Ano VII - N.º 21 - 22 de Setembro a 21 de Dezembro de 2007
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S. Tome e Principe
Natural Park: Ria Formosa
Avian flu
Rehabilitation of marine species
Entrevista: S. Tomé e Príncipe
Reportagem: Ria Formosa
Actualidade: Gripe das aves
Reportagem: Porto de abrigo
Jorge Gomes
sumário
26 S. TOMÉ E PRÍNCIPE
SECÇÕES
entrevista
No alinhamento da bacia do Congo, S. Tomé e Príncipe é uma
bolsa preciosa de diversidade biológica. O Parque Biológico de
Gaia organiza um seminário nesse país irmão: veja como...
9
Portfolio
12
Fotonotícias
14
reportagem
Parques de Gaia
17
Sob o afago da água, este Parque Natural espraia-se ao longo
de cerca de 18 mil hectares, no Sotavento algarvio, e é entendido
como um sistema ecológico muito produtivo. A pé e de saveiro,
fomos ao seu encontro...
Quinteiro
32
Colectivismo
44
Crónica
48
34 PARQUE NATURAL DA RIA FORMOSA
40
Ver e falar
PORTO D’ ABRIGO
reportagem
No Algarve, o Zoomarine tem em funcionamento um centro
de reabilitação de fauna selvagem. Neste abrigo, convertido em
hospital, tudo é feito com muita cabeça para que, por fim,
ocorra um final feliz.
43 GRIPE DAS AVES
As aves selvagens passaram por ser as más da fita, até que,
recentemente, a ONU vem explicar por que razão se sabe agora
que esta moléstia está confinada a animais domésticos...
Revista “Parques e Vida Selvagem” • Director Nuno Gomes Oliveira • Editor Jorge Gomes
• Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia, E. M. • Propriedade Parque
Biológico de Gaia, E. M. • Pessoa colectiva 504888773 • Tiragem 120.000 exemplares.
ISSN 1645-2607 • N.º Registo no I.C.S. 123937 • Dep. Legal 170787/01 • Administração
e Redacção Parque Biológico de Gaia, E. M. - Estrada Nacional 222 - 4430 -757 AVINTES
– Portugal • Telefone 22 7878120 • E-mail: [email protected] • Página na internet:
http://www.parquebiologico.pt • Conselho de Administração José Urbano Soares, Nuno
Gomes Oliveira, Nelson Cardoso. Foto da capa: Nuno Gomes Oliveira, Baia de S. João
dos Angolares, S. Tomé e Príncipe
João Luís Teixeira
actualidade
Esta Revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico
de Gaia e o Jornal de Notícias.
Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas
da responsabilidade de quem as assina.
editorial
Umas e outras...
Nuno Gomes Oliveira
Director da revista «Parques e Vida Selvagem»
No último número da nossa revista, publicado a 21 de Julho, divulgámos o seminário Ecoturismo e Biodiversidade
S. Tomé e Príncipe´2008, que o Parque Biológico de Gaia, em parceria com a Direcção Geral de Ambiente
de S. Tomé e Príncipe, e a colaboração do NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem)
e do Secretariado do Countdown 2010, irá promover na próxima Páscoa na cidade de S. Tomé
In the beginning of 2008, Parque Biológico de Gaia will be organizing
the Ecoturismo e Biodiversidade S. Tomé e Príncipe 2008 seminar, with
the participation of the NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção
da Vida Selvagem) and the Countdown 2010 secretariat.
Meanwhile, summer breezed through the Park, and with it, a flock of
wounded birds ended up in the Park's Recovery Center. Some have
already been released.
Climatic changes are still a matter of worry. According to the Stern
report, southern Europe (namely Portugal) will be harshly affected by
these changes. Some of the expected effects will be the increase of the
hydric stress, heat waves and forest fires, storms, floods and droughts.
The hot summers will also increase the need for air conditioning, thus
increasing the energy consumption. The heat waves and lack of water
in the South will force the economic activities to converge in the North.
It will increase the death rate, the number of diseases, poverty and
regional conflicts.
For news on nature and wildlife preservation, it was a good season for
nonsense. A daily newspaper stated, on the 3rd of September that in
Spain, mice were being used to feed protected birds. What really was
happening was the usual mice plague in Zamora and they took the
chance to blame the conservation movement by spreading that rumour.
It happened before, when people blamed the deaths of cattle on the
wild wolves. What they forgot to mention, was that most of those
deaths were the work of wild dogs, not wolves.
Still on the “nonsense” topic, there were the news about the resettlement
of the Lynx here in Portugal, in 2011. Interestingly enough, we only resort
to resettling when the issues that cause the extinction or reduction of
the species are dealt with and that is not the case here.
But in the midst of this “misinformation”, we came across “O Condomínio
da Terra” (Earth condominium), written by Paulo Magalhães. The book
has very interesting suggestions that remind us that it's not the
environment that's facing a crisis, it's our civilization instead, and so
“...if we cannot change the laws of nature, we can only change our
ideas.”
Like the Autumn leaves, our old ideas should also fall, because this
Planet needs new ones.
4 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
É com muita alegria que podemos dizer que, à data de fecho desta
revista (17 de Setembro), o número de pré-inscrições, do lado português,
já tinha ultrapassado a centena.
Entretanto avançou-se na organização do evento. O Dr. Arlindo Ceita
Carvalho, Director-geral de Ambiente de S. Tomé, esteve uma semana
a trabalhar connosco, no Parque Biológico e o Grupo Pestana, com a
colaboração da agência de viagens Intervisa e da TAP, fez o seu melhor
para promover a logística do seminário; assim, podemos hoje divulgar
nesta revista (pág.24) o programa e condições de inscrição.
Este seminário pretende ter um figurino diferente dos habituais
congressos e encontros; será, a um tempo, espaço de cooperação,
discussão, ensino e descoberta.
Tempo de ensino, pois pretende-se que quem, daqui, for ao seminário
de S. Tomé e Príncipe leve e dê a sua experiência profissional: uma
parte do seminário será constituída por palestras e ateliers de educação
ambiental, dinamizados pelos próprios participantes, no seio da
comunidade local.
Tempo de cooperação, já que se pretendem estabelecer laços, para o
futuro, entre os participantes de cá e de lá; mas no imediato, no
presente, os participantes do seminário viajarão acompanhados de
um contentor cheio de material didáctico que, colectivamente, oferecem
a S. Tomé e Príncipe.
Tempo de discussão, nos debates que serão promovidos, sobre
ecoturismo, educação ambiental, conservação da biodiversidade,
moderados por jornalistas santomenses.
Tempo de descoberta, pois iremos ao encontro de um país fabuloso
e de um povo acolhedor.
Entretanto, o Verão passou pelo Parque Biológico e, com ele, a entrada
no nosso Centro de Recuperação de Animais de uma série de desajeitados
juvenis de Poupa, de Cuco, do Mocho-pequeno-de-orelhas, de Corujadas-torres, de Melro, de Garça-vermelha, de Grifo (abutre), de Esquilo,
de Gineta e de muitas outras espécies.
Após recuperação (quando foi possível) as restituições à natureza já
começaram: várias largadas no próprio Parque Biológico, duas Águiascobreiras e 4 Mochos-pequenos-de-Orelhas a 12 de Setembro, no
Parque Natural da Serra da Estrela, uma Garça-vermelha e dois Cucos,
no dia 22 de Setembro na Ria de Aveiro e um Grifo, também em
Setembro, no Douro Internacional, são alguns dos sucessos da
recuperação.
Mas o Verão deixou marcas na vegetação do Parque Biológico: nos
Pinheiros, particularmente no Pinheiro-silvestre, nos Vidoeiros, nos
Eucaliptos, são visíveis sinais de stress hídrico, ou seja, sinais de que
Foto: NGO
Foto: JLT
a planta não consegue absorver do solo água suficiente para repor a
que perde por transpiração.
Esses sinais são a paragem de crescimento, as folhas secas, a queda
de ramos (JN 22/08/2007: “Ramo de árvore do Parque da Cidade [do
Porto] põe homem no hospital”) e a morte da planta.
Fenómeno de que alguns andam, há anos, a avisar a humanidade,
como é o caso do economista do Banco Mundial, Sir Nicholas Stern,
no seu famoso relatório sobre as consequências económicas das
alterações climáticas, encomendado pelo Governo britânico e
apresentado em 30 de Outubro do ano passado.
Segundo o relatório Stern, o Sul da Europa, e nomeadamente Portugal,
será muito afectado pelas alterações climáticas, assistindo-se a um
aumento do stress hídrico, a vagas de calor e fogos florestais,
tempestades, cheias e secas. As vagas de calor, como a de 2003, que
provocou a morte de 35 mil pessoas e prejuízos de 11,7 mil milhões
de euros na agricultura da Europa, irão suceder-se.
O relatório Stern refere, ainda, que os países de latitudes mais baixas
(caso de Portugal) são os mais vulneráveis. Os Verões mais quentes
vão aumentar a necessidade de ar condicionado, provocando um
aumento global do consumo de energia.
Com as ondas de calor e a falta de água no Sul, o centro da actividade
económica, nomeadamente do turismo, passará mais para Norte,
aumentando nas regiões do Sul a doença, a mortalidade, a pobreza
e os conflitos regionais.
Apesar de avisados, está-nos a custar a perceber que este gravíssimo
processo se encontra, mesmo, em marcha, e que já somos impotentes
para o suster em tempo útil.
Mesmo assim, alegremente, continuamos a semear em Portugal extensos
relvados e campos de golfe, que só se aguentam à força de água, água
que decididamente não teremos dentro de 30 ou 40 anos.
Mas no que toca a notícias sobre conservação da natureza e vida
selvagem, tivemos um período rico em disparates.
Ficará célebre o título do JN, de 3 de Setembro: “Espanha – Ratos
terão sido introduzidos para alimentar aves protegidas”.
Em face de uma natural e habitual praga de ratos-do-campo em
Zamora, fruto de décadas de errado ordenamento territorial, aproveitase para culpar o movimento de conservação pondo a correr o anedótico
boato do... repovoamento de ratos!
Técnica de contra-informação já conhecida, e usada em Portugal, nas
décadas de 70 e 80, para evitar a conservação do Lobo; dizia-se, então,
que alguém andaria a libertar lobos em Montesinho e no Gerês e que,
por isso, estavam a aumentar os ataques ao gado.
Não se dizia que a maioria desses ataques eram de cães assilvestrados,
nem se dizia que os poucos lobos que escaparam às batidas e
perseguições dos séculos anteriores tiveram que se virar para o gado,
pois a caça furtiva e não furtiva destruiu todas as sua presas naturais,
fazendo do Corço, um mamífero extremamente comum em toda a
Europa, uma raridade em Portugal.
Continuando no campo da asneirita, temos a notícia do repovoamento
de Lince em Portugal, já em 2011; sempre apreendemos que só se
João L. Teixeira
Bufo-pequeno-de-orelhas
João L. Teixeira
Indiferentes a isto (ou talvez não) lá chegaram a Portugal, por meados
de Setembro, os Papa-moscas, vindos do Norte da Europa.
E, contra os arautos da desgraça, nem estas simpáticas avezinhas, que
anualmente nos visitam, nem quaisquer outras, são portadoras do tão
temível vírus H5N1, da gripe das aves.
Segundo notícia difundida pela Lusa, a 3 de Setembro passado (ver
pág. 43), a ONU acredita que a gripe das aves está circunscrita às aves
domésticas.
Isto depois de 350 mil testes em aves selvagens, entre 2005 e 2007,
terem tido todos resultados negativos.
A recente tentativa de confundir a população com o vírus H5N2 (e
não N1), encontrado em duas explorações de aves em Portugal,
misturando isso com a gripe sazonal que se avizinha, parece-nos não
ter outro objectivo que não seja... vender vacinas.
A notícia de um grupo de investigação português que aponta o dedo,
especificamente, ao pobre do pato denominado Zarro-comum (Aythya
ferina) parece-nos de todo lamentável, pelas consequências que pode
ter em termos de conservação da Natureza.
Ainda que algum fundamento científico tenha, estamos a passar para
o público especulações e preocupações que devem ser – por ora – da
comunidade científica, que tem conhecimentos para as interpretar.
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 5
em destruir o país; não eram ecologistas-de-cara-tapada-de-fériasem-Aljezur.
Felizmente o problema dos eucaliptos está ultrapassado (as suas
sequelas não), o país ficou muito mais pobre (o que lucrou com a
venda de pasta de papel não dá para os enormes custos de recuperação
ambiental das nossas serranias) e as gentes de Valpaços tinham razão.
Provavelmente entre os ditos ecologistas-de-cara-tapada-de-fériasem-Aljezur estariam muitos “amigos dos animais” que alimentam os
seus cães e gatos com rações que incorporam soja transgénica, a
mesma do fast food, que é uma das grandes responsáveis pela
destruição da Amazónia.
Ainda este ano, em 24 de Março, o Tribunal Federal Regional do Pará
(Brasil) encerrou compulsivamente o porto graneleiro da empresa Cargill,
em Santarém do Pará (que também opera em Portugal desde 1987),
após uma longa batalha, iniciada no ano 2000 pelo Ministério Público,
devido às irregularidades ambientais desta multinacional, responsável
pela destruição de áreas incomensuráveis de floresta amazónica, para
produção de soja, muita dela exportada para a Europa, para integrar as
“nossas” rações para gado e para cães e gatos.
Estas devem ser as verdadeiras causas ambientais; atacar um pequeno
agricultor, mesmo de milho transgénico, dizer que o Zarro-comum
pode ser portador do H5N1, ainda que possa, ou que os ratos-docampo de Zamora são resultado de repovoamentos só servem para
prejudicar a percepção da população das questões de conservação
da natureza e defesa do ambiente.
No meio desta desinformação, surge em Maio o livro do Paulo
Magalhães, “O Condomínio da Terra, das alterações climáticas a uma
nova concepção jurídica do Planeta” (Edições Almedina, Coimbra),
com propostas muito interessantes, e a lembrar-nos que não é o
ambiente que está em crise, mas sim a nossa civilização pelo que,
“...se não podemos mudar as leis da natureza, só nos resta mudar as
nossas ideias.”
Com as folhas do Outono, caiam também as ideias velhas, que o
Planeta precisa de ideias novas.
João L. Teixeira
Cuco
6 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
João L. Teixeira
Bom, no que toca à Cabra-brava, devemos a sua presença no Gerês
português, ao Parque do Xurez espanhol e ao Benito Rodríguez que,
por acaso, esteve recentemente no Parque Biológico e nos relembrou
essa história da libertação das Cabras-bravas (ver pág. 21), que nem
o antigo presidente da República Américo Tomaz tinha conseguido
obter do seu amigo general Franco.
E porque o Verão foi prolixo em disparates, não queremos deixar de
referir o péssimo serviço prestado à defesa do ambiente por um
grupo de 100 ecologistas-de-cara-tapada-de-férias-em-Aljezur que,
em 17 de Agosto, invadiram uma exploração agrícola em Silves e
destruíram um hectare de milho transgénico. Não que o problema
dos transgénicos não seja social e ambientalmente preocupante –
muito preocupante – mas, hoje, as coisas não se resolvem assim.
Há 18 anos, em Valpaços, milhares de pessoas também invadiram
uma plantação de eucaliptos e, enfrentando a GNR, destruíram,
simbolicamente, alguns pés; só que há diferenças entre as duas
acções. Na de 19 de Março de 1989 – eu estive lá – foram as
populações locais que se levantaram perante a perda dos seus meios
tradicionais de subsistência, contra as grandes empresas da celulose
que na altura insistiam, como agora fazem as da soja noutras paragens,
João L. Teixeira
João L. Teixeira
recorre às técnicas de repovoamento depois de estarem eliminadas,
no local a repovoar, as causas de diminuição ou extinção da espécie
que queremos conservar.
Não é o caso do Lince, que desapareceu por fragmentação e falta de
habitat e presas naturais (coelho-bravo), como não é o da Águia-real
no Gerês português, que rareia pelas mesmas razões, e que agora
também se pretende repovoar a partir de exemplares criados em
cativeiro.
Era bem melhor consagrar o dinheiro que se vai gastar nesses projectos
à beneficiação dos habitats naturais e, depois, a Águia-real e o Linceibérico lá chegariam, naturalmente, por expansão das populações
espanholas, como aconteceu em anos recentes, com a Cabra-brava e
o Esquilo.
Libertação de águia-cobreira
opinião
Luís Filipe Menezes
Presidente da Câmara Municipal de Gaia
As cidades e as alterações climáticas
O nosso mundo está a passar por uma grande alteração: 50% da população já vive nas cidades
e prevê-se que, pelo ano 2030, esse número suba para 75%
Há, pois, que preparar nova regulamentação que obrigue as novas
construções a terem altas performances energéticas e ambientais (o
EcoBuilding Performance, Paris 2007, traz bons exemplos) de modo
a minorar os efeitos dessas alterações no nosso quadro de vida.
Apesar de todos os alertas, continuamos a apostar na construção
num litoral de risco, e em leito de cheia, deixando o interior à
desertificação e aos incêndios.
Há que ponderar sobre o que sucederá ao litoral de Portugal, em
grande parte um litoral baixo, daqui a 20 ou 30 anos, com a
previsível subida do nível do mar, por efeito do degelo das calotes
polares e glaciares.
Para além da inundação permanente de zonas hoje habitadas,
haverá a perda de valor turístico de muitas regiões, e uma enorme
especulação do preço do solo, com as respectivas consequências
económicas.
Também por isto se deve pensar em novas ofertas de turismo
sustentável, promovendo investimentos que incorporem na
formulação dos projectos a previsão das consequências das
alterações climáticas.
Em Gaia estamos a dar passos no sentido de preparar o concelho
para os desafios deste século; começamos pelo ordenamento do
território, com um Plano Director Municipal (PDM) novo, que
reduz, no possível, a área de construção e aumenta as áreas de
conservação dos processos biofísicos e passámos, já, ao estudo
das possibilidades de racionalização dos consumos energéticos
dos equipamentos e instalações municipais.
João L. Teixeira
Por isso as cidades têm grandes responsabilidades ambientais, até
porque 80% dos gases com efeito de estufa são produzidos no
espaço urbano.
Mas no presente cenário de alterações climáticas ficam acrescidas
as responsabilidades das cidades, e aumenta a obrigação de prever
e preparar o futuro, muito para além dos efémeros quatro anos
de um mandato autárquico.
E isso consegue-se planificando convenientemente o
desenvolvimento e ocupação do território municipal, adoptando
políticas que obriguem à diminuição das emissões dos gases com
efeito de estufa (a introdução do Metro em Gaia é um exemplo),
diversificando as fontes de energia (usando, por exemplo, a energia
solar em equipamentos públicos), criando novos espaços verdes
que amenizem o clima urbano, entre muitas outras medidas
possíveis.
A cidade tem, também, de se preparar para a crise gerada pelas
alterações climáticas em curso, que inclui tempestades inesperadas
e violentas, doenças habitualmente características de climas
tropicais, vagas de calor, chuvas e cheias catastróficas, subida do
nível do mar e crises de poluição, para só referir alguns problemas
que já se verificam actualmente.
Com a péssima eficiência energética e térmica da nossa construção
actual, perante uma subida generalizada da temperatura e as
ondas de calor, vamos assistir ao recurso generalizado ao ar
condicionado, com o consequente aumento do consumo energético
e da despesa das famílias.
8 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
breves
ver e falar
Os leitores dão notícias
Não sei se há maneira mais directa de dizer isto, mas aqui vai:
os leitores da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são o máximo...
Andamos atrás de uma fórmula única. Aquela que seja capaz de
transformar, sem qualquer desperdício, a gentileza dos leitores numa
revista melhor a cada edição.
Não ficamos com o e-mail bloqueado por excesso de mensagens, não.
Nem o carteiro pensará em despedir-se com a quantidade de cartas que
recebemos. Nem é preciso!
Mais certo é que, pelas palavras que nos enviam, sentimos que vale a
pena multiplicar horas, noites e dias no esforço de fazer sempre mais
e melhor.
Manuel Fernandes, de Vila Real, escreve em 24 de Agosto: «Acabo de
receber a revista "Parques e Vida Selvagem", que agradeço
reconhecidamente. Aproveito para felicitar a equipa editorial pelo
elevado nível que a revista atingiu e pelo renovado interesse que suscita.
No actual panorama nacional de revistas dedicadas à natureza e ao
ambiente, esta é sem dúvida a melhor».
Do Bombarral, diz Mário Correia, em 13 de Agosto: «Tomei recentemente
conhecimento da revista editada
pelo Parque Biológico de Gaia e
quero felicitar-vos pela qualidade
do vosso trabalho e da revista. Sou
um apaixonado pela Natureza desde
criança. Gostava de assinar a vossa
revista, ou, caso não esteja previsto
terem assinantes, gostava de recebêla. Prometo dar-lhe bom uso,
divulgando a vossa obra admirável».
Vinda do extremo sul do país, lemos
esta mensagem: «Sou o professor
Paulo Silva, de Biologia e Geologia,
da Escola E.B. 2,3 Infante D. Fernando,
de Vila Nova de Cacela, Algarve.
Venho por este meio solicitar apoio
para os projectos de ambiente da
nossa Escola, através do envio da
vossa revista «Parques e Vida
Selvagem». Gostava de receber
inclusivamente, se possível, os
exemplares já editados neste ano
lectivo (Setembro a Abril). Obrigado
pela atenção».
Em 30 Junho, entre outros, Jonathan
Copeland, um dos professores
universitários norte-americanos que
palestrou no Seminário Internacional
sobre Pirilampos e Bio-luminescência
que decorreu no Parque Biológico
de Gaia este ano, enviou uma
mensagem ao director desta revista,
que será representativa das restantes:
«O seminário foi MARAVILHOSO!
Não me lembro em X anos (onde X
é um número grande) de um evento que me tenha dado tanto gosto
participar e onde tenha aprendido tanto. Mas, adicionalmente, e para
além da vertente científica, devo dizer que a hospitalidade foi fora de
série. Estou a tentar encontrar aqui nos Estados Unidos da América uma
instituição que reúna as mesmas características do Parque Biológico de
Gaia, mas só conheço um que se aproxima, embora sem hospedaria,
restaurante e, claro, sem percursos para observação de pirilampos! Do
meu ponto de vista, o Parque Biológico é singular e devo dizer que
contribuiu largamente a nível internacional para uma melhor compreensão
destes insectos. Muito obrigado!».
ESTAR A PAR
DAS NOVIDADES
Recebemos também um pedido de informação de Luísa Marques:
«Somos alunas de Educação de Infância e estamos a elaborar um
trabalho de projecto sobre borboletas. Podem facultar-nos alguns
esclarecimentos? Desde já o nosso muito obrigada». As perguntas
vão em baixo, seguidas das respostas entretanto enviadas:
Quantos tipos de borboletas existem no Parque Biológico de Gaia?
No Parque Biológico de Gaia existe um incontável número de
borboletas, sejam elas activas de dia ou de noite.
Normalmente as nocturnas
designam-se por heteróceros e as
diurnas por ropalóceros.
Falando destas últimas, temos
fotografadas apenas nos dois
últimos anos 41 espécies. O número
de espécies de heteróceros
(nocturnas) é muito superior,
estando ainda muitas por
identificar, o que se compreende
uma vez que não tínhamos apoio
próximo e directo de especialistas
em insectos. Num meio urbano,
são bons números. A nível nacional
contam-se cerca de 140 espécies
de diurnas e 2400 nocturnas.
Os mais interessados podem
encontrar um quadro
representativo no site do Parque
Biológico (www.parquebiologico.pt)
indo a À descoberta / Fauna /
Invertebrados / Borboletas.
Como morrem as borboletas?
As causas de morte das borboletas
podem ocorrer por motivos diversos
e em diferentes fases do seu ciclo
de vida.
A causa maioritária de morte
enquanto ovo pode ser um ataque
de fungos; enquanto lagartas e
enquanto adultas, borboletas
propriamente ditas, podem servir
de alimento a aves, répteis, anfíbios,
mamíferos e até outros insectos,
como vespas.
Por que é que as borboletas têm cores diferentes?
Sendo espécies diferentes é natural que o seu percurso evolutivo as
tenha levado a soluções diferentes, de acordo com a sua posição na
cadeia alimentar dentro dos habitat que ocupam.
Por exemplo, as borboletas «nocturnas» são especialmente miméticas
porque descansam durante o período de luz diurna e os seus predadores
diurnos não devem vê-las com facilidade. Quando não é assim,
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 9
JG
verbreves
e falar
Lameirinha
Erynnis tages
quando há a presença de uma cor viva, isso tem a vantagem de dizer
aos predadores que não é nada saborosa e que pode inclusive causar
náuseas.
Nas borboletas diurnas, uma cor mais acentuada, como o azul
acrescido da maioria das espécies da família dos licenídeos, servirá
fins de identificação sexual que complementem uma eventual
ineficiência de feromonas.
O que podemos fazer para proteger as borboletas?
Proteger os seus habitat naturais e, compreendendo o seu ciclo de
vida, quem tiver jardim pode plantar plantas hospedeiras que abriguem
e permitam o desenvolvimento de espécies da região. Cultivar plantas
com flores ricas em néctar, como a alfazema, ajuda a alimentar
sobretudo as que efectuam migrações.
Que trabalhos desenvolve o Parque Biológico para proteger as
borboletas?
Contribui para a sua protecção sobretudo através de actividades de
educação ambiental — transmitindo conhecimentos que sensibilizem
para as diversas vantagens de as mantermos como património de
biodiversidade e bioindicadores — e conservando os seus habitat
naturais.
Nesse sentido, temos duas espécies que surgem todos os anos que
são consideradas de maior interesse por parte de investigadores
como Ernestino Maravalhas, editor do livro «Borboletas de Portugal»,
nomeadamente a Apatura-pequena (Apatura ilia) e a Lameirinha
(Erynnis tages).
Essas borboletas
estão
em
cativeiro?
Não, andam em
liberdade. É a
melhor forma
de as conservar
como espécies
do património
n a t u r a l
português.
Como é que as
borboletas se
A fuliginosa (Phragmatobia
protegem da chuva?
fuliginosa) é uma borboleta
Geralmente quando está
«nocturna»
frio ou chove, elas recolhemse no meio da vegetação do seu
habitat e entram em repouso até
poderem dar continuidade aos seus ritmos
de vida.
Contudo, excepcionalmente, temos informação de que há espécies
de borboletas «nocturnas» que costumam realizar as suas migrações
apenas em noites de chuva, o que se deve com certeza a uma
forma de evitar a pressão de predadores certeiros como os
morcegos.
Concurso: nomes vulgares
Numa revista da primeira metade do ano, lançámos um desafio aos leitores: propor nomes comuns
para espécies que, tanto quanto sabemos, de momento só têm designação científica...
Falar-se de educação ambiental usando nomes escritos em latim é
introduzir grossas fatias de ruído na comunicação. Aqui não há
dúvidas.
Mas, em muitos casos, há espécies de plantas, de animais, de fungos
que não têm ainda nomes vulgares. Ocorrendo a sua criação, a
população poderá aproximar-se mais de um maior conhecimento
do seu património natural.
Foi esta a ideia que inspirou o concurso constante desta revista na
sua edição de Primavera.
Feito o ponto da situação, as respostas foram chegando. Entre as
que destacamos vai primeiro a de duas educadoras-de-infância,
Mariana Silva e Eliana Pimenta, que gostaram da ideia e a
apresentaram às suas crianças: «Vamos arranjar nomes a estas
borboletas», diz Mariana, a educadora.
O Rodrigo António dispara: «A Hemaris parece uma vespa!”.
O João manifesta-se: «Eu tenho a ideia de um nome: borboleta-chita».
A Marta pensa de forma diferente, como não podia deixar de ser: «E
se fosse leopardo porque tem umas cores parecidas?».
Concilia Eliana: «Podemos juntar o leo de leopardo com leta de
borboleta. E fica leoleta».
Enquanto a Inês acha engraçada a ideia, a turma é unânime: «Ó
leoleta! Ó leoleta!».
E a Joana confirma: «Que bonito nome: leoleta».
Mariana reforça: «Ela vai gostar muito de ser chamada assim».
Mas nada ainda está concluído: «E a outra borboleta?», pergunta o
Tiago.
O Rodrigo Filipe adianta-se: «Podia ser borboleta linda…».
Em busca de alternativas, propõe Eliana: «Vejam bem: parece-se com
um bombom».
A Lara concorda: «O Ferrero Rocher!».
O João colmata: «Ficava bonito chamá-la de borbolero. Tira-se o leta
e mete-se lero que é parecido com Ferrero».
«Pronto, já temos os nomes para as borboletas…», concluem.
E cá estão: Pyrgus malvoides, Borboleta borbolero; Hemaris
fuciformis, Borboleta leoleta.
A última resposta chegou por e-mail em vésperas de júri, em
pleno fecho de edição da revista, e veio pela mão da professora
Dalila Reis, professora de Ciências da Natureza, na Escola E B 2/
3 Domingos Capela, de Silvalde: «Tive a sorte de ter recebido de
uma amiga, nos últimos dias do ano lectivo passado, a revista
n.º 19, onde deparei com o Concurso de Fotografia — que divulguei
à Comunidade Escolar — e o da atribuição de um nome vulgar a
quatro espécies de seres vivos. Pois bem, venho muito tarde e a
más horas enviar os resultados deste último concurso, o qual
suscitou um grande interesse da parte dos meus alunos de
Jardinagem, no final do ano lectivo passado. Meteram-se as férias
e... a revista ficou imperdoavelmente numa gaveta da secretária
da nossa sala na Escola. Eles gostaram de participar e, por isso,
vou enviar o "baptismo" que, divertidamente, fizemos a estes
seres vivos: nome científico: Coincya johnstonii; nome vulgar:
Flor Ventoinha. Nome científico: Hemaris fuciformis; nome vulgar:
Besouro-lagosta. Nome científico: Jasione lusitanica; nome
vulgar: Pompom-azul. Nome científico: Pyrgus malvoides; nome
vulgar: Borboleta estreladinha».
Analisadas as várias hipóteses o júri considerou precisamente esta
última — Estreladinha (Pyrgus malvoides) — o melhor nome
atribuído entre todos os candidatos às várias espécies.
Assim, o concorrente, na verdade um grupo liderado pela prof.ª
Dalila Reis, vai receber um exemplar do livro editado este ano
pelo Parque Biológico de Gaia intitulado «Cobras de Portugal».
Alguns dos outros nomes candidatos ao prémio, e rivais à altura
do mais distinguido, foram: Besouro-lagosta (Hemaris fuciformis);
Botão-lusitânico (Jasione lusitanica), de Rui Andrade; Mostardadas-dunas (Coincya johnstonii), de Luís Santos.
Estreladinha
Pyrgus malvoides
Besouro-lagosta
Hemaris fuciformis
Direitos reservados
Botão-lusitânico
Jasione lusitanica
Mostarda-das-dunas
Coincya johnstonii
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 11
portfoli
Como tenros telhados
Quando a humidade do Outono repousa no bosque, os fungos
frutificam e emergem da terra como flores estilizadas.
As formas são mais que muitas. Apostam seguramente em linhas
arredondadas e vão da cor vermelha à amarela-torrada, da
castanha à branca, sem que se dêem ao luxo de ficar por aí.
Levando o ser humano longe, nas asas da imaginação, alguns
até lhe acabam por pousar na mesa, uma iguaria especial. Mas,
cuidado, alerta quem sabe: alguns só se comem uma vez. Depois,
12 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
num tempo variável mas sempre escasso, o comensal despedese deste mundo.
Podendo até, numa só espécie, mudar cor e forma de uma
maneira abissal, deixam-nos o lado de observação da natureza
como oferta generosa, enquanto os esporos se soltam, diminutos
pelo ar, assegurando a sobrevivência das variadas espécies...
Fotos: João Luís Teixeira
Texto: JG
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 13
fotonotícias
Nem tudo é o que parece
O talento distribui-se por ambas, mas em qualidades distintas.
Pela imagem esta andorinha vai ter uma vida ainda mais curta,
pois ao falcão só lhe falta deitar as garras.
Mas não! A fotografia, apesar de inocente, está a mentir, sem
que tenha sido montada ou sequer retocada. O falcão está de
olho aberto, sim, mas é para a recompensa habitual, mais abaixo,
quando conseguir apanhar o isco em velocipédica rotação causada
por Miguel, o colaborador do Zoomarine num trabalho de cetraria...
Esta andorinha, cá para nós, deve estar agora na fímbria do
deserto, a ganhar coragem para atravessar a grande barreira que
é o gigantesco deserto africano...
Jorge Gomes
É certo que não é típico da nossa fauna, mas decididamente é
um falcão. No caso, um falcão-gerifalte, que voou diante dos
nossos olhos, no céu algarvio.
A outra ave é bem mais fácil de nomear: inteirinha, das unhas
das patas ao bico, uma andorinha-das-chaminés adulta,
daquelas que vão no Outono para África e regressam na
Primavera... se conseguirem atravessar o longo deserto do
Sara das duas vezes.
Tanto uma ave como a outra, com voos diferentes, são um
regalo a deslizar em manobras perfeitas, rápidas, certeiras...
Uma come carne, vermelha, outra insectos voadores.
«Fotografei uma Malpolon a tentar comer um
sapo!», diz o caçador de imagens e mostra a
fotografia no visor da câmara. Olhadela rápida,
pela cor parece realmente uma cobra-bastarda
(Malpolon monspessulanus).
A desproporção entre a boca da cobra e o sapo,
insuflado segundo a típica técnica de defesa, é
notável. Mas o pormenor mais estranho não é
esse: a cobra-bastarda tem por alimento típico
ratos, lagartos, cobras, aves...
Mas rãs, sapos, tritões, nunca tinha lido nada que
sugerisse esta alteração da ementa. Não é que
não fosse possível! Afinal, a bicharada não lê os
manuais que se escrevem sobre eles.
Passado um tempo, as imagens entram no
computador: não há cabeça de serpe para analisar
as escamas pré-oculares, encefálicas e outras
tais. Contudo, um pormenor decisivo salta à vista:
o colubrídeo ostenta escamas carenadas. Logo,
trata-se não de uma Malpolon mas de uma
cobra-de-água-de-colar adulta (Natrix natrix).
Esta espécie, sim, tem por ementa tradicional
anfíbios, animais típicos da sua costela aquática.
Nem tudo o que parece é, e a cor das serpentes,
decididamente, é um detalhe demasiado vago
para identificação...
A cobra-bastarda possui glândulas produtoras
de veneno, sem ser viperídeo; as nossas cobrasde-água são áglifas, não são venenosas. Mas
todas têm o seu lugar na natureza.
14 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
João Luís Teixeira
Deitar o dente ao sapo
Ele olhou a bolota e achou-a um encanto. Pensou: «Não quero uma:
quero-as todas! Não venha alguém e mas roube».
Por isso esconde o gaio o objecto natural da sua intensa paixão, tendo
em conta que o coração está pertinho do estômago. Consta até que
este binómio incontornável terá começado em tenra idade, quando
ainda estava no ninho.
Teria sido a forma elíptica que o impressionou ou a textura alisada
naquela cor castanha em formato de peça de artesão?
Ainda hoje há quem discuta a resposta. O certo é que, de papo sossegado
pela fome, cuida o gaio de as ver entre a folhagem do chão, pousadas
em folhas terrosas palpitantes de vida animal, catando-as uma a uma,
e escondendo-as aqui e acolá, na ordem dos milhares, olho sempre
atento a rivais salteadores, sejam eles coelhos, esquilos ou outros que
tais...
Passado o Outono, afirmam os admiradores que uma memória prodigiosa
o ajuda a localizar as robustas sementes.
O bosque de carvalho-alvarinho, no caso, terá sido o principal responsável
pela ideia, há já muito tempo. Lembrou-se de construir cotilédones
cada vez mais nutritivos, como o doce capaz de atrair alguém a um
contrato útil: a planta ex-líbris do bosque desta região cede alimento
e ele, o gaio, de memória boa mas não infalível, dispersa-as, ocultandoas entre folhas à flor da terra rica e húmida.
Sabe prevenir o futuro! Como jardineiro ou agricultor sábio que não
consome os frutos à exaustão, explora o recurso com equilíbrio,
garantindo-o para as ninhadas das suas ninhadas.
Não era má ideia aprender com ele, o «verde gaio» das canções minhotas
que, por sinal, engalana as asas com um azul axadrezado iridescente...
Quem não gostará de o ver, mesmo com aquele pequeno aguilhão
terminal no bico, a rondar os corvídeos?
Jorge Gomes
Gaio jardineiro
Jorge Gomes
Conhece a noselha?
Olha, lá vem ela, agora, a abrir-se com a manhã...
Estica-se a flor que espreita da terra, escondido o
caule sumário no breu da lama, e esquecida das
folhas na ânsia de desabrochar...
Quando vem a brotar do solo, soprada do bolbo
oculto qual lâmpada de Aladino, é aquele encanto
de folhas de antanho que se sublimaram em pétalas,
estames e gineceu a partilharem pólen, como pepitas
de ouro atiradas pelo ar em gesto perdulário.
Esta é uma quita-merenda, a rigor uma Merendera
pyrenaica, diz quem sabe. Até há quem lhe chame
noselha.
Os botânicos, aquela gente paciente que extrai das
plantas a sua sabedoria, garantem que há sob uma
aparência idêntica umas tantas espécies diferentes,
até se calhar mais fáceis de ver: a Crocus autumnalis,
a Crocus serotinus, entre uma série de outras.
A nós, fica-nos este sorriso discreto da natureza, a
brilhar aqui e ali. No Parque Biológico de Gaia o
melhor sítio de observação costuma ser junto ao
cercado das raposas. Em meados de Outubro vamos
começar a (re)vê-las... quer apostar?
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 15
fotonotícias
Agarrem-me que eu bato-lhe!
Como estas galinhas não têm o verbo do ser humano, a linguagem tem de ser
expressiva, contundente, cheia de expressão corporal.
Cá entre nós, que ninguém nos ouça, pareciam dizer: «Já te disse que tens de ir
à tua vida: vais, ou queres que deite mão ao safarro?».
Jorge Gomes
Moscas: acautelem-se...
Migram ambos na mesma altura: em Agosto
e Setembro passam por cá, sem lerem os nossos
calendários. Vemo-los bater a asa como iguais
e parecem até a mesma coisa... mas são espécies
diferentes.
À esquerda, o papa-moscas-cinzento — Muscicapa
striata —, pousado no arame das videiras
da Quinta de Santo Tusso, no Parque Biológico
de Gaia, entre certeiros saltos ao chão para
apanhar com o bico infalível algum insecto; à
direita, mais comum, outro papa-moscas —
Ficedula hypoleuca — num carvalho do cercado
dos corços.
Na orla do bosque ou em campos agrícolas,
ao toque da temperatura vão descendo para Sul,
depois de nidificarem no Centro e no Norte
da Europa. Mas há uma coisa que até gostava
que acontecesse: será que nenhum macho adulto
vai conseguir passar por cá vestido de preto
e branco, ainda com a roupa de Verão, em pleno
Agosto?
16 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Jorge Gomes
O casal de galinhas-de-água selvagens que ocupou o lago do início do percurso
de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia, em cada ano tira...
não uma, mas duas ninhadas!
É certo que as mais velhas — já do tamanho dos pais e com penas cinzentas
ainda — provavelmente até ajudaram a alimentar as mais novas.
Ainda assim, há dias determinantes. E, no início deste mês, as crias mais velhas
teimavam em não perceber que era a altura de procurarem o seu lugar...
mas noutro sítio. Senão, o alimento não chega para todos.
A vida de um animal selvagem não é fácil!
parques de Gaia
Parque da Lavandeira
Decorreu no Parque da Lavandeira, em 22 de Setembro, o lançamento
do Catálogo LAND ART do corrente ano, que se reporta ao grupo
de obras que 12 escultores criaram e expõem neste parque municipal
de Vila Nova de Gaia
O registo de imprensa, fotográfico ou em videograma é a melhor forma de
fazer com que este tipo de esculturas perdurem. A ideia-matriz consiste em
deixá-las no lugar em que surgem aos olhos do público e, numa situaçãolimite, deixar que os elementos naturais sofram uma erosão absoluta trazida
pela passagem do tempo.
Assim, com cerca de 80 páginas, este catálogo profusamente ilustrado
contém as informações mais diversas, transformando-se na síntese por
excelência do certame que surgiu este ano na sua primeira edição.
O lançamento do catálogo «Land Art — Lavandeira 2007»
contou com a presença dos autores das obras expostas no Parque da
Lavandeira — sendo alguns catalães —, com os membros do Conselho
de Administração do Parque Biológico de Gaia e com um numeroso
público.
Da parte da tarde, às 15h30, o auditório do Parque Biológico acolheu
as conferências de Jorge Paiva, botânico e professor universitário
aposentado, e de Laura Castro, historiadora de arte, ambas subordinadas
ao tema «A paisagem como espaço de intervenção artística».
Jorge Paiva defendeu a plena continuidade das árvores na paisagem, mesmo
em meio urbano e passou várias fotografias de cidades estrangeiras onde
isso ocorre. À partida, começou por demonstrar que a presença das plantas
é, na verdade, uma necessidade e não uma opção meramente estética:
«Todos precisamos de combustível, como as máquinas. Uma parte desse
combustível de que carecemos é das plantas que vem». Por isso, «temos de
as ter perto, respeitá-las, trazê-las mais às nossas cidades».
Por sua vez, Laura Castro referiu que historicamente a Land Art nos Estados
Unidos surgiu como uma ampla intervenção na paisagem, ao passo que
nos países europeus a ideia de respeito pela natureza lhe esteve sempre
associada.
Nesse sentido, considera, na sua opinião, que Land Art já não é a melhor
expressão para designar esta corrente artística, prefere chamar-lhe «arte
na paisagem», já que vê este movimento como um híbrido de «paisagem
e natureza artealizadas». Concluindo, sublinhou que este tipo de arte tem
futuro e pode ser uma forma de marcar um território ambientalmente
protegido, como já o faziam os homens primitivos, com as suas obras de
arte na paisagem...
Nelson Cardoso, Jorge Paiva,
Nuno Oliveira e José Urbano Soares
Artistas e público, de catálogo na
mão, palmilharam o percurso
Abertura das conferências: à esquerda
Meireles de Pinho, seguido de Laura Castro,
Jorge Paiva e Nuno Gomes Oliveira
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 17
parques de Gaia
Aguda: Parque de Dunas
As plantas ainda florescem no Outono, quando abranda o calor. São as suas raízes grandes, até desproporcionais, que fixam
a areia e ajudam as aves e outros migradores que ali ganham forças para as suas viagens
Olha: Anda ali uma alvéola-branca! Lá anda ela: terá vindo de
terras nortenhas? A pequena ave vestida a duas cores, porém
claramente linda, primeiro pára e olha, a avaliar a intrusão por
alguns instantes. Depois, deita o olho a algum insecto voador
que não descortino, e uma cambalhota no ar, uma corrida para
o lado, é só engolir. Não está sozinha, há mais duas perto, uma
até de cores esbatidas, e de olhar inocente: talvez uma ave nascida
este ano.
Apesar do ex-líbris deste habitat ser o borrelho-de-coleirainterrompida, aparecem muitas outras aves.
No Parque de Dunas da Aguda caminha-se pelo passadiço. A areia
toma a forma de uma poupa, a uma dúzia de metros, que voa para
longe — como não a vi antes?
Mais no alto há uma elevação com bancos para descansar. Dali vêse a área do Parque de Dunas de um lado, do outro o mar a encontrarse incansavelmente com a areia num consórcio que não cessa sobre
os milénios e, onde a vista não alcança, distante, muito distante, o
continente americano.
Depois da chuva da noite, há um aroma no ar, leve, indefinível. É o
aroma das plantas que ali se espalham, protegidas do peso de pés
humanos.
Sim, as plantas. São um exemplo da força e do talento da vida para se
agarrar com unhas e dentes à sobrevivência, mesmo em condições quase
tão agrestes como um deserto.
Acima do solo são dezenas de espécies, orgulhosas com justiça das
suas flores vistosas, criativas, a contrastarem com a cor verdeacinzentada das folhas desenhadas pela evolução para se prevenirem
face à secura.
De raízes mergulhadas profundamente na areia, ramificadas, criam uma
rede vasta para colher as migalhas de humidade que possa existir alhures.
E no entanto são elas que dão abrigo a numerosos insectos, caracóis
de várias espécies, a pequenos mamíferos e répteis, e funcionam
ainda como sustentáculos para os corredores-verdes fundamentais
ao vaivém das migrações. Um sítio que muda segundo a estação, a
sugerir uma visita durante um passeio pela praia... até porque há
muito mais para ver.
Texto e fotos: JG
OBSERVAÇÃO DE AVES SELVAGENS NO PARQUE DE DUNAS DA AGUDA
dias 2 de Março e 6 de Abril, das 10h00 às 12h00.
Participação sem custos. Aconselha-se que leve binóculos e guia de aves da Europa
Alvéola-branca
18 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Estuário do Douro
Os corvos-marinhos
concentram-se nesta área
a partir do Outono
OBSERVAÇÃO DE AVES SELVAGENS NO ESTUÁRIO DO DOURO
aos domingos, das 10h00 às 12h00: dias 2 de Dezembro, 6 de Janeiro, 2 de Fevereiro...
Participação sem custos. Aconselha-se que leve binóculos e guia de aves da Europa
Tal como nós já sentimos na pele a chegada melancólica
do Outono, também as aves que por cá se reproduzem,
em particular as que usam o estuário do Douro e os habitat
à sua volta, começam muitas delas a fazer as malas.
Ao contrário das nossas, em vez de transportarem roupa quentinha
e agasalhos, as “malas” das aves que agora começam a sua longa
etapa de migração, após terem criado a sua descendência aqui,
consistem na acumulação de gordura no corpo, comendo
vorazmente todos os suculentos e desprevenidos insectos que
descortinam, de tal forma que os músculos do seu peito ficam
totalmente cobertos, apenas se conseguindo ver uma substância
amarela: é esse o combustível que lhes permitirá rumarem aos
quentes países africanos.
Imaginem que algumas glutonas chegam quase a duplicar de
peso, mal conseguindo levantar voo. Ao mesmo tempo que esta
iminente partida e todos os seus preparativos se desenrolam no
Cabedelo, e um pouco por todo o lado, começam igualmente a
chegar ao estuário aves provindas do Norte da Europa de zonas
tão longínquas como a Escandinávia ou mesmo a Sibéria…
Outras espécies ou chegam para passarem o Inverno por estas
paragens — como é o caso da elegante garça-real ou do vistoso
pisco-de-peito-azul — ou então apenas por cá param durante alguns
dias para se alimentarem e reabastecerem de provisões, seguindo de
pronto a sua viagem migratória rumo aos territórios de invernada.
Claro que a juntar a estas existem ainda as muitas espécies que vivem
durante todo o ano e mesmo toda a vida neste belo habitat salobro
e que dele dependem para comerem e alimentarem a família: são
chamadas de residentes.
No entanto, importa salientar que entre as muitas e importantes funções
desempenhadas pelos estuários no equilíbrio ecológico do planeta, esta de
servirem de “snack-bar” para muitas espécies durante as suas viagens
migratórias é sem dúvida de suprema importância, permitindo aumentar
o número dos sobreviventes, contribuindo activamente para a conservação
dessas espécies.
Este facto acresce a nossa responsabilidade na conservação e protecção
desta zona do estuário do Douro. É vital não perturbarmos gratuitamente
os habitat envolventes permitindo que a biodiversidade elevada que os
caracteriza possa manter o precário equilíbrio que a distingue e as teias
alimentares que o estuário do Douro e, em particular, a baía de São Paio
suportam.
Entre os clientes mais usuais encontramos espécies como alguns dos discretos
passeriformes de caniçal, as agitadas felosas, as elegantes limícolas, as
ruidosas gaivotas e gaivinas ou mesmo algumas aves marinhas que por cá
se recolhem e que exigem que se reduza a pressão humana neste estuário,
que lhes deixemos espaço para poderem criar a prole e banquetear-se com
a maior brevidade, pois de pronto urge voltarem a partir.
O relógio biológico toca a rebate neste início de Outono e eis que acabam
de partir para Sul, num voo decidido na esperança de para o ano voltarem
a ver esta bela vista em fundo azul…
Texto: Rui Brito, biólogo
Foto: João Luís Teixeira
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 19
parques de Gaia
Burricada
Foto: João L. Teixeira
Em pequenos grupos, alimentaram
gamos: nunca se esquecerão
Foto: Filipe Vieira
Campos e oficinas
Oficinas de Inverno
Seguindo o exemplo dos anos anteriores, Julho e Agosto foram
meses que se tornaram inesquecíveis para dezenas de crianças e
jovens que participaram em variadas actividades de Verão no Parque
Biológico de Gaia.
Acompanhadas por técnicos que orientaram o variado programa,
dezenas de crianças pernoitaram no Parque e, em sério divertimento,
deram alimento aos animais, andaram de burro, fizeram gincanas,
entre muitas outras brincadeiras.
No próximo mês de Dezembro o Parque Biológico de Gaia abre as suas
Oficinas de Inverno.
Destinando-se a crianças e jovens dos 6 aos 15 anos, funcionam de 17
a 21 e de 26 a 28, com entrada às 9h00 e saída às 17h30.
Informações: Gabinete de Atendimento: [email protected]
Telefone directo: 227 878 138 - Fax 227 833 583
4430-757 AVINTES
www.parquebiologico.pt
Quase nunca se pensa nisso, por ser óbvio: as redes bloqueiam a passagem para
dois lados, não é só para um.
O gaiolão mais recente do Parque Biológico de Gaia deixa surpreendidos os
visitantes quando se lhes diz que a rede de malha escura está ali não para impedir
que os patos-bravos e as garças fujam mas sim para que os discretos predadores
do bosque não se sirvam de presas mais fáceis do que as que encontram em
liberdade: as próprias aves do gaiolão.
Os açores que se ocultam no arvoredo do Parque são as aves de rapina que mais
fama têm de voracidade. Mas há também gaviões, búteos, raposas, doninhas e
ginetas. Por isso... é usual economizarem o esforço de captura das presas!
Com a vegetação já recomposta da construção do gaiolão, garças-brancaspequenas, ostraceiros, negrinhas, pato-trombeteiro, piadeiras, entre outros, estão
ali a dar um gosto à vista e permitem que observemos comportamentos a apenas
uma dúzia de metros, o que seria quase impossível quando em liberdade.
Também os observatórios de madeira dos cercados são pensados para reduzir o
stress dos animais em cativeiro, ora originários de reprodução em cativeiro ora
irrecuperáveis para libertação na natureza.
Arquivo PBG
Presas protegidas
Pablo Álvarez Guillén
Agenda
SÁBADOS NO PARQUE: DESFOLHADA
Nuno Gomes Oliveira e Xosé Benito
Rodríguez, junto à ponte de pedra do
moinho do Belmiro
Nos primeiros sábados de cada mês, o Parque Biológico de Gaia propõe
um programa especial a quem o visita.
Já no próximo sábado, 6 de Outubro, há um atelier sobre «A vida na
água», às 11h00. Esta actividade desperta os participantes para o mundo
microscópico que nos rodeia. Numa gota de água, podem estar
representados milhares de seres que, a olho nu, passam despercebidos.
São ainda abordados temas como qualidade da água, contaminação
e ciclo da água.
Às 14h30 há uma conversa ilustrada sobre a «Vida no rio Febros».
Às 15h00 decorre uma visita guiada pelos técnicos do Parque e percurso
ornitológico.
Há também às 16h30 uma Recriação da desfolhada do milho, com a
colaboração de um rancho. O custo é apenas o bilhete normal de
entrada no Parque.
Durante a manhã, pode assistir a algumas partes da anilhagem científica
de aves selvagens (excepto se chover).
O Parque Biológico de Gaia colabora com a Central Nacional de
Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservação da Natureza e
da Biodiversidade, num projecto europeu de Estações de Esforço
Constante, para monitorização das aves selvagens.
PERCURSOS DE DESCOBERTA DA NATUREZA
Visitas de trabalho
No Verão houve uma série de individualidades que se deslocaram
ao Parque Biológico de Gaia.
O objectivo destas visitas foi essencialmente conhecer este
equipamento de educação ambiental e trocar experiências.
Xosé Benito Rodríguez, director-geral de Conservación de la
Naturaleza, Consellería de Medio Ambiente e Desenvolvimento
Sostible da Xunta de Galicia, pernoitou em 28 de Agosto na
hospedaria do Parque Biológico e foi conduzido, no dia seguinte,
numa visita guiada por Nuno Gomes Oliveira.
Em Setembro o Parque Biológico recebeu também visitantes da
Letónia. Com nomes pouco habituais entre nós – Gunta, Gita e
Inga–, trabalham no "Nature Protection Board", um organismo
equivalente ao Instituto de Conservação da Natureza e da
Biodiversidade português.
Terão visitado também o Jardim Zoológico de Lisboa e o CERVAS,
na serra da Estrela.
JG
O Parque Biológico recebeu a visita de técnicas da Letónia
Em 13 de Outubro, o Parque Biológico organiza uma visita ao rio
Ovelha, na serra da Aboboreira, Marco de Canaveses. Partida do Parque
Biológico de Gaia em autocarro. Necessária inscrição.
O rio Ovelha nasce em Aboadela, Amarante. Passa na Serra do Marão
e a sua foz localiza-se em Fornos, no Marco de Canaveses. Desagua no
rio Tâmega. É um veio precioso de água que dá vida à terra e aos
homens.
GRANDE MARATONA DE ANILHAGEM CIENTÍFICA
Sábado, 20 de Outubro, do nascer ao pôr-do-sol...
Visite também neste dia o Parque Biológico de Gaia e assista à Maratona
de Anilhagem Científica que comemora o 1.º aniversário deste programa
de Investigação e Educação Ambiental.
Passará a perceber qual o interesse de anilhar aves selvagens e terá um
contacto mais próximo com a natureza, de que fazemos também parte.
Mais informações: Gabinete de Atendimento, telefone 227878138 [email protected]
COLHEITA DE CASTANHAS E MAGUSTO
Dia 10 de Novembro, sábado, das 15h00 às 17h00 dê aos seus filhos
a experiência de abrir as castanhas do ouriço e depois veja-os divertidos
a saltar à fogueira. É necessária inscrição.
EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA DA NATUREZA
Abre dia 1 de Dezembro, pelas 17h15, a exposição de fotografia da
natureza «PARQUES E VIDA SELVAGEM», EDIÇÃO DE 2007, contendo
cerca de 30 fotografias seleccionadas pelo júri.
Há nessa altura a entrega dos três prémios aos trabalhos destacados
pelo júri composto por J. Paulo Coutinho, repórter-fotográfico do
«Jornal de Notícias», João Nunes da Silva, fotógrafo da natureza e
freelancer, e pelo director da revista «Parques e vida selvagem».
RECEBA NOTÍCIAS POR E-MAIL
Para os leitores saberem das suas actividades a breve prazo, o Parque
Biológico de Gaia sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt
ou peça-as pelo e-mail [email protected]
Mais informações:
GABINETE DE ATENDIMENTO
[email protected]
Telefone directo: 227 878 138 • Fax 227 833 583
4430-757 AVINTES
Portugal
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 21
parques de Gaia
JG
JG
Uma das poupas bebés
Sábados
no Parque
Centro
de recuperação
Nos primeiros sábados de cada mês, o Parque Biológico de Gaia propõe
um programa especial e contempla os seus visitantes com várias
actividades: um atelier de educação ambiental às 11h00, um tema após
o almoço seguido de uma visita guiada.
Num destes Sábados no Parque houve uma actividade extra — a
devolução de uma salamandra-comum à manta morta do carvalhal.
Dia 6 de Outubro há Sábado no Parque: o tema é a vida no rio Febros.
Este ano o centro de recuperação do Parque Biológico de Gaia
conta com a entrada de alguns exemplares de aves pouco
comuns em anos anteriores. Entre eles encontram-se as Poupas
(quem as conhece percebe-lhes o nome).
Fomos a este propósito contactados por uma senhora que,
preocupada por ver duas poupas muito pequenas, caídas do
ninho, nos indagou sobre o que deveria fazer. Pedimos-lhe que
se certificasse se os pais não estavam por perto e as alimentavam.
No dia seguinte a esta conversa telefónica, recebemos as duas
poupinhas bebés, cujas penas só se arriscavam a espreitar.
Sempre que seja possível localizar o ninho recomendamos que
as pequenas aves lhe sejam devolvidas. Também em muitos
casos, os pais estão por perto e encarregam-se da alimentação
das crias.
Neste caso, o perigo para as pequenitas passava por serem um
alvo muito fácil para os predadores. Em situações como esta,
o motivo da queda do ninho pode atribuir-se à inexperiência
dos pais para a construção, ou a condições adversas como
ventos fortes ou tempestades.
As recém-chegadas, receberam logo as atenções necessárias.
Preparámos um ninho para ambas, com aquecimento e
protecção, já que as crias, expostas a correntes de ar e alterações
bruscas de temperatura, são muito vulneráveis a problemas
respiratórios.
(O calor artificial só é necessário até ao momento em que as
aves estão emplumadas e começam a tentar sair do ninho).
Assim que os sinais de conforto das pequenas aves se tornaram
evidentes, iniciámos a alimentação.
A espécie estava identificada, escolheu-se o tipo de comida a
oferecer, tentando ser o mais coerente possível com os hábitos
alimentares destas aves.
A alimentação começava logo pela manhã, e de acordo com o
apetite das crias. Assim que saciadas, viravam costas.
Sentindo a falta da mãe poupa, foi também tarefa nossa manter
a limpeza do ninho, já que estas poupinhas não traziam grandes
hábitos de higiene.
Todos os dias, pela manhã, e antes da primeira refeição, eram
pesadas, o que nos permitiu avaliar a escolha da dieta.
Dia a dia vimo-las crescer, aproximadamente com ganhos de
peso na ordem dos 4 a 5 grama. Foram emplumando, gritavam
por comida, aprenderam a comer sozinhas e quando atingiram
Actividade «Ninho e comedouro em directo»
Ciência Viva no Verão
O Parque Biológico de Gaia concebeu e executou 17 actividades entre
15 de Julho e 15 de Setembro no conhecido programa Ciência Viva no
Verão, promovido pela Agência Nacional para a Cultura Científica e
Tecnológica.
Do topo das mais altas serras portuguesas ao litoral, algumas dezenas
de instituições abriram as suas portas e disponibilizaram técnicos para
abrirem o horizonte da ciência à população em geral.
Desde observações astronómicas a passeios científicos, passando por
visitas a faróis e a grandes obras de engenharia, ao longo de todo o
país quem se interessou pôde inscrever-se e participar gratuitamente.
22 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
os 55 grama, prepararam-se para o grande momento de liberdade.
Das 15 poupas que deram entrada no nosso centro, 8 reagiram
bem ao tratamento e foram libertadas.
Para nós, que diariamente trabalhamos com estas realidades,
sabemos não será a sobrevivência destes indivíduos que fará a
diferença, mas traz-nos grande satisfação saber que contribuímos
para que mais animais como estes possam habitar o nosso jardim,
a nossa cidade, o nosso espaço.
Por Vanessa Soeiro, veterinária
Foto: João L. Teixeira
O voo da garça-vermelha
nesta Primavera, embora na
verdade não se saiba...
Divulgada a actividade, alguns
interessados afluíram ao local
a fim de assistirem à libertação
destas espécies do património
natural português.
A garça foi marcada com uma
anilha de cor, azul e branca, o
que facilitará identificá-la à
distância, com binóculos. O
percurso natural desta ave,
nesta época do ano, é o de
migrar para África. Oxalá para
o ano ela possa ser revista.
Tornar estes actos públicos é
uma das formas de as
populações estabelecerem
contacto com este tipo de fauna
e compreenderem os seus
ritmos de vida ao longo do ano.
Esta acção foi organizada pelo
Parque Biológico de Gaia numa
parceria com o BioRia.
Uma garça-vermelha e uma
fêmea de cuco, reabilitadas pelo
Centro de Recuperação do Parque
Biológico de Gaia, foram
devolvidas à natureza próximo
de um caniçal na manhã
de 22 de Setembro na zona
húmida de Salreu.
A ave tinha sido recolhida
pelo SEPNA* na foz do rio Douro
e entregue aos serviços
veterinários do Parque em
3 de Agosto.
Nessa altura encontrava-se
desidratada e evidenciava
ferimentos numa asa.
Após uma resposta feliz ao
tratamento, bem alimentada,
urgia soltá-la em local adequado,
de forma a aproveitar a época
de migração que a espécie leva
a efeito nesta altura do ano.
Esta ave pode ter nascido
nalguma colónia de nidificação
num caniçal francês ou espanhol
Texto e fotos: Jorge Gomes
* Serviço de protecção da natureza da GNR.
Uma segunda anilha, esta de cor, fácil
de ver com binóculos
Anilhagem e registo
Momento da libertação
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 23
20
BIODIVERSIDADE E ECOTURISMO
BIODIVERSITY AND ECOTOURISM
S. TOMÉ E PRÍNCIPE´ 2008
Cidade de S. Tomé, 21 a 28 de Março de 2008
Na sequência dos contactos entre autoridades de S. Tomé e Príncipe e o Parque Biológico de Gaia, no âmbito da Cooperação do Município de Vila Nova de
Gaia com aquela República, surgiu a ideia de promover um encontro lusófono sobre biodiversidade, educação ambiental e turismo de natureza.
Assim, vimos anunciar esse encontro, que terá lugar na Cidade de S. Tomé, de 21 a 28 de Março de 2008.
Este seminário, promovido pelo Parque Biológico de Gaia, E.M. e pela Direcção Geral de Ambiente da República de S. Tomé e Príncipe terá o alto patrocínio
do Primeiro Ministro de S. Tomé e Príncipe, dos Ministros dos Recursos Naturais e Ambiente, da Administração Pública, Reforma do Estado e Administração
Territorial, e da Economia do Governador do Banco Central de S. Tomé e Príncipe e do Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia.
O seminário conta com o apoio do Grupo Pestana / Intervisa /TAP, a logística está cargo da Agência de Viagens Intervisa e decorrerá no Palácio dos Congressos
de S. Tomé e Príncipe, no Centro Cultural Português e na Sala de Conferências do Jardim Botânico de S. Tomé.
Aberto aos santomenses, portugueses e outros cidadãos lusófonos, este seminário pretende ter um figurino diferente dos habituais congressos e encontros;
será, a um tempo, espaço de cooperação, de discussão, de ensino e de descoberta.
Tempo de ensino, pois pretende-se que quem, de Portugal, for ao seminário de S. Tomé e Príncipe leve e dê a sua experiência profissional: uma parte da
seminário, será constituída por palestras e ateliers de educação ambiental, dinamizados pelos próprios participantes, no seio da comunidade local.
Tempo de cooperação já que se pretendem estabelecer laços, para o futuro, entre os técnicos dos dois países; mas no imediato, no presente, os participantes
no seminário, oriundos de Portugal, viajarão acompanhados de um contentor cheio de material didáctico que, colectivamente, oferecem a S. Tomé e Príncipe.
Tempo de discussão, nos debates que serão promovidos, sobre ecoturismo, educação ambiental e conservação da biodiversidade, moderados por jornalistas
santomenses.
Tempo de descoberta, pois iremos ao encontro de um país fabuloso e de um povo acolhedor.
A inscrição nas sessões do seminário será gratuita, mas a viagem, alojamento, visitas e refeições em S. Tomé terão um custo próximo do previsto na anterior
edição desta revista que, acrescido das taxas, perfaz € 1.790,00, preço especial que se deve à colaboração da Agência Intervisa (Grupo Pestana) e da TAP.
Ainda estamos a tentar obter outros apoios para esta iniciativa que, nomeadamente, nos permitam convidar alguns especialistas para guiarem visitas e
fazerem palestras.
É fundamental obter um número mínimo de inscrições no mais curto espaço de tempo (lembramos que já há mais de 100 pré-inscrições) de modo a ser
possível reservar definitivamente os voos na TAP, o único operador a voar, neste momento, para S. Tomé.
Contamos consigo
Arlindo de Ceita Carvalho
Director Geral de Ambiente
S. Tomé e Príncipe
Nuno Gomes Oliveira
Presidente do Parque Biológico de Gaia
Programa geral
21 DE MARÇO (SEXTA-FEIRA)
20h15 – Partida do Porto, em avião, para Lisboa
(comparência no aeroporto 2 horas antes)
00h40 – Partida de Lisboa, no voo TP 225 para S. Tomé
(comparência no aeroporto 2 horas antes)
22 DE MARÇO (SÁBADO)
05h15 – Chegada a S. Tomé e instalação nos hotéis
Resto do dia e almoço livre
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
23 DE MARÇO (DOMINGO DE PÁSCOA)
Pequeno-almoço nos hotéis
10h00 – Partida para visita ao Norte da ilha
Piquenique na Praia das Conchas, fornecido pelo
Hotel Miramar
14h00 – Regresso a S. Tomé
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
24 DE MARÇO (SEGUNDA)
Pequeno-almoço nos hotéis
10h00 – SESSÃO DE ABERTURA
- Primeiro Ministro de S. Tomé e Príncipe
- Ministro dos Recursos Naturais de S. Tomé e Príncipe
- Ministro da Economia de S. Tomé e Príncipe
- Director Geral do Ambiente de S. Tomé e Príncipe
- Presidente do Parque Biológico de Gaia – Portugal
10h30 - Inauguração da exposição de posters
11h00 / 11h30 - Intervalo para experimentar o café
de S. Tomé
11h30 – Partida para a Roça S. José e Roça Santa
Clara, visita à plantação de flores, almoço.
12h30 – Piquenique servido pelo Hotel Miramar
15h00 – Regresso a S. Tomé
16h00 – CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE AMBIENTE
Pretende-se realizar um conjunto de 3 a 4 pequenas
conferências sobre temáticas ambientais actuais, no
Centro Cultural Português.
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
25 DE MARÇO (TERÇA)
Pequeno-almoço nos hotéis
09h00 – Partida para visita ao Jardim Botânico do
Bom Sucesso.
10h00 - CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE
BIODIVERSIDADE
Local: Sala de Conferências do Jardim Botânico do
Bom Sucesso
11h30 – Visita pedestre à Lagoa Amélia, no Parque
Natural Obô
13h00 – Visita à Roça Bombaim
13h30 – Piquenique servido pelo Hotel Miramar
16h00 – Regresso a S. Tomé
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
26 DE MARÇO (QUARTA)
Pequeno-almoço nos hotéis
09h00 – Partida para visita à zona Este da Ilha
13h00 – Travessia de barco para o Ilhéu das Rolas
(sobre o Equador), almoço no Hotel Equador e visita
ao Ilhéu das Rolas
17h00 – Regresso a S. Tomé
18h00 – CONFERÊNCIA/DEBATE SOBRE ECOTURISMO
Local: Centro Cultural Português
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
27 DE MARÇO (QUINTA)
Pequeno-almoço nos hotéis
09h00 – Partida para o interior da ilha com visita
à Roça Monte Café, com percursos pedestres em
pequenos grupos, guiados por habitantes da Roça.
Visita ao infantário.
13h00 – Almoço no Hotel Miramar
14h00 – ATELIERS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Os participantes no Encontro, que tenham experiência
de acções de Educação Ambiental, e as queiram
realizar em S. Tomé, para pequenos grupos de jovens
ou/e professores, devem avisar a organização, para
que esta tarde seja o nosso contributo para a
formação de santomenses em Educação Ambiental.
20h00 – Jantar no Hotel Miramar
28 DE MARÇO (SEXTA)
Pequeno-almoço nos hotéis
11h30 – SESSÃO DE ENCERRAMENTO
Tarde Livre
20h00 – Jantar de enceramento e despedida oferecido
pelo GRUPO PESTANA, no Hotel Miramar
29 DE MARÇO (SÁBADO)
Em hora a informar localmente, transporte do hotel
ao aeroporto
06h45 – Partida para Lisboa e Porto no voo TP 224
(Chegada a Lisboa às 12h45)
Continuação do voo para o Porto.
Inscrição e viagem
A inscrição no seminário é gratuita.
A inscrição na viagem e estadia em S. Tomé, com partida do Porto ou de Lisboa custa
€ 1.790,00 em quarto duplo (Suplemento de quarto single: € 350).
O custo incluí:
Participação em todas as actividades do programa;
Passagem aérea em classe económica Lisboa / S. Tomé / Lisboa ou Porto / Lisboa / S.
Tomé / Lisboa / Porto, com direito ao transporte de 20 kg de bagagem;
Transfer do Aeroporto ao Hotel e vice-versa;
Alojamento em quartos duplos (ou single, com pagamento de suplemento);
Pequenos-almoços, piqueniques, almoços e jantares conforme mencionado no programa;
Seguro de assistência em viagem;
Assistência por delegado da INTERVISA durante a estadia;
Taxas de serviço, segurança, combustíveis (€ 157,81) e IVA.
Inscrições a partir de 31 de Dezembro de 2007 terão um agravamento de custo de
10% e ficam sujeitas à disponibilidade de lugares no voo e nos hotéis.
Os pagamentos devem ser feitos em cheque ou vale postal à ordem do Parque
Biológico de Gaia, ou por transferência bancária para o NIB: 0033 0000 0026 0035
1760 5.
Após 31 de Dezembro, em caso de anulação da inscrição, o valor pago como sinal
não será devolvido.
A organização registou já mais de 100 intenções de participação neste seminário,
mas reserva-se o direito de anular a viagem se até 30 de Novembro não houver
confirmação de um número mínimo de inscrições.
Aspectos práticos da viagem
O preço não inclui:
Despesas de visto
Taxa de aeroporto a pagar à saída (cerca de € 50)
A inscrição na viagem tem de ser feita até 30 de Novembro de 2007, acompanhada
de um sinal e primeiro pagamento de € 500, 00.
Até 31 de Dezembro deverá ser feito um segundo pagamento de € 500,00; durante
Janeiro de 2008 será efectuado um novo pagamento de € 500,00 e até 29 de Fevereiro
liquidados os restantes € 290,00.
O pagamento também poderá ser feito de uma vez só, ou um pagamento inicial de
€ 1.000,00 e os restantes € 790,00 até 29 de Fevereiro.
Apoio logístico:
Consultar: http://stome.net/
Informações e pedido de boletins de inscrição.
Drª. Cristina Neves
Parque Biológico de Gaia, E.M., 4430-757 Vila Nova de Gaia
[email protected]
Tel. (351) 227 878 120 - Fax (351) 227 833 583
Data-limite de inscrição
30 de Novembro de 2007 (após esta data haverá um acréscimo de 10% de custo)
entrevista
Um terço é Parque Natural
Arlindo Ceita Carvalho, director-geral do Ambiente da República de S. Tomé e Príncipe, visitou o Parque Biológico de Gaia
no passado mês de Agosto e falou a esta revista sobre o seu país, que converteu um terço do território em Parque Natural…
estas espécies, ao abrigo do qual já enviámos
Tendo vindo a Portugal com vista
para o mar mais de 50 mil crias, mas ainda
a estudar uma parceria com o
temos uma grande dificuldade nesta área:
Parque Biológico de Gaia, Arlindo
são animais cobiçados no território porque
Carvalho sublinha: «Trata-se de
as pessoas já anteriormente as caçavam como
um circuito onde as pessoas
alimento, e até tínhamos uma pequena parte
andam quase 3 Km sem darem
da população que se dedicava ao artesanato
conta, graças à forma como o
com as carapaças.
percurso se vai enriquecendo de
Como resultado das ligações que
atractivos». E adianta: «Também
estabelecemos com parceiros internacionais,
se nota o papel importantíssimo
nomeadamente a União Europeia, estamos
que o Parque Biológico desema tratar da reconversão dessas pessoas. Até
penha na conservação e na
ao momento ainda não conseguimos uma
utilização sustentada dos recursos:
taxa satisfatória de reconversão, mas sabemos
a educação ambiental é uma
que isso ocorre porque as pessoas já se
componente fundamental para
dedicavam a essas práticas como meio de
as questões relacionadas com a
vida. Hoje ainda há situações destas, inclusive
protecção e a conservação do
de recolha de ovos, apesar de toda a pressão
património natural e isso interessa
que fazemos para o evitar.
sobretudo à vida do nosso recémArlindo Ceita Carvalho é director-geral do
Na prática, é um tipo de caça furtiva. Há
criado Parque Natural do Obô».
Ambiente de S. Tomé e Príncipe
outros?
Ficamos à conversa:
ACC — A área das tartarugas é a mais
S. Tomé e Príncipe, apesar de
problemática. Depois há a questão das aves endémicas: a população também
estar na bacia do Congo, uma zona especial para a conservação, de
caça aves em geral. De resto, só o porco-do-mato tem procura, mas neste
interesse mundial, não tem sido um tema dos programas de TV de
caso não há motivo para preocupação.
impacto na vertente da natureza. Porquê?
Em breve iremos aprovar uma Lei da Caça que será capaz de trazer
Arlindo Ceita Carvalho — O arquipélago de S. Tomé e Príncipe já é procurado
uma acção benéfica na protecção das espécies sob pressão. No nosso
como destino de ecoturismo, não de uma forma abrangente mas especializada.
país, o grande problema é que as pessoas caçam em todas as épocas
Ou seja, o país tem especificidades próprias: o número de pessoas que lá
do ano, mesmo na altura em que as aves estão a nidificar. Mas temos
se deslocam vão com o objectivo de poderem realizar estudos científicos
uma proposta de lei que vamos submeter ao Governo para suprir
nas mais variadas matérias. Temos, contudo, quem hoje já vá para a nossa
essa lacuna. Acredito que aqui se trata mais de regulamentar e fazer
terra apenas para fazer caminhadas por circuitos turísticos de forma a
a gestão da caça. Não se compromete a verdade se se disser que não
conhecer melhor as particularidades culturais e para usufruir da natureza.
há demasiadas pessoas a dedicarem-se a isso.
É obrigatório observar: o nosso Parque Natural foi criado o ano
Há animais perigosos em S. Tomé e Príncipe?
passado. Falo do Parque Natural do Obô, que abrange S. Tomé e o
ACC — Ter a ideia de que é um país onde estaremos à mercê de animais
Príncipe.
perigosos é falsa. Temos cobras, mas quando as pessoas se aproximam elas
Depois da criação do parque é que começámos a divulgá-lo. Conseguimos,
fogem. Há uma única espécie que, se por uma casualidade rara, alguém a
apesar da nossa dimensão, que o parque ocupasse 30% de território nacional,
pisar, ela pica para se defender, mas isso hoje em dia nem sequer é um
ou seja, um terço do país. Isso demonstra o interesse de querer proteger e
problema, porque se encontra o antídoto com facilidade. Este é o único
conservar uma série de espécies que consideramos serem importantes e
animal no país que podemos considerar perigoso, que foge de nós e que é
assim contribuir a nível internacional para a defesa da biodiversidade.
importante no equilíbrio do seu ecossistema, controlando ratos, etc. Hoje
Repare que a nossa flora faz parte da floresta da bacia do Congo, uma
em dia conheço pessoas que brincam com elas, estão habituadas e não têm
floresta da maior importância a nível mundial. Estamos a dar a nossa
problemas. Fora disso, nada mais é perigoso, nem aranhas terríveis nem
contribuição a esse nível para que possamos também tornar-nos um país
nada.
com futuro.
Bem, em Portugal há duas víboras…
A que países pertencem os cientistas que costumam trabalhar em S.
ACC — Antigamente havia um problema sério: as pessoas tinham medo de
Tomé e Príncipe?
visitar o país por causa dos mosquitos, do paludismo. Nesta altura o paludismo
ACC — Temos tido parcerias com algumas universidades dos Estados Unidos
está quase completamente erradicado, está bem dominado, já não é um
da América, de Portugal, da França, entre outros países. De uma forma geral,
problema. Se formos agora a algum dos nossos hospitais não se vê nem 2%
realizam estudos sobre aves e plantas. Também há pesquisas ligadas às
das pessoas em tratamento que estejam afectadas por paludismo.
espécies marinhas, como certas espécies de tartarugas, sobretudo as que
O país tem uma grande atracção do ponto de vista da biodiversidade que
estão em vias de extinção. Temos tido uma cooperação estreita com algumas
pode ser fonte de um grande prazer para os visitantes, para além das praias,
instituições no sentido de conhecermos o seu ciclo de vida e tentarmos
lindas, mas temos atracções fantásticas do ponto de vista do ecoturismo.
consolidar mecanismos para a sua protecção.
Quem for ao nosso arquipélago vai sair de lá muito satisfeito com o que
Mas temos agora uma grande responsabilidade com a criação oficial do
encontrar, desde plantas e aves endémicas, a borboletas e morcegos
Parque Natural e queremos fazer uma gestão sustentável do mesmo. Por
endémicos, uma grande variedade de espécies que apenas existem em S.
isso estamos à procura de parceiros que já têm experiência na matéria, de
Tomé e Príncipe, o que é uma grande atracção e um extraordinário motivo
forma a que estejamos seguros de que o que fazemos é correcto.
para nos visitarem.
Falou de tartarugas marinhas: quantas espécies desovam no arquipélago?
ACC — Das sete espécies de tartarugas marinhas mundiais cinco desovam
Texto e foto: JG
em S. Tomé. Temos no terreno um programa de protecção que visa proteger
26 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
entrevista
entrevista
Anilhar para conservar
Se alguém disser que Peter Fearon esbranquiçou os seus cabelos em demoradas sessões de anilhagem científica
de aves selvagens não estará longe da verdade. Exercida esta actividade nas suas férias, um pouco por todo o
mundo, alcançou o Parque Biológico de Gaia no fim do ano passado. Lançámo-nos à conversa...
Ringing in Vila
Nova de Gaia
Peter Fearon is a chemist, he graduated in
1966 at JM of Liverpool and got his Ph. D.
in 1974 at the University of Nottingham.
His interest in ornithology began early in
his life and he started bird ringing in the
early 60's, and obtained his license shortly
after.
Having been in Portugal several other times
(Lisbon, Parque Natural do Montesinho,
Coimbra and at an event called “Atlas das
Aves Nidificantes em Portugal no Algarve”,
among others), his visit to Parque Biológico
de Gaia was a memorable one. Impressed
by the conditions that the Park offers, he
also managed to ring a bird he had never
been able to ring in Portugal before, and he
expresses his wish to return one day.
Comparing ringing in England and in
Portugal, Fearon tells us that in England it
started around 1909, and was a purely leisure
activity. It started growing due to the
necessity of forming groups to share the
expenses of the ringing material and today
it is under the wing of the B.T.O. (British Trust
for Ornithology), a non-governmental
organization. Here in Portugal, it started in
Oporto, led by Sociedade Portuguesa de
Ornitologia and Prof. Santos Júnior.
Nowadays it is the responsibility of the
government, more specifically the I.C.N.
(Instituto da Conservação da Natureza).
According to Fearon, to be a good bird ringer,
one has to be very pacient, willing to learn
and have a good knowledge about the
different bird species. Also, it is of the utmost
importance that the safety of the bird should
be regarded as top priority.
On a last note, Fearon stressed that bird
ringing is a very useful tool in the study of
the demography and habits of the different
birds, it also helps to identify the importance
of certain places that might be endangered
and give hard evidence which will allow their
preservation.
Peter Fearon mostra a algumas crianças que
visitam a sala de anilhagem do Parque Biológico
de Gaia um tentilhão-comum e sorri.
Dificilmente lhe ouvimos a voz, concentrado
no caudal de aves a medir, pesar, anilhar e
soltar.
A presença deste homem discreto exala um
respeito que atinge os presentes, até mesmo
entre experientes anilhadores. E, no entanto,
não é biólogo! Pode estranhar à vontade: este
homem é químico!
Licenciado pela Universidade de Liverpool em
1966, com Grau de Honra em Química, após
uma passagem pela indústria regressou à vida
universitária como aluno de doutoramento na
Universidade de Nottingham, tendo obtido o
grau de doutor em 1974. Diz: «A partir daqui
tornei-me professor, e foi esta a minha profissão
nos últimos 33 anos».
O seu interesse pela ornitologia e pela
observação de aves surgiu desde muito cedo:
«Enquanto ainda frequentava a Universidade
encontrei um amigo com o mesmo interesse».
Juntos iniciaram «a observação de aves com
regularidade não só em Inglaterra, mas em
vários países da Europa, desde o Norte até ao
Sul, incluindo alguns países do Bloco de Leste.
Partilhámos algumas aventuras engraçadas e
uma ocasião, na antiga Jugoslávia, acabámos
até na prisão! Foi na altura da invasão da
Checoslováquia pelos russos em 1968 e as
nossas actividades eram consideradas suspeitas!».
Através desta paixão pela observação de aves
selvagens «estabeleci contacto com vários
anilhadores e resolvi dedicar-me a esta
actividade. Iniciei a anilhagem no início dos
anos 60, quando ainda era estudante
universitário e rapidamente obtive uma licença
do tipo “A” emitida pelo British Trust for
Ornithology (B.T.O.), organismo responsável
pela anilhagem em Inglaterra». As credenciais
do tipo “A” permitem, para além de anilhar,
poder dar formação a novos anilhadores.
Impunha-se perguntar:
Quer dizer-nos algo sobre a sua primeira
experiência de anilhagem no Parque Biológico
de Gaia, em particular quando anilhou
chapins-carvoeiros?
Peter Fearon — Gostei muito da sessão de
anilhagem em que tive o prazer de participar
no Parque Biológico de Gaia, em Dezembro
último, por convite do Rui Brito e do António
Pereira. Fiquei impressionado com todas as
condições e qualidade do local. O Parque
Biológico fez-me lembrar de um local onde
um amigo meu costuma anilhar em
Nottingham, mas que é privado. Fiquei invejoso
das condições existentes e do próprio sítio:
quem me dera ter as mesmas condições que
ali encontrei em Inglaterra.
Com o decorrer do tempo obterão muita
informação sobre as aves do Parque e vão
construir um padrão da população das várias
espécies e dos seus movimentos, o que é de
extrema importância ao nível da conservação.
O apoio dos responsáveis do Parque e dos seus
colaboradores, pelo que pude verificar, é
enorme, o que é de registar. O Parque é muito
bonito e mantém excelentes instalações. O
centro de recepção aos visitantes é
impressionante, com instalações muito
agradáveis e brilhantes serviços ao nível da
educação ambiental. A forma como fui recebido
e a hospitalidade que me dispensaram foi do
outro mundo e por isso agradeço a todos.
Sobre o chapim-carvoeiro, esta espécie é
abundante em Inglaterra e capturo-a e anilhoa regularmente, seja num dos locais onde
costumo anilhar ou até no meu jardim. No
entanto, é verdade que em Portugal nunca
tinha anilhado nem tão-pouco sequer
observado nenhum nos últimos 30 anos, até
agora, aqui no Parque. Foi muito gratificante
para mim poder finalmente segurar nas mãos
e anilhar o primeiro chapim-carvoeiro que
anilhei em Portugal, dado que é uma das minhas
espécies de aves favoritas.
Gostava de voltar a anilhar no Parque
Biológico de Gaia?
P. F . — Sim, sem qualquer dúvida adoraria
voltar lá e espero fazê-lo, mal surja uma
oportunidade.
Desde 1978 que visita com assiduidade
Portugal. Porquê?
P. F . — A primeira vez que vim a Portugal, foi
em Agosto de 1974, durante três semanas
passadas em Lameira, perto de Arzila, no vale
do Mondego, entre Coimbra e Figueira da Foz.
As pessoas locais eram de uma enorme simpatia
e muito hospitaleiras. As crianças eram muito
curiosas e costumavam visitar-nos no nosso
acampamento todos os dias. Nessa altura fomos
convidados a ir a casa de um habitante local
que produzia o seu próprio vinho e aguardente.
Foi a minha primeira experiência com o vinho
e aguardente lusos. Foi sem dúvida o início de
um já longo romance com o vinho português.
As notícias propagaram-se rapidamente entre
a população local e todos rapidamente ficaram
a saber que eu tinha dado uma “grande”
contribuição no peditório realizado na missa
de sábado, na igreja local. Todos os fins-desemana parecia que havia uma enorme festa
pelas diversas vilas locais e pude tomar contacto
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 27
com a cultura e tradições locais. Uma das
características que me impressionou naquela
altura foi o amor que os adultos tinham pelas
crianças.
Em 1978, visitei pela primeira vez a Lagoa de
Santo André, e desde então venho todos os
anos para essa zona magnífica da costa
alentejana, hoje Reserva Natural. As únicas
excepções foram quando a minha esposa Anne
estava grávida. Nos primeiros anos, costumava
visitar o Ludo, perto de Faro, para fazer
anilhagem de limícolas — espécies de aves
pernaltas que se alimentam na vasante —,
durante alguns dias, normalmente no final da
nossa estadia em Portugal. Os habitantes locais
de Santo André eram também muito
hospitaleiros e, desse modo, este local tornouse a nossa “casa” durante o mês de Agosto.
Tratava-se de uma região abençoada pelo sol,
quente e com tempo seco, possuidora de uma
praia muito boa perto. O bosque e toda a área
envolvente ao acampamento de anilhagem
era perfeito para as crianças brincarem e terem
aventuras. O único problema que tivemos foi
com a caça e os caçadores, mas felizmente
agora terminou.
No início, a única razão para vir para Portugal
foi anilhar aves, principalmente espécies que
não ocorriam em Inglaterra, ou as provenientes
de Inglaterra rumo ao Sul, ou ainda para treinar
e formar anilhadores portugueses.
Com o passar dos anos fomos fazendo muitos
bons amigos e os meus filhos adoram tanto o
país que não podemos sequer pensar em fazer
férias em qualquer outro sítio.
Ao longo destes anos fomos visitando grande
parte do país e, além do Alentejo, participámos
no «Atlas das Aves Nidificantes em Portugal no
Algarve», visitámos o Parque Natural de
Montesinho, os arredores de Lisboa e a própria
cidade, e passamos todos os anos algum tempo
perto de Coimbra, desfrutando da hospitalidade
da família do Paulo Tenreiro, um grande anilhador
português. No ano de 1983 tivemos a sorte de
poder visitar as ilhas Selvagens para participarmos
em trabalhos de censos de aves. Tem sido
interessante encontrar tantos habitat tão
diferentes e diversificados num país tão pequeno
e eu e a minha família gozamos muitas das várias
experiências possíveis, desde as magníficas praias
de areia, passando pelas florestas e as mais
selvagens e inóspitas zonas de montanha.
Alguma vez capturou aves já anilhadas noutros
países em Santo André?
As mãos de Peter Fearon parecem mágicas a tirar
tirar as aves da rede: os dedos têm olhos
P. F . — Já recapturámos muitas aves com
anilhas estrangeiras ao longo dos anos em
Santo André – maioritariamente rouxinóispequenos-dos-caniços e felosas-dos-juncos,
com anilhas de Inglaterra, Holanda, França e
Bélgica. Algumas das mais notáveis recapturas
incluem um rouxinol-pequeno-dos-caniços,
com uma anilha checa e uma felosa-musical
com uma anilha da Hungria.
Outra experiência magnífica que vivemos
prende-se com a recaptura, num dos anos em
que anilhámos no Ludo, de um pilrito-comum,
que tinha sido anilhado por nós em Inglaterra,
e uma cigarrinha-ruiva que tínhamos anilhado
há umas semanas em Santo André. Outra
recaptura fantástica foi a de uma felosaaquática, que nós voltámos a recapturar dois
anos depois quase exactamente no mesmo dia.
Existiram ainda dois guarda-rios, que raramente
efectuam grandes migrações, que mostraram
incríveis movimentos, um para a Holanda e o
outro para a Bélgica onde foram recapturados.
Em Portugal a anilhagem é uma actividade
desempenhada maioritariamente por
cientistas, logo não é popular. Na GrãBretanha quem a desempenha são pessoas
credenciadas mas com as mais variadas
profissões. Como explica este contraste?
P. F . — Em Inglaterra a anilhagem iniciou-se
João L. Teixeira
entrevista
em 1909 e era tradicionalmente realizada por
amadores. Surgiu e cresceu através de
observadores de aves como um passatempo.
Durante os primeiros 50 anos de anilhagem,
as aves eram capturadas em armadilhas ou
eram anilhadas enquanto crias no ninho. A
maioria das sessões de anilhagem realizavamse nos jardins dos próprios anilhadores.
O trabalho académico, utilizando esta
ferramenta resumia-se a anilhar crias em caixasninho ou então crias em colónias de espécies
marinhas. A introdução das redes verticais,
chamadas mist-nets, nos finais da década de
50 transformou totalmente a estrutura da
anilhagem, permitindo capturar aves adultas
em múltiplos habitat diferentes. Isto ajudou a
encorajar mais amadores e académicos a
começarem a anilhar. No entanto, dos 2 mil
anilhadores credenciados existentes em
Inglaterra, a grande maioria são amadores.
Tradicionalmente em Inglaterra temos de
comprar as anilhas e estas são caras. Isto
permitiu aos anilhadores tornarem-se muito
independentes e anilharem o que mais
gostassem. No entanto, por causa do custo
elevado das anilhas, os anilhadores formaram
entre si grupos de anilhagem, partilhando,
deste modo, os custos inerentes. Dentro da
estrutura dos grupos eram encorajados projectos
Jorge Gomes
Peter Fearon anilha um tentilhão-comum e desvenda-o
a um grupo de visitantes que passa na casa do Chasco,
no percurso de descoberta da natureza do Parque
Biológico de Gaia
com certas espécies e em áreas definidas. As
conferências anuais de anilhadores, com a
participação de mais de 400 anilhadores,
permitiam uma interessante e salutar troca de
ideias e a apresentação de resultados, num
evento que reunia académicos e amadores com
as aves por pano de fundo.
Em Inglaterra, não existe a tradição, ao invés
de Portugal, da caça às aves. Penso que em
Portugal tem sido feito já um esforço de
sensibilização, mas ainda existe um longo
caminho pela frente no sentido de educar a
população e levá-la a apreciar actividades como
a observação das aves e a anilhagem, bem
como o convívio com a natureza e vida
selvagem em geral, em substituição do «prazer»
de as matar.
O início da anilhagem em Portugal ocorreu no
Porto, baseado na Universidade e dirigido pela
Sociedade Portuguesa de Ornitologia e pelo
Prof. Santos Júnior, tendo depois da morte
deste sido abandonada. A actual Central
Nacional de Anilhagem é relativamente recente
e ainda se encontra em desenvolvimento e
crescimento à medida que mais pessoas
descobrem o valor, a importância e o prazer
de estudar as aves. Esta Central é tutelada pelo
Estado português através do Instituto de
Conservação da Natureza e da Biodiversidade,
ao contrário da Central Inglesa, da
responsabilidade do BTO, um organismo privado.
Quer contar-nos alguma das histórias recolhidas
na sua longa actividade de anilhagem científica?
P. F. – Depois de todos estes anos a anilhar,
existem, sem dúvida, diversas histórias
interessantes. O meu filho mais velho, também
Peter Fearon, quase nasceu no local em que
costumamos anilhar em Inglaterra. Tínhamos
apanhado muitos andorinhões e andorinhasdos-beirais, quando a minha esposa Anne me
disse que pensava que era tempo de ir para o
Hospital. E claro que a minha resposta foi que
não poderíamos ir enquanto não terminássemos
de anilhar todas as aves!
Em Portugal há diversas histórias de pessoas
que ficaram atoladas na lama, que foram
atingidas por pedras que se soltaram dos
penhascos ou que ficaram presas no topo de
árvores durante actividades de anilhagem.
Nos primeiros anos, em Santo André, tivemos
várias aventuras com as vacas que muitas
vezes conseguiam escapar pelas vedações e
provocar estragos. Disseram-me que a
imagem mais divertida de sempre foi uma
vez quando eu e o Paulo Catry, em mais uma
visita às redes para recolher as aves
capturadas, demos de caras com um touro!
Após termos tentado assustá-lo e afastá-lo
das redes durante mais de meia hora, sem
sucesso, conseguimos finalmente pô-lo a
correr – atrás de nós! Felizmente não há
fotografias do momento...
O que aconselha a quem se quiser tornar
um bom anilhador, dada a importância
deste trabalho para a conservação da
natureza?
P. F. – Para ser um bom anilhador é necessário
ser muito paciente e desejar aprender. Requer
uma boa capacidade de identificação das aves
e conhecimento sobre as diferentes espécies,
o que pode levar bastante tempo e dedicação
a conseguir. Os anilhadores necessitam de
colocar sempre a segurança da ave em primeiro
lugar e serem capazes de as manipular sem
lhes causar qualquer dano.
A anilhagem de aves desempenha um papel
vital na conservação da natureza. Permite
monitorizar os movimentos das aves, as suas
rotas de migração, a longevidade e distribuição
das espécies. A estrutura etária das populações
e o recrutamento para as populações de aves
jovens podem igualmente ser estudados numa
escala global. O tamanho das populações e a
sua tendência populacional podem também
ser monitorizados em locais-chave. Os dados
provenientes da anilhagem podem ainda
ajudar a identificar a importância de certos
sítios que podem estar ameaçados por
diversos factores e fornecer dados concretos
e evidências que ajudem à preservação desses
mesmos lugares.
Texto: António Pereira, Jorge Gomes e Rui Brito
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 29
registo
O Campo de anilhagem de aves de Monte
Morais (1973) Foto NGO
Há um certo tempo
Por Nuno Gomes Oliveira
Setembro de 1973
Depois de uma prévia passagem na Administração Florestal de Macedo de
Cavaleiros, onde nos é emitida uma credencial de “livre-trânsito”, chego ao
Perímetro Florestal de Monte Morais, um cabeço com 3676 hectares, a 600
e tal metros de altitude, uma das maiores unidades contínuas de serpentinites
— rochas que formam solos impróprios para a maioria das plantas — e
altamente representativa da flora ultrabásica.
Vou com o Correia dos Reis, e procuramos um grupo de ingleses do Iberian
Ringing Group, do British Trust for Ornithology (BTO), grupo criado pelo
conhecido ornitólogo Chris Mead (1940-2003) e que promoveu uma série
de expedições ornitológicas a Portugal e Espanha, entre 1967 e 1977.
O nosso anfitrião seria o Dr. A. Barrie Watson: com ele e com outros
colaboradores do BTO, passaríamos semanas a anilhar aves, nesse e no ano
seguinte, em Monte Morais, em Santo André, no Paul de Arzila e na Reserva
Ornitológica de Mindelo, neste último local, com o Prof. Santos Júnior.
Com o Dr. Watson aprendemos muito sobre anilhagem e migrações de aves
e, ainda hoje, muitos dos velhos anilhadores portugueses conhecem por
“bengala do inglês” uma pequena vara, com dois ganchos na ponta, usada
para baixar e subir as redes de anilhagem.
Nas voltas da vida, acabei por perder o contacto com o Barrie Watson; ao
redigir este texto lembrei-me de o procurar na internet; passaram 34 anos,
mas... sabe-se lá!
Encontrei um A. Barrie Watson na página do Sussex Biodiversity Record
Centre mas, seguramente, não poderia ser a mesma pessoa, pois o que
conheci em Monte Morais era médico de profissão e ornitólogo amador;
mas sempre poderia ser da família. A medo, enviei-lhe um e-mail perguntando
se era a mesma pessoa que... em 1973...
Rápida, a resposta chegou: efectivamente é a mesma pessoa, reformou-se
da profissão e continua a anilhar (340 Corujas-das-torres anilhadas este
ano!), tem 4 netos e, disse-me, ainda conserva na sua secretária o meu
cartão-de-visita.
O convite já seguiu: venha a Portugal lembrar-nos dos tempos do Iberian
Ringing Group (Grupo Ibérico de Anilhagem).
Monte
Morais
(PTCON00023 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/97, de 28 de Agosto)
O sítio Monte Morais corresponde a uma elevação subplanáltica de altitude média
(entre 600 e 700m). Possui elevado interesse a nível geológico e faunístico, pois
representa uma das maiores unidades contínuas de serpentinites em Portugal,
rochas algo raras a nível mundial, e uma das áreas mais representativas de flora
ultrabásica.
Os serpentinites originam solos com elevados teores de crómio, níquel e cobalto,
que se tornam tóxicos para a maioria das plantas.
A vegetação que ocupa esta área é tipicamente mediterrânea, sendo a comunidade
climática dominada por azinheira, sobreiro, esteva, rosmaninho e tojos.
30 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Dadas as características litológicas particulares desenvolvem-se alguns endemismos,
sendo a salgadeira (Alyssum pinto-da-silvae) a mais comum (Ribeiro, A, s/d).
Sítio inserido na área de distribuição do Lobo, e que se destaca pela representatividade
da avifauna no Norte do país. Inclui seis espécies de aves incluídas no Anexo I da
Directiva das Aves, nomeadamente a Águia-de-bonelli, a Cegonha-branca e a
Calhandrinha, para além de mais 15 espécies representativas (ICN, s/d).
Para além do Lobo, as espécies prioritárias de mamíferos presentes na área são a
Lontra e a Toupeira-de-água, estando os répteis e os peixes representados pelas
espécies já citadas para os outros Sítios.
Paulo Tenreiro é um anilhador
Pedro e Rui Andrade são dois irmãos
experiente que anilhou
de Barcelos, que estão a receber
em 16 de Dezembro
formação: tiram da rede um melro-preto
no Parque Biológico
Um cuco que migrava para
o Sul caiu numa das redes
em 25 de Agosto
Uma cria de tordo-pinto deu nota
de que a espécie nidifica no
Parque: 7 de Julho. Foto: Pedro Aires
Os visitantes podem
assistir: é tudo explicado
nos 1.ºs e 3.ºs sábados
de manhã de cada mês
Peter Fearon (filho) veio do Canadá
e também anilhou em 23 de Dezembro
no Parque Biológico
E depois de anilhados, pesados
e medidos há que devolvê-los
ao bosque: lá vai um verdilhão
Um ano a anilhar
«A rede tem gelo?», diz Rui Brito. Soou mais a
afirmação do que a pergunta. Certo é que para
desenrolar as longas redes de anilhagem já não
é só abaná-las: com sorte, neste caso basta um
sopro de ar quente com a boca e as gotas de
gelo soltam as malhas...
A luz da manhã deste sábado de Inverno ainda
é uma criança e abrir as redes é o primeiro passo
a dar. Cada uma está num habitat específico.
Montados de véspera os cinco dispositivos de
captura, ao abrirem ficam em condições de dar
uma ideia das aves que por ali voam até aos três
metros de altura do chão.
Os anilhadores sabem que há muitas mais espécies
de aves que demoram a cair nas redes e algumas
que não cairão nunca neste tipo de rede, como
as galinhas-de-água ou as garças-reais. Mas os
resultados são sempre importantes, embora esta
pesquisa só comece a ter valor científico após
uma colheita de dados mínima de dois a três
anos ininterruptos.
Passado um, a talhe de foice sabe-se, por
exemplo, graças à anilhagem, que o tordopinto nidifica no Parque. Ia-se vendo todo o
ano, mas não se tinha a certeza de que
procriava neste sítio. Também as ferreirinhas
são frequentes, já que foram anilhadas, inclusive
juvenis, uma boa parte do ano. E os cucos?
Algo que há duas ou três décadas se ouvia
sem dificuldade nos subúrbios no Verão e que
silenciou, afinal pelo menos um passou pelo
Parque Biológico de Gaia, nos amieiros do lago
da Ponte Coberta...
António Pereira, químico, e Rui Brito, biólogo,
são os anilhadores credenciados pela Central
Nacional de Anilhagem que coordenam estes
trabalhos. Acentuam que aceitam formandos
qualquer que seja a sua profissão. Até agora
os mais certinhos foram Pedro e Rui Andrade.
Dizem: «Quando surgiu o convite pela
primeira vez, houve alguma desconfiança.
Anilhar aves? Acordar cedo na manhã de
sábado? Valeria a pena atravessar o Douro
para isto?
Decidimos aparecer, finalmente, em
Dezembro, já as sessões de anilhagem
científica de aves no Parque Biológico de
Gaia decorriam há dois meses. De início, foi
como se de um mundo alienígena se tratasse:
pássaros a debaterem-se em redes enormes,
de seguida fechados em sacos de pano e
cientistas a segurá-los cuidadosamente pelo
pescoço enquanto debatem os méritos dos
vários métodos de classificar a gordura
corporal. Ao princípio, tudo parecia estranho,
mas não desanimámos, e, na volta, começámos
a familiarizar-nos com os conceitos e técnicas
da anilhagem, adquirindo, aos poucos, cada
vez mais conhecimentos. A beleza das aves,
assim como o excelente convívio, encarregamse de tornar a experiência imperdível».
Ambos criaram um blogue:
http://anilhagemdeaves.blogspot.com/
ESPÉCIES DE AVES JÁ ANILHADAS
- Chapim-rabilongo
Aegithalos caudatus
- Verdilhão
Carduelis chloris
- Trepadeira-comum
Certhia brachydactyla
- Pica-pau-malhadogrande
Dendrocopus major
- Pisco-de-peito-ruivo
Erithacus rubecula
- Tentilhão
Fringilla coelebs
- Gaio
Garrulus glandarius
- Alvéola-cinzenta
Motacilla cinerea
- Chapim-carvoeiro
Parus ater
- Chapim-azul
Parus caeruleus
- Chapim-real
Parus major
- Pardal-dos-telhados
Passer domesticus
- Pardal-montês
Passer montanus
- Rabirruivo
Phoenicurus ochruros
- Felosinha
Phylloscopus collybita
- Felosa-musical
Phylloscopus trochilus
- Felosa-poliglota
Hippolais polyglotta
- Pega-rabuda
Pica pica
- Peto-verde
Picus viridis
- Ferreirinha
Prunella modularis
- Toutinegra-de-barrete
Sylvia atricapilla
- Toutinegra-dos-valados
Sylvia melanocephala
- Carriça
Troglodytes troglodytes
- Melro-preto
Turdus merula
- Tordo-pinto
Turdus philomelos
- Cuco
Cuco canorus
- Papa-moscas-cinzento
Muscicapa striata
- Papa-moscas-preto
Ficedula hypoleuca
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 31
quinteiro
Um jardim a rever
Quando o sol desaparece mais depressa e o frio se anuncia, aumenta a movimentação de aves no seu quintal: há
rotinas a manter e atitudes a tomar, tudo para que o prazer de observar a natureza bem de perto continue a dar-lhe
maiores conhecimentos num dia-a-dia cheio de novidades
Garden and wildlife
Acerte em cheio no Outono para melhorar o seu
pedaço de terra, sobretudo se quer aumentar o
prazer de observar a vida selvagem perto de si.
A razão deste conselho prende-se com o facto
de, com a vinda do frio, a flora da sua casa entrar
numa fase de abrandamento do metabolismo e
as transplantações correm melhor.
Se escolher as plantas como uma área a reformar
este mês, alcança vantagem se fizer uma lista
que lhe diga quais as espécies que possui. Isso
vai-lhe permitir saber quais são as espécies nativas
e as restantes. Mas que é que isso interessa se as
aves andam na mesma no meio do arvoredo?
Interessa e muito! Para atrair as aves selvagens
ao seu jardim, este deve oferecer-lhes no mínimo
abrigo e alimento.
As plantas exóticas, na sua maioria, são úteis às
aves como abrigo, ocultando-as dos predadores,
reduzindo-lhes o stress, facultando-lhes repouso.
As plantas nativas oferecem tudo isso com a
vantagem de serem boas hospedeiras de insectos
nas suas diferentes fases de vida, de sazonalmente
produzirem frutos que interessam à passarada,
e as suas folhas, quando caem, são conhecidas
dos fungos da região que as decompõem
enriquecendo o solo, e até diminuindo a erosão,
logo defendendo a água.
Há pouco alguém pensou: «Até aqui tudo bem,
mas disse... predadores? O quê, lobos, raposas?».
Ora bem, lobos não, mas gatos. Os gatos que
ronronam junto à saia da dona, segundo pesquisas
During the cold seasons, insects
withdraw to places that birds
can hardly get to, reducing their
“menu”. And you might think
“that's been happening
constantly and they're surviving”.
It's true, but nature is becoming
more and more damaged, and
the birds' alternatives too.
But we can help these birds by
giving them other choices, like
bird feeders filled with seeds,
some trees (that will vary
depending on the region, since
it's advisable for them to be
native to that region) or even
creating nesting places for larvae
by making some holes filled with
dead leaves. Simple, affordable
and helpful solutions for our
winged friends.
32 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
realizadas por equipas um pouco por todo o
planeta, são uma grande fatia entre as diversas
causas de mortalidade da fauna selvagem. Por
isso, se tem um destes felinos, dê-lhe uma prenda
mesmo que o bichano não faça anos: uma coleira
de guizos. Assim, despertará as vítimas para a
sua presença. Mas há outros predadores... naturais:
havendo uma mata nas redondezas, um gavião
discreto poderá andar por ali sob um manto
invisível, à maneira do Harry Potter, e será um
bólide sempre que precisar de se alimentar. Neste
caso, não se preocupe, pois é o circuito natural
e as espécies estão preparadas para se fortalecerem
com isso.
Não deixe cair...
Entre as plantas úteis à natureza, ficam alguns
exemplos, que pode aplicar no seu quintal: nas
regiões de menor altitude, no Norte, o carvalhoalvarinho, o sanguinho-de-água, o amieiro, o
pilriteiro, o azevinho, o sabugueiro, o salgueironegro, entre tantas outras.
Se erguer um muro rústico, pedra sobre pedra —
ou uma simulação do mesmo junto de uma
parede de cimento lisa — e deixar que as plantas
espontâneas se instalem com o tempo, vai criar
outro nicho valiosíssimo para a passarada, e não
só! As madressilvas também dão bagas, atraem
insectos. O mesmo para as urtigas, importantes
para tantas espécies, seja como hospedeira de
lagartas especializadas seja pelas sementes
apreciadas pelas aves. As prímulas são lindas e
úteis também nesta área.
Inclusive, se tiver espaço para deixar um sector
inculto com algumas silvas produtoras de amoras
— há uma ave que até lhe chamam papa-amoras,
se bem que as toutinegras também as adorem
—, com acolhimento para plantas temporárias
como os cardos — apreciados por exemplo pelos
pintassilgos —, estará a aumentar o interesse do
seu talhão para a vida selvagem.
Se tiver um espaço, mesmo que pequeno, ensaie
o seu talento de agricultor e crie uma pequena
horta, composta por alguns legumes e árvores
de fruto.
Com o tempo, aumentando a sua capacidade de
observação, verificará que valeu a pena fazer
tudo isto.
Menos asas
Agora, veja: como nesta época os insectos
diminuíram, é normal as aves que não migraram
para sul alterarem a ementa. Agora procuram
mais grão.
A taxa de mortalidade nos juvenis que nasceram
na passada Primavera será elevada. É também
normal. Anormal para a vida selvagem é a redução
de habitat vital para a sua subsistência, sejam
estes animais residentes ou migradores.
Uma forma de tentar compensar estes danos no
Verdilhões e chapins-carvoeiros são bons
frequentadores de comedouros de jardim
Enquanto algumas aves residem todo
o ano no seu jardim, como o melropreto, muitas outras vêm do Norte
nosso património natural é colocar alimentadores
para aves selvagens no seu jardim.
Os seus formatos são os mais diversos, mas não se
esqueça de colocar um bebedouro com água limpa.
A aplicação destes objectos deve ser feita de
forma a que não esteja a montar um isco para
predadores não alados. Coloque os comedouros
a uns metros do chão, fora de alcance de um
salto de felino e se possível numa área a descoberto
que revele a aproximação fatal.
Há aves que irão preferir apanhar do solo as
sementes caídas e outros alimentos que
disponibilize, como é o caso dos tentilhões, dos
estorninhos e dos melros-pretos.
Preparar o futuro
Há procedimentos tão simples e tão úteis que
ajudam a preparar dentro de alguns meses
Um coco aberto
atrai aves como o chapim-real
outra ementa para os seus hóspedes de penas.
Se abrir um buraco com o diâmetro de cerca
de um metro e o encher daquela folhagem
caduca que agora cai em abundância está a
criar condições para um alfobre de suculentas
larvas de inúmeros insectos, que virão a calhar
quando a sua caixa-ninho, apetecida por
pardal-montês e por vários chapins, for ocupada
lá por altura de Março.
E por falar em caixa-ninho, sabe que ela ajuda
a suprir a falta de bosques velhos, com árvores
esburacadas, onde diversas espécies de aves
gostam de fazer ninho?
Pois é. E, assim, não resistimos a propor-lhe outro
assunto com base nesta premissa: a dúvida
fortalece o conhecimento. Concorda? Não é
preciso ser cientista para pesquisar. Se já tiver
alguma caixa-ninho ocupada no seu jardim, das
duas uma: ou a limpa ou deixa-a ficar como está.
Aqui há duas correntes de opinião, mas era
interessante apurar os factos: há vantagens ou
não em limpar as caixas-ninho no Outono?
É verdade que os buracos das árvores não são
limpos e, que se saiba, num ecossistema
compensado isso não levanta nenhuma
dificuldade a aves que ali procriem.
Mas, ao longo de vários anos, será que a sua
caixa-ninho que venha a ser sempre limpa no
Outono consegue mais crias no tempo quente
do que uma outra, em condições idênticas, que
não recebe esse cuidado?
É uma experiência a ser feita por quem quiser e
que depois daria para cruzar resultados. Isto após,
claro, muitas horas de observação da vida
selvagem, o que, para quem gosta, é um prazer
constantemente sustentável e útil.
Texto e fotos: Jorge Gomes
Não são só os rabirruivos que
apreciam os amieiros...
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 33
reportagem
Natural Park
Uma ria... Formosa
Parque Natural da Ria Formosa, in the extreme
south of Portugal, in the eastern part of Algarve,
has 18 thousand hectares of abundant and
unique flora and fauna, as well as breathtaking,
beautiful landscapes.
It has attained the status of Natural Park in
1987, due to the number of species that need
it to live (be it because of migration or because
it's their habitat). As a coastal area, it has sand
dunes, which have some rare flora, like the
Sea rocket (Cakile maritima) and the Prickly
saltwort (Salsola kali). There are also salt
marshes, which house a lot of animals, since
it is a safe place, because of the vegetation
that grows there. And also, it's in this Park that
the only palm-tree native to our country exists:
the European fan palm (Chamaerops humilis).
It's a resting place for migratory birds and
during the cold seasons around 30/40 thousand
water birds can be seen there. Some
noteworthy species would be the Purple
Swamphen (Porphyrio porphyrio), the Little
Tern (Sterna albifrons), the Common Pochard
(Aythya ferina), the Chameleon (Chamaeleon
chamaeleon) among others. In this Park, we
can also find a “dog pound” for the Portuguese
Water Dog. Its goal is to preserve this race and
its defining traits. They're trained every day,
so as to preserve their “primitive” traits, since
in the old days they were the fishermen's
companions while fishing. Although nowadays
they aren't necessary, it's still something that
must be preserved, since it was something
unique to that region.
There are also some sand islands that are a
natural help in preserving the lands: Barreta,
Culatra, Armona, Tavira and Cabanas. These
islands prevent the dissolution of the salt
marshes in the sea, because they act like a
barrier. On a last note, in this Park there is a
Tide Mill, one of the few in Portugal.
O limo coroa-se de tufos verdes e aponta-os ao céu azul. Vaidoso, não quer
perder o afago da água, por isso deixa o líquido salgado ir e voltar ao sabor
da maré. O Parque Natural da Ria Formosa espraia-se ao longo de cerca
de 18 mil hectares,* no Sotavento algarvio, e é entendido como um sistema
ecológico muito produtivo. De saveiro e a pé, fomos ao seu encontro…
Ninguém fala. Os olhos passeiam-se entre o mar
e as margens escuras marcadas pelas plantas do
sapal. Agora ouve-se o silêncio que toca o espelhode-água perfeito.
É o relaxar da mente que se solta para apreciar
a paisagem feita de água lisa, a reflectir azulmarinho sob o toque dourado do sol da manhã.
A poucos metros, um caranguejo espreita da toca,
com uma tenaz clara e bem maior. Territorial,
acena e avisa os rivais. Mais distante, mas também
no limo, um búzio do tamanho de uma bola de
andebol parece ter conseguido parar o tempo.
No solo desenham-se vestígios: as pegadas das
aves limícolas riscam-se por cima umas das outras,
decalcadas no lodo emerso, e só se esbatem na
linha de água.
Bárbara Abelho, uma bióloga marinha que se
apaixonou pelas aves selvagens, explica a ria
enquanto Paulo Nugas, o homem do leme, leva
o saveiro, um barco típico feito de madeira, pelo
labirinto dos esteiros de Faro: «Cada um destes
braços tem um nome», garante.
Por cima é céu azul, intenso. Ao longe vislumbramse silhuetas. Binóculos a postos, primeiro uma
suspeita, depois confirma-se: são colhereiros.
Bárbara diz: «Esta espécie vem cá passar o Inverno,
mas houve pequenos bandos quer de colhereiros
quer de flamingos que ficaram. Os outros foram
nidificar mais para Norte».
O clima mediterrânico pia fino. Ainda é manhã
e já o sol sôfrego tudo agarra. Sente-se na pele,
mas muito menos do que nas serras algarvias
que agora marcam o horizonte.
A primeira ave que se avistara na ria fora um
borrelho-de-coleira-interrompida. Depois, três
maçaricos-das-rochas, cauda bamboleante, a
medir a distância de segurança para abrir as asas
e fugir. Uma rola-do-mar anda perto de um par
de andorinhas-anãs, ainda em fim de nidificação
a meio do Estio: «É uma das espécies de aves que
vêm aqui nidificar. No Inverno já cá não estão,
dirigem-se para o Sul, mas por outro lado vêm
muitas invernantes do Norte e Centro da Europa»,
comenta Bárbara, e continua: «Esta zona também
é importante enquanto área de descanso de aves
migradoras». Quando vem o frio, são entre «30
ou 40 mil aves aquáticas por ano que se podem
observar na ria Formosa», afirma.
Neste percurso, na distância imensa, plana, os
animais dispersam e, sendo aves selvagens, há
sempre dias melhores que outros para se poderem
observar.
O seu pezinho
Por sinal, se não forem respeitadas as regras, este
tipo de turismo da natureza pode ter
consequências indesejáveis. O tema é obrigatório,
pois os nossos guias são operadores de ecoturismo.
Bárbara Abelho opina: «Tem de haver equilíbrio,
bom senso. Pode ter impacto, se se trata de ir aos
sítios onde as aves nidificam, não respeitando
essa época. Mas as empresas pagam uma licença
ao Instituto da Conservação da Natureza e da
Biodiversidade (ICNB) e a actividade de cada uma
é avaliada face ao impacto que possa causar.
Portanto, há regras a respeitar». Contudo, conclui
Bárbara, «devia haver zonas de reserva integral
* incluindo a área submersa.
* Incluindo a área submersa.
Um grande búzio dá nas vistas
34 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Paulo Nugas e Bárbara Abelho
O sapal é um sistema ecológico muito produtivo
Andorinha-do-mar-anã
Colhereiro
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 35
reportagem
Maçarico-de-bico-direito e pilritos em plumagem estival
neste Parque onde o acesso fosse interdito». Assim,
«a privacidade das aves selvagens e as condições
que lhes são necessárias seriam salvaguardadas».
Depois, há uma constante nas experiências
pessoais de quem vai fazer estes percursos: «As
pessoas têm uma curiosidade natural. Há quem
nunca tenha usado binóculos e o simples facto
de poderem ver os pormenores que eles revelam
e a variedade de aves que se vêem, surpreende
pela positiva», sublinha.
Mas nem só de aves se fazem estas visitas: «Os
guias explicam também o património natural em
geral e a cultura dos lugares, incluindo os
monumentos e os costumes locais».
Um caranguejo espreita
à boca da toca
36 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Estes percursos «têm tido maior efeito nas pessoas
que vêm das grandes cidades, pela oferta de
tranquilidade. Um exemplo: uma funcionária de
uma companhia aérea, vinda directamente do
stress da sua profissão, fez um dos nossos percursos
de observação de aves. E ficou encantada, disse
que nunca esperava ver tudo o que lhe foi
mostrado». Para estes guias de descoberta da
natureza, garantem, «é uma satisfação poder
mostrar isso às pessoas».
Ups! Um barco a motor passa a toda a velocidade
a umas dezenas de metros e causa uma ondulação
de abanões violentos. Agora tenho de me agarrar
ao barco, ocultar a máquina fotográfica com o
chapéu para não se molhar — a electrónica gripa
com facilidade em muitos euros.
No espelho-de-água plácido, o saveiro agora
depara à distância com alguns maçaricos-galegos,
aquele bico curvo e, tranquilo, o abrir de asas de
quem tem o poder de se afastar com segurança
de perigosa ameaça.
Uma alvéola-amarela empoleira-se no topo de
uma planta com cara de quem está a pensar
fazer as malas para o Sul e, entre um grande
bando de cegonhas-brancas, pilritos catam
alimento do lodo. Por ali, enquanto um casal de
maçaricos-de-bico-direito zela pelo seu almoço,
Paulo Nugas muda de rota: há uma garrafa de
Juvenil de águia-pesqueira
em recuperação
Cão-de-água português
plástico a boiar. Em jeito de equilibrista de circo,
com o remo como cana de pesca, não lhe vira
a cara. Concluída uma dúzia de tentativas, a
pesca é eficaz: «Estão a ver? Há muito que
melhorar no comportamento de quem anda
por aqui». E, convicto, afirma: «Acho que daqui
a uns anos isto vai ao lugar. Os meus filhos se
virem alguém a deitar lixo ao mar dizem logo
que não pode ser!».
Nem só de aves mais fáceis de observar se
fazem as visitas, sobretudo para quem as
repete vezes a fio: a águia-pesqueira «tem
sido vista aqui, enquanto ave invernante»,
diz a bióloga, e completa: «Esta espécie está
virtualmente extinta no nosso país, só existe
um macho. Distribuía-se por toda a costa
portuguesa. Até em Lisboa havia esta rapina
numa praia que ficou com um dos seus nomes
vulgares, o Guincho». Pouco a pouco, «a
população destas águias foi regredindo.
Acabou por ficar um casal na costa Vicentina».
Um dia «a fêmea ficou presa num fio de anzol
quando construía o ninho, e morreu».
Mas a ria Formosa vale como um todo, frágil
e muito complexo. Bárbara acentua: «Tudo
isto está interligado: é a vegetação de sapal
que permite toda esta vida na ria Formosa.
O próprio limo está cheio de invertebrados,
que entram na cadeia alimentar e sustentam
toda esta fauna. Trata-se de um dos
ecossistemas mais produtivos de todo o
planeta», sendo «as aves a parte mais visível».
A pressão turística, na sua face urbana,
repercute no ambiente marinho. O Algarve
tem uma grande apetência para o turismo:
«São 60 quilómetros de costa ao longo deste
Parque desde Ancão até Cacela Velha, no
concelho de Vila Real de Santo António».
Há ilhas — chamadas ilhas-barreira — que evitam
que o sapal se dissolva no mar: a da Barreta, a
da Culatra, a de Armona, a de Tavira e a de
Cabanas.
O Parque Natural da Ria Formosa é uma zona
húmida de interesse internacional e foi criada
há 20 anos.
Sob o sol
Há basicamente dois ambientes no Parque
Natural da Ria Formosa: um é o sapal, outro é
o cordão dunar.
A ria é uma «laguna costeira polvilhada de
sapais, salinas, bancos de vasa ou de areia, ilhotas,
praias, dunas e inúmeros canais em que as ilhasbarreira traçam um estranho limite a uma
extensa área lagunar», informa fonte do ICNB.
Os sedimentos depositam-se ao longo do tempo,
o que faz subir o limo do sapal.
Como efeito, o período de imersão reduz-se. As
plantas vão por isso alinhar-se num processo
que se chama zonação, seleccionadas sobretudo
pela salinidade da água com que lidam.
Todas elas, porém, são uma flora tolerante a
elevados graus de sal diluído e à escassez de
oxigénio, enraizamento frágil e a um tempo
considerável de imersão. Mais fácil de ver é, por
exemplo, uma gramínea chamada Spartina.
Fazem-lhe companhia outra flora de que
destacamos as salicórneas e as salgadeiras,
capazes de excretar sal.
Não estamos no tempo de floração da bela
Cistanche phelypaea, quando as flores amarelas
vistosas acenam a quem passa, mas vemos os
caules carnudos de uma cor castanha intensa.
Proteger a ria equivale a salvaguardar a
sustentabilidade dos recursos da pesca. Ela é
uma maternidade indispensável para uma
multidão de peixes de valor comercial, sejam
eles sedentários ou migradores.
A apanha de moluscos e crustáceos é uma
actividade tradicional e importante para a região,
assim como a pesca e salinicultura.
Dentro do Parque há ainda mata, dominada
por pinhal, e vegetação ribeirinha, tão especial
no quadro da diversidade biológica.
Percurso pedestre
Agora vamos a pé. De tarde o calor recrudesce,
mas a mata de pinheiro-manso do percurso
pedestre do Centro de Educação Ambiental
de Marim oferece alguma sombra.
O matagal mediterrânico nativo há muito
que foi substituído por pinhal, de permeio
com medronheiro e tojo, urzes e plantas
aromáticas como rosmaninho e tomilho.
O ex-líbris deste Parque Natural é a galinhasultana ou caimão, que se reproduz em pauis.
Mas há nesta região algarvia um réptil que,
com alguma sorte e vista apurada, é possível
ver. Mais nenhum outro parque português se
pode orgulhar de possuir uma espécie de
camaleão!
O reduto nacional de cágado-de-carapaça-
estriada mais bem sucedido também está
aqui localizado, no Ludo.
Os anfíbios englobam a rã-de-focinhopontiagudo e o sapo-parteiro-ibérico.
Há uma espécie de palmeira nativa do nosso
país: a palmeira-anã. À medida que se
caminha, passa-se por várias.
Um ninho de cegonhas-brancas ainda em
pleno uso atrai a atenção, até que deparamos
com o Canil da Ria Formosa. Situado na sede
do Parque Natural, foi uma iniciativa de Carla
Peralta tomada em 89 «para não deixar cair
no esquecimento esta raça autóctone, o
cão-de-água português», afirma.
Três cães de pêlo preto, muito macio ao toque,
saltam, deitam-se, estão contentes, como se
pressentissem um treino, importante para
que as características deste cão-pescador não
se percam. Carla explica que «é um cão meigo,
vigoroso, resistente, que é utilizado pelas
tripulações dos barcos pesqueiros há nove
séculos».
Além da conservação dos traços característicos
do cão-de-água português, o Canil da Ria
Formosa promove a interacção com crianças
necessitadas tanto do ponto de vista
económico como físico.
O autor do livro «Os pescadores», Raul Brandão,
menciona esta raça: «Tripulavam-no 25
homens e dois cães, que ganhavam tanto
quanto os homens. E mereciam-no. Era uma
raça de bichos peludos, atentos um a cada
bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe
ao alar da linha, saltava o cão no mar e ia
agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na
boca para bordo». Não só é nadador exímio,
o cão-de-água, como sabe mergulhar.
Perto andam pegas-azuis, da mata para o
caminho de terra batida, cor ocre de saibro,
num vaivém imparável.
O caminho segue até que uma carrinha
pára junto do Centro de Recuperação de
Aves. A porta abre-se e reconheço um
entrevistado de há 15 anos: Daniel Santos,
o coração e o cérebro do trabalho de
reabilitação deste centro, a aguardar obras,
e excluído do circuito de visitas para evitar
a perturbação das aves recuperáveis para
libertação na natureza.
Ao corrente da reportagem, entre o transporte
de alimento para rapinas que urge pôr a
descongelar, proporciona uma breve
Moinho de marés
Palmeiras-anãs... nativas
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 37
reportagem
oportunidade de fotografar dois juvenis de
águia-pesqueira em recuperação.
Adiante há um exemplo do tradicional pomar de
sequeiro, gizado ao sabor do clima mediterrânico.
Vários observatórios de aves limícolas estão para
diante. Vêem-se perna-longas, borrelhos, pilritos
e muitas outras espécies, apesar da época baixa
se comparada com o Outono e o Inverno.
Mais à frente, um moinho de maré. Dotado de
seis mós, este foi o último a sair de uma época
áurea em que havia lugar para cerca de 30, só na
ria Formosa, tendo deixado de laborar em 1970.
Recorrendo à energia do mar, os antigos souberam
aproveitar a diferença do nível das águas entre
a maré alta e a maré baixa para moerem os cereais.
O registo mais recuado que se encontrou em
Portugal de um destes engenhos data do século
XIII, em Castro Marim. Demoraram três séculos a
tornarem-se comuns no nosso litoral, até que as
moagens mecânicas os levaram quase à extinção,
tal qual ocorreu com azenhas e moinhos de vento.
Neste percurso, ao longo de cerca de três
quilómetros, pode ver zonas de sapal, salinas,
dunas, pinhal, charcos de água doce e agricultura
tradicional.
O Centro de Interpretação está equipado com
auditório, centro de documentação e outros
equipamentos vocacionados para actividades de
educação ambiental.
Este Parque Natural tem uma barca recuperada
de transporte de atum que pode ser utilizada para
percursos na ria, levando grupos inscritos na
ordem das 28 pessoas.
Uma vez visitada esta área protegida, sabe sempre
bem voltar.
Texto: Jorge Gomes
Fotos: Henrique N. Alves e Jorge Gomes
Nenhum outro parque português se pode orgulhar de possuir
uma espécie de camaleão
FEIRA DE PARQUES
Olhão, no Algarve, acolheu de 26 a 29 de Julho
a sua Feira de Parques Naturais e de Ambiente
Organizada pelo Município de Olhão em associação estratégica com o
Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, esta Feira
inseriu-se nas comemorações do Dia Nacional da Conservação da
Natureza, festejado em 28 de Julho.
Montados os stands no Jardim do Pescador Olhanense, segundo os
organizadores, a Feira de Parques Naturais e Ambiente é uma plataforma
vocacionada para a discussão de projectos ambientais e apresentação
de produtos e serviços desenvolvidos pelas áreas protegidas, agentes
económicos e entidades ligadas à conservação da natureza, ao ecoturismo,
à ciência e ao ambiente».
Decorrendo este ano a segunda edição, houve a intenção de focar os
temas da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável e introduzir
o debate sobre as implicações das alterações climáticas na gestão das
áreas protegidas.
O evento reuniu as áreas protegidas portuguesas, representações de
parques naturais e áreas protegidas estrangeiras e algumas das mais
destacadas organizações que actuam no sentido do Desenvolvimento
Sustentável e da Defesa do Ambiente, tendo o Parque Biológico de Gaia
estado presente com um stand.
38 | PARQUE E VIDA SELVAGEM
PARA CONHECER MELHOR
O Parque Natural da Ria
Formosa é gerido pelo Instituto
da Conservação da Natureza e
da Biodiversidade.
Aqui ficam os contactos:
Parque Natural da Ria Formosa
Centro de Educação Ambiental
de Marim
Quelfes
8700 OLHÃO
Tel.: 289700210 - Fax: 289700219
E-mail: [email protected]
Site: http://portal.icnb.pt
Feira de Parques Naturais e de Ambiente, em Olhão
cartoon
clip
Algas marinhas ou alfaces do mar?
João Luís Teixeira
As algas marinhas que muitas vezes
são tomadas como indesejados
visitantes que nos chegam aos pés
quando aproveitamos as ondas do
mar deveriam ser pensadas como
alternativas alimentares. Da mesma
forma que fomos introduzindo novos
alimentos na nossa dieta, hoje em
dia, as algas comestíveis mostram um
vasto leque de recursos que podem
ser utilizados.
A ideia que as algas têm um valor
meramente alimentício no Oriente está
já ultrapassada em Portugal através das
dietas macrobióticas, e na alimentação
diária de comunidades costeiras dos
Açores. O seu elevado valor nutritivo
aliado às baixas calorias são apenas
alguns factores a considerar para maximizar este recurso tão pouco utilizado
na nossa alimentação.
São ricas em iodo, mineral essencial ao bom funcionamento metabólico e
da tiróide. Outros minerais que normalmente se encontram nas algas são
o ferro, o cobre, o magnésio, o potássio, o cálcio e o zinco. Para além disto,
a grande quantidade de vitaminas A, C, E, e B12 presentes são úteis na
activação das defesas do organismo, limpeza de toxinas e no fortalecimento
dos ossos, cabelos e unhas.
Se até aqui ficou com curiosidade em conhecer estes organismos, fique a
saber que na costa atlântica abundam
algas com nomes convidativos a
serem introduzidos numa salada,
omoletas ou até mesmo recheio de
empadas para sabores contrastantes
e novos. Assim temos: Esparguetedo-mar (Himanthalia elongata),
Kombu (Saccarina japonica), Dulse
(Palmaria palmata), Wakame
(Undaria pinnatifida) Nori (Porphyra
yezoensis), e a mais conhecida Agaragar. O agar é uma substância
gelatinosa que pode ser retirada de
algumas algas vermelhas que
abundam na nossa costa. Hoje a sua
utilização está actualmente aplicada
na biologia, medicina e cosmética.
As algas podem também ser
aproveitadas na indústria como fontes de alginatos mais concretamente
na indústria alimentar para dar consistência a gelados, agente espessante
e emulsionante de molhos e sopas.
Convém não esquecer que as algas marinhas são também em grande parte
responsáveis pela renovação de oxigénio no planeta através da fotossíntese,
têm destacada acção na purificação das águas, pelo desprendimento de
oxigénio que oxida as impurezas.
Por Sara Pereira, bióloga
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 39
Porto d’Abrigo
No Algarve, o Zoomarine tem em funcionamento um centro de reabilitação
de fauna selvagem. Neste abrigo, convertido em hospital, tudo é feito com
muita cabeça para que, por fim, ocorra um final feliz…
A água voa e salpica o rosto de mestre Simão.
As rugas deste pescador algarvio falam de um
labor antigo sob a luz do sol num chão de mar.
Nesta manhã, o vento só de vez em quando
volta para lhe provocar a pele morena e a praia
é uma linha difusa no limite do horizonte
saturado de luz.
O ruído do barco está presente, mas já não se
ouve. O operário do oceano vai em busca de
uma rede ali deixada no fito de capturar pescado.
As bóias cor-de-tijolo sinalizam-na no azul
ondulado do tecto marinho. Nesta rotina já os
seus ancestrais andavam, assim que urdiram nos
milénios a relação de talento que unia homens
e natureza.
Não vai longe o tempo em que uma tartaruga
nas redes significava uma mesa mais rica no lar
erguido em solo firme.
As mãos já puxam a rede para o barco quando,
metros adiante, uma forma invulgar lhe chama
a atenção. Abeira-se: é uma tartaruga marinha!
Agitada, debate-se no esforço de nadar sem
peias.
A memória cintila: vira na televisão um destes
répteis em dificuldades por engolir água, era-lhe
difícil respirar, podia até soçobrar. Preocupa-se.
Sabe que o Zoomarine trata estes animais. Recolhe
com cuidado a pesada tartaruga e, sem querer,
olha os seus olhos grandes, escuros como o mar
profundo — não tem dúvidas, a faina vai parar.
Transporta o réptil até à Guia, ao Porto d’ Abrigo,
no Zoomarine, e explica a sua preocupação. Uma
ficha regista a entrega do animal e os técnicos
da empresa arregaçam as mangas para construir
mais um final feliz, no caso, com a libertação
posterior no alto mar.
Quem relata o facto é Élio Vicente, biólogo e
director científico do Zoomarine. Depois diz:
«Casos destes comprovam a importância de levar
informação aos meios de comunicação social».
Salvar uma ou outra tartaruga «não resolve o
Élio Vicente, biólogo, é director
científico e pedagógico do Zoomarine
40 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Recolha de sangue de
uma tartaruga marinha
problema de sobrevivência da espécie, mas deixa
um alerta educativo que só por incúria pode
deixar de se realizar».
O Porto d’ Abrigo é estanque, mas bastante
transparente. Se por um lado ninguém ali entra
— nem funcionários da empresa — a não ser por
estritas razões de serviço, uma parede de vidro
mostra aos visitantes o labor interno, sem devassar
o sossego dos animais em recuperação, uma
parte do que ali se faz. Depois, cá fora, há um
inventário com placas que identificam cada
animal, lhe dão um nome, explicam onde foi
recolhido e porquê, e quais os passos da sua
recuperação.
A tartaruga marinha Caretta caretta chamada
Bruma ainda tem ali à vista a sua placa: «arrojada
na Ria Formosa» em 4 de Fevereiro de 2004,
mostra o seu peso, a condição clínica durante o
tratamento, e em 14 de Abril do mesmo ano é
libertada «a 15 milhas náuticas a sul de Portimão».
«Nós queremos que as pessoas percebam que os
animais que dão à costa doentes, feridos, exaustos
ou desorientados podem ser aqui ajudados. É
educacional», afirma Élio Vicente. Porém, «nunca
ficamos com nenhum destes animais: ou são
libertados ou entregues dentro de uma total
legalidade a instituições que desenvolvem
actividades de educação ambiental».
Nesta altura, há uma tartaruga marinha especial:
uma que esteve cerca de 30 anos exposta no
Aquário Vasco da Gama. Em fase final de
reabilitação, será libertada dando boleia a um
dispositivo localizador. Será possível depois saber
qual a sua deslocação no oceano, e até o êxito
em matéria de sobrevivência.
Quando estão em condições de regressar à
natureza, o «Porto d’ Abrigo conta com a ajuda
do Instituto de Socorros a Náufragos», e é nas
suas corvetas que transportam e largam os
animais «a uma dúzia de milhas da costa,
normalmente a sudoeste do cabo de S. Vicente».
Direitos reservados
Zoomarine, in Albufeira – The Algarve holds the
only Rehabilitation Centre for Marine Species
in Portugal – Porto d'Abrigo do Zoomarine. This
is a place where ill, injured or simply disoriented
animals (either marine or aquatic) receive medical
attention, after stranding or being confiscated
by the national authorities. Once the rescue and
rehabilitation are complete, they are released
back into the wild. The main objective is not to
save every endangered species, but to provide
care to each individual in need and, specially,
to publicly reinforce the importance of helping
wild animals whenever possible.
In this shelter, animals are housed and treated
in a protected environment — they are totally
isolated from the park's visitors, so that they
can recover in a quiet environment and, also,
to avoid that they get used to the presence of
humans, which could jeopardize their survival
upon release. A devolution to the wild will
happen whenever Zoomarine's professionals
consider each individual fit to survive alone.
These actions regularly count with the help of
several entities, like the Portuguese Navy, the
Institute for the Conservation of Nature and
Biodiversity, among others.
Countless animals have been helped by this
rehabilitation centre, ranging from sea turtles,
dolphins, river otters, seals and tortoises. In some
cases, the release process can be tricky (especially
with seals), but most of them are returned to
the wild in Portugal and without much trouble.
Returning rehabilitated seals back into the wild
can, sometimes, be a dilemma and a challenge,
as all the species which strand in the Portuguese
continental coast do not have distribution in
our country. Some of these animals come from
countries far away, like England, Canada or
Island.
Some of the animals in rehabilitation were
confiscated from people that were holding them
illegally - like a couple of river otters which
where only a few days old, and which were also
some of the first animals to be taken in by the
shelter.
But even after the release of these stranded
animals, there is still danger associated with
human activity: plastic bags that are mistaken,
by sea turtles, for jellyfish, or the fishing nets
that trap (air breathing) animals, thus
contributing to their drowning (for not allowing
then to surface to breathe).
Foto: JG
Rehabilitation of marine species
reportagem
H
d
HNA
Uma pequena lontra
que regressará ao meio selvagem
recebe a dose prevista de vitaminas
Foto: JG
Piscinas
reabilitadoras com
sistema de
refrigeração
AO VISITAR
Horário
10h00-18h00
Grupos
Contactar: Zoomarine
Estrada Nacional 125, Km 65
Guia
8201-864 Albufeira
Telefone: 289 560 311
Fax: 289 560 309
Mais informação:
http://www.zoomarine.pt
http://zoomarine.blogdrive.com
Texto: Jorge Gomes
Colheita de sangue
num golfinho
Direitos reservados
Há que desinfectar a lesão
desta foca-de-crista
Outros mamíferos aquáticos que têm sido
ajudados são as focas-de-crista: «Durante cerca
de cinco anos não aparece nenhuma, mas depois
há uma enchente de focas-de-crista a darem à
costa, inclusive em Portugal». Vindas «da
Gronelândia, o ano passado foram sete».
Por exemplo, uma delas apareceu numa praia
perto de Sagres, outra na Nazaré, em más
condições de saúde.
Estes animais, depois de reabilitados, seguiram
para uma zona de águas mais frias, na costa
escocesa.
As focas que aparecem «são geralmente as que
vêm ou do canal da Mancha ou da Islândia. O
que fazemos é que — como é pouco provável
que consigam nadar até lá, como as nossas
águas são muito quentes e mais uma vez temos
as redes —, ou as transportamos até à Holanda
e depois eles de helicóptero levam os animais
para o Mar do Norte, no que eles chamam a
zona J», ou vão «para Inglaterra e eles lá têm
vários centros de reabilitação». Além disso, «como
existem focas-cinzentas e focas-comuns na
costa inglesa, são ali reintroduzidas».
E os golfinhos reabilitados, por exemplo, como
são devolvidos ao seu habitat?
«Há claras diferenças entre mamíferos e
répteis: estes são fáceis de devolver ao mar
porque têm ecologias e etologias solitárias
— ou seja, não dependem em nada de outros
espécimes — mas são, clinicamente, mais
demorados, em termos metabólicos, a
reabilitar». Por outro lado, «os mamíferos
são mais fáceis de reabilitar — possuem
fisiologias e metabolismos mais próximos
dos dos humanos, podendo beneficiar mais
rápida e eficazmente da nossa farmacologia
— mas mais difíceis de devolver, pois
frequentemente dependem/precisam de uma
estrutura social e necessitam de ser bem
(re)integrados num contexto de grupo, o
que raramente é fácil», conclui Élio Vicente.
Nada impediria que o Zoomarine, como
empresa privada que é, apenas se preocupasse
com o lucro. Mas não: o Porto d’ Abrigo dá
despesa, claro, mas contribui em educação
ambiental e dá frutos no circuito da
conservação da natureza.
Direitos reservados
Direitos reservados
Ou seja, «tiramo-las das rotas dos pescadores,
soltamo-las em alto mar, onde elas rapidamente
podem apanhar as grandes correntes oceânicas
e seguirem a sua viagem normal».
Mas nem só de grandes quelónios se fazem as
histórias de trabalho deste centro de reabilitação
de espécies marinhas. Os pequenos cágados da
fauna ibérica, de água doce, não recebem
menores cuidados: «Por vezes chegam-nos com
órgãos esmagados, com infecções ou até ossos
partidos». Dentro do possível, são recuperados.
Entre as «duas espécies — o cágado-comum e
o cágado-de-carapaça-estriada —, este último
está em minoria», já que, pouco abundante,
«representa cerca de 20% de recolhas face aos
80% da espécie mais habitual».
O ano passado, 13 foram reintroduzidos na
Lagoa dos Salgados, em Vilamoura: «Seguimos
a política do Instituto de Conservação da
Natureza e da Biodiversidade (ICNB), segundo
a qual haveria contaminação genética se estes
espécimes fossem libertados junto de populações
selvagens. Há biólogos que consideram isso
errado, outros acham que está certo. A nós
compete-nos seguir apenas a política do ICNB».
Voltando ao mar, o ser humano deixa perigos
à solta. Entre mamíferos ou répteis marinhos,
quem se safará melhor?
São redes atiradas à deriva que tolhem animais
com pulmões de vir à superfície respirar, plásticos
que se confundem com as alforrecas de que se
alimentam as tartarugas marinhas. Além disso,
nas praias de nidificação há um litoral
excessivamente iluminado de noite, que perturba
as crias e, em vez de apontarem o mar, perdeas em plena urbanização. Segundo Élio Vicente,
«os répteis são mais solitários, não dependem
da educação do grupo e de um lugar no mesmo».
Por outro lado, «os cetáceos — como os golfinhos
— são animais muito sociais, a sua capacidade
imunitária é menor do que a nossa».
O Porto d’ Abrigo começa a funcionar em
Setembro de 2002, em cooperação com o ICNB.
Élio fala dos primeiros animais: «Recordo-me
de duas lontras bebés que o então presidente
do ICNB, Carlos Guerra, fez chegar cá». Um
vigilante da natureza, da Reserva Natural de
Castro Marim, tinha-as confiscado a um café.
«Chegaram aqui perto da meia-noite e ficaram
um ano e tal», diz.
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 41
actualidade
JG
Garças-brancas-pequenas voam em Salreu
Negócios e biodiversidade
A ideia de que a actividade empresarial é incompatível com a
conservação da natureza está a ser contrariada pela União Europeia,
através de uma proposta que designam por «B&B EU Initiative»
A União Europeia está a estimular as empresas no sentido de se interessarem
pela defesa da diversidade biológica: «A iniciativa materializa-se num processo
que implica a adesão a um conjunto de princípios a que se segue a adopção
de uma metodologia que visa a progressiva integração da biodiversidade
na gestão das empresas», afirma-se.
Como objectivo principal surge a necessidade de «introduzir a biodiversidade
nos sistemas de governação das empresas de forma pró-activa, contribuindo
para aumentar o valor económico destas e para alcançar o objectivo europeu
Parar a perda de biodiversidade até 2010».
Assim, importa «desenvolver um quadro de princípios aplicáveis por qualquer
empresa na UE (grande ou pequena e média empresa), a nível global, regional
e nacional, que tenham em conta o seu relacionamento com a biodiversidade,
seja este concretizado na UE ou em países terceiros».
Tem-se no fundo em vista a criação «de uma plataforma na UE onde as
empresas, as organizações não governamentais e outros irão interagir e
promover um campo comum para o desenvolvimento de parcerias a nível
local».
Quanto à metodologia, ela estrutura-se «numa avaliação do impacto da
empresa sobre a biodiversidade». Um «plano de acção para a biodiversidade
é criado» e dele «resultam parcerias concretas com organizações ligadas
à biodiversidade, visando a criação de projectos conjuntos com impactos
positivos nesta área».
O início da parceria entre os agentes envolvidos no processo de defesa
da diversidade biológica «dá-se com a produção de um documento
formal da empresa que explicite publicamente a história e a política da
empresa para a biodiversidade e de um acordo entre as partes envolvidas
na parceria formalizando o compromisso assumido, os princípios em
que assenta, o referencial de partida da empresa, os objectivos prosseguidos
por cada um dos parceiros da parceria, o programa de acção, os resultados
a obter, o cronograma a cumprir e os seus marcos intermédios de
execução, as componentes financeiras da parceria e o modelo da sua
gestão».
No fundo, «cada empresa desenhará um plano de acção onde procura
potenciar os efeitos positivos da sua actividade, minimizar os efeitos
negativos e compensar os que não sejam possíveis evitar no quadro da
gestão da empresa».
Por isso, pretende a EU, oficialmente, que as empresas, a sociedade civil
e as autoridades públicas juntem esforços em defesa da natureza.
breves
CONSERVAÇÃO E GESTÃO
DE ZONAS HÚMIDAS
Irá ocorrer «nos dias 12 e 13 de Outubro o 1.º Seminário sobre a Conservação
e Gestão de Zonas Húmidas», diz César Capinha, da associação PATO, de Tornada,
Caldas da Rainha.
Este seminário irá ter lugar na cidade de Peniche, onde «serão abordadas
temáticas como o enquadramento internacional destas áreas, sistemas fluviais,
litoral e zonas de estuário, ordenamento e gestão, lagoas temporárias e pauis
e alterações climáticas». Integrado neste evento encontra-se também «o 3.º
Seminário sobre sistemas lagunares costeiros».
O certame contará com algumas personalidades nacionais no contexto destas
temáticas, existindo também diversas representações internacionais.
Para obter mais informação acerca do evento pode consultar: www.pato.online.pt
| www.icn.pt | www.geota.pt
42 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
JG
Salgadeiras, serra da Estrela
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 7
Gripe das aves... domésticas
Com as costas largas, as aves selvagens
passaram por ser as más da fita, até que,
recentemente, a ONU vem explicar por que razão
se sabe agora que a chamada gripe das aves
(vírus H5N1) está confinada a animais
domésticos...
Foto: João L. Teixeira
Tailândia, os especialistas recomendam aos
governos que foquem os seus recursos nas aves
domésticas, sem descurarem a vigilância às aves
selvagens.
Independentemente de este vírus ainda ser de
difícil transmissão ao ser humano os cientistas
temem uma mutação que o torne de fácil
contágio de modo a disparar a tal pandemia.
Neste momento, mais certo é o resultado destes
testes num tão grande número de aves, que leva
as Nações Unidas a reter a evidência de que a
gripe das aves está circunscrita a animais
domésticos.
AVIAN FLU
Em Agosto de 2005, quando o Parque Biológico
de Gaia construiu o seu Plano de Contingência
da Gripe Aviária, sublinhou esta convicção.
Agora, as Nações Unidas dão razão com o respaldo
dos inúmeros testes que decorreram entre 2005
e o corrente ano: «Entre 300 mil e 350 mil aves
selvagens foram testadas para o vírus da gripe
das aves. Não foi encontrado em nenhuma»,
afirmou Scott Newman, nada mais nada menos
do que o coordenador internacional do programa
de Alimentação e Agricultura da ONU.
A migração das aves selvagens no Outono para
África onde poderiam contactar com outras
migradoras do Médio Oriente e o seu regresso à
Europa na Primavera para nidificação
preocuparam os cientistas quanto à possibilidade
de contágio e de propagação da dita gripe.
Este vírus aniquilou 199 pessoas e levou a que
fossem abatidos 200 milhões de aves, isto contado
desde há quatro anos.
Um denominador comum entre as vítimas
humanas prende-se com o facto de todas terem
tido contacto com aves infectadas.
Contudo, os testes negativos não servem de
desculpa para se excluir as aves selvagens como
fontes de transmissão do vírus.
Os especialistas propõem uma maior coordenação
da vigilância deste vírus, uma vez que foi já
detectado em animais isolados de 90 espécies
diferentes.
Numa reunião que decorreu em Setembro na
As aves aquáticas migradoras passaram
por ser o gatilho que despoletaria uma
pandemia terrível que não chegou a ocorrer
The avian flu, killer of 199 people and 200 million
birds, was feared as a potential pandemic
because of the migratory birds, who were
thought to carry it from land to land during
migration, spreading it worldwide.
Only it didn't happen, and recent studies
concluded that the virus isn't found naturally
on wild birds, but on the domestic ones. Wild
birds can only get infected when they come in
contact with domestic birds. So, it is important
to pay attention to our own birds, to reduce the
risk of the outbreaking of the pandemic.
CORVO E GRACIOSA: RESERVAS DA BIOSFERA
A Ilha do Corvo e a Ilha Graciosa passaram a fazer parte da Rede Mundial
de Reservas da Biosfera da UNESCO por decisão do Bureau do Conselho
Internacional de Coordenação do Programa MAB (O Homem e a Biosfera),
que reuniu de 18 a 20 de Setembro, na sede da UNESCO, em Paris, para
deliberação sobre 23 novos sítios classificados como Reservas da Biosfera,
apresentados por 18 países, entre os quais Portugal.
O Programa MAB foi lançado em 1970, com vista a melhorar, a nível mundial
as relações entre as populações e o ambiente. Tem por principais objectivos
reduzir a perda da biodiversidade através de novas abordagens ecológicas,
sociais e económicas.
A Rede de Reservas da Biosfera promove uma ampla troca de conhecimentos,
nas áreas da investigação, educação, formação e vigilância.
O conceito de Reserva da Biosfera foi desenvolvido em 1974 e foi
consideravelmente revisto em 1995, com a adopção por parte da Conferência
Geral da UNESCO do Quadro Estatutário e da Estratégia de Sevilha para as
Reservas da Biosfera.
Hoje em dia, com 503 sítios em mais de 100 países, a Rede oferece uma
oportunidade única para testar, em contextos particulares, estudos aliados
a conhecimentos científicos e modalidades de gestão que visem reduzir a
perda da biodiversidade, melhorar os meios de subsistência das populações,
favorecer as condições sociais, económicas e culturais essenciais à viabilidade
de um Desenvolvimento Sustentável e, ainda, contribuir para os Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio.
Mais: Comissão Nacional da UNESCO - Portuguese Commission for UNESCO
- Rua Latino Coelho, N.º 1
Edifício Aviz, Bloco A1 - 10.º - 1050-132 LISBOA
PORTUGAL - www.unesco.pt
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 43
colectivismo
Núcleo Português de Estudo e Protecção
da Vida Selvagem volta a Gaia
33 anos depois da sua fundação
Em 1973 uma dúzia de estudiosos das
questões de Natureza, que se conheciam
da Sociedade Portuguesa de Ornitologia,
que o Prof. Joaquim Rodrigues dos Santos
Júnior fundara em 1964, pretendeu intervir
na conservação e lançou o “Clube dos
Amigos da Natureza”, que não teria
desenvolvimento pelas dificuldades então
criadas à constituição de associações e pela
emergência do 25 de Abril.
Reposta a liberdade de associação, em 1974, o
projecto NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e
Protecção da Vida Selvagem) nasceu em Vila
Nova de Gaia, numa noite de Agosto desse ano,
e em 18/12/1974 seria formalmente constituído
como associação, em escritura assinada por Nuno
Magalhães, António Teixeira de Magalhães, Nuno
Gomes Oliveira, Pedro Fonseca de Almeida, Rui
Albuquerque Rodrigues, António Correia dos Reis,
João Mariares de Vasconcelos, Fortunato Silva e
Francisco Figueiredo.
Logo em 29/01/1975 encalha junto ao Castelo
do Queijo o petroleiro Jacob Maersk: cerca de 40
a 50.000 toneladas de crude arderam e 25.000
t foram libertadas no mar. O NPEPVS vê-se
confrontado com necessidade de fazer uma
operação, para a qual não estava minimamente
preparado, de resgate de dezenas de aves
marinhas; é a primeira operação deste tipo em
Portugal.
Os estatutos do NPEPVS são publicados no “Diário
da República” de 07/02/75, fixando, assim, os
objectivos da associação: promover ou apoiar
estudos sobre fauna e flora, realizar campanhas
junto do público no sentido da protecção da
Natureza, em especial da fauna e da flora e
interceder junto das entidades oficiais e apoiálas, no sentido da protecção da Natureza, em
especial da fauna e da flora.
Em 5 de Junho de 1975 é, pela primeira vez,
comemorado em Portugal o Dia Mundial do
Ambiente; no Porto as acções foram organizadas
pelo NPEPVS em colaboração com a Comissão
Nacional do Ambiente e do Parque Nacional da
Peneda-Gerês.
De 23 a 25/04/1977, o NPEPVS promove o 1.º
Congresso Nacional de Ornitologia, que teve lugar
na Fundação Engº. António de Almeida, no Porto,
e contou com o patrocínio da Mobil Portuguesa,
na que seria uma das primeiras acções de
Mecenato Ambiental em Portugal.
Nesse ano é criada a Delegação de Bragança,
dirigida por António Teixeira Vilela e continuam
os trabalhos com vista à criação da Reserva
Natural das Dunas de S. Jacinto, área que já é
usada pelo NPEPVS para realização de visitas de
estudo, anilhagem de aves e experiências com
ninhos artificiais.
Em colaboração com a Liga para a Protecção da
44 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Natureza, o NPEPVS promove o I Encontro sobre
Desenvolvimento Económico e Conservação do
Ambiente, que decorreu na Faculdade de
Engenharia do Porto, em Abril de 1978, e onde
pela primeira vez em Portugal se discutiu
desenvolvimento económico e conservação.
Em 1979, no seguimento da proposta do NPEPVS,
é criada a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto,
ficando a associação representada na sua Comissão
Científica.
Em 1980 o NPEPVS participa na campanha
nacional “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata”,
com a Liga para a Protecção da Natureza, o
Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património
Paisagístico e a Direcção-Geral de Ordenamento
e Gestão Florestal, campanha que viria dar lugar
à criação da Reserva Natural da Serra da Malcata.
Em 1981 o NPEPVS prepara a exposição “O Mar
deve Viver”, patrocinada pelo então FAOJ (actual
Instituto da Juventude).
Em 1982 é constituída a Delegação dos Açores,
dirigida pelo Eng.º Duarte Soares Furtado, e que
chegou a ter 220 associados.
Em 1083, por Despacho do Primeiro-ministro, o
NPEPVS é declarado associação de Utilidade
Pública («Diário da República», II Série, nº 18, de
22/01/1983)
Em 18/02/83 a Direcção do NPEPVS aprova a
proposta de criação de um “Parque Biológico”, e
em 20 de Março de 1983 iniciaram-se os trabalhos
para a sua construção em Vila Nova de Gaia.
Nesse ano, um dos últimos de grande actividade
da associação, inicia-se a instalação do Centro
de Conservação da Natureza de Cércio (Miranda
do Douro), são entregues à Secretaria de Estado
do Ambiente as propostas de criação da Reserva
Natural da Barrinha de Esmoriz e da Reserva
Natural da Paul de Arzila.
Em Janeiro de 1983 sai o 1.º Boletim Informativo
“Vida Selvagem” e em Outubro é publicado o
relatório “Litoral de Gaia – Situação Ambiental
e medidas de recuperação”.
De 18/04 a 1/05/1984 o NPEPVS promove as I
Jornadas Nacionais sobre Estudo e Conservação
da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais, que
tiveram lugar no Porto, onde, entre outras, são
apresentadas pela associação a proposta de
recuperação de Reserva Ornitológica do Mindelo
e o Projecto de Reserva Natural das Serras de
Santa Justa, Pias e Castiçal que haviam, já, sido
entregues à Secretaria de Estado do Ambiente.
Numa iniciativa inédita em Portugal, o NPEPVS
promove em 1984 uma venda de pinheiros de
Natal mondados pelos Serviços Florestais, de
modo a evitar o habitual abate indiscriminado
de árvores nesta altura do ano.
Nesse ano é recuperado um Falcão-peregrino,
restituído à liberdade na Senhora do Salto
(Paredes), em 5 de Agosto, com a anilha n.º M
1951, do CEMPA, e é entregue à Secretaria de
Estado do Ambiente a proposta de alargamento
da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto à Ria
de Aveiro e uma proposta de criação do Parque
Natural do Douro Internacional.
O NPEPVS adere à UICN (União Internacional
para a Conservação da Natureza) e, em
31/12/1984, tinha 1.100 sócios.
De 26 a 28/04/1985 decorrem, em Bragança, as
I Jornadas Regionais de Conservação da Natureza
e Defesa do Ambiente, promovidas pelo NPEPVS.
Em 10/09/85 a Direcção do NPEPVS delibera ceder
o projecto “Parque Biológico” à Câmara Municipal
de Vila Nova de Gaia e em 6/06/1987 a Assembleia
Geral, reunida em Bragança, decide mudar a sede
do NPEPVS para aquela cidade.
Depois disso, e muito por causa da criação do
Parque Biológico de Gaia, o NPEPVS caiu na
inactividade, fenómeno comum a muitas
associações que não criaram projectos
permanentes. No entanto, era pena perder esta
rica história, marcante no movimento de
conservação em Portugal, pelo que alguns
sócios tomaram em mãos, em 2007, a
reactivação da associação, o que se viria a
concretizar em Assembleia Geral reunida
12/05/2007, no Parque Biológico de Gaia, que
decide refundar o NPEPVS e elege os Corpos
Gerentes para 2007/2009.
Presentemente está-se a proceder aos aspectos
organizativos e burocráticos de relançamento da
Associação mas já se começou a intervir, com um
primeiro comunicado de imprensa, publicado em
03/09/2007 e intitulado “Isto não é verdade:
“Ratos terão sido introduzidos para alimentar
aves protegidas”.
A próxima iniciativa de maior vulto será a
organização, de 2 a 5 de Fevereiro de 2008, do
II Seminário REGIÃO DO PORTO: ÁREAS NATURAIS
PARA O SÉC. XXI, seis anos depois da realização
de um primeiro seminário sobre o mesmo tema,
promovido por um conjunto de personalidades
do Porto.
Neste seminário pretende-se, mais uma vez,
alertar para o estado de abandono em que
continuam a Serra de Santa Justa, a Reserva
Ornitológica de Mindelo, a Barrinha de Esmoriz
e outras áreas naturais e seminaturais da Região
do Porto e apelar para que o próximo Quadro
Comunitário de Apoio (QREN 2007-2013) consagre
as verbas necessárias à recuperação e salvaguarda
destes espaços.
Entretanto o NPEPVS continua a ter as instalações
próprias da Delegação de Bragança, e celebrou
um protocolo com o Parque Biológico de Gaia,
que permite à associação, numa fase transitória,
ter a sua sede nacional anexa a este equipamento
do Município de Gaia.
Texto: Nuno Gomes Oliveira
Informações e inscrições: [email protected]
Brevemente disponíveis em www.vidaselvagem.pt
colectivismo
Indicador europeu
Amigos do Parque
O Centro de Conservação de Borboletas de Portugal (TAGIS)
desenvolve no próximo ano o Programa de Monitorização
de Borboletas Diurnas em Portugal
A Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia (AAPBG) proporciona
aos seus sócios encontros mais frequentes
com a natureza
Este programa de investigação
Desertos de informação faunística
permitirá a criação de uma
(Ropalóceros)
rede de locais de amostragem
distribuídos por todo o país.
Todos os anos, em cada local
d e a m o s t ra g e m , o s
observadores do projecto irão
contar as borboletas de Março
a Setembro, num transepto
ou percurso previamente
fixado que representa a
diversidade de habitat dos
locais seleccionados.
Estas contagens de borboletas
diurnas são os primeiros dados
sobre as populações, que
permitirão determinar
tendências ao longo do
tempo, alterações climáticas,
assim como da qualidade do
ambiente.
O trabalho a desenvolver será
integrado na rede europeia
de parceiros, coordenado pelo
Butterfly Conservation
Europe, e consequentemente
contribuirá para a construção
de um Indicador Europeu,
uma das mais importantes
iniciativas de monitorização da diversidade com vista ao objectivo de
diminuição da perda de biodiversidade até 2010 definido pela União
Europeia.
Há um facto que é também oportuno frisar: os chamados Desertos de
Informação faunística (DIF). O TAGIS está a promover a erradicação dos
desertos em Portugal...
Dividimos o território português em quadrículas UTM de 10 x 10 km.
As observações de borboletas são inseridas na base faunística do TAGIS
com a indicação da quadrícula UTM correspondente. Das mais de 10 mil
quadrículas correspondentes ao nosso país falta-nos apenas cobrir os
pontos verdes que surgem no mapa.
Os leitores podem participar: como em todas as actividades desta associação,
há espaço para a participação de todas as pessoas interessadas em contribuir
para a conservação da diversidade da fauna portuguesa.
Neste caso, convém inscrever-se na lista de colaboradores do TAGIS,
enviando os dados das suas observações de borboletas.
Além disso, em Lisboa, os interessados podem visitar o LAGARTAGIS, a
primeira estufa de criação de borboletas comuns da fauna portuguesa,
aberta todos os dias (incluindo domingos e feriados) das 10h00 às 18h00.
Nas visitas guiadas e nos ateliers pedagógicos tem de haver marcação
prévia: Tel.: 213965388 - E-mail: [email protected]
Pode ainda conhecer a exposição interactiva «Borboletas através do tempo»,
no Museu Nacional de História Natural.
O percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia é o exlíbris desta empresa municipal.
Contudo, há uma série de actividades que ao longo do ano vão de encontro
ao gosto dos visitantes.
É o caso, nesta época, das vindimas (29 de Setembro), da desfolhada do
milho animada por um rancho (6 de Outubro) e do magusto (10 de Novembro).
Embora os dias fiquem mais pequenos e o anoitecer já traga frio, colher as
castanhas que os ouriços encobrem com tantos espinhos e no fogo aceso
na eira comê-las já assadas, revigora, num rito anual repetido há muitos
séculos.
Para os mais pequenos, saltar a fogueira é um acto mágico, quando se
acham capazes de rir das labaredas nas suas próprias barbas.
Isto e muito mais é acessível aos sócios desta associação, pois recebem
mensalmente a informação em casa, para além de poderem sem bilhete de
entrada almoçar no restaurante Vale do Febros, no próprio Parque, e de
passearem neste percurso onde as folhas caídas revelam aves e esquilos com
maior frequência que nas estações do ano mais quentes.
Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia
Parque Biológico de Gaia
4470-757 AVINTES
Tel. 227878120 - [email protected]
Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal
Museu Bocage – MNHN
Rua da Escola Politécnica, 58 • 1250-102 Lisboa
Tel. + Fax: 21 396 53 88
E-mail: [email protected] • URL: www.tagis.org
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 45
colectivismo
Roquinho
Oceanodroma castro
Foto: Pedro Geraldes
Árvores velhas
“The man of science and of taste will... discover the beauties
in a tree, which the others would condemn for its decay...”
(Humphry Repton, landscape gardener, 1803).
Roquinho: ave 2007!
Portugal é um dos países europeus com maior número de espécies de aves
marinhas. Algumas delas são comuns, como a Pardela (ou Cagarro)
(Calonectris diomedea), outras, como a Freira da Madeira (Pterodroma
madeira) ou o Airo (Uria aalge) encontram-se ameaçadas ou sofreram um
declínio muito forte nos últimos anos. Outras, como o Roquinho
(Oceanodroma castro), são tão difíceis de observar no mar que poderíamos
passar toda uma vida a sua procura. A SPEA não tem apenas como objectivos
proteger e dar a conhecer as aves mais facilmente observáveis ou ameaçadas
de Portugal, mas também as que são raras ou pouco conhecidas, como o
Roquinho, a primeira Ave do Ano escolhida pela SPEA.
O Roquinho, Roque-de-castro ou Alma-de-mestre (segundo é conhecido
no Continente, Madeira ou Açores) é uma espécie migradora que tem uma
distribuição mundial vasta, incluindo os oceanos Atlântico e Pacífico. Em
Portugal ocorre em todas as ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores,
e também nos ilhéus dos Farilhões (Berlengas). É uma ave de aspecto frágil
e delicado, muito leve e de voo rápido e directo, quase colado à superfície
do mar, e daí a sua dificuldade de detecção para os observadores durante
os censos marinhos. O Roquinho apresenta um estatuto de conservação
vulnerável e dependente de gestão, e é uma das espécies estudadas pelo
Programa Marinho da SPEA, que tem como objectivo final estudar a
proteger todas as aves marinhas que ocorrem em Portugal. Com o fim de
melhor investigar a sua biologia, a equipa da SPEA visita as suas colónias
de nidificação em terra.
A Campanha da Ave do Ano 2007 foi lançada oficialmente no dia 8 de
Junho no Oceanário de Lisboa e nessa data foram apresentados os diversos
materiais e acções destinadas a melhorar o conhecimento actual da espécie
e promover a sua conservação. Entre os materiais apresentados estão o
microsite da campanha, T-shirt, poster, autocolante, press-kit para jornalistas
e minifilmes distribuídos na net.
No âmbito desta campanha, para além da produção de materiais, a SPEA
programou para este ano diversas actividades de divulgação, tais como
conferências e saídas de campo, tendo sido já realizadas saídas dirigidas à
população local, jornalistas e sócios da SPEA na ilha do Corvo (Açores) e
nas Desertas (Madeira), em acções integradas no Projecto LIFE IBAs Marinhas
do Programa Marinho da SPEA. A par das acções de divulgação, e também
inseridos neste projecto, continuam os trabalhos de investigação sobre a
reprodução e alimentação do Roquinho, bem como os censos marinhos,
que permitirão conhecer as suas deslocações no mar e identificar as áreas
marinhas importantes (IBAs marinhas) para a nossa Ave do Ano.
Saiba mais sobre a Ave do Ano 2007 em:
http://www.spea.pt/programa_marinho
Texto: Iván Ramírez (coordenador do Programa Marinho da SPEA)
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
Avenida da liberdade, nº 105 - 2º - esq. 1250 - 140 Lisboa
Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 - E-mail: [email protected]
Página da Internet: www.spea.pt
46 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Árvore velha é um termo que, embora algo subjectivo, pretende englobar
árvores que em resultado da sua idade (por comparação com a longevidade
da espécie), dimensões e/ou história de vida, apresentam um elevado
valor ecológico, cultural, paisagístico e educacional.
Na sua identificação são utilizadas diversas características relacionadas
com alterações ao nível das raízes, tronco e ramos, em virtude do processo
de envelhecimento da árvore.
Na realidade estes exemplares são, não só, uma importante parte da
nossa herança histórico-cultural, mas também verdadeiros santuários
de biodiversidade, fornecendo um habitat para numerosas espécies de
fungos, líquenes, insectos, entre outros.
Com efeito, os fungos, responsáveis pelo apodrecimento do lenho, além
de permitirem a reciclagem dos nutrientes, promovem o aparecimento
das condições necessárias à instalação de outras espécies. Alguns líquenes
de crescimento lento apenas são encontrados sobre a casca de árvores
velhas. Centenas de espécies de insectos dependem do lenho apodrecido
das árvores velhas para a sua alimentação.
Portanto, a reabilitação e conservação destes exemplares arbóreos deve
assumir um papel preponderante na arboricultura dos nossos dias.
Texto e foto: SPA
Acumulação de água
Cavidade
Lenho morto
Cavidade
Ramos secos
Raízes aéreas
Escorrimento
de seiva
Casca solta
Fissuramento
da casca
Carpóforos
Plantas epifiticas
Lenho morto
Características utilizadas para identificar uma árvore velha
(adaptado de Veteran Trees: A guide to good management)
Sociedade Portuguesa de Arboricultura
Tel. 227 878 120; Tlm. 934 309 871
[email protected]
Página da Internet: www.sparboricultura.pt
opinião
Edifícios eficientes
Com a recente entrada em vigor de legislação específica sobre o comportamento energético dos edifícios,
é de prever um maior cuidado por parte de promotores e proprietários relativamente aos consumos energéticos dos edifícios
Esta legislação aparece como uma necessidade
imperiosa de aumentar a qualidade dos edifícios
e permitir um melhor conforto dos seus utentes
com o menor consumo de energia possível.
O facto é que Portugal sendo um país mediterrâneo
com uma temperatura média muito acima dos
países do Norte da Europa continua com um
parque edificado no qual o conforto térmico é
conseguido com recurso a um enorme dispêndio
de energia.
A nova regulamentação RCCTE obriga a que os
edifícios passem a ser etiquetados conforme a sua
eficiência energética, tal como já acontece com
determinados electrodomésticos. A melhor
eficiência será classificada com a letra A, a pior
com a letra G. Numa primeira fase (a partir de
Julho de 2007) estas regras vão ser aplicadas aos
novos edifícios mas progressivamente serão
obrigatórias também nas casas mais antigas.
As inspecções que irão dar origem à classificação
energética do edifício serão executadas por
técnicos credenciados, que irão contabilizar a
natureza da construção e determinados
parâmetros que permitem estimar a quantidade
de energia necessária para dar conforto aos seus
utilizadores, permitindo assim fazer um rácio da
eficiência.
A orientação solar, a existência e espessura de
isolamento térmico, a instalação de vidros duplos,
o tipo de caixilharias serão factores fundamentais
para a caracterização energética da casa. A
inclusão de fontes de energia renováveis como
painéis solares térmicos nos edifícios novos passará
também a ser obrigatória em determinadas
condições.
Esta caracterização energética será importante
para que os novos compradores possam avaliar
quais os custos de manutenção do edifício, sendo
assim possível acrescentar um novo parâmetro
para a avaliação imobiliária. É natural que com o
decorrer do tempo os edifícios mais eficientes
sejam mais procurados aumentando a sua procura
e consequentemente o seu valor comercial.
Racionalizar os consumos energéticos não quer
dizer perder conforto ou qualidade de vida;
racionalizar traduz-se na utilização da energia de
uma forma eficaz e eficiente sem desperdícios.
O Parque Biológico e a Câmara de Vila Nova de Gaia
têm vindo a fazer um esforço de florestação
Foto: Arquivo PBG
Infelizmente partimos de uma má posição já que
no nosso país o consumo de energia por unidade
PIB é mais elevado, ou seja para uma unidade de
PIB consumimos mais energia do que os nossos
parceiros europeus. Para além disso, grande parte
dessa energia é importada, o que prejudica
gravemente a nossa balança comercial.
Como é do conhecimento público a energia que
utilizamos no nosso quotidiano provém, numa
substancial percentagem de recursos fósseis (cerca
de 80%); assim, quanto mais energia utilizarmos
mais dióxido de carbono é emitido para a nossa
atmosfera. Mais dióxido de carbono na atmosfera
traduz-se em graves problemas ambientais como
o efeito de estufa e as alterações climáticas que
todos os dias ouvimos noticiar.
Ainda não se sabe ao certo quais serão as
implicações destas alterações artificiais ao clima
do planeta, mas poderão traduzir-se em secas
prolongadas, subida do nível do mar e extinção
de milhares de espécies animais, proliferação de
pragas e doenças entre outras desagradáveis
experiências para a nossa espécie.
Tendo em conta o ritmo a que os acontecimentos
se estão a desenvolver é bem provável que durante
o nosso período de vida assistamos a algumas
alterações que nunca se considerou possível.
É importante notar que a legislação publicada não
se destina unicamente a grandes edifícios mas
incide também nas nossas casas. Será mais um
incentivo para que cada um de nós possa fazer a
diferença nas suas escolhas energéticas do dia-adia. Pequenas alterações no quotidiano pessoal de
milhares de pessoas tem um efeito multiplicador
que pode beneficiar todos: é um trabalho discreto
que cada um pode empreender com imensos
benefícios e uma consciência mais tranquila.
Para salvarmos o nosso planeta de uma crise
climática teremos de racionalizar a forma como
nos relacionamos com a energia. Um edifício
energeticamente eficiente é um edifício amigo do
ambiente.
O Parque Biológico e a Câmara de Vila Nova de
Gaia têm vindo a fazer um esforço de florestação,
uma das poucas formas conhecidas de reter o
dióxido de carbono da atmosfera.
Texto: Francisco Saraiva, arquitecto
crónica
Por Jorge Paiva
biólogo, Departamento de Botânica
da Universidade de Coimbra
[email protected]
Aloe Vera: mitos e realidades
Desde que o frade franciscano Romano Zago, um brasileiro de São Francisco de Assis (Rio Grande do Sul, Brasil),
na altura professor de Filosofia e de Latim no Convento de San Salvatore, em Jerusalém, deu a sua primeira
grande entrevista à revista argentina “Florecillas de Tierra Santa”, por ter “curado” a leucemia de Geraldito,
uma criança argentina, o cancro de Linda, irmã de uma amiga da freira Silvana, da Comunidade de Aida (Israel)
e o cancro de frei Rafael Caputo, director de uma Escola eclesiástica na Terra Santa, há cerca de uma dúzia
de anos que se criou a panaceia do Aloe vera
Seguiram-se muitas mais entrevistas,
conferências e “curas” milagrosas, tendo até
o frade Romano Zago vindo a Portugal onde
proferiu conferências no Porto, Coimbra,
Odivelas e Lisboa, tendo sido entrevistado
pelas emissoras de Rádio e Televisão.
A panaceia foi tal que em 1995-1996, quase
desapareceram os “Aloés” (que até não são
Aloe vera) dos jardins públicos de Portugal,
pois as pessoas, tomadas de uma “loucura”
colectiva, utilizavam o suco das folhas de
qualquer “Aloé”, na tentativa de tratarem
qualquer tipo de doença e, até, apenas como
uma espécie de “vacina”, mesmo sem estarem
doentes. Formavam-se filas à porta do
Convento dos Franciscanos em Lisboa, para
compra do remédio milagroso. Não sei se esta
“romaria” já parou, passados que são mais de
uma dezena de anos de muitas desilusões.
Publicaram-se muitos artigos, plenos de erros,
particularmente na identificação das espécies
de Aloe, até recentemente, em revistas de
divulgação e em livros sobre plantas
medicinais, sendo alguns desses textos de
autoria de pessoas com grandes
responsabilidades, por efectuarem investigação
científica com plantas medicinais.
Nessa altura alertei para o logro em que as
pessoas tinham caído, através de entrevistas
e vários artigos de divulgação e na televisão,
mas sem grandes resultados. Indivíduos sem
escrúpulos continuam a vender “gato por
lebre”, comercializando outras espécies de
“Aloés” como sendo Aloe vera (L.) Burm. f.,
que é muito pouco cultivado nos jardins de
Portugal. Apenas tenho conhecimento de
48 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
explorações agrícolas extensivas de Aloe vera
em Portugal, no Algarve (concelhos de
Portimão e de Vila do Bispo).
Os “Aloés” pertencem à família das Liliáceas,
que incluem plantas comestíveis (ex.: alho,
cebola, espargo), ornamentais (ex.: tulipas,
coroas-de-rei, açucena) e silvestres (ex.:
martagão, cebola-albarrã, gilbardeira).
Como os “Aloés” têm folhas suculentas
(crassas), erroneamente, com muita frequência,
designam-nos por cactos, um lapso “crasso”.
Os verdadeiros cactos, são, na realidade,
plantas crassas (suculentas), geralmente afilas
(sem folhas) e com espinhos, que constituem
a família das Cactáceas, com cerca de 2000
espécies nativas das estepes americanas
(América do Norte, Central e do Sul), tendo
sido introduzidos, por cultivo, noutras regiões
do Globo, onde algumas espécies se
naturalizaram e adaptaram tão bem que se
tornaram invasoras, como aconteceu, por
exemplo, com a figueira-da-índia [Opuntia
ficus-indica (L.) Mill.], uma cactácea originária
do México e não da Índia.
Há cerca de 350 espécies de “Aloés”, das
quais, quase metade (140) é nativa de África,
sendo as restantes de Madagáscar, Socotra,
Região Mediterrânica, Arábia, Índia e China.
Portanto, os “Aloés” não são nativos do
Continente Americano e, por isso, não se
entende como é que o frade brasileiro Romano
Zago diz que “colheu a receita da boca dos
índios e que a guardou de ouvido”, para depois
a utilizar. Aliás, os índios, de certeza que não
utilizavam uísque ou conhaque para diluir o
suco das folhas de “Aloé”, como utiliza o
referido frade. Que utilizassem a “cachaça”
(aguardente de cana) ou “tequilla” (aguardente
do suco de folhas de piteiras, Agave spp.)
ainda se “engolia”, mas uísque ou conhaque,
nem lembra ao Diabo!... Aliás, tenho muitas
dúvidas sobre o autopropagado altruísmo e
desinteresse económico do frade, pois quando
conferiu as suas conferências em Portugal,
aconselhava as pessoas (que não conseguissem
resultados com a “milagrosa” loção) a recorrer
a outros tratamentos que podiam ser
requeridos ao “investigador” médico Mauricio
Grandi, Via Ponzio, 141, Turim, Itália (Correio
da Manhã, 21. X. 1994).
O verdadeiro Aloe vera (L.) Burm. f. é nativo
do Nordeste de África e, muito provavelmente,
também da Arábia. É utilizado como medicinal
há milhares de anos, havendo testemunhos
disso desde 1500 anos a. C., no Egipto
(“Papyrus Ebers”, Universidade de Leipzig),
referindo alguns autores que o encanto e
beleza de Cleóptera se devia ao uso do “gel”
de “Aloé”. O Aloe vera foi muito apreciado,
como planta medicinal, pelos “físicos” gregos,
como refere Hipócrates de Cos (ca. 460-370
a. C.) no seu “De herbis”, Teofrasto de Eresos
(370-285 a.C.) em “Historia plantarum” e
descrito por Dioscórides, cirurgião grego do
século 1 d. C., em “De Materia Medica”, obra
que influenciou a medicina ocidental durante
cerca de 16 séculos. Ainda hoje, uma grande
parte dos livros que se publicam sobre plantas
medicinais, não são mais que adaptações
(algumas de péssima qualidade) da obra de
Dioscórides. Por isso, muitas das plantas
tratadas por Dioscórides, foram difundidas
Aloe arborescens
por amplas áreas do Globo, como aconteceu
com o Aloe vera, actualmente naturalizado
na Região Mediterrânica, Macaronésia
Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde) e
América Central e do Sul. Alguns desses
“físicos” gregos chegaram a recomendar aos
respectivos imperadores a conquista da ilha
de Socotra, por ali abundarem os “Aloés”
(Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii Bak. f.), como
o fez Aristóteles (384-322 a. C), com o
imperador Alexandre, o Grande.
Sendo utilizado desde antes de Cristo, não
admira que o Aloe vera seja referido nos
textos bíblicos. Mas, nem todas as referências
a “Aloés” nas diversas edições da Bíblia são
verdadeiros “Aloés”. Os “Aloés” citados no
Antigo Testamento (Salmos 45:9; Provérbios
7:17; Cântico dos Cânticos 4:14) são plantas
que não pertencem ao género Aloe. Aí são
referidas como plantas aromáticas,
conjuntamente com a mirra [Commiphora
abyssinica (Berg.) Engl.], a caneleira do Ceilão
(Cinnamomum vera Nees) e a caneleira da
China (Cinnamomum aromaticum J. Presl) e
até são referidas como árvores (Cântico dos
Cânticos 4:14). Esse “Aloé” citado no Antigo
Testamento é uma árvore muito aromática,
a Aquilaria agallocha (ahaloth, em Hebraico),
a que os gregos chamam xylaloe. Por isso,
quando traduziram os textos em hebraico do
Antigo Testamento para grego, à ahaloth
chamaram (muito bem) xylaloe. Ao traduzirem
a Bíblia do grego para latim, traduziram
(erroneamente) xylaloe para aloe. Aloe vera
é uma erva, não aromática, com propriedades
anti-sépticas e cicatrizantes, e é o “Aloé”
referido no Novo Testamento (João 19:39).
Aqui, refere-se que envolveram o corpo de
Jesus com ligaduras e uma mistura de mirra
[Commiphora abyssinica (Berg.) Engl.] e
“Aloés”, para o sepultarem, como era costume
entre os judeus. Estes “Aloés” são o Aloe vera
(L.) Burm. f. ou, pouco provavelmente, Aloe
perryi Bak. e Aloe forbesii Bak. f., nativos da
ilha de Socotra (Iémene) e muito confundidos
com o Aloe vera. Actualmente, ainda persiste
esse hábito de envolverem (embalsamarem)
os mortos com “Aloés” e outras plantas
(particularmente aromáticas, pois muitas
delas são anti-sépticas), não só em Israel,
como também entre os árabes.
Além de se confundir Aloe vera (L.) Burm.f.
com os “Aloés” da ilha de Socotra (Aloe perryi
Bak. e Aloe forbesii Bak. f.), comercialmente
utilizados para extrair a socotrina (tâyef, na
ilha; saber ou sabr ou sabbara em árabe),
também se tem confundido com Aloe
succotrina Lam., nativo da província do Cabo
da África do Sul, não só por se julgar que o
restritivo específico é referente a Socotra,
como também porque Philip Miller, em 1758,
lhe chamou Aloe vera Mill. (non L.). O epíteto
succotrina nada tem a ver com a ilha de
Socotra; o termo deriva de sucocitrina,
produto químico do suco das folhas deste
“Aloé” originário da Província do Cabo (África
do Sul).
O verdadeiro Aloe vera (L.) Burm.f., sendo
utilizado há tantos séculos e sendo tão
confundido com outros “Aloés”, deu origem
a muitos lapsos e foi muito difundido, através
do cultivo, particularmente por toda a Região
Mediterrânica e, até, pela Macaronésia
(Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde),
para onde tem sido, erroneamente, dado
como nativo.
Após os Descobrimentos, o Aloe vera foi
introduzido no Novo Mundo, provavelmente
pelos espanhóis, a partir de plantas levadas
das Canárias. Naturalizou-se rapidamente
nas Índias Ocidentais (Barbados, Jamaica,
Antigua, Porto Rico), na América Central
(México, Nicarágua) e na América do Sul
(Peru, Bolívia, Venezuela). Por isso, Philip
Miller (1768) designou por Aloe barbadensis
Mill., uma planta supostamente nativa da
ilha dos Barbados, que não é mais do que o
Aloe vera (L.) Burm.f.
Infelizmente, essa confusão persiste ainda
hoje, com a agravante de andarem a chamar
Aloe barbadensis Mill. a um Aloe que não é
o verdadeiro Aloe barbadensis Mill., isto é,
que não é Aloe vera (L.) Burm.f. O pior é que
essas confusões até aparecem em livros sobre
plantas medicinais de autores com grandes
responsabilidades, por fazerem investigação
cientifica na área química das plantas
medicinais. Não admira, pois, que nesses livros
se apresentem produtos químicos diferentes
para o Aloe barbadensis Mill e para o Aloe
vera (L.) Burm.f., pois Aloe barbadensis Mill.
que referem não é o autêntico e, portanto,
não é o Aloe vera (L.) Burm.f.
Na África do Sul, começou, há já alguns
anos, a utilizar-se como fonte comercial de
produtos dos “Aloés”, uma planta muito
comum nos jardins desse país, o Aloe
arborescens Mill. Inicialmente extraiam os
produtos químicos do Aloe vera (L.) Burm.f.,
mas como o Aloe arborescens Mill. é não só
largamente cultivado como ornamental, como
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 49
crónica
também é nativo e bastante comum Aloe vera
na Natureza daquele país, passaram a
utilizar, para a obtenção do suco de
“Aloé”, este último em vez do Aloe vera
(L.) Burm.f., que ali tinham que cultivar,
embora não só a composição química
do suco dos dois “Aloés” seja diferente,
como também, como é evidente, as
qualidades terapêuticas das duas
espécies sejam igualmente diversas.
Aloe arborescens Mill. é nativo do
sudoeste e sul de África (Zimbabwe,
Malawy, Moçambique e África do Sul)
e é muito utilizado como ornamental
nas regiões temperadas do Globo,
estando, actualmente, naturalizado em
muitas regiões fora da respectiva área
nativa, como no sudoeste da Região
Mediterrânica (Sul de França, Espanha
e Portugal).
Em Portugal (e não só), infelizmente,
muita gente e “herbanários” sem
escrúpulos, utilizam o Aloe arborescens
Mill., como fonte do suco de “Aloés”,
para o comercializarem como se fosse
o suco do verdadeiro Aloe vera (L.)
Burm.f.
Gilbert Reynolds (1895-1967) foi o
mais eminente especialista do género
Aloe, tendo publicado duas excelentes
monografias (1950 e 1966),
quimioterapia e a radioterapia. Antes pelo
profusamente ilustradas com fotografias
contrário, conheci pessoas cancerosas, tanto
e desenhos a cores, pois ele observou vivas,
em Portugal, como no estrangeiro, que se
a maioria das espécies, muitas delas
trataram com Aloe vera e morreram de
cultivadas nos jardins das suas residências
cancro.
na África do Sul e na Suazilândia. Este
Na referida literatura encontram-se
autor e Robert Compton (1886-1979), que
mencionadas muitos outras virtudes dos
foi director do Jardim Botânico de
“Aloés”, além das que acabamos de referir,
Kirstenbosch (África do Sul), durante a
tais como colagogas, emenagogas,
década de 70 do século passado, alertaram
vermífugas, repelentes de insectos,
para o facto de se estar a comercializar
estimulantes, laxativas, no tratamento da
“gato por lebre”, elucidando que o suco
meningite, conjuntivite crónica, blefarite,
das folhas das duas espécies tinham
obstipação, ictiose, várias outras doenças
composição química diferente e, portanto,
cutâneas, úlceras e até, inimaginável, no
propriedades medicinais também distintas.
tratamento da esterilidade. Enfim, ao
O suco das folhas dos “Aloés” é um bom
“Aloés” curam todos os males!... A panaceia
cicatrizante, virtude que nós próprios já
foi (e continua a ser) de tal ordem que, em
constatamos e que é conhecida há muitos
1996, até houve quem tivesse a desfaçatez
séculos, tanto que, na Antiga Grécia,
de propor os “Aloés” como as “Plantas do
Aristóteles utilizou as folhas de Aloe vera
Ano” em Portugal!... Pois claro o proponente
(L.) Burm.f. para tratamento dos ferimentos
devia (e deve) estar “empanturrado” de
dos soldados gregos. Porém, enquanto o
dinheiro, à custa da ingenuidade e mal dos
suco das folhas do Aloe arborescens Mill.
outros!...
é eficaz no tratamento de queimaduras
Há imensas falsidades difundidas acerca
(até as devidas a Raios X), o Aloe vera (L.)
destas plantas, como também, na grande
Burm.f. não o é. Como na literatura
maioria dos casos, se está a vender como
fitoterápica se têm confundido várias
Aloe vera (L.) Burm.f., outras espécies de
espécies de Aloe, têm sido atribuídas a Aloe
Aloe, particularmente o Aloe arborescens
vera virtudes que não possui.
Mill., que é o mais comummente cultivado
Encontram-se referências ao uso do Aloe
nos nossos jardins, o que é grave, pois o
vera no tratamento de cancros, mas,
suco deste último é laxativo e pode
pessoalmente, não conheço nenhum
provocar reacções alérgicas.
trabalho científico demonstrativo de tal
Se o Aloe vera ou qualquer outra planta
atributo desta planta. Por outro lado,
tivesse as propriedades oncológicas
também não conheço nenhum caso de cura
propagadas, as grandes multinacionais da
de cancro de doentes que se trataram
indústria farmacêutica não deixavam de
exclusivamente com o suco “milagroso”,
explorar tal “filão”, nem o deixavam
parando com todos os outros tratamentos
entregue em mãos alheias. Aliás, a indústria
que seguiam por indicação médica, como a
50 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
sem escrúpulos já explora este “filão”,
pois encontram-se à venda produtos
de cosmética (cremes, sabonetes, loções,
águas de colónia, etc... até loções para
a queda do cabelo,... por isso já não há
carecas, como eu) fabricados por
multinacionais como sendo à base de
Aloe vera, não o sendo, na maioria dos
casos.
O pior é que até na indústria alimentar
já estão à venda alimentos com “Aloe
vera”. Considero um crime para a saúde
pública, permitir-se a venda dos iogurtes
da Danone com “Aloe vera”. Não sei se
têm suco do Aloe vera, mas se o têm,
é criminoso permitir-se que crianças
comam um alimento com um antiséptico poderoso, sem terem qualquer
infecção, fazendo com que o organismo
da criança perca resistências a futuras
infecções. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de
Farmácia e do Medicamento
(INFARMED) não permitem a
comercialização de medicamentos não
comprovados cientificamente. Por isso,
não há à venda medicamentos à base
do “Aloe vera” para tratamento de
cancros. A indústria de cosméticos é
uma indústria sem regras que explora
a vaidade das pessoas. A indústria de
plantas medicinais e os “Herbanários”,
também não têm regras e explora a
ingenuidade das pessoas. Mas a indústria
alimentar é controlada pela Agência de
Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Por isso, NÃO ENTENDO como continuam
à venda iogurtes com “Aloe vera”. Só num
“país das bananas e de bananas”.
Para finalizar, o verdadeiro Aloe vera (L.)
Burm.f. distingue-se bem de todos os
outros Aloe com os quais o confundem,
deliberadamente ou não, pois tem flores
amarelas e os outros não. Aloe perryi Bak.
e Aloe forbesii Bak.f., nativos da ilha
Socotra, têm flores cor de salmão, que
amarelecem depois da antese (abertura
das flores), amarelecendo da base para o
cimo da inflorescência.; Aloe succotrina
Lam., da África do Sul, tem flores
avermelhadas e Aloe arborescens Mill., do
sudoeste e sul de África, tem flores
escarlate. Além disso, o hábito das plantas
e as inflorescências também são diferentes.
Geralmente Aloe arborescens Mill. e Aloe
succotrina Lam. são subarbustivos e têm
as inflorescências simples (pedúnculos não
ramificados), ao passo que Aloe vera (L.)
Burm.f., Aloe perryi Bak. e Aloe forbesii
Bak.f. são herbáceos e com as
inflorescências 2-3-ramificadas. Na
presença unicamente das folhas não é fácil
distingui-los, daí as vigarices de muitos
indivíduos gananciosos e sem escrúpulos.
A panaceia dos “Aloés” tornou-se, assim,
numa espécie de “loucura”, acabando
algumas pessoa por adoecerem em vez de
se curarem, pois há muitas contraindicações.
Organização:
NPEPVS - Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem
Informações e inscrições:
[email protected]
Brevemente disponível em
www.vidaselvagem.pt
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