Discurso da Vice-Presidente do Banco Mundial para a
América Latina e Caribe
Pamela Cox
3 ª Conferência anual CRECER sobre Contabilidade e
Responsabilidade para o Crescimento
23 de setembro de 2009, São Paulo
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Senhoras e Senhores,
Eu gostaria de dar as boas-vindas a todos à 3 ª Conferência anual CRECER sobre Contabilidade e
Responsabilidade para o Crescimento, que este ano enfoca o tema “restaurar a confiança na esteira da
crise financeira”.
Não é com frequência que questões técnicas - e alguns diriam até áridas - como as normas de
contabilidade estejam em voga. Mas atualmente elas estão e não apenas em eventos como este.
Em abril, as questões de contabilidade constavam na declaração final acordada na reunião dos chefes de
governo dos principais países do mundo, em Londres. E no início deste mês, antes da próxima reunião de
cúpula do G20, em Pittsburgh, amanhã e sexta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama,
lembrou Wall Street que "a mais ambiciosa reforma do sistema de regulamentação financeira desde a
Grande Depressão", está em curso "para definir regras claras que promovam a transparência e a
responsabilização... (e) fechem as lacunas que estavam no centro da crise".
A reunião de cúpula do G20, com o Brasil como um ator-chave, tem lugar um ano após o colapso do
Lehman Brothers, o que precipitou a pior recessão global desde a década de 1930. E, embora muita coisa
tenha acontecido desde então, um ângulo desse episódio mundial deveria ser animador: a América Latina
tem mostrado que a regulamentação financeira forte e prudente ajudou a amortecer o impacto da crise. O
fato de que o pior tenha sido evitado é um tributo às reformas realizadas nos últimos 10 anos para
alcançar disciplina fiscal, estabilidade financeira, e resistência das economias da região.
Todos vocês provavelmente já ouviram que a região tem mostrado que está melhor preparada do que no
passado para suportar a tempestade global. Principalmente porque, devido a crises anteriores, a região
implementou melhorias em termos de regulação, tais como o reforço da regulação financeira e uma
supervisão bancária mais responsável que a preparou muito melhor para enfrentar tempos ruins.
Em termos concretos, a região foi capaz de evitar uma crise financeira doméstica sistêmica incluindo desvalorizações maciças, aumentos nas taxas de juros, hiperinflação, colapsos bancários e
moratórias da dívida soberana. O mesmo não pode ser dito de outras regiões, onde a atual crise
desencadeou uma crise bancária, desvalorização da moeda local e aumento da inflação. A América
Latina não é o Leste Europeu.
Diversos países da região tiveram espaço para implementar medidas fiscais e monetárias anticíclicas para
ajudar os mais vulneráveis e impedir uma crise de crédito mais prejudicial, por exemplo. Esse espaço foi
o resultado de políticas deliberadas durante a última década para melhorar a gestão da dívida pública e
aumentar as reservas internacionais.
Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS), em meados da década de 1990 mais de
30% de toda a dívida da América Latina era denominada em moeda estrangeira. Em 2006, esse
percentual havia baixado para menos de 15%. Ao mesmo tempo, uma importante reserva de ativos em
moeda estrangeira foi construída. No final de 2008, a América Latina tinha uma posição bem positiva de
moeda estrangeira de US$ 150 bilhões, em comparação com o passivo líquido de US$ 300 bilhões no
final dos anos 1990. Em realidade, em contraste com os grandes déficits em conta corrente no Leste
Europeu e no Sul da Ásia, a América Latina e o Caribe tinham superávits antes da crise.
Além disso, os rígidos regulamentos de liquidez em moeda estrangeira que muitos países haviam posto
em prática revelaram-se eficazes na prevenção de uma desaceleração mais acentuada na América Latina
do que em outras partes do mundo. Embora em média menores do que em outras regiões emergentes, os
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sistemas financeiros tiveram uma maior percentagem de empréstimos amparada por depósitos locais na
região, assegurando assim que a desvalorização da moeda tivesse apenas um impacto limitado sobre o
capital bancário. O Leste e Sul da Ásia tinham uma menor taxa de empréstimo proporcional a depósitos,
enquanto no Leste Europeu uma percentagem muito elevada do crédito foi financiada por entradas
externas.
Uma crise inevitável
Esse é o lado animador da história para a região até agora. Mas isso não significa que a América Latina e
o Caribe tenham conseguido superar os perigos da pior recessão global em 80 anos incólumes.
Essa crise levou a uma parada brusca em mais de cinco anos de crescimento econômico sustentado - em
média 5,3% ao ano. Como resultado, a economia da região provavelmente deverá contrair-se em 2009,
com o PIB previsto diminuindo em 2,2%, antes de crescer novamente em 2010, cerca de 3%.
O desemprego deverá crescer na medida em que a demanda global por produtos de exportações patina. A
Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe estima que o volume das
exportações da região irá diminuir 11% em 2009, a pior queda em 72 anos, e crescerá apenas 1% em
2010. Esta queda terá um impacto desproporcional sobre os trabalhadores de classe média.
O Banco Mundial estima que, devido à falta de recursos internos, os governos latino-americanos
necessitarão de financiamentos de entre US$350 bilhões e US$400 bilhões em 2010. Mesmo para os
países com grau de investimento isto não será simples. A oferta de financiamento internacional já está
limitada devido à tomada maciça por parte de países desenvolvidos, que buscam pagar os seus próprios
pacotes de estímulo. Além disso, existem poucos credores dispostos a financiar déficits ampliados em um
momento de crise global e muitos dos intermediários tradicionais da dívida latino-americana
(notoriamente os bancos de investimento) estão atualmente fora de serviço ou fora do negócio.
Restaurando a confiança para o futuro
Como é que vamos nos recuperar desses tempos econômicos difíceis? Quais são bons exemplos para
ilustrar o que é necessário?
Todas as questões relacionadas com transparência e responsabilidade que discutiremos na CReCER irão
desempenhar um papel importante na vindoura recuperação econômica. Tanto no setor público quanto no
privado, a boa gestão financeira será central para colocar as economias da América Latina e o Caribe de
economia em uma trajetória de crescimento positivo.
Ainda assim, a sua importância é muitas vezes subestimada. Muitas pessoas consideram
contabilidade e auditoria menos interessantes do que o projeto ou o negócio gerenciado. Por isso,
talvez nós não passemos tempo suficiente discutindo as novas metodologias, tecnologias e instituições
que ajudam a nos dar a confiança que os nossos negócios são tão rentáveis como eles dizem ser, e que os
nossos impostos estão sendo gastos de forma eficaz.
Eu gostaria de discutir três das muitas formas de como a contabilidade e a prestação de contas são cruciais
para a agenda de desenvolvimento. Em particular, em empresas estatais, pequenas e médias empresas
e governos sub-nacionais.
Para citar um exemplo local, a SABESP, a companhia de água do Estado de São Paulo, é estatal, mas
também está listada na Bolsa de Valores de Nova York.
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Para que ela seja bem sucedida, ela deve servir a dois senhores: seus investidores, que esperam uma boa
rentabilidade e crescimento, e o Estado de São Paulo, que espera a entrega consistente de água e
saneamento de boa qualidade para seus cidadãos, especialmente para os mais pobres. Lentamente, a
SABESP está alcançando os dois objetivos, em parte através da boa gestão financeira. Mantendo um olho
no inventário e as receitas, a SABESP já sabe que não recebe pagamento por mais de 25% da água que
flui através de sua canalização. Reduzir esta perda de água tem permitido à empresa aumentar os lucros,
mas também investir na ampliação da sua infraestrutura em favelas de São Paulo e oferecer serviço
gratuito para aqueles que dele necessitam. De 2003 a 2008, os investimentos anuais da SABESP,
incluindo a expansão de sua infraestrutura, cresceram a uma média de 12% ao ano, e a companhia credita
este sucesso aos seus controles financeiros e operacionais fortes.
Uma segunda área na qual contabilidade confiável pode fazer uma grande diferença na vida dos pobres e
da classe média está em pequenas e médias empresas.
É uma ocorrência, infelizmente comum, na América Latina que as pequenas empresas fiquem detidas nas
etapas de planejamento, porque elas são incapazes de obter um empréstimo. O acesso ao financiamento
depende muito, demais, em ter as garantias necessárias, o que a maioria dos novos negócios simplesmente
não tem.
Na Nicarágua, um pequeno fabricante de móveis queria comprar um ventilador de extração para
sua fábrica em um bairro operário de Manágua. O ventilador, cujo valor e a instalação custam 15.000
dólares, removeria a serragem do ar. Isso não só protegeria os operários contra os efeitos nocivos da
serragem, mas também lhes permita respirar livremente e, portanto, ser mais produtivos. Com a maior
produtividade, a pequena fabricante poderia pagar o empréstimo e fazer crescer o seu negócio. O
proprietário da fábrica, no entanto, não conseguiu obter um empréstimo, porque ele era muito grande para
se beneficiar de um micro-financiamento e pequeno demais para se qualificar para o financiamento
bancário tradicional.
No entanto, sabemos que tem havido inovações em outras partes do mundo que têm ajudado o crédito a
fluir até empreendedores com boas idéias. Quase todas essas inovações, agências de crédito, empréstimos
de tesouraria, classificação de crédito, dependem de se ter informações financeiras precisas e confiáveis
de sobre as empresas. Mesmo que uma empresa, como a fábrica de móveis em Manágua, não possa
fornecer uma garantia suficiente para satisfazer o banco, ela ainda pode ser capaz de obter o empréstimo
através de uma contabilidade eficaz de sua situação financeira, dos fluxos de caixa futuros e da
rentabilidade demonstrada.
Os credores só precisam de garantia de que serão pagos, e informações financeiras confiáveis que
demonstrem a viabilidade de um negócio podem oferecer essa garantia. Se formos capazes de abrir o
acesso ao financiamento para pequenas e médias empresas, sua inovação e seu trabalho duro irão
beneficiar toda a economia. É por isso que estamos satisfeitos que as Normas Internacionais de
Demonstrações Contábeis para Pequenas e Médias Empresas tenham sido divulgadas este ano. Esperamos
que estas normas simplificadas sejam um passo importante em direção a um novo entendimento entre
credores e empresas de pequeno porte, facilitando o crédito que permitirá a ambas a prosperar.
Em terceiro lugar, gestão financeira transparente e responsável é muito importante para governos
estaduais e municipais.
Os governos provinciais da Argentina, por exemplo, têm melhorado a sua capacidade de gestão financeira
de forma significativa na última década. Muitos deles costumavam manter sistemas de gestão financeira
independentes e paralelos para a sua administração fiscal, os investimentos de capital e recursos humanos.
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A introdução de um sistema nacional integrado de informações fiscais em meados desta década foi um
avanço para as províncias que o têm utilizado.
Algumas províncias da Argentina foram capazes de ofertar com êxito títulos no final de 2006, em parte
devido à sua melhor gestão fiscal e financeira. Na realidade, desde maio de 2009, a província de Mendoza
é um dos poucos governos sub-nacionais no mundo, cuja dívida é avaliada de forma superior à dívida do
governo nacional.
Sabemos que os governos estaduais e locais estão mais próximos das pessoas que servem e, portanto,
melhor posicionados para reconhecer as necessidades dos seus cidadãos e prestar os serviços que eles
querem. Evidentemente, essa proximidade pode ser uma faca de dois gumes para os governadores,
prefeitos e seus funcionários. As mesmas pessoas que lhe dizem claramente o que elas precisam o
responsabilizarão você se elas sentirem sentir que você não está gastando dinheiro dos seus impostos de
acordo com suas expectativas. No entanto, os governos sub-nacionais enfrentam desafios especiais,
notoriamente de ordem financeira.
Governos estaduais e locais, portanto, necessitam gerir os seus recursos limitados com cuidados especiais,
e de forma mais transparente possível. Os cidadãos esperam e têm o direito de saber exatamente para
onde irá seu dinheiro.
Os governos sub-nacionais mais bem-sucedidos adotam um orçamento e um quadro de gestão de
desempenho baseado no “gerenciamento por resultados”, que dependem de uma boa contabilidade dos
gastos e resultados.
Minas Gerais, no Brasil, seguiu nessa direção.
A longo prazo, quanto maior a confiança que os credores tiverem nas demonstrações financeiras
estaduais, provinciais e municipais, demonstrações financeiras, maiores as chances deles concederem
crédito em condições favoráveis.
Esforços no sentido de se convergir para um único Padrão Internacional de Contabilidade do Setor
Público são, portanto, particularmente interessantes, por facilitar a comparação mais direta do bem-estar
financeiro de diferentes entidades do setor público.
A importância crítica do conhecimento
Uma das lições mais importantes da crise é um lembrete de que o conhecimento e as informações
confiáveis são extremamente valiosos no mundo de hoje. Por isso, além de fornecer financiamento para
obras públicas ou de outras iniciativas, o Banco Mundial pretende agregar valor a questões globais, como
estabilidade financeira, o meio ambiente, educação, comércio e saúde. Cada vez mais, o conhecimento
que nós fornecemos aos nossos parceiros é tão relevante quanto os fundos que podemos lhes prover.
Fóruns Regionais como o CReCER facilitam um intercâmbio crítico de idéias, o que enriquece o nosso
próprio entendimento. A conferência CReCER é uma plataforma para promover transparência,
responsabilidade, regulação robusta e a integridade dos mercados financeiros.
Como líderes em seus governos, suas organizações e suas empresas, vocês estão em posição de ajudar a
América Latina a atingir esses objetivos e se tornar mais competitiva em um mundo de incerteza.
Obrigada.
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