3º COLÓQUIO DO GRUPO DE ESTUDOS LITERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS:
UM COSMOPOLITISMO NOS TRÓPICOS
e
100 ANOS DE AFRÂNIO COUTINHO (1911-2011): A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL
LITERATURA E DEMOCRATIZAÇÃO CULTURAL: NEGOCIAÇÕES PARA
UM NOVO OLHAR NA CONTEMPORANEIDADE
Profa. Ma. Elizangela Maria dos Santos 1
Nas duas últimas décadas, o campo literário brasileiro vem apresentando uma
profusão de obras cujos suportes, temáticas e meios de divulgação priorizam a relação
do artista com o leitor, além de enfatizarem a discussão a respeito de espaços e sujeitos
submetidos à carências de todo tipo. No que tange ao discurso adotado pela produção e
prática cultural do século XXI, observam-se possíveis comprometimentos sociais que se
distinguem do engajamento dominante nos anos 1960. Sem adentrar por ora nas
discussões referentes ao realismo naturalista do século passado e às tendências
neorealistas do presente, é possível verificar na literatura contemporânea influências da
estética realista da prosa urbana sobre os artistas posteriores.
Contudo, além do engajamento social que exige uma escrita em consonância
com a realidade, impera uma tendência em transformar o objeto da crítica em sujeito do
discurso. Os artistas que produzem a partir da década de 1990 circulam pela
heterogeneidade do universo literário, conscientes da emergência de uma nova relação
com a realidade e dos recursos disponíveis para promover seu contato com o leitor.
Além disso, sua atuação coloca em evidência a necessidade de romper com a hegemonia
dos cânones; não se trata de negar o passado, haja vista a existência do diálogo com
escritores das gerações anteriores, mas de se levar em conta as tendências atuais das
produções.
Ao considerar a relação entre “os traços estruturais e estilísticos da literatura
moderna, acompanhada de uma compreensão das consequências das tecnologias
produtivas e da distribuição mercadológica e preparação de uma nova classe de leitores”
(RANCIÈRE, 2005, p. 15), os novos escritores apostam na democratização da arte,
possibilitada pelos recursos tecnológicos e pela abertura do mercado literário. Tais
possibilidades propiciam uma multiplicidade de caminhos adotados pelos autores
1
Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana: UEFS
Membro do Grupo de Estudos Literários Contemporâneos.
ISBN 978-85-7395-210-0
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contemporâneos; essa variação de tendências é definida por Schollhammer, quando
discute acerca da geração 00, como sendo:
uma forte vontade ficcional, a vontade de narrar uma história. Seja
voltando-se para os pequenos eventos do cotidiano ou para a grande
História, ou ainda em criações livres de referências históricas ou
sociológicas, que pela fabulação criam sua própria realidade. (...) A
ficção também surge na exploração criativa da própria escrita. Confio
e, de certo modo, espero que seja essa vontade de criação ficcional
que venha a determinar os autores mais desafiadores do século 21.
(SCHOLLHAMMER, 2010, online).
Essa vontade ficcional, aliada à criatividade dos escritores do início do século
XXI, concebe a literatura como sendo, sobretudo, forma artística por meio da palavra,
considerando-a como arte que pode dispor livremente de sua matéria-prima;
intensificam sua finalidade literária e exploram sua “utilidade social” (EAGLETON,
2006, p. 314). Dessa forma, constitui-se relevante pensar o escritor como aquele que se
serve das palavras para agir, pois “sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é
mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar” (SARTRE, 1993, p. 20).
Quando discute acerca da distinção entre espetáculo e simulacro, numa leitura da
pós-modernidade, Santiago (2004, p. 126), não inviabiliza as diferenças no universo
cultural e simbólico atual. No entanto, o crítico literário enfatiza a necessidade de ver a
questão da comunicação de massa, meio do simulacro por excelência, por um outro
prisma; representa um caminho para que a maioria que não tem acesso ao espetáculo o
faça por meio do simulacro. Nas palavras do crítico literário:
deve-se buscar, na sociedade de massa, a maneira de aprimorar a
produção de sentido do espetáculo/simulacro por parte de todo e
qualquer cidadão. (...). O sentido da produção simbólica e/ou cultural
é plural e inalcançável na sua pluralidade. O sentido é produto de uma
tensão que não é mais necessária e unicamente articulada pelas
instituições do saber. (SANTIAGO, 2004, p. 131).
Essa afirmação destaca a necessidade de se repensar a avaliação do produto
cultural; mais uma abertura para uma democratização da cultura, sinalizando a
possibilidade de um novo olhar acerca da disseminação da arte e do conhecimento,
semelhante ao que o autor analisa acerca do final da década de 1970 e início de 1980,
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com as críticas favoráveis à música popular do período. A partir da década de 1990, a
visibilidade para a maioria parte não apenas ou sobretudo dos críticos de arte, mas dos
produtores e escritores que fazem parte de um fazer artístico engajado.
O artista desse novo milênio parece elevar ao grau máximo a tradição da
literatura brasileira no que tange ao seu compromisso como escritor. Diante do aumento
da violência, falta de segurança pública e manifestações populares que se intensificam
no final da década de 1980 e início da década de 1990, começam a surgir obras literárias
que aproximam a realidade do leitor, cujas histórias são contadas/vividas pelos sujeitos
que antes eram apenas objetos do discurso. Essa atenção dos escritores aos problemas
sociais, revelando sentimentos e ações desses sujeitos, que se tornam protagonistas de
suas histórias, corrobora com a análise do escritor, proposta por Sartre, acerca de sua
responsabilidade com a escrita:
Quando fala, ele atira. Pode calar-se, mas uma vez que decidiu atirar é
preciso que o faça como um homem, visando o alvo, e não como um
criança, ao acaso, fechando os olhos, só pelo prazer de ouvir os
tiros.(...) Mas desde já podemos concluir que o escritor decidiu
desvendar o mundo e especialmente o homem para os outros homens,
a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua
inteira responsabilidade. (SARTRE, 1993, p. 21).
O escritor contemporâneo parece perceber a ideologia, cumprindo sua função
dentro do sistema; desvenda, pois, um mundo até então conhecido por meio de um
porta-voz externo que se aproximava de uma realidade desconhecida para exibi-la. Ao
decidir não calar, o artista do novo milênio parece atirar no silêncio, exibindo aos outros
homens as vozes, desejos, sentimentos e razões das vítimas da exclusão. Destarte, o
intelectual de hoje precisa rever sua atuação se deseja continuar participando das
produções culturais.
Segundo Heloísa Buarque de Holanda (2008, online), “Hoje, parece que alguma
coisa de bastante diferente está no ar e que vamos ter que repensar, com radicalidade,
nosso papel como intelectuais tanto no campo social, como no acadêmico e artístico”.
Uma vez em consonância com a realidade e os recursos disponíveis, o escritor acaba por
modificar o seu fazer literário; há, não apenas a utilização dos aparatos tecnológicos,
mas, sobretudo, uma forma de exibição da realidade que é vivenciada, em seus
diferentes aspectos, pelos excluídos do processo social.
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Essa representação acarreta/proporciona produções literárias plurais, com
visibilidade para o autor, leitor e para o sujeito do discurso, tendências “que estão
marcando com força total a produção cultural desse nosso início de século”
(HOLANDA, 2008, online).
De acordo com Schollhammer:
configura-se na prosa de certos autores contemporâneos um
compromisso com a realidade que se articula através da
experimentação e em que a dimensão política não se reduz nem à
postura do escritor, seu engajamento, nem à crítica da realidade
retratada pela obra, nem à verdade analítica da representação, mas
consiste na articulação de uma determinada realidade em
consequência direta da escrita e do impacto produzido por sua gestão.
(SCHOLLHAMMER, 2009, p. 173).
Trata-se de um compromisso da literatura, a partir dos anos 1990, que visa à
visibilidade dos sujeitos excluídos, cujo enfoque se distingue do engajamento dos anos
1930 e 1960, o qual era baseado na denúncia das mazelas provenientes do regime
capitalista, sustentado pelo sistema político. Como analisa Pereira (2007, p. 14), a
produção artística e cultural que vai sendo delineada na década de 1990, destaca “a
particularidade das experiências de sujeitos excluídos”; a realidade ignorada é
apresentada, portanto, sob um novo olhar.
Schollhammer (2009) aproxima essa nova forma de fazer literatura da discussão
suscitada por Rancière (2005), acerca da relação entre a política e a estética; ao priorizar
a visibilidade dos sujeitos excluídos, a literatura contemporânea força o reconhecimento
e a participação desses na sociedade. Tal intento impulsiona uma política estética que
“não deve ser entendida no sentido de uma captura perversa da política por uma vontade
de arte” (RANCIÈRE, 2005, p. 16), e sim uma estética política que permite o
surgimento de sujeitos que até então não possuíam visibilidade.
Sem rotular a literatura do novo milênio, alguns acadêmicos acompanham a
produção contemporânea, analisando/descrevendo os rumos da literatura a partir da
última década do século XX. Há um consenso no que diz respeito à heterogeneidade das
produções, mas tal diversidade não impede a existência de continuidades entre os
autores; dessa forma, influências temáticas das gerações passadas aparecem aliadas às
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diferentes formas de emprego da linguagem, recursos de expressão, performance e
divulgação cultural.
A literatura contemporânea prioriza a elaboração do discurso crítico a partir da
experiência do próprio sujeito marginal. Não é o intelectual que representa o outro, por
meio de seu discurso autorizado, e sim o sujeito passivo das representações que fala em
seu próprio nome; há, portanto, mais que denúncia social, pois o outro é exibido em
seus anseios, pensamentos, sentimentos e opiniões. Há uma espécie de proposta de se
retratar a realidade atual, sobretudo por meio do ponto de vista marginal, o que não
significa uma volta ao realismo tradicional.
A tensão entre a forma e o engajamento ainda se faz presente na literatura,
principalmente por conta do rigoroso apelo midiático pelo real. No entanto, há entre os
novos escritores, uma busca por um efeito literário representado pelo “como dizer” essa
realidade. Schollhammer defende um novo realismo, o qual
se expressa pela vontade de relacionar a literatura e a arte com a
realidade social e cultural da qual emerge, incorporando essa realidade
esteticamente dentro da obra e situando a própria produção artística
como força transformadora. (...) um tipo de realismo que conjuga as
ambições de ser “referencial”, sem necessariamente ser representativo,
e ser, simultaneamente, “engajado”, sem necessariamente subscrever
nenhum programa político ou pretender transmitir de forma coercitiva
conteúdos ideológicos prévios. (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 54).
Schollhammer (2009) descreve um realismo contemporâneo que valoriza o
aspecto performático e transformador da linguagem e da expressão artística, o qual
relega ao segundo plano a questão representativa; da mesma forma, Resende (2008)
defende uma escrita literária que não se deixou atingir pela pressa, instantaneidade e
facilidades do mundo moderno. Trata-se, como ratifica o primeiro, “de um
deslocamento claro em relação à tradição realista, em que a procura por novas formas
de experiência estética se une à preocupação com o compromisso de testemunhar e
denunciar os aspectos inumanos da realidade brasileira” (SCHOLLHAMMER, 2009, p.
57).
Essa procura produz um efeito estético da leitura que leva o leitor para dentro da
realidade narrada, como acontece com a prosa de Marcelino Freire, Nelson de Oliveira,
Marçal Aquino, Luiz Ruffato, Ronaldo Bressane, entre outros contemporâneos. Atenta
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aos rumos da literatura no presente, Resende (2008) defende que as transformações
sociopolíticas, tecnológicas e questões existenciais dos últimos anos se não imperam,
pelo menos suscitam “diferentes configurações identitárias, emergência de novas
subjetividades, de novas vozes e, conseqüentemente, de novas configurações narrativas”
(RESENDE, 2008, p. 65).
A produção literária, a partir da década de 1990, começa a ser reconhecida por
sua multiplicidade; no entanto, constitui-se uma pluralidade que não significa
fragmentação ou acúmulo aleatório de estilos, mas uma reação à homogeneização
opressiva imposta pela indústria cultural. Nessa pluralidade literária, Resende (2008, p.
16-8) identifica alguns fatores dominantes, os quais colocam em xeque críticas
preconceituosas que enxergam, na variedade, uma falta de sentido.
O primeiro fator colocado pela autora é a fertilidade das produções e a
divulgação cultural, constatada por meio do surgimento de novas editoras e escritores
inseridos no mercado; é inegável a força dos escritores no que se refere à publicação de
suas obras, sua promoção, muitas vezes sem intermediários, e as diferentes formas de
organização que os autores criam para estabelecer contato entre eles mesmos e com o
público leitor.
A qualidade dos textos apresentados na contemporaneidade constitui o segundo
fator. Sem entrar em contradição com o primeiro, essa característica evidencia que as
facilidades tecnológicas e a pressa do mundo moderno não comprometem o cuidado
com a escrita e o conhecimento sintático demonstrados pelos autores em suas
produções. O terceiro fator diz respeito exatamente à multiplicidade decorrente das
possibilidades editoriais; para a autora, há na produção contemporânea, uma
heterogeneidade refletida tanto no formato das obras, na linguagem, relação escritorleitor e na escolha do suporte literário, quanto na forma de conceber e entender a
literatura.
Integram esse fazer literário nomes como Marcelino Freire, Luiz Ruffato, André
Sant’Anna, Santiago Nazarian, Clara Averbuck, Miltom Hatoum, Bernardo Carvalho,
Cristóvão Tessa, Paloma Vidal, João Paulo Cuenca, Rubens Figueiredo, Michel Laub,
Rodrigo Naves, Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Rubem Fonseca, para citar alguns
dos escritores da literatura contemporânea. São, pois, representantes da multiplicidade
de que trata Resende; se já consagrados, demonstram em suas obras uma certa harmonia
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com a atualidade, percebendo a urgência de novas subjetividades; se escritores
reconhecidos a partir da década de 1990, presencia-se a diversidade de estrutura,
linguagem, suporte e o diálogo da literatura com outras artes.
A produção literária contemporânea não renega a tradição, uma vez que são
identificadas influências das gerações anteriores quanto à temática e estrutura, ao lado
de inovações propiciadas pelas exigências culturais e tecnológicas e pela forma de o
autor conceber seu papel na sociedade. A internet como suporte para divulgação de
obras e autores, por exemplo, modificou as relações do autor com o leitor, desfazendo a
concepção romântica que via aquele como um “ser especial, capaz de realizar
construções imagéticas do mundo, detalhes imperceptíveis a olhos comuns” (LIMA,
2008, p. 60). Para Schollhammer, essa literatura convive com tranquilidade entre
características de gerações anteriores e inovadoras, uma vez que os escritores
promovem
a intensificação do hibridismo literário, que gera formas narrativas
análogas às dos meios audiovisuais e digitais, (...), ou ainda a
linguagem incorporada ao universo da publicidade, (...), ou no diálogo
direto com a fogueira brasileira das vaidades midiáticas. (...) Também
o recurso ao pastiche e aos clichês dos gêneros considerados menores
– melodrama, pornografia e romance policial – se reafirma com força,
numa reelaboração vigorosa na nova geração de escritores.
(SCHOLLHAMMER, 2009, 38-9).
Mesmo prolongando alguns elementos específicos do passado, a literatura do
século XXI possui especificidades estéticas, estruturais e temáticas que não podem ser
analisadas sob a ótica dos modelos tradicionais. Novos critérios devem ser levados em
conta pela crítica literária, ao se observar essa produção; constituída de estilos que
rompem com a hegemonia cultural, os escritores contemporâneos adotam formas
distintas de falar na atualidade, o que requer uma relação diferente com a realidade.
Resende (2008) resume essa nova relação do escritor com o fazer literário em três
questões predominantes e comuns aos escritores da nova geração, apesar da, ou
principalmente, por conta da heterogeneidade da literatura: a presentificação, o retorno
do trágico e o tema da violência, aspectos que parecem se encontrar interligados na
ficção atual.
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A autora, em consonância com Schollhammer (2009, p. 10-1), destaca o caráter
de urgência que predomina na prosa atual, uma preocupação com o presente
manifestada por meio da atitude dos novos escritores. Dos escritores que se inserem no
mercado até os que rejeitam intermediários, o que prevalece é “o interesse pelo tempo e
espaço presentes, apresentados com a urgência que acompanha a convivência com o
intolerável” (RESENDE, 2008, p. 28). Essa presentificação também pode ser detectada
na estrutura narrativa, em que se observa a proliferação de contos cada vez mais curtos,
a exemplo da coletânea organizada por Marcelino Freire, Os cem menores contos
brasileiros do século (Ateliê Editorial, 2004), concisão seguida por novos escritores,
como Fernando Bonassi e Rodrigo Neves.
Uma vez em consonância com a atualidade, usufruindo dos recursos
disponibilizados para produção, circulação e divulgação de obras e escritores, a
literatura contemporânea não poderia se abster de questões atuais e inerentes à
sociedade moderna. Assim, o entrelaçamento entre a postura engajada e a intimista, bem
como a abundância e diversidade de temas e recursos estilísticos representam uma
ficção heterogênea em que a fertilidade funciona como possibilidades múltiplas de
discutir questões comuns. Trata-se, pois, de diferentes formas literárias, as quais buscam
democratizar o acesso à cultura; por constituírem modelos diferentes de produção,
estruturação e divulgação, requerem também novos parâmetros de leitura e análise.
RESUMO
Ao propor uma leitura das produções literárias contemporâneas, ou seja, da literatura
produzida a partir da década de 1990 até os dias atuais, esse texto visa à reflexão de
importantes aspectos concernentes à cultura e arte do novo milênio. Parte-se, sobretudo,
das considerações empreendidas a partir da leitura das “galinhas-d’angola atiradas pelo
meeiro criador” (SANTIAGO, 2004, p. 248), Silviano Santiago; ao discutir acerca do
cosmopolitismo do pobre, o crítico questiona/comenta a respeito de uma
democratização da cultura, a partir de quando alguns críticos começaram a demonstrar
interesse pela cultura da maioria, acirrando o embate entre o erudito e o popular. Esse
interesse é revigorado por meio das produções contemporâneas, as quais não apenas
modificam a forma de produção, divulgação e circulação da arte, como exigem
diferentes valores e formas de avaliação da arte e da cultura. Estudiosos da
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contemporaneidade, como Karl Erik Schollhammer, Beatriz Resende, Ângela Maria
Dias, Regina Dalcastagnè e Tânia Pellegrini sustentam a leitura do fazer literário na
contemporaneidade, proposta nesse texto.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Contemporânea. Democratização. Cultura.
ABSTRACT
By proposing a reading of contemporary literary productions, in other words, the
literature produced from the 1990s until today, this paper is intended to reflect the
important aspects related to culture and art of the new millennium. Start of the
considerations taken from the reading of the "angola chicken thrown by sharecropper
creator" (SANTIAGO, 2004, p. 248), Silviano Santiago. When discussing about the
cosmopolitanism of the poor, the critical questions/comments about a democratization
of culture, from when some critics began to show interest about the majority culture,
exacerbating the clash between the scholarly and popular. This interest is invigorated by
contemporary productions, which not only modify the form of production, distribution
and circulation of art, as require different values and ways of assessing art and culture.
Contemporary scholars such as Karl Erik Schollhammer, Beatriz Resende, Ângela
Maria Dias, Regina Dalcastagnè and Tânia Pellegrini support the reading of
contemporary literature, proposed in this text.
KEYWORDS: Contemporary Literature. Democracy. Culture.
BIBLIOGRAFIA
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