mediums and institutions from the art context.
One thing is use elements from a specific social context to produce an art piece and another one to make a project useful in
social terms. (www.irational.org/mvc).
118
ativismo deve ser considerado como um way of life, e essa decisão é uma decisão
pessoal, em vista que muitos coletivos tem uma duração curta.
Ao refletir sobre essas práticas artísticas, percebo que as ações propostas
pelos artistas, quando articuladas em grupo, quando colocadas em circulação de
forma autônoma, deslocada das instituições, restabelecem conceitos, provocam
rupturas, questionam o sistema, apropriam-se dele e aumentam suas polifonias.
A arte se fez presente sugerindo a ausência de moldes estagnados,
passíveis de hierarquias, controles e subordinação. Seja para revolucionar
gerações, seja preparando um chá, escrevendo em garrafas, enviando cartas,
ouvindo o barulho da água dentro de botas encharcadas ou propondo a abertura
de galerias no terraço de nossas casas. Como disse Lygia Clark em 1968: “(...)
somos os propositores: nossa proposição é o diálogo: sós, não existimos; estamos
a vosso dispor [...] somos os propositores: não lhe propomos nem o passado nem
o futuro mas o agora.” (apud LIMA, 2009, p.50)
Esses artistas criaram suas redes e traçaram novos caminhos para as
artes. Suas propostas eram, em suma, dialogar, poetizar e questionar a própria
vida, os conceitos preestabelecidos e a ordem, tanto das coisas quantos as que
foram ditadas. Se não tinham espaços, eles criavam espaços ou sugeriam
diferentes mídias. Organizavam festas, trocavam poesias e afrontavam a ditadura,
carimbavam o dinheiro e destituíam o valor de mercado da obra, desfazendo a
noção distorcida de que o público, em arte, não é aquele que a consome, que tem
poder aquisitivo e que compra objetos de arte, como apontou Cildo Meireles em
seu depoimento. Esses artistas plantaram, fora do circuito tradicional das artes,
sementes tão ricas, belas e potentes, efêmeras como as flores da primavera. Seu
perfume e suas cores residem na memória daqueles que puderam percebê-las.
Hoje, o registro dessas flores foi multiplicado, copiado e desdobrado e, depois,
pendurado nas paredes das próprias instituições as quais elas haviam brotado no
lado de fora, na calçada, no terreno ao lado, como ervas daninha ou flores
silvestres. Hoje, a memória dessas proposições reside nas próprias cartas, nas
fotos de mãos que carimbam, nos filmes e nos cartões dentre outros, que foram
circulados e trocados pelos artistas em rede.
119
Para Cristina Freire, a grande parcela da memória artística contemporânea
reside em arquivos de artistas alimentados pelos fluxos das redes postais. Para a
autora, temos que “compreender arquivo como uma metáfora e observar seu
alcance mais amplo e fecundo no domínio da arte contemporânea.” (2006, p.73).
Seguindo com sua pesquisa, Cristina Freire cita que grande parte do
projeto intelectual de Michel Foulcault pode ser compreendido como uma forma de
arqueologia.
Advém daí um conceito de arquivo, obviamente diferente do sentido comum de
espaço físico para armazenagem de documentos e obras. O arquivo é, para o
filósofo, um dispositivo que não conserva coisas, antes, revela, mesmo que por
fragmentos, um sistema e arranjo de idéias. (apud FREIRE, 2006, p.73).
Se na arte postal, os arquivos, registros das movimentações e trocas de
experiência entre os artistas revelaram idéias, proporcionaram rupturas em
conceitos estagnados, então, atualmente os sites, onde os registros das ações
produzidas pela cena cultural da arte urbana contemporânea tem sido arquivados
e comentados pelos protagonistas, revelam uma espécie de narrativa histórica do
que vem acontecendo nas ruas.
A internet vem sendo usada pelos artistas e escritores urbanos que postam
os arquivos com fotos e vídeos, tecendo essa grande rede mundial. A produção
dessa cultura digital se estabelece no próprio processo de navegar por entre
esses arquivos e no desdobramento dos mesmos. Temos como base dos sites de
relacionamentos o download dos registros das intervenções urbanas, ou seja, as
fotos dos espaços apropriados pela própria cultura dos tags/pixos/graffiti,
digitalizadas e postadas na internet.
Nota-se, é certo, uma mudança nos sentidos das redes, e o papel
desempenhado pela internet não deve ser menosprezado. Devemos lembrar
que a internet não é apenas um meio como a pintura, a gravura ou vídeo, mas,
sobretudo um sistema de transmissão de dados que, potencialmente, simula
todos os meios de reprodução. Na rede mundial de computadores surgem
projetos que, de certa forma, remontam à estratégia futurista, reavivada pela
120
arte postal, de organizar ações coletivas. A rede torna-se esse lugar de
associação temporária onde arte e política encontram-se. Não por acaso, são
as gerações mais jovens que se valem dessa rede sem centro e, dentro das
possibilidades dadas pelo contexto histórico e tecnológico, operam-na
estrategicamente, num misto de “provocação e esperança”. (FREIRE, 2006,
p.70).
Esses arquivos revelam e traduzem o posicionamento político dos seus
autores e promovem uma autorrepresentação dos indivíduos e de sua
comunidade. A organização em rede digital faz desse canal um circuito para a
proposição de novos rumos, traz a possibilidade de aproximação e discussão. Mas
também apresenta os questionamentos dentro das próprias comunidades, com o
intuito de fortalecimento da identidade. Talvez uma provocação ao sistema, os
artistas utilizam-se dos meios fornecidos por ele para abrir espaço para a troca de
informações com conteúdos transgressores, poéticos, lúdicos e anti-hegemônicos.
Uma publicidade que foi roubada de sua proposta de veiculação dos produtos
capitalistas e que agora traduz a polifonia das ruas em mídias digitais,
promovendo, assim, esperança e caos.
121
Capítulo 4
CORES EM BITS
122
4.1 [email protected]
Na
cultura
digital
dos
[email protected],
as
imagens
conseguem alcançar diferentes pontos ativando a subjetividade do receptor
possibilitando uma valorização dessas comunidades. Histórias essas que são
transmitidas pelos próprios atores e escritores, que fomentam sua cultura via
geografias concretas da cidade e, agora, nas vias de uma “cibercidade”. Como
lembra Freire:
A narrativa histórica para Foucault não é seqüencial, mas passa por mudanças
abruptas e profundas. A questão relevante que se coloca nas análises históricas
não são continuidades a se estabelecerem como tradição e rastro, mas o recorte,
a ruptura e o limite, “as transformações que valem como fundação e renovação
dos fundamentos.” (FREIRE, 2006, p.74).
Este capítulo tem como intenção descrever alguns acontecimentos,
mudanças e rupturas apresentadas por meio de fatos históricos, de pesquisas no
campo virtual, que ocorreram no período de 2008 a 2010, e entrevistas feitas
através de um questionário, via email, e conversas corpo a corpo.
Os ensejos pelas questões aqui apresentadas partiram da minha
experiência nas intervenções nas ruas e, também, de informações compartilhadas
na rede virtual e na troca de arquivos e links.
Foi a partir dessas pesquisas sobre as redes de relacionamento dos
escritores urbanos, que percebi que muitos artistas saíram do anonimato e
conquistaram espaço e fizeram circular suas obras despertando novos blocos de
percepção, adquiriram respeito, ou não, e, em alguns casos, alcançaram distantes
regiões geográficas através das redes de relacionamentos virtuais.
Este capítulo é dividido em quatro partes: O ROLÊ, O BOMBARDEIO, OS
ATACKS e AS TRETAS.
A primeira parte, O ROLÊ, retrata a deriva pelo meio digital e a maneira
como
cada
escritor
urbano
enxerga
essa
possibilidade
virtual
dos
tags/pixos/graffiti. A fundamentação dessa parte foi por meio de entrevistas com
123
diferentes escritores urbanos, feitas pela rede digital dentro das plataformas
multiusuários.
A segunda parte, O BOMBARDEIO, apresenta dois artistas, Banksy e Blu,
que se destacam na cena artística urbana mundial. Essa escolha deu-se pela
percepção de que ambos haviam alcançado notoriedade a partir da divulgação de
suas obras via internet. Os sites proporcionaram uma excelente visibilidade e
audiência e trouxe para esses artistas um ganho de capital simbólico e inserção
no campo e mercado das artes.
A terceira parte descreve os três ATACKS ocorridos às instituições de arte
– Centro Universitário de Belas Artes, Galeria Choque Cultural e 28ª Bienal de
São Paulo, em 2008. Esses ATACKS foram o resultado de ações planejadas,
organizada e divulgada em redes virtuais. A internet serviu de base para o
ativismo político e social e foi um canal para a proliferação de ideias e para a
divulgação dos registros das fotos, vídeos, debates e seus desdobramentos na
mídia oficial e nas redes dos escritores-pixadores.
A última parte são as TRETAS entre os escritores urbanos. TRETA na gíria
urbana vem a ser discussão, conflito, desarmonia, falta de respeito e brigas em
geral. As TRETAS aqui apresentadas referem-se ao resultado de um quarto
ATACK, onde o mesmo grupo de pixadores, apresentados acima, “atropelaram” –
pintaram por cima - de murais de graffiti de escritores urbanos consagrados no
campo das artes e na grande mídia. O resultado desse último atack foi uma
discussão nas ruas e dentro dos canais virtuais de comunicação, como no caso do
Brasil, as duas plataformas multiusuários mais conhecidas dentre os escritores
urbanos,
o Fotolog e o Flickr. Escolhi uma página de cada uma dessas
plataformas multiusuários, ainda que elas sejam do mesmo escritor urbano, o
Djan “Cripta”.
124
4.2 O ROLê
O rolê na tradição dos tags/pixos/graffiti é o modo de caminhar pelas vias
urbanas descobrindo novos espaços para deixar um registro e tecer uma rede de
comunicação entre os grupos de escritores urbanos. A revolução tecnológica
trouxe mudanças e a comunicação passou a ser também uma comunicação
digital, fator que refletiu diretamente nesse universo dos tags/pixos/graffiti. Agora
o rolê é percebido, editado e desdobrado também via internet. É nessa rede que
outros artistas e escritores urbanos contemporâneos, anônimos como eu,
conseguem aumentar o volume de nossas vozes e fazem circular nossas
narrativas, conquistam o respeito nas comunidades, nas quais constroem uma
identificação cultural, sem dependência e censura de mídias convencionais.
A produção cultural dessa comunidade, agrupada hoje pelas geografias
virtuais, já não é somente passada através da oralidade ou da narrativa escrita
linear. Agora os processos culturais transitam por entre satélites, através de
arquivos digitais nessa imensa rede. São eles verdadeiros hipertextos, grandes
portas e Windows que se abrem nas paredes dessa cibercidade. O tempo e
espaço já não são quantificados pelos ponteiros analógicos da geração anterior,
agora tudo é baseado na velocidade das transmissões e acessos, por meio dos
suportes e das tecnologias. Sendo assim a transmissão de registros, experiências
também vivenciadas pela luz das telas das máquinas são as responsáveis por
esse udugrudi virtual que tem por definição cultura digital. Esse rolê vem a ser um
caminho também percorrido dentro desse espaço virtual, por entre sites individuais
dos escritores e nas plataformas multiusuários como flickrs e fotologs.
Quais são as questões e as relações dos escritores urbanos com a net?
Como se apresentam diante do digital? Quais as influências e mudanças nos
trabalhos e também na própria “imagem” do escritor urbano que se apresenta via
digital?
Para tentar responder tais questões, formulei uma entrevista (questionário)
com duas simples perguntas e mandei e-mails para amigos próximos e distantes,
tanto no plano de amizades, como no simbólico.
125
As questões:

Defina sua expressão urbana e quais os motivos que te levam a fazê-la?

Qual a importância da internet para seu trabalho artístico e suas relações
com outros escritores urbanos. (ex:)
Nem todas as entrevistas foram respondidas. Alguns diziam não possuir
tempo e nem habilidade para com a escrita. O artista italiano Blu, famoso pela
relevância política de seu trabalho nas paredes do mundo e da internet,
(apresento seu trabalho nas linhas sobre o BOMBARDEIO) respondeu meu email, mas ressaltou que devido à demanda (perguntas quotidianas de estudantes,
curiosos e interessados, pesquisadores), ele não tem tempo hábil para responder
a todos e que em seu site seria possível obter as informações sobre sua pessoa e
trabalho.
As respostas que obtive não são capazes de atestar uma única verdade e
nem também é o foco desta pesquisa trabalhar e analisar de forma quantitativa.
Os
resultados
delas
são
opiniões
de
quem
faz
parte
da
rede
dos
[email protected], a maior agenda urbana que se tem registro.
Apresentarei as questões e as opiniões relatadas por sujeitos plurais de diferentes
nacionalidades e contextos, mas que são próximos na identidade cultural dos
tags/pixos/graffiti. Para ressaltar as opiniões deixarei transcrita tal qual me foi
enviada, garantindo assim maior veracidade e mantendo a linguagem de cada um.
A ordem das respostas será pela sequência que chegaram a mim, pois não seria
viável uma espécie de hierarquia e prioridade. Sobre a importância da internet
seguem as opiniões de alguns escritores.
O escritor urbano Arig, radicado na cidade de Atibaia, conta que seu
costume de desenhar vem desde sua infância, estimulado por sua mãe que o
levava a visitar as Bienais. Aproximadamente em 2000, ele retoma suas
intervenções nas ruas após um longo tempo dedicado exclusivamente as artes
digitais. Segundo Arig (www.dalabo.blogspot.com ):
A maior importância é poder me deliciar com a arte do Planeta todo um exemplo é
todo dia visitar o www.woostercollective.com. As redes sociais são importantes
126
para conhecer quem está por trás de cada projeto e eventualmente fazer um
contato. (entrevista cedida ao autor em 2010).
Atualmente Arig prepara-se para sua exposição coletiva, assim a rede pode
auxiliar a divulgação de sua mostra e a partir do www.woostercollective.com é
possível buscar referências que influenciem seu trabalho.
Vejam também comenta que a internet facilita o conhecimento da cena
artística urbana mundial. Ele descreve que seus trabalhos partem de produções
autorizadas e apropriação de espaços públicos e privados sem autorização, e que
suas obras se espalham por vários locais diferentes, como São Paulo,
Florianópolis e algumas cidades no Chile, dentre outras. Radicado em
Florianópolis Vejam relata que:
A internet facilitou a comunicação de escritores de graffiti do mundo inteiro, graças
a estes contatos surgiram viagens, trocas de informações e conhecimento através
de material fotográfico. Com a internet você pode conhecer a cena do graffiti no
mundo inteiro, você pode comprar material ou seja ela colabora na busca por
informações. Mas esse mundo só existe na rua, a internet é como um banco de
dados. (entrevista cedida ao autor em 2010).
Neste depoimento Vejam retrata a importância da rede nas conexões e
viagens, sejam elas concretas ou virtuais, mas também, afirma que as ações nas
ruas são determinantes a esses desdobramentos.
Na questão das distâncias Tim Tchais (www.flickr.com/photos/timtchais) do
mesmo modo aponta que:
A internet tem uma importância muito grande no meu trabalho por ser um meio de
circulação de informação muito forte e que vence grande parte das fronteiras que
muitas vezes não podemos cruzar geograficamente. Podemos usá-la para
compartilhar informações e resultados dos trabalhos realizados, é um ambiente
onde você pode ver e ser visto sem sair de casa, como tudo nessa vida existem os
prós e os contras, ela aproxima quem está longe e afasta quem está perto.
(entrevista cedida ao autor em 2010)
127
Tim Tchais, que participou da geração do Beco Escola Aprendiz, conta
sobre a importância da comunicação que faz com seu colega de “crew” que vive
em Londres a cerca de nove anos. Entretanto para ele a rede pode proporcionar
uma “ilusão”, pois, alguns indivíduos usam a rede como ferramenta para adquirir
“fama”.
E como está sobrecarregada de informações, nem sempre se pode confiar no que
se vê na rede, sendo muitas vezes um grande mar de ilusão, de onde “brotam”
muitos artistas virtuais hoje em dia, que estão somente nesse ambiente ou tem sua
“marca” bem estabelecida socialmente, no final das contas é um grande ambiente
de propaganda gratuita, e deve ser utilizado da forma que melhor convir para cada
pessoa. (entrevista cedida ao autor em 2010).
A grande rede mundial então conecta os sujeitos de vários cantos e um dos
artistas a responder o questionário via email foi o alemão Stasy e, do mesmo
modo que Tchais, a respeito dessa “fama” na rede, ele comenta que “Eu também
não gosto da “fama” baseada na internet, eu prefiro estar mais no “background”
como pessoa e com meu graffiti é o mesmo.” (entrevista cedida ao autor em
201052)
Para Tchais outra grande relevância é a possibilidade de registro que a
Internet disponibiliza e relata como se deu a mudança do analógico para o digital.
Antes os álbuns de fotos, traziam as informações do que havia sido feito e
registrado, hoje esses mesmos “álbuns” estão quase extintos, e foram trocados
pelas páginas da internet, onde pode- se eternizar um graffiti que nas ruas não tem
a mesma duração, facilmente se pode localizar seus trabalhos no mapa do
Google, algo que era apenas um sonho para os grafiteiros de gerações anteriores
à WorldWideWeb. Por ser muito efêmero o graffiti ou intervenção urbana tem sua
vida prolongada neste meio, facilitando o registro “histórico” e atual do movimento
artístico que está sendo desenvolvido, cuidando sempre pra não cairmos no
engano de pensar que o que está na web se traduz no que está na rua. (entrevista
cedida ao autor em 2010).
52
also I don´t like internetbased fame. I prefer to be in the backround as a person and with my graffiti it is the same.”tradução
livre do autor
128
Rodrigo Rizo, escritor urbano também radicado em Florianópolis, começou
sua expressão nas ruas há oito anos, nesse tempo muitos de seus graffitis foram
apagados, para ele:
Acredito que a internet é ferramenta primordial para qualquer graffiteiro. Quase
mais importante do que fazer graffiti, é ter um registro fotográfico da sua obra,
afinal nunca se sabe quanto vai durar um trabalho na rua, e a foto é a única
lembrança que fica. Como o digital é o que impera, a fotografia vai parar no
computador, e do computador pra internet, o espaço de compartilhamento mais
dinâmico que existe. (entrevista cedida ao autor em 2010).
Rizo, igualmente aos outros aqui citados, delínea que a internet tem
possibilitado uma troca de arquivos entre os escritores e também serve de espaço
de divulgação para seu trabalho. Para ele a conexão permite um intercâmbio
cultural sem precedentes, e segue:
Através da internet entro em contato com diversos artistas do graffiti do mundo
todo. Tenho diversos amigos de outras partes do mundo, que conhecem meu
trabalho, através de fotos que eu publico em minhas páginas pessoais. Nesse
ambiente a gente se abastece mutuamente de referências, você acaba também
absorvendo elementos das obras dos artistas que você se identifica e que
normalmente não teria um contato real que possibilitasse essa troca. Assim é
possível que você enriqueça seu trabalho de uma forma autêntica e não
simplesmente
copiando.
Além disso,
possibilita
também um intercâmbio
presencial. Anualmente recebemos diversos artistas do mundo todo que
conhecemos via internet e que nos visitam sem sequer nos conhecer, e acabam
tendo uma experiência de viagem muito mais rica, por encontrarem pessoas que
como eles, conhecem a cidade que vive como a palma da mão suja de tinta.
(entrevista cedida ao autor em 2010).
Da mesma forma que Rizo, o escritor Enivo (www.flickr.com/enivo) comenta
que a internet:
Facilitou conhecer muita gente, a internet é um veículo que sendo bem utilizado,
podemos tirar muito proveito. Vira e mexe ando fuçando e descobrindo coisas
novas. Mas procuro não me prende muito à internet, gosto mesmo de sentir a
129
plasticidade de uma obra na rua, galeria ou museu,... mas como não posso ainda
viajar o mundo todo, ela é muito válida. (entrevista cedida ao autor em 2010).
O escritor Enivo tem as ruas como lugar de expressão desde 1998, na
idade de doze anos, e desde então vem “marcando as ruas da cidade como um
carimbo de poesias, materializando idéias e sentimentos através da imagem.”
(entrevista cedida ao autor em 2010).
As respostas dos escritores são muito próximas mesmo que as localidades
geográficas sejam distantes. Stasy comenta em sua entrevista sobre o valor de
pesquisa na rede e também sobre as conexões com diferentes escritores, e que
estas possibilitam uma mobilidade geográfica conhecendo os seus flickrfriends:
A internet é muito importante. Eu passo bastante tempo assistindo graffiti na
internet. É como ler o jornal. Eu não tenho certeza se há uma mudança no meu
graffiti por causa disto. Mas me motiva a fazer mais para me desenvolver. Eu não
coloco coisas que eu fiz na internet para todos verem. Apenas meus amigos do
flickr podem ver minhas coisas. Porque existe tanta coisa na internet a obra única
está num círculo vicioso de inflação. Vale menos a pena. Eu não quero que minhas
obras valham menos. Quando estou navegando na internet é muito importante
para mim pegar informações sobre onde comprar tinta, onde pintar e o mais
importante eu encontro pessoas para pintar comigo na internet. Eu apenas procuro
no flickr graffiti mais o lugar que eu quero ir (por exemplo Florianópolis) e então eu
contacto as pessoas. Funcionou bem dessa forma na América do Sul. Então existe
um outro site bem legal. Se chama www.streetfiles.org é como um facebook para
os artistas do graffiti. Estou conectado com vários amigos do graffiti. As vezes eu
agendo reuniões através dessa plataforma com outros escritores. Eu mantenho
contato com as pessoas ou procuro por pessoas novas quando estou indo para
algum lugar novo. (Tradução livre do autor)53
53
The internet is very important. I spent a lot of time watching graffiti pictures in the internet. it is like reading the newspaper.
I am not sure if there is a change in my graffiti because of it. but it gives me motivation to do more and to develop myself. I
don´t put stuff I did in the internet for everybody to see it. just my "flickrfriends" are able to see my stuff. Because there is so
much graffiti in the internet the single piece is in a vicious circle or inflation. it is less worthy. I don´t want my pieces to be less
worthy. when I am traveling the internet is very important for me. i get informations about where to get paint, where to paint
and most important i find people to paint with in the internet. i just look in the flickr for graffiti+ the place i want to go to (for
example florianópolis) and then i contact the people. it worked pretty well that way in southamerica. then there is another
nice website. it is called www.streetfiles.org it is like facebook for graffiti artists. I am connected with o lot a graffiti friends.
130
As entrevistas atestam pontos de vistas comuns entre os escritores
urbanos. É possível notar alguns aspectos muito importantes nessa ocupação na
internet. Muitos escritores buscam também uma maior visibilidade na rede e assim
a partir do volume de comentários e, em alguns casos, como no flickr, é possível
ver o numero de visitações em cada foto, utilizam-se de estratégias diversas para
a obtenção de “fama”, o que é questionado por muitos escritores. Em conversa
informal com alguns escritores, de uma postura mais radical, eles dizem que a
internet pode criar certa ilusão em relação a essa fama e Ibope, pois devido ao
número de acessos e comentários alguns escritores, novatos principalmente,
passam a agir com certa arrogância, e esquecem ou desconhecem alguns
conceitos básicos sobre as raízes dessas expressões culturais. A outra questão
relevante vem a ser sobre o estilo, como já foi citada no primeiro capítulo, esta é
uma das particularidades mais interessantes na net, pois se anteriormente a
criação era influenciada pelos grupos, atualmente se tem um banco de dados
gigante com referências não apenas nos grupos específicos, mas na produção de
imagens em escala global.
Outra questão é o poder da informação e sua liberdade de expressão.
Como nos casos anteriormente citados, a autonomia e a amplitude de alcance são
uma das forças mais potentes na comunicação atual. Ao mesmo tempo em que se
pode contestar o poder hegemônico por meio das intervenções urbanas, pode-se
também ampliar esse alcance fazendo com que exista a possibilidade de acessar
essa informação sem ser censurado e, assim, provocar diferentes canais para a
circulação de uma contra informação, como já havia sido proposta por Cildo
Meireles.
Aqui foram levantados alguns questionamentos. As dimensões desses
possibilitam uma abrangência parcial devido às divergências e a rápida
transformação e renovação tecnológica do meio. Alguns endereços foram
notificados e a senha está dada, se a curiosidade, ou o posicionamento crítico
Sometimes I arrange meetings over this platform with other writers. I stay in touch with people. or look for new people when i
am going to some new place.
131
instigar a novos anseios, basta entrar na rede dos [email protected] e
participar da produção cultural através da interatividade.
4.3 O BOMBARDEIO
Bombardeio é uma expressão derivada da gíria dos tags/pixos/graffiti que
num sentido simbólico atacam, bombardeiam, os espaços urbanos repetidamente
fazendo suas imagens replicarem e serem dessa forma percebidas até aos
desinteressados pela arte urbana. Com as possibilidades de vias virtuais, muitos
grafiteiros também passaram a elaborar sites pessoais e a postar fotos de suas
intervenções urbanas com objetivos apenas de expor seus trabalhos sem usar as
ferramentas tecnológicas para fazer grafitti virtual, mas apenas como espaços
expositivos, e sem possibilitar diálogos interativos através de seu site.
O
bombardeio nesse caso vem a ser a repetição contínua de arquivos em sites
privados. Foi a partir da visibilidade e audiência de intervenções urbanas
publicadas em mídias digitais que alguns artistas alcançaram notoriedade, como
Banksy e Blu, que obtiveram um grande reconhecimento no campo das artes a
partir de seus próprios sites ou de broadcasts themselves.
Sem possibilitar acesso para réplicas, esses artistas se “sacralizam”,
colocando-se numa posição diferente dos demais que se apresentam nas
plataformas multiusuários, onde se torna possível maior interatividade.
132
4.3.1 Banksy www.banksy.co.uk
Eles dizem que o graffiti aterroriza as pessoas e é um símbolo do declínio na
sociedade, mas o graffiti é somente perigoso na mente de três tipos de pessoas;
políticos, publicitários executivos e grafiteiros.
As pessoas que realmente desfiguram nossos bairros são as companhias que
gritam gigantes slogans em prédios e ônibus e vivem tentando fazer com que nos
sintamos inadequados a menos que compremos suas coisas. Eles esperam ser
capaz de gritar suas mensagens na nossa cara em toda superfície disponível, mas
nunca lhe é permitido responder. Bem, eles começaram a briga e o muro é a arma
escolhida para rebater. Algumas pessoas se tornam policiais porque querem fazer
do mundo um lugar melhor. Algumas pessoas se tornam vândalos porque querem
fazer do mundo um lugar melhor para se olhar.” BANKSY (Tradução livre do
autor)54.
Com uma personalidade muito provocativa e usando imagens de
personalidades e autoridades políticas (Pricesa Diana, Rainha Victoria), como
também ícones da cultura de consumo (Mickey e Ronald Mc‟Donald´s), o artista
inglês
Banksy
incita
em
problematizar
diversos
campos
da
sociedade
contemporânea, principalmente as grandes corporações hegemônicas.
As imagens que estavam nas ruas tiveram um alcance muito maior quando
publicadas nos meios digitais e aparecem, simultaneamente, em vários cantos do
mundo. Talvez pelo caráter transgressor das imagens, sua popularidade foi
meteórica. Banksy publicou quatro livros sobre seu próprio trabalho, sendo o
último uma fusão dos anteriores com um projeto gráfico de maior qualidade,
produzido pela editora Century. Em 2001 foi lançado o primeiro livro intitulado
Banging your head against a brick wall, uma publicação cheia de provocação, com
54
They say graffiti frightens people and is symbolic of decline in society, but graffiti is only dangerous in the mind of three
types of people; politicians, advertising executives and graffiti writers. The people who truly deface our neighborhoods are
the companies that scrawl giant slogans across buildings and buses trying to make us feel inadequate unless we by their
stuff. They expect to be able to shout their message in your face from every available surface but you´re never allowed to
answer back. Well, they started the fight and the wall is the weapon of choice to hit them back. Some people become cops
because they want to make a world a better place. Some people become vandals because they want to make the world a
better looking place.54 (BANKSY
133
um projeto gráfico em preto e branco e com um manifesto publicado em suas
páginas iniciais.
É nesse perfil contestador que segue também as duas outras edições,
Existencialism (2002), e Cut it out (2004), chegando por fim na publicação final
Banksy Wall and Piece. Este último livro, segundo fontes pesquisadas por Sergio
Miguel Franco, ficou em primeiro lugar nos Bestsellers, com mais de dez mil
exemplares vendidos. (FRANCO, 2009, p. 135).
Apesar de esses livros serem facilmente baixados por downloads,55 em
versões.pdf, é no site www.banksy.co.uk que sua visibilidade tem maior potência.
Desde o início de minha pesquisa (anterior a esta dissertação, aproximadamente
2007), percebo que o site já sofreu várias modificações, principalmente no
conteúdo e nas imagens e registros, mas o formato permaneceu quase o mesmo.
Logo, a internet foi seu maior meio de propagação, fonte de pesquisa – suporte
utilizado para registro do próprio artista –, e fomento de sua popularidade. Um dos
eventos que lhe renderam maior publicidade e também grande valorização
simbólica de seu trabalho, tanto no campo das artes quanto junto ao grande
público, incluindo os canais de mass media, que puderam acessar o evento,
posteriormente divulgado pelo youtube, foi à série intitulada Atalhos. Sobre tal
inserção, o próprio artista comenta: “passar realmente pelo processo de ter uma
pintura selecionada deve ser muito chato. È muito mais divertido chegar lá e
colocá-la você mesmo.” (apud GANZ, 2008, p.139).
A primeira instalação ocorreu na Tate Gallery, em 2003. Foi uma pintura a
óleo não assinada, achada num mercado de Londres, que retratava uma
paisagem bucólica de uma igreja, floresta e um riacho, na qual Banksy pintou uma
faixa da polícia (Police line: don’t cross) usada para isolar áreas, emoldurou de
maneira ostentosa e a colou com fita dupla-face na parede do museu, como se
pertencesse à coleção da galeria. Ao lado fixou também uma descrição da obra
em crítica à mídia que trata de forma espetacular os crimes e a pedofilia,
vandalizando assim a própria nação por essa obsessão. (BANKSY, 2006, p.169169).
55
Destes quatro livros possuo o último deles, sendo que os três anteriores foram baixados via Google - rapid share.
134
Em 2004, a série Atalhos estendeu-se pelo Museu do Louvre, em Paris,
com uma réplica da Monaliza com um “smile” na face, e passou pelo New York
Metropolitam Museum, Brooklyn Museum e MOMA, em Nova Iorque, com uma
lata de sopa de tomate da rede de supermercados TESCO.
Entre as ações mais significantes desse artista, destaco as pinturas feitas,
em 2005, no grande Muro do “Apartheid”, que atualmente divide Israel da
Palestina. Banksy decide usar o muro como suporte para criar um espaço de
protesto lúdico, ironizando o que ele mesmo denomina de a “maior pisão a céu
aberto”. Cenas de crianças brincando na praia aparecem como uma abertura no
muro, ou uma criança voando em balões infantis trespassa o muro, e ainda, uma
imensa sala de visitas com uma escada desenhada sugerindo a passagem para o
outro lado. Esses são alguns dos graffitis de Banksy que problematizam a
existência política do muro.
Todas essas pinturas e ações foram registradas em fotos e publicadas na
internet pelo autor, em seu próprio site ou em sites para vídeos. Dessa forma,
além de questionar o campo da arte com seus atalhos, Banksy transforma na
internet sua maior ferramenta de audiência e canal de protesto. Mas seu site não é
apenas um lugar de protesto, nele (http://www.banksy.co.uk/shop/index.html) é
possível acessar imagens para download de vários trabalhos.
Em seu primeiro livro, antes de sua popularização via internet, é possível
ver registros de seus trabalhos sendo apagados pelas autoridades britânicas.
Entretanto, atualmente na Inglaterra existem algumas de suas pinturas sendo
protegidas por uma película de vidro ou acrílico, em virtude de sua meteórica
valorização financeira, chamada de The Banksy effect. Sergio Miguel Franco, em
sua pesquisa, comenta que em 13 de janeiro de 2008, Banksy atinge um recorde
de venda nunca antes alcançado por um artista vindo dessa vertente urbana. Um
pedaço do muro de uma casa em Bristol foi avaliado em mais de duzentas mil
libras, o equivalente a R$ 800.000,00 reais, duas vezes o valor da casa em
questão.
135
Sua última façanha foi o lançamento de seu documentário chamado “Exit
Trough the gift shop56”, onde o artista se apresenta mascarado, fortalecendo seu
mito, pois até então sua identidade não é conhecida. O filme foi lançado no
“Sundance Film Festival”, em 2010. Muitas especulações são feitas ao redor do
filme, principalmente do protagonista principal não ser o Banksy, e sim Thierry
Guietta, Mr Brainwash57, que durante anos foi quem registrava as ações de vários
artistas urbanos no cenário mundial, e conseguiu muita proximidade com
Shephard Farey “Obey the Giant”, responsável pela produção gráfica da
campanha do atual presidente Barack Obama, e de outros artistas como Space
Invader, ZEVS, dentre outros, e, for fim, o próprio Banksy. Entretanto, a grande
questão foi a de que o francês Thierry Guietta, residente nos EUA, desde a
década de 1980, por influência do ambiente, tenha se tornado um grande artista e
que logo em sua primeira exposição Life is Beaultiful, em Los Angeles, tenha
emplacado cifras milionárias e gozava de grande prestígio no campo das artes e
das mídias, usufruindo não só das redes de sociabilidade, quanto da própria
linguagem e conteúdo do trabalho tanto de “Obey” quanto de Banksy.
As razões as quais venho apresentar o artista Banksy neste último capítulo
desta pesquisa, inicialmente, foram pelo fato desse artista publicar arquivos pela
mídia digital, com imagens e registros, de contexto anti-hegemônico, capazes de
despertar críticas e provocações no campo da arte, com questões sociais e
políticas relacionadas à sociedade contemporânea e, também, na própria cena
das poéticas urbanas, sendo um ícone devido a sua ousadia e potência cultural e
estética. Posteriormente, ao analisar os fatos pude perceber que esta produção
não se estendia apenas para produzir um devir crítico, mas também estava
associada
ao
mercado
consequentemente,
da
arte,
buscando
ganho de capital simbólico,
visibilidade,
audiência
e,
para consolidar ganhos
econômicos, devido à rede de relacionamentos. Dessa forma, a internet
bombardeada pelos arquivos, serviu de plataforma publicitária para a ascensão
meteórica de Banksy.
56
Já disponível na rede para download, via Bitorrent – piratebay.
Existem diversas especulações sobre a criação do artista Mr.Brainwash, pelo próprio Banksy, sendo este também uma
proposição artística e uma grande crítica ao mercado das artes.
57
136
Essa dedução ocorreu pelo fato de Steve Lazarides, proprietário de uma
das principais redes de galerias de arte, a Lazarides Gallery (www.lazinc.com),
com espaços físicos expositivos em Londres e Nova Iorque, estar desde a
primeira edição, publicada de forma autônoma pelo artista, como principal
fotógrafo. Desde a primeira edição impressa, já existia uma indicação de que
outros volumes viriam, o que remete a pensar numa estratégia de protagonização
política e cuidado com a imagem e também pelo fato de Steve Lazarides aparecer
no documentário como porta-voz oficial de Banksy. Outra questão bem relevante é
que vários artistas que aparecem no documentário estão no site da Lazarides
Gallery, representados pela galeria. A partir da publicidade gerada pela veiculação
de seus trabalhos na internet e da potente crítica social, Banksy mantém a
máquina girando, provendo ganhos ainda maiores de capital simbólico, financeiro
e midiático.
4.3.2 Blu (www.blublu.org)
No mesmo caminho de Banksy seguem os trabalhos do artista italiano Blu,
já citado aqui, que tem como suporte para suas animações as paredes da cidade
e os meios virtuais de propagação de seu trabalho. A sua explosão na rede se deu
por meio de seus vídeos que apresentam desenhos sequenciais, animados nas
paredes e muros da cidade e editados na técnica de stop motion58.
Em seu vídeo, Big Boom http://vimeo.com/13085676, postado ainda em
2010, Blu conta a história da humanidade desde a explosão inicial do Big Bang: a
criação dos primeiros seres vivos a sua explosão final por uma bomba atômica,
derivada de uma guerra nuclear. Graffitis pintados nas ruas de cidades europeias,
sem sua migração para o virtual, seria praticamente impossível uma audiência de
seus trabalhos por um grande número de pessoas. Primeiro, pelo fato de que suas
obras estão espalhadas por regiões distantes e teriam que ser percebidas ao vivo
ou por algum meio tradicional de informação. Além disso, sendo uma de suas
expressões o vídeo, esse teria dificuldade de inserção em salas de cinema que
58
Técnica de edição de vídeo onde as fotografias são editadas frame a frame.
137
não possuíssem uma característica mais enquadrada, tanto no perfil do
espectador, quanto da viabilidade econômica. O trabalho de Blu também se
assemelha ao conteúdo político abordado por Banksy. Sua execução geralmente
é em espaços previamente autorizados e inseridos em vários festivais
relacionados à cena artística urbana, o que não o impede de subverter a ordem e
a hierarquia quando se utiliza de meios financeiros públicos e privados para
criticar o próprio sistema que o financia, o que lhe permite um ganho simbólico
inestimável em seu trabalho, pela postura crítica, política e, quando bombardeado
na rede, possibilita o despertar de percepções diferentes das informações
transmitidas pela publicidade.
Hoje, com uma produção numerosa de intervenções e de vídeos, Blu
utiliza-se de seu site/blog para divulgar o registro dos desenhos, a venda de
posters de seus trabalhos e obras, e promove o lançamento de seu livro.
Foi através do bombardeio desses arquivos – registros das obras – na
internet, que possibilitou uma audiência ampla e, de forma autônoma, eles
expressaram suas polifonias transgressoras usando os próprios meios de
comunicação oferecidos por esse sistema. Um fator que leva a grande reflexão é a
preocupação dos artistas para com os registros de suas ações. Registros que
inseridos
no
próprio
site
de
cada
artista,
tem
como
função
uma
autorrepresentação e a produção de uma narrativa histórica, bem como a
formação de uma identidade, o que leva a construção de uma espécie de projeto
publicitário que consegue consolidar a “imagem” do artista via cultura digital, um
dos fenômenos de comunicação mais acessíveis e de grande potência
contemporânea. Cabe ressaltar que Banksy e Blu são representados também pela
Lazarides Gallery, tornando inevitável uma comparação com Andy Warhol, quando
nos diz: “Ganhar dinheiro é uma arte, trabalhar é uma arte e fazer um bom
negócio é a maior de todas as artes.” (HONNEF, 2005, p.30).
138
139
By Mr brainwash59
59
Lata de spray de sopa é uma referência ao trabalho de Warhol que conseguiu fazer críticas à
própria sociedade e mercado das artes e também desfrutou de grande prestígio e ganho
140
4.4 O ATACK
A poesia está morta novamente – e mesmo que a múmia do seu cadáver possua
ainda algumas de suas propriedades medicinais, a auto-ressureição não é uma
delas. Se os legisladores se recusam a considerar poemas como crimes, então
alguém precisa cometer os crimes que funcionem como poesia, ou textos que
possuam a ressonância do terrorismo. Reconectar a poesia ao corpo a qualquer
preço. Não crimes contra o corpo, mas contra Idéias (e Ideias-dentro-das-coisas)
que sejam letais e asfixiantes. Não libertinagem estúpida, mas crimes exemplares,
estéticos, crimes por amor. (BEY, Hakim, 2003, p.31)
ATACK foi o nome de uma série de ações organizadas via internet por
escritores urbanos – pixadores – a três instituições de arte em São Paulo, no ano
de 2008. A primeira ação foi realizada no Centro Universitário de Belas Artes
como parte do TCC – Trabalho de Conclusão de Curso –, do aluno Rafael
Augustaiz – “PIXOBOMB” – como é conhecido na rua. A segunda foi à Galeria
Choque Cultural, sábado, 06 de setembro e, a última, a 28º Bienal de São Paulo,
domingo, dia 26 de outubro.
4.4.1 Atack I
Dia 11 de julho de 2008, à noite, um grupo de jovens encapuzados e
vestindo roupas largas caminhavam com um objetivo. As folhinhas já tinham sido
distribuídas de mão em mão e publicadas na rede àqueles que estavam
conectados. A „senha‟ foi dada! Palavra de ordem:
PIXA TUDO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Foi assim que começou o primeiro ATACK. Com essa ação ao Centro
Universitário de Belas Artes de São Paulo, um grupo de jovens marcou, ou
melhor, levou a pixação às páginas da historia das artes no Brasil. Eles invadiram,
provocaram e até agora se ouve os ecos vindos de latas – preto fosco –,
econômico dentro deles, assim a história parece se repetir.
141
espancando as paredes da instituição. Para Hakim Bey, talvez esse fosse um
„crime‟ perfeito contra um sistema tradicional das artes; para a instituição, uma
afronta, um „crime‟ a ser punido. Talvez porque tenha sido uma performance
poética feita em solo brasileiro por propositores que não bailavam a música erudita
e conceitual vinda das academias, mas dançavam quem sabe a ruptura silenciosa
de Cage, sorriam olhando no olho do coiote de Beuys, tinham a veracidade da rua
e, assim, se ouvia a sonoridade estridente e desconfortável do caos.
TSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS.............
o caos é lindo,
Timothy Leary
A descrição desse happening vem de umas das cenas do documentário
lançado este ano, 2010, chamado PIXO.
O Centro Universitário de Belas Artes foi o primeiro local a ser atackado, foi
lá que Rafael estudou quatro anos como bolsista integral do PROUNI, e talvez
esse seja o motivo que desencadeou todos os três atacks. Rafael, a convite de
sua professora, apresentou um trabalho na “Mostra 100 anos de Oscar Niemeyer”,
em 15 de dezembro de 2007, e sempre posicionado como escritor urbano
envolvido desde os 12 anos na pixação, fez seu pixo nas paredes da exposição.
Em relação ao resultado, ele comenta em conversa com Gustavo 60:
Transcendência horizontal da história, e transcendência vertical de Deus. Quase
pirei com aquele símbolo que fiz de todas minhas loucuras, diversas escaladas.
Nada me incomodou como aquilo. Uma espécie de encanto. Aquela parada, pelo
local me incomodo. Criei uma máscara onde meto pra lá que foda-se. Nem eu
60
Apesar de a grande mídia tradicional ter relatado esses fatos com bastante freqüência, foi nas dissertações já citadas
de Gustavo Ribeiro Coelho e Sergio Miguel Franco que pesquisei para fundamentar o texto que segue abaixo, visto que a
visão das mídias tradicionais geralmente é tendenciosa ao grupo hegemônico e as informações que seguem abaixo foram
relatadas por sujeitos com características muito relevantes para esta pesquisa. Gustavo tornou-se “pesquisador aliado”,
como ele se intitulou, pois durante esses acontecimentos, ele e Rafael “Pixobomb” trocaram muitos emails e conversas via
MSN, transferindo as conversas e os textos ipisis litteris para sua pesquisa, sendo de grande importância para o
entendimento e o decorrer dos fatos e também por sua postura e posicionamento durante a pesquisa, (crime como arte e
pedagogia). Sergio Miguel Franco tem uma visão bem esclarecida do campo das artes e durante alguns anos trabalhou
próximos aos escritores urbanos no projeto Aprendiz, sendo esse um dos fatores que o levou a pesquisar, como ele mesmo
descreve.
142
entendia o que tinha feito. Evitei até que os piXadores fossem ver. Enclausurado.
Privei a piXaÇÃo. Não fiz o deslocamento dela. Poderia até fazer como o genial
pintor Magritte – „isto não é uma piXaÇÃo‟. É como se eu tivesse pegado tudo e
sacrificado na casa do Estado. Criou uma distância, transcendência horizontal. O
que está no limite é a piXaÇÃo. Terra céu, vida e morte. Parecia que estava lado a
lado com a loucura, e aquilo não foi nada perto dos trampos que faço. Muitas
coisas ficaram tangíveis depois disso pra mim. Só deixou de me perturbar depois
do feito nas Belas Artes. Tenho que fazer algumas coisas. Meu espírito pede. Não
consigo mais pensar a não ser o que tenho de fazer. Acho que depois que fazer o
que tenho, fico de boa.” (apud COELHO, 2009, p. 190).
Talvez pelo deslocamento de sua expressão para dentro de um espaço
expositivo, com a perda do valor transgressivo, domesticado e também pela perda
de capital simbólico para com os sujeitos de sua comunidade cultural, Rafael, de
certo modo, foi levado a articular e montar uma estratégia para mudar o jogo, e
nada melhor que entrar no jogo da arte, que vem desde Duchamp contestando,
alongando e redefinindo os limites da arte. Assim, ao deslocar a pixação da rua,
não apenas na questão tipográfica, mas com toda sua carga transgressiva e
cultural, conseguiria problematizar diversas questões, pertinentes principalmente
ao campo da arte, mas traçando questões sociais, em que a pixação é um
movimento principalmente de classes periféricas e políticas, por estar se
apresentando perante o meio ambiente hierárquico acadêmico com sua mais
verdadeira posição, o livre-arbítrio. Veredicto final.
Aluno jubilado, preso, processado, ou melhor, sucesso
total! Trabalho eXtremo!
Rompi com um mundo das aparências, o diploma mesmo é válido no mundo
das aparências. Não faço questão. Se um dia eu for atrás será só pelas
pessoas que me apoiaram. Acho que transito nos dois. (apud COELHO, 2009,
p.192)
143
4.4.2 Atack II
O segundo ataque foi à Galeria Choque Cultural. Essa ação deve-se a uma
suposta cooptação da estética do pixo realizada pela Galeria em anos anteriores,
quando produziu uma série de lambe-lambes escritos “PIXO GRÁTIS” e os
destinou à comercialização no exterior. Alguns artistas por ela representados,
como Zezão e Titi Freak, que fazem parte de “grifes” 61 como “VICIO” e “SUSTOS”,
ligadas à pixação, já haviam utilizado a caligrafia do pixo em objetos e instalações
para exposição e comercialização.
Para o ATACK II, conta Gustavo Coelho que principalmente pelo Orkut e
pelo Fotolog, novamente as folhinhas foram bombardeadas na rede. Mais uma vez
o grupo se reúne via internet para o Atack. No convite lia-se:
Evadiremos com nossa arte protesto uma bosta de uma galeria de arte “Choque
Cultural”. Segundo sua ideologia, abriga artistas do “underground”. Então é tudo
nosso. Declararemos total protesto. Local de encontro: Pça Benedito Calixto. Rua
Cardial Arco Verde com Rua Lisboa, próximos dos metrôs Clínicas e Sumaré.
Horário: 15:00 Sábado 06-09-08 Resgatem frases: “VIVA A PIXAÇÃO”, “ARTE
COMO CRIME, CRIME COMO ARTE” “TODOS PELO MOVIMENTO PIXAÇÃO”.
(apud COELHO, 2009, p.199).
Dessa vez, pintaram as paredes, as obras, apropriaram-se do espaço que
eles consideravam como traidor ao movimento, “uma bosta de uma galeria de
arte”, como eles disseram, e inseriram a pixação tal qual é feita na rua, sem
autorização, sem convite, nas paredes da galeria e sobre os trabalhos lá expostos.
Para o grupo Atack, a justiça estava feita. Se a proposta era “pixo grátis”, foi o que
a galeria recebeu.
E não é que foi de graça! Conta Sergio Miguel Franco, que a galeria
declarou prejuízo de quinze mil reais e levou o caso à delegacia. Porém, também
cogitou que as obras transgredidas pudessem ser vendidas pelo dobro do preço
no mercado internacional das artes e, ao mesmo tempo, pode usufruir de toda a
61
Grife, como já citado, significa grupo na gíria dos pixadores.
144
veiculação que o atack promoveu nas grandes mídias, rendendo, assim, ganho de
capital simbólico e financeiro à instituição perante o mainstream em detrimento a
sua “imagem” para alguns integrantes dos tags/pixos/graffiti.
4.4.3 Atack III
A última edição da série foi considerada o Atack ao “vazio”. A 28ª Bienal de
São Paulo, apelidada de “Bienal do Vazio”, teve suas paredes preenchidas por
caligrafias urbanas, tidas como pixos! Resultado do atack, o prédio da Bienal foi
todo pixado, o grupo todo encurralado num canto pelos seguranças. O que resta
fazer? Quebrar o vidro e fugir!
Assim foi a fuga de quase todos, comenta Gustavo, porém uma menina,
Caroline Piveta, foi detida. Acusada de destruir patrimônio histórico, pois o prédio
da Bienal é tombado, a escritora da grife “Sustos” é pega como bode espiatório e
considerada criminosa. Resultado: 54 dias de reclusão, a maior pena cumprida por
um pixador. Qual o crime? Caroline, juntamente com seu bando, talvez tenha
assustado, causando fissuras nos “monólitos paranóicos”62 e assim foi castigada
por roubar o “vazio” e sua palidez conceitual, alva e hegemônica e devolver á
instituição e ao sistema das artes a boa e velha poesia de protesto “ABAIXO A
DITADURA”.
No Oriente, `as vezes os poetas são presos – uma espécie de elogio, já que
sugere que o autor fez algo tão real quanto um roubo, um estupro ou uma
revolução. Aqui, os poetas podem publicar qualquer coisa que quiserem – o que
em si mesmo é uma espécie de punição, uma prisão em paredes, sem eco, sem
existência palpável – reino de sombras do mundo impresso, ou do pensamento
abstrato – um mundo sem risco ou eros. (BEY, 2003, p.31).
Esse grupo após contestar com suas intervenções os espaços das
instituições, um deles o “vazio”, demonstrou o poder de organização e de
circulação que a internet oferece. Foi a partir da proliferação dos convites nos
62
Expressão de Hakim Bey no livro Caos (2003).
145
meio virtuais que se deu toda a articulação. Todas essas ações foram registradas
em vídeo e fotos, com seu maior representante o fotógrafo “Choque Photos”.
Alguns dos vídeos registrados por Djan “Cripta” foram “absorvidos” pela Fontation
Cartier, que foi responsável pela sua inserção no campo das artes e Djan foi
convidado para participar de uma exposição em Paris. A partir dos registros foram
gerados arquivos digitais e colocados na rede, promovendo não só os
participantes, mas possibilitando diversos desdobramentos e debates dentro
mesmo das comunidades dos tags/pixos/graffitis, como também em blogs
pessoais, profissionais e canais pertencentes às mídias oficiais. Um de seus
desdobramentos finais foi o lançamento do documentário PIXO, no qual aparecem
trechos desses Atacks. O documentário também teve apoio da Foundation Cartier.
Rafael “Pixobomb” possibilitou, com suas estratégias, provocar fissuras e
estender para o campo das artes uma grande discussão de caráter social e
político, se apropriou da cultura da pixação, seu suporte de expressão, e a inseriu
“goela a baixo” nas instituições referentes ao campo das artes, pois, devido à
reflexão diante de sua primeira proposição, meramente estética, sentiu-se
obrigado a reproduzi-la tal qual sua origem – protesto e transgressão.
A edição deste ano da 29ª Bienal oferece um espaço para a pixação. Mas
quem é a pixação? Tem um porta voz? Questão que reflete um pouco essa
contradição é que mesmo não sendo colocada como ATACK, a pixação ganhou
um espaço “domesticado” (sem seu caráter transgressor) e destinado a apresentar
as questões culturais pertinentes a esse campo cultural. Vídeos, fotos e as
famosas “folhinhas” estão representando o acervo dos responsáveis pelos
registros das cenas e dos protagonistas do ATACK, os beneficiários por essa
mostra “pixação” na 29ª Bienal, com ganhos simbólicos e projeções em outros
espaços expositivos e no mercado da arte.
Na sequencia do Atack à Instituição Bienal, o grupo realizou um quarto
Atack. Dessa vez, não a uma instituição oficial de arte, mas aos próprios
tags/pixos/graffiti. Segundo Rafael Pixobomb em um texto enviado por email a
Gustavo Coelho, esse quarto Atack partiu de uma indignação dos pixadores do
grupo de Atack com a turma dos escritores urbanos que já estavam no sistema
146
das artes e, por isso, são considerados traidores do movimento, uma vez que
fazem graffiti em espaços autorizados pela prefeitura e financiados por
empresários. Escreveu Rafael Pixobomb:
Recado aos grafiteiros - Grafiteiros caiam fora, estamos pensando em romper um
acordo que a sociedade sempre acreditou que existiu, se não fizermos isso será
por muita humildade, subiremos todos os grafites dos pop-star que se levantaram
nas nossas custas colocando a piXaÇÃo como lado negro, correm com a política e
nunca fizeram uma por ninguém a não ser só pensar nos seus bem star! Apagam
vários pixos, estão se apropriando de nossa linguagem e ainda nos queimam! Já
era, o grafite é a evolução da piXaÇÃo o caralho, aqui é atitude e não bunda-mole,
acabará o teatrinho, São Paulo a cena do loko é piXaÇÃo. Tem o nosso respeito
os grafiteiros marginais, eles sim são família!!! (apud COELHO, 2009, p. 238)
Esse quarto Atack serve para ilustrar as tretas, que ocorrem nas ruas e,
agora, na internet.
4.5 – AS TRETAS
Na gíria das ruas, “treta” significa confusão, briga, conflito gerado pela falta
de respeito, pela divergência de valores, em suma, desarmonia causada pelo
relacionamento humano, que pode se estender a um simples bate-boca, ou até
guerras mundiais, cada qual com seu devido interesse, causa e ideologia
legitimadora. Nesta última parte do capítulo 4, apresento algumas tretas que são
discutidas via internet a partir dos rolês urbanos e digitais.
Muitas dessas discussões estão registradas nos sites, flickrs e fotologs,
entre outras plataformas multi-usuários, e contam histórias segundo o ponto de
vista de quem as está narrando.
Por se tratarem de fatos isolados dentro das comunidades dos
tags/pixos/graffiti, aqui definidas como [email protected], alguns
fatos citados ao longo desta pesquisa e seus sujeitos se repetirão nessas linhas
que seguem e as discussões das ruas são agora também retratadas nos espaços
virtuais. Os desdobramentos dos arquivos percebidos diante da tela do
147
computador, os downloads e uploads, também são capazes de produzirem
diferentes reações, abrindo campo para troca de opiniões e assim fomentando o
processo cultural. A liberdade de expressão no meio digital permite que a
discussão seja registrada e, o mais interessante, representada pela escrita, pelas
imagens, vídeos e links conectados em rede, possibilitando que a informação seja
um grande hipertexto, de acesso a quem possa interessar. A comunicação dos
tags/pixos/graffiti proliferada em meio virtual, aquilo que estava somente nas
ruas paasa a ser protagonizada pela cultura digital, apresentanda com extrema
potência o “aqui e agora”.
4.5.1 A treta
A treta aqui apresentada foi, como anteriormete citada, o quarto Atack.
Para embasar e atestar as argumentações, que venho costurando nesta
dissertação, pesquisei os espaços virtuais dos protagonistas das narrativas acima
descritas e dentre elas escolhi as páginas do escritor urbano Djan, da grife
“Cripta”. O motivo que me levou a essa decisão foi pela personalidade do mesmo,
que junto com Rafael “Pixobomb” participou dos Atacks às instituições artísticas.
A série Atack, no seu quarto episódio, atropelou diversos murais grafite,
dentre eles o mural na Avenida 23 de Maio, produzido pelos Osgemeos, Nina, Ise,
Nunca, Zefix. Esse painel já havia sido pintado em 2002 pelos artistas Osgemeos,
Nina, Nunca, Herbert e Vitché e foi apagado pelo programa “Cidade Limpa”. Essa
ação de “limpeza” causou um enorme transtorno para a prefeitura, pois o painel
tinha sido autorizado e pago pela municipalidade em 2002. (FRANCO, 2009,
p.54). Diante do mal entendido, o prefeito Kassab, por meio da Associação
Comercial, encomenda um novo painel orçado em R$ 200.000,00. Essa situação
causou revolta aos pixadores, uma vez que o grupo de grafiteiros que aceitou
refazer o painel por R$ 200.000,00 era o mesmo que polemizava em seus
trabalhos nas ruas a ação de “limpeza“ da prefeitura.
148
4.5.2. O Atropelo
“Quem quiser dormir em paz ...
que vá pra outras capitais...”
http://www.youtube.com/watch?v=l9wEtNglglI 63
O endereço acima se refere a um vídeo no YOUTUBE, no qual, a cena dos
atropelos é editada com outras imagens, uma poética, um registro e a ação via
digital. Nesse período de pesquisa nas páginas de “Cripta” Djan, foram colocadas
inúmeras fotos dos atropelos, no próprio vídeo é possível ver o fotógrafo Choque
Photos com tripé acompanhando a ação. Aleem disso, é possível notar a
preocupação com a “imagem” dos protagonistas, vestindo macacões e
encapuzados, num gesto simbólico e até mesmo teatral. Quando postadas as
cenas das ações houve posições divergentes relatadas nos depoimentos,
tomadas por aqueles que a acessaram via plataforma multiusuário, no caso,
www.flickr.com/photos/criptadjan.
Para apresentar essas discussões entre os grupos pertinentes aos
tags/pixos/graffittis, escolhi uma página do fotolog e uma do flickr e apresentarei
as tretas.
63
Acessado em 10 de novembro de 2010
149

FOTOLOG dia 10/11/2010
O fotolog é uma plataforma multiusuário que foi uma das pioneiras e mais
populares entre os escritores urbanos.
www.fotolog.com.br/cripta_1996/72640149
Gozando à custa da Pixação64.
23/03/10
Enganam-se quem pensa que só temos um motivo para atropelar esses
VERMES, essa turma de safados OS GEMEOS – NUNCA – ISE e os chupa
saco que vem atrás alem de correr com o KASSAB já vem explorando a
estética da pixação com fins lucrativos há muito tempo, quando eles
perceberam que a Pixação estava em alto no meio artístico Europeu começaram a
64
Grifos do autor
150
usar letras de pixos em seus trabalhos, marcas de roupa como NIKE e camisas
que vendem na loja GRAPIXO que o próprio nome já é sugado da Pixação, não
teria problema nenhum nessa apropriação se algum desses VERMES fossem
Pixador, seria mais do que justo, se alguém é merecedor de ganhar alguma coisa
com a Pixação são aqueles que sempre derem o sangue nas ruas.
E pra que uns caras que já ganham dinheiro com seus trabalhos de Graffiti
ilustração ou como quiserem chamar estão explorando algo do qual eles nunca
fizeram parte, o babaca do NUNCA diz por ai que era Pixador, alguém se
lembra dele no Point? Ou já viu algum pixo dele? Diz ele que pixava AFIRMA,
perguntei para o LIN e outros manos dos RGS e ninguém se lembra dele,
desculpa esfarrapada de um verme safado que só quer lucrar nas custas do
movimento.
Roupas pra Nike com letra de Pixo – NUNCA
.
http://nicekicks.com/2010/02/nunca-x-nike-sportswear-team-brazil-pack/
Loja da Nike em Los Angeles USA – OS GEMEOS
http://www.flickr.com/photos/mikelin/8596930/in/set-213494/
Eu até me envergonho de um dia ter me vinculado com esses VERMES,
quem assiste os DVDs 100Comédia até vai se perguntar, “Porra o DJAN não
corria com eles?”, eu até corria até abri os olhos pra verdade, nunca é tarde
pra isso irmãos, quando percebi que o interesse dos VERMES era só em se
vincular com a Pixação para se promoverem como transgressores e descobridores
do movimento cortei o nó pela raiz, o primeiro passo foi atropelar o painel do
SESC na Rua 24 no centro, até então eles vibravam com os ataques, dizendo que
nos éramos geniais, e que tínhamos que atropelar os painéis de Graffiti
autorizados mesmo, mas como diz o velho ditado “pimenta no dos outros é
151
refresco”, foi só meche com eles que a mascara caiu, assim que souberam que
foram atropelados começou a choradeira, “Por que nós? Somos os únicos que
representam o Graffiti no Brasil”.
Quando se escolhe o caminho da verdade não se pode poupar nem passar
pano pra ninguém, o foda é que eles continuam babando o ovo de alguns
Pixadores dando latinhas e fazendo algumas palhaçadinhas na rua, e tem
Pixador que se ilude, quer falar que a Pichação e o Graffiti sempre existiram
respeito, que respeito? Quando apagam uma agenda de Pixo para entrar o Graffiti
autorizado qual deles se opõe, e a culpa nunca é de ninguém, a desculpa é, “A
dono da casa que me chamou. A foi a prefeitura que apagou”, então se continuar
assim um dia vão começar a autorizar os picos, laterais, topos de prédios como já
anda acontecendo, e por que temos que respeitar um espaço que não foi
conquistado de forma ilegal?
Quero deixar claro uma coisa, não tenho nada contra o Graffiti como forma
de expressão, o problema é a conduta de alguns Grafiteiros que se acovardaram
na disputa por espaços na rua, vê se já atropelamos algum Graffiti ilegal, a
questão é quando a disputa ficar justa ai sim pode haver paz, em quanto isso não
mudar vou continuar atropelando esses vermes, eu escolhi não ficar em cima do
muro e correr somente pela a Pixação, espero que mais pessoas abram os
olhos para a verdade e façam a sua parte.
VIVA A PIXAÇÃO.
Foto publicada às 11:25
Comentários no Livro de Visitas (44)
aquarelista disse em 23/03/10 11:31
o dificil é fazer o intelectual de merda mudar o foco, enfim. Atropela.
152
mobybeto disse em 23/03/10 11:32
vamu pixa tudooooooo.....
ajatos13zn disse em 23/03/10 11:37
Pixação !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Salve Djan Tamo JUNTO maloqueiro
sipros_itapevi disse em 23/03/10 11:37
BOA ...... ......
bitucas disse em 23/03/10 11:37
cerollll em todoss elessss
homenspizza85 disse em 23/03/10 12:07
to dentro!!ARRUAÇA TOTAL NESSES PAU NO CU!!!!!!!!
next_oreia disse em 23/03/10 12:07
vamo foska as q.bradas karaiii
salve djan eh nois!
tamafu disse em 23/03/10 12:13
Os Malucos ja se falaram com vc sobre esse cerol fininnnnnnnn ae?!
kkkkkkk
Os caras moscaram podiam ter ligado alguem do meio da pixação pra fzr as
paradas e ter ganho o seu sem pagar de pixo...tem um monte ai só olhar bem,
mas é sem massagem, cerol fininnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn
kkkkkkkkk
Fmz
153
hon1 disse em 23/03/10 12:17
ééé ...
ci é um graffit ilegaL mesmo , até da pra tolera mais isso naum explica q deve
atropelar uma pixação
espero q essa moda naum pegui aqi
pq tem uma rapa aqi metido a bombstar q ja fizeraum isso e tomaraum u penalti
firmezas Djan to du lado da pixação 100% ilegalidade
1000 graU de vandaL
VIVA A PIXAÇÃO !!!
doidera_thi disse em 23/03/10 12:25
sem massagem nos jão que tenta atravessa a píxação
luxuria09_10 disse em 23/03/10 12:45
PIXA TUDO
A PIXAÇÃO E O MOVINTO MAIS UNIDO
VAMO QUE VAMO RAPAZIADA
PIXA TUDO 2010
FIKA NA PAZ AE
war1990 disse em 23/03/10 12:47
É quente c vender pro Kassab é a mesma coisa q fazer pacto com o capeta!!!
esses gemeos ai q vão toma no cú... 100 ideologia nenhuma ..lamentável ..to ai
mano vendo o desenrolar da ideia flw djan força mlk!!!
xchex disse em 23/03/10 13:45
154
Mandou muito bem cara.
É isso ai.
Abracios, falou.
xXx
os_adams disse em 23/03/10 13:49
salve djannnn!!!
cerolllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll !!!!!
poroes disse em 23/03/10 15:38
Dead [| kassab
blestcvl disse em 23/03/10 16:45
é isso memo desce o rolo neles
é nois djan
PRIVADO
Comentário recebido em 23/03/10 16:56
suspeitosjr disse em 23/03/10 17:12
dece o rolo kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk'
borgo_4mc disse em 23/03/10 17:38
SUMESMo manO vc eh refencia em sampa
hsasus'
paz ae
cansadosdavida disse em 23/03/10 19:24
155
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
cerol dont'stop
kkkkkkkkkkkk
mo dó
o fodão da paulista la lanxo mesmo ein ... acabei de ver o link ae
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
pq nao fez desenho ou coisa relacionada ao estilo dele?
so mostra a falta de estilo propio e o quanto ele paga um pau pra pixação
enfim ... pra mim eu continuo com aquela opiniao da paulista qui vc lembra muito
bem
vamos relembrar?
kkkkkkkkk
" NUNCA VI "
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
E
O
T
E
R
R
O
R
156
! EM RITIMO DE FESTA
wesley_pil disse em 23/03/10 23:14
esse link mostra a falta de ideia desse que eu NUNCA vi nos point nem em forma
de pixo o cara se acha o desenhista e num tem ideias proprias kkkkkkkkaii fudeu
!kkkkkkkk
diranaco disse em 24/03/10 00:00
o ritmo eh frenetico .
viva a pixaçao.
xmudox disse em 24/03/10 00:44
É PRA SE ARROMBAR MANO!
PICHAR TUDO ESSA PORRA MSM!
ospoetas disse em 24/03/10 13:11
salve djannn
vixxx esse ai fico cabrero em!!!!
como diz o diegooo do vamosss relembrar!!!!!
''sou muito mais graffiteiro que você...você já fez bomb em prédio? bomb feito com
escalada?'' hahahaha
salve salve total apoio!
plc_oskb disse em 24/03/10 16:27
é a cara atrazA esseS VÈRME!!!
soosloco163 disse em 24/03/10 17:21
157
dceorolo e jah era....pau nocuh doKASSAB!!!
axsrf disse em 24/03/10 20:29
salve,salve............malokaaaaa...!!!
lrm_rp disse em 24/03/10 21:11
Salvee! Otima Quinta Feira Forte abraço!
tumulosmelhores disse em 24/03/10 22:49
E AI XAPA,ESSE EU VI NA FOLHA HEIN,AI O PREFEITO AO INVES DE SE
PREOCUPAR COM ENCHENTES,SEGURANÇA E EDUCAÇÃO,FICA
DESVIANDO DINHEIRO PRA "ARTISTAS CONSAGRADOS",SE BEM QUE SE
ELE NÃO PAGAR PRA ELES OUTRO GRAFITEIRO VAI E FAZ,NESSA AI O
PUTO DO KASSAB PAGOU OS CARAS E COM CERTEZA PEGOU O DELE
TBM,PQ NA MADRUGA MESMO O CARA JA MANDOU OS GUINDASTES
IREM LÁ PRA APAGAR OS PIXOS DE VCS,AI JA É D+
BOM A MINHA PARTE EU TBM FIZ LÁ NO BECO,JUNTEI MINHA RAPA E
DESCEMOS O ROLO,NA TERÇA FEIRA ME LIGARAM PRA PERGUNTAREM O
PQ,AI DESCI A LENHA E DISSE SE LÁ NÃO TIVER ESPAÇO PRA PIXO O
ROLO VAI DESCER,AGORA VAI SER ASSIM MANO,APAGARAM MUITO PIXO
MESMO E OS DA FAMILIA TUMULOS FORAM JUNTOS,AGORA SERÁ
DIFERENTE,APAGOU PIXO VAI LEVAR ROLO DE CARNEIRÃO NO
TOBA,KKKKKKKKK
AI PASSA LÁ NO MEU E VE A FOTO DO CAIXÃO QUE EU FIZ,FALOU E
AMANHÃ É NÓIS NO CONEXÃO REPORTER
cripta_1996 disse em 25/03/10 08:35
Hoje passa uma materia sobre pixação no SBT.
Se liga ai!
158
http://www.fotolog.com.br/tumulosmelhores
mobybeto disse em 25/03/10 08:51
demoro djan....
vou somar na audiencia...
abraço
nunodv disse em 25/03/10 10:02
To ligado , vi a chamada do programa ontem de madrugad...
Um maluquinho mandando uma rima.... e tal. vou ver, foda é que é o de sempre,
vandalo , depredador e tla. mas vamos ver....
Abração mano...
Tá ligado no meu BLOG?
Se tu aceitar, vou te entrevistar pra lá... abração mano. fé na caminhada...
dimaspegos disse em 25/03/10 10:31
E
DJAN
nen podih deixa esses cara
fala essas merda
fqala q era pixado
e depois meti o pau
nas pixacao
saoum bando de pilantra
159
vamo fosk
tudo
aquarelista disse em 25/03/10 11:09
demorou djan, valeus
rud_sap disse em 25/03/10 11:16
isso que e ultra mega pixo, da hora loko.................
tatorock89 disse em 25/03/10 12:24
SALVE FAMILIA !!
PODE CRÊ...VOU ASSISTIR COM CERTEZA ESSE PROGRAMA DE HJ...CANO
NA FACU PRA NÃO PERDER NADA!!!
VALEU FAMILIA !
È NOIS...SEMPRE
2milfamilia disse em 25/03/10 12:34
na rua é a22im...quem pode mai2 chora meno2......
....... re2peito e humildade prevalecem!
2alve Djan.."o DVD chegou na mão"...valeu!
anormaiszs disse em 25/03/10 13:10
salv cripta
pd cre mano
160
hj d olho na tela
fmza ahe
kel_vr disse em 25/03/10 20:01
6 não perdoam mesmo! kkkkkkkkkk
pixa tudoooo
psicopatas87 disse em 26/03/10 02:05
Isso mesmo, tem q passar o cerol nessas grafitin veio.
Pow, em relação a materia do SBT.
Na moral, programa veio do caraio, os caras gravam usam a imagem e depois
editam do jeito que eles querem? Não curti não.
Pra variar passaram uma imagem de pixador burro, revoltado sem ter o que fazer.
E ainda pior ,sugerirão que pixador tem que virar grafiteiro., Que só assim vai
melhorar de vida.Enfim entre outras coisas que colocaram. Foi moh tiração esse
programa. Muito sensacionalismo.
Abç....
a_k_z_o disse em 26/03/10 08:39
CARALHO TRUTA O BAGUI EH GIGANTE
NA FOTO ANTERIOR PARECIA UM MURINHO NORMAL
uhsauhauhasuhUHAsUHsaUHsaUHsaUHSAUHAS
VAI CARAIIIIIIIIIIIIIIIIII SOLTA O ROLOOOOOOOOOOOOOOOOOO
IDEIA CERTA!!
VIVA APIXAÇÃO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
violadoresvj disse em 26/03/10 12:45
161
BAH LOKÃO O ALONGADOR E O ROLÃO EM MANO
BAH ASSIM NÃO TEM COMO NÃO CHAMA ATENÇÃO ATÉ DE QUE NÃO
CONHEÇE A PIXAÇÃO
FIKA CUM DEUS AI MANO
PAZ
unidosklein disse em 26/03/10 16:58
Loko a matéria heim DJAN!!!
valew parceiro , saiu o meu tmb, fiquei surpreso!
Eh noixxxxxxxx!!!
abrazzzzzzzzzzzzz
By: Japonês!
smul_omambembe disse em 26/03/10 17:08
Muito legal o programa no SBT hein,
Gostei de ver como é sério o trabalho de voçês e a dedicação com o movimento!
Salve Djan
Ao observar o conteúdo desta página de internet levantei algumas questões
importantes à reflexão, não cabendo o julgamento do fato em si, e sim a questão
da veiculação da informação por meio da cultura digital.
A ação é registrada nas ruas e publicada no fotolog. Esse deslocamento do
atropelo para o virtual possibilita uma visibilidade ampla por sujeitos plurais e,
assim, também preserva o caráter de registro histórico, visto que esses pixos
foram apagados na mesma madrugada pela prefeitura, devido a um verniz que foi
aplicado em cima da pintura do painel, impermeabilizando o desenho.
Essas imagens postadas muitas vezes são capazes de proporcionar maior
visibilidade e audiência ao escritor urbano e possibilita a ele adquirir respeito na
162
comunidade e expressar seu posicionamento político.
Os comentários apresentados afirmam como legítima a ação e incitam a
continuação e propagação das mesmas em outros desdobramentos. As palavras
como “viva a pixação, eh noixxx, salve, vamu pixa tuuudo” , traduzem a identidade
e a força cultural dessa comunidade, reforça a questão da conexão em rede como
meio de organização social, como canal de informação e articulação de ideias e
ações. Um exemplo da importância da comunicação via internet pode ser
percebida no comentário de Túmulos: “BOM, A MINHA PARTE EU TBM FIZ LÁ
NO BECO, JUNTEI MINHA RAPA E DESCEMOS O ROLO”.
Nesse comentário percebe-se que outros grupos também agiram da
mesma forma atacando outros painéis de grafites autorizados.
163
FLICKR dia 10/11/2010
O flickr também é uma página muito utilizada pelos escritores urbanos,
brasileiros e estrangeiros e sua rede tem sido cada vez mais intensificada, visto
que sua aparição se deu posteriormente ao fotolog.
http://www.flickr.com/photos/criptadjan/5098245288/
Desmascarando um verme entre-nos!
Salve Rapa!
164
Hoje eu venho aqui para desmascarar um verme (CHOQUE PHOTOS) que
esta se aproveitando e se promovendo a custa do movimento PIXAÇÃO,
infelizmente foi preciso uma Bienal para descobrir realmente quais os interesses
individuais e egoístas desse VERME, um exemplo claro pra começar é a primeira
frase de um texto em seu flickr onde ele diz (Meu Espaço na 29a Bienal
Internacional de Artes de São Paulo!), fora outras questões internas que rolaram
nos bastidores da produção para a Bienal, sem contar a babação de ovo que ele
faz paras os curadores da Bienal nesse mesmo texto em seu flickr.
www.flickr.com/photos/choquephotos/5036845297/
Os espaços concedidos na BIENAL para a PIXAÇÃO são do coletivo (PIXAÇÃO
SP) nome que escolhemos para representar o movimento em uma totalidade e de
forma neutra, portando mesmo que as fotos sejam de autoria do CHOQUE aquele
espaço foi concedido ao movimento, não é uma exposição individual dele, pois se
não fosse pela a PIXAÇÃO ele nem estaria na Bienal.
Outra questões:
O CHOQUE queria o nome dele separado do coletivo na lista de Artistas
convidados da 29º Bienal, o pedido foi negado pela curadoria que deixou claro que
ou ele estava com nos (PIXAÇÃO SP) ou pulava fora, sabe por que motivo ele
queria isso? Medo de ser associado ou processado como pixador, ele que já foi
pixador (mesmo que de vila) renega seu passado para a imprensa como neste link
abaixo, onde inclusive ele me desmente publicamente dizendo.
"Nunca fui pichador. Desconheço o motivo do Djan ter afirmado isto"
www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/800384-as-portas-da-bi...
kkkkkkkkkkkkkkk coisa de covarde mesmo, só rindo pra não chorar!
165
Pra piorar as coisas olha o salve que ele me mandou por email essa semana
revoltado por não conseguir me registrar pixando a obra dos URUBUS na Bienal.
“Djan, Você nem se deu o trabalho de me chamar para fotografar sua ação,
embora eu estivesse na Bienal no dia. Como vc sabe o principal (que era a ação e
os seguranças te grudando) eu perdi, e o resto por eu estar mal posicionado e o
local ser super escuro ficaram uma merda, muito diferente dos registros que fiz
das outras ações. Sinceramente pra mim é vergonhoso estar no local e ter
produzido um material desse, portanto não quero estes registros soltos na internet
e muito menos sendo utilizados no processo que vc quer mover contra os
seguranças. Eu nunca deixei nenhum de vcs na mão com registros e sempre
cheguei junto sabendo das conseqüências, mas desta vez vc próprio não se
ajudou, e ainda me ofendeu chamando aquele Leandro que nem deu as caras por
lá. Portanto, sou neutro nesta questão e não me envolverei.”
Então como o CHOQUE não foi capa da folha (as nossas custas como
sempre) que se foda os irmãos neh! Mui amigo esse cara em, e olha que Eu nem
preciso dessas fotos para mover essa ação. Além de querer me culpar por sua
incompetência de estar na Bienal sabendo o que ia acontecer e não conseguir
registrar ele ainda acha uma ofensa Eu chamar outro fotografo como o “Leandro
Montovani” que ele se refere no texto acima, então agora ele é o fotografo
exclusivo dos Pixadores, só ele pode tirar fotos nossas kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, da
pra acreditar?
Eu só sinto de ter descoberto isso agora, e como fui Eu que o envolvi (CHOQUE)
no movimento minha obrigação é de trazer a verdade aqui pra todos, independe
de ser amigo ou colega meu, tem muitos pilantras que dizem correr lado a lado,
mas na realidade só se aproximam de nós (PIXADORES) com interesses
individuais e egoístas.
Eu não passo um pano pra safado não, hoje eu te amo, mas amanhã posso te
odiar, o CHOQUE não é o primeiro. Eu já desmascarei outros vermes que se
166
diziam “amigos” como OS GEMEOS e sua trupe de baba ovos que fazem
cosmética da PIXAÇÃO e pousam de descobridores do movimento na Europa.
www.fotolog.com.br/cripta_1996/72640149
E já que o CHOQUE é um covardão que não atende ó telefone e nem responde
email eu vou deixar um recado pra ele aqui.
Ai CHOQUE não fique pensando que você vai viver de exposições e vendas dos
registros que você tem nosso e do movimento (PIXAÇÃO), logo estaremos
vetando você juridicamente de expor ou vender nossas imagens, Eu vou fazer
questão de instruir a todos pixadores que você registrou que façam o mesmo, pois
o objetivo dos registros que era um livro até agora não aconteceu, então não fique
achando que vai viver as nossas custas pousando de artista em quanto os
verdadeiros estão na rua dando o sangue, já chega de gozar com nosso pau, de
dar entrevistas falando sobre o assunto, até trabalho na folha já arrumamos pra
você que por incompetência nem isso conseguiu manter.
É isso ai galera ramelo eu cobro mesmo, sem massagem!
Comentários e favoritas
1.
CREATURE MONSTERS (3 semanas atrás | resposta)
Porrada nele hahaha
salve djan
167
2.
Wesley SO (3 semanas atrás | resposta)
boa ....
3. ★
artestenciva adicionou esta foto a suas favoritas. (3 semanas atrás)
4.
atentadobombardeio (3 semanas atrás | resposta)
desde o começo não senti firmeza nesse cara.....porque sera.........salve
djan......
5.
Duascores.com (3 semanas atrás | resposta)
" Contruir um castelo talvez leve a vida inteira. derrubá-lo e questão de
segundos".
6.
C H I L I (3 semanas atrás | resposta)
=0
168
7.
felipe guimaraes (3 semanas atrás | resposta)
saquei..
8.
AG©N (3 semanas atrás | resposta)
eita vai vendo
9.
CRIPTA DJAN (3 semanas atrás | resposta)
Duas cores, com certeza que a verdadeira PiXAÇÃO esta rua e por isso
mesmo que na Bienal ela só esta sendo representada através de registros
todos feitos na rua, não tem nenhuma parede nem quadro com PIXAÇÃO
na Bienal, muito menos PIXO sendo vendido, mas reconhecimento é
importante pro movimento, até mesmo por que uma das essências da
PIXAÇÃO é o reconhecimento, na Bienal só estamos expandindo para o
mundo a potência do PIXO, se para alguns pixadores não é importante
vc pode ter certeza que a maioria esta muito satisfeita, EU que estou
na rua posso afirmar isso.
10.
169
Leandro Mantovani (3 semanas atrás | resposta)
Uma ofensa foi foda.
Só não colei no dia porque eu estava trabalhando , não foi por pouco caso
como o cara pensou.
Sem mais .
Abraço Djan.
11.
Duascores.com (3 semanas atrás | resposta)
Concordo Djan, mas esta palavra "reconhecimento" a gente pode traduzir
melhor para o nosso idioma; ibope. Quando fala que a "pichacao" esta
sendo vendida foi na mesma ideia do link que vc citou acima. A "pichacao"
esta entrando no mercado de "arte", pois pixacao também é arte, mas uma
arte PERTENCENTE a cidade, rua e isso não tem preço. Vender pichacao
para a burguesia ai ate eu entro no meio, mas nem de perto e nem de longe
nada do que esta sendo " comercializado" neste mercado de arte falida no
Brasil tem que ser chamado de pixacao.
A mídia e esse sistema artístico de classe alta e política esta criando
marionetes e a liberdade que temos nenhum preço paga. Por isso que não
mostramos a cara, pois depois que mostramos o medo vem e ai as coisas
complica. Ninguém quer ser preso. O anonimato e uma das essências da
parada e pra mim não tem nenhuma diferença a exposição na Bienal e do
painel que foi feito na 23 de maio! Os dois aceitaram cachês do estado e a
política usa e usou a cada um de vocês para ganhar ibope.
170
Quem ganha com isso e a Folha de São Paulo, a Bienal. Lideres do
movimento do graffiti e da pixacao? Vergonha! Não existe lideres!!!
Nem o que faz mas e nem o que faz menos domina a parada!! Acho
que vocês que já estão totalmente visíveis na mídia teriam que rever
os conceitos sobre as raízes do movimento.
12.
Tharcustche (3 semanas atrás | resposta)
Manos
até
não
queria
mas...
No ano passado nosso coletivo foi convidado para participar da Bienal de
Artes Visuas aqui em Porto Alegre. Imediatamente respondemos que não.
Porque? Nossa concepção de arte não reconhece AS BIENAIS como
tutoras do que é, ou do que não é arte. AS BIENAIS, são instituições dos
burguêses e não nossas, nosso ibope, nosso reconhecimento, não pode
ser medido por instituição alguma, se existe alguma instituição que
devemos reconhecer são a partir daqueles que correm riscos, ao ousar
transgredir as normas de uma sociedade baseada na opressão e
exploração da nossa capacidade de criação. Nossa instituição deve ser
criada com a distruição do arcaico, do velho, do conservador do status de
poucos. Não precisamos deles, são inimigos, retém a possibilidade do
aprendizado
intelectual,
social
e
econômico.
Particularmente acho que os compas beberam de um veneno mortal,
flertaram com quem não nos reconhece e que não merece o nosso
respeito. Por um acaso retiraram o processo sobre a Carol? NÃO? Não
quero me indispor com os amigos mas meus apontamentos são sinceros e
voltado pra agregar os ingovernáveis. A vida nos ensina muita coisa, basta
perceber os sinais e nutrir nossos desejos.Eles ainda vão caír e vai ser, no
pau,
na
luta
e
na
tinta,
em
cada
grito,
em
cada
distúrbio.
171
Força
a
todos!
Pintar e Lutar!
13.
Duascores.com (3 semanas atrás | resposta)
Sempre
Tharcustche
e
bom
ler
as
suas
ideias.
Eles oferecem 200 mil reais e ganham 1 bilhao com a nossa imagem.
"nosso ibope, nosso reconhecimento, não pode ser medido por instituição
alguma"
Apoio
total!
Forca na batalha!!
14.
galogri (3 semanas atrás | resposta)
sem ação não tem foto nenhuma !
15.
CRIPTA DJAN (3 semanas atrás | resposta)
Sabe o que é foda a Pixação não pode nada, nem receber reconhecimento,
agora o Graffiti pode tudo, ai ninguém fala nada, e ainda tem um monte de
babaca que passa um pano, ninguém aqui ta querendo tirar a pixação da
172
rua, não é por que colocamos um vídeo e algumas folhas dentro da Bienal
que o movimento vai perder a essência.
"A midia e esse sistema artistico de classe alta e politica esta criando
marionetes e a liberdade que temos nehum preco paga."
Eu não tenho medo medo de mostrar a cara na mídia pra falar o que pensa
não, Eu sim estou fazendo bom uso da liberdade de expressão, pra que se
esconder, varias pessoas morreram na ditadura militar para nossa geração
poder ter liberdade de expressão.
"O anonimato e uma das esencias da parada e pra mim nao tem nehuma
diferenca a exposicao na Bienal e do painel que foi feito na 23 de maio! Os
dois aceitaram caches do estado e a politica usa e usou a cada um de
voces para ganhar ibope."
Nos na Bienal não estamos interferindo em espaço na rua, é totalmente
diferente, só pra te dar um exemplo, quando a prefeitura apagou por
engano painel da 23 outros manos do graffiti foram fazer um bomb sem
autorização, sabe o que aconteceu? foi todo mundo pra delega, depois
venho Os Gemeos e pintaram la sem pertubação nenhuma....E outra nos
não estamos recebendo nada da Bienal, eles apenas estão reembolsado o
custo que tivemos pra fazer os trampos.
16.
CRIPTA DJAN (3 semanas atrás | resposta)
Tharcus, e \internos da nação (política interna) ou aos negócios externos
(política externa).[1] Nos regimes democráticos,a ciência política é a
173
atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto
ou com sua militância."
Então amigos aqui fica claro que quem faz a política somos nos
mesmos, e não é só através do nosso voto, e pra quem não se lembra a
apropria pixação nasceu atreves de protestos políticos.
A pixação é a política de questionar os espaços privado que cada vez é
maior na cidade, é a política da liberdade de expressão e liberdade da vida.
Não esqueçam isso a política não é só feitos pelos canalhas que estão no
poder, nos que temos que fazer nossa proporia política.
Por isso essa é a melhor forma de celebrar Arte e política.
17.
Duascores.com (3 semanas atrás | resposta)
174
Opa...Valeu pela ideia Djan! Pixacao e uma cultura marginalizada e nao
aceita pela sociedade. A pixacao nasceu no Brasil e LITERALMENTE faz
parte da cultura brasileira. Vizualizada com mais frequencia na Cidade de
Sao Paulo ela contem valores, regras, estilo de vida e crencas na questao
de ser livre para se expressar,etc...
Entendendo melhor o seus esforcos conta a opressao, descriminacao e
ditadorismo visivel no Brasil, eu vou entendendo um pouco mais sobre os
seus esforcos.
Forca
mano!
Forca na batalha!!!
18.
espaçoan (2 semanas atrás | resposta)
jah tinha ctz disso...te falei varias vezes djan....o maluco eh safado.... quem
era o choque antes de tirar fotos de pixo.... se promoveu as custas de
varios manos ae q sofrem nas quebradas em troca de porra nenhuma...e
qdo ele pos dinhero no bolso naum lembrou de nenhum desses manos...e
ainda se sente no direito de falar sobre a pixação como se estivesse no
meio.... pra mim naum passa de um aproveitador oportunista q estah
cagando e andando pelo movimento...soh ker saber de encher o bolso e
ficar pagando de heroi na midiazinha virtual... mas quem eh de mentira uma
hora a mascara cai!
19.
bee131 (2 semanas atrás | resposta)
175
aí tu falow juk inda bem q num foi soh eu hahaha nada como o tempo para
mostrar quem eh quem
20.
CRIPTA DJAN (3 dias atrás | resposta)
Outra fita grave que eu não havia comentado é sobre o video da morte
do mano "GUIGO" Néticos que o CHOQUE colocou na Bienal sem o
nosso consentimento e da familia do mano, desrespeitando um pedido
do Pai do "GUIGO" que pediu pra nos no enterro que não publicasse nada
sobre o ocorrido, Ai me vem esse VERME do CHOQUE por dinheiro e
coloca a porra do vídeo na Bienal, e ainda por cima se refere sobre o
ocorrido em seu flickr como " UM EMOCIONANTE AUDIOVISUAL"
O cara é tão safado que mesmo depois que o mano caio ele ainda continuo
gravando, e os manos que estavam no role disseram que ele ainda tentou
filmar o mano caído.
No enterro do mano ele nem deu as caras e como de costume de quando o
chicote estrala desligou o celular pra ninguém falar com ele.
Pior ainda é saber que tem pessoas que mesmo sabendo de todas essas
podridões ainda apóiam esse tipo de VERME.
176
A página do Djan no flickr segue com a mesma característica e polêmica de
seu fotolog. Mas a grande relevância está nos conteúdos das mesnagens. No
fotolog havia comentários, já no flickr há contestações e divergências. Os
posicionamentos diferentes em relação à mensagem postada por Djan atestam a
utilização desses canais para ponderar, discutir e fomentar ideias, ideologias e
apresentam também o ativismo político de seus sujeitos conectados nessa rede.
Além disso, podemos notar que há nesses comentários, pessoas de vários cantos
do Brasil, logo sua difusão é ampla e aponta para as diferentes opiniões. Dessa
forma é nítida a importância dos registros e das opiniões locadas no espaço
virtual, como um posicionamento político e autorrepresentação do indivíduo dentro
de sua comunidade. Outro aspecto de grande importância vem a ser a
comunicação feita a partir desses registros, pois as opiniões podem ser lidas de
várias formas e em hipertextos, podendo ser editada por meio dos links acessados
que promovem formas de interpretações e interatividades variadas.
177
Conclusão
Cotidiano em processo
Esta pesquisa apontou experiências de um cotidiano em processo.
A compreensão dos tags/pixos/graffiti e dos [email protected] são
desafios presentes em nossa sociedade contemporânea. A percepção da
geografia virtual como uma extensão de nossa realidade e catalisadora de
diferentes experiências e relações entre as pessoas que interagem com as redes
do ciberespaço são fenômenos em construção no nosso meio social. Seus
reflexos em nossa sociedade estão registrados nas páginas do ciberespaço e os
arquivos postados constrõem uma espécie de narrativa histórica não linear desse
fenômeno cultural.
O presente projeto procurou apresentar uma narrativa sobre as brevidades
históricas referentes aos tags/pixos/graffiti, apresentando conceitos básicos
pertinentes às raízes desse campo de manifestação para se entender um pouco
as regras do “jogo”, a partir de pesquisas e das experiências que a rua me
possibilitou.
Quando jovens urbanos saíram às ruas para conquistar seus espaços,
alguma coisa mágica ficou no ar, seja o cheiro da tinta, a brincadeira, o grito, o
proibido, ou a potência de fazer com que suas polifonias fossem ouvidas e, assim,
as ruas e os trens e, atualmente, a internet foram invadidos, tomados de assalto.
Muitos entraram na dança, os estudantes em Paris, a geração hip-hop em Nova
Iorque, os artistas em Berlim, e, no Brasil, os jovens misturavam protestos
políticos nos labirintos de Delfino e nos “frangos assados” de Valauri, Matuck e
Zaidler, a primeira geração em São Paulo. Logo a segunda geração paulistana
inventou os pixos. Colocou um tempero, deu uma gingada, devolveu e ganhou
espaço nos salões do velho mundo, uns seduzidos pelo mercado, aprenderam a
jogar e circulam por entre becos e palácios, outros, as margens, espancam seus
pixos nos arranha-céus. Invadiram toda a cidade e a transformaram num imenso
livro urbano de histórias marcadas a tinta, suor, adrenalina, protesto, amor e ódio.
178
Essas
histórias,
agora
também
são
contadas
nos
[email protected] e esperam por um click para que possam ser
interpeladas.
Para pensar sobre este momento de virtualização das culturas fundamentei
esta pesquisa sobre o ponto de vista de Pieri Lévy e Manuel Castells, que
apontaram questões sociais, políticas e econômicas em relação ao surgimento da
internet e principalmente a esta percepção através do digital.
Para muitos, a
Internet é uma grande possibilidade de lucro, para outros uma aproximação com
pessoas distantes e constata-se nesta pesquisa a afirmativa de Manuel Castells,
no livro A Galáxia da Internet,que “a Internet é, acima de tudo, uma criação
cultural”. (2003, p.32).
Pela importância conceitual destaquei Cildo Meireles com seus circuitos,
Bruscky com sua conexão mundial via arte postal que buscaram um caminho
diferente, se fizeram autônomos e poéticos, construiram informações por fluxos
paralelos. Esses circuitos alternativos promovidos por redes autônomas foram
então um início do que é a internet para muitos ativistas. A grande rede
possibilitou que se estabelecesse uma grande e potente forma de ativismo, e
mesmo que os mercados possam seduzir esses sujeitos, as respostas serão
dadas. Banksy quando suas obras foram vendidas nos leilões por extravagantes
preços postou em seu site um desenho de uma figura de terno olhando para um
quadro com uma grande moldura com os seguintes dizeres: “I can´t believe you
morons actually buy this shit” 65.
Para finalizar, gostaria de aqui escrever sobre meu desconforto e
inquietude durante esta pesquisa e escrita deste texto. Uma de minhas maiores
interrogações partiu de meu posicionamento crítico como pesquisador e escritor
urbano. Todos os questionamentos apresentados e discutidos nesta pesquisa
fazem parte das minhas conversas no dia a dia com outros pesquisadores, jovens
grafiteiros/pixadores, namoradas e amigos. Apesar de hoje um pouco distante das
ruas, eu utilizo o Fotolog e o Flickr como um espaço para a veiculação e
65
Eu não acredito que você idiota atualmente compra esta merda ( tradução livre do autor)
179
discussão de minhas poéticas urbanas.
Uma coisa que aprendi é que“a rua cobra caro”.
Os atacks são uma espécie de resposta à academia de arte que muitas
vezes perdeu o foco de seu olhar para as ruas e apenas fica reformulando
conceitos datados do século passado e ignora expressões perifeericas da qual
provem um caldo cultural mais temperado.
A mesma reposta também foi dada a galeria Choque Cultural, pela
banalização comercial de uma cultura e, por fim, à instituição Bienal que foi
obrigada a dançar ao som do caos, com seus senhores e doutores sendo
questionados e medidos pelas suas próprias palavras. Talvez reeducados por
aqueles que têm no lema L.H.P. (Lealdade, Humildade e Procedimento), pois “a
rua cobra caro”.
Então, se realmente a discussão dos méritos e das divergências em relação
às ações das ruas, os tags/pixos/graffiti estão nas ruas e nos espaços virtuais, a
única maneira de entrar nessa discussão é arrumar a senha, fazer o login e
acessar os [email protected]. Não é colocando ponto final e impondo
um ponto de vista que conseguiremos atestar como verdade nossos ensejos, mas
sim, entrando numa zona de livre expressão, como a rua e a internet que
conseguiremos uma visão ampla, ouvindo sujeitos plurais com humildade e
procedimento.
180

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2000.
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PEDRO LUIZ WANDERLEY TEIXEIRA