Pedro Lourtie
Secretário de Estado dos Assuntos
Europeus
Portugal e a Europa:
os desafios comuns
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O percurso de Portugal na Europa tem sido um percurso de benefícios mútuos. Ao longo deste quarto de século, é
inegável o papel que a integração europeia desempenhou no desenvolvimento do nosso país, a vários níveis. Portugal
consolidou a sua democracia e assistiu a um desenvolvimento económico inquestionável e a um aumento dos níveis de
bem-estar social, que se traduziram numa melhoria efectiva da qualidade de vida.
Por seu lado, também a Europa beneficiou com a adesão de um país profundamente europeísta e firme defensor dos valores e dos princípios que estão na base do projecto europeu e do contrato que sustenta a União: coesão, solidariedade e
abertura. Portugal fez sempre parte de todos os núcleos avançados de integração, desde a zona Euro ao espaço Schengen,
e deu sempre provas de empenho no projecto europeu, de que são exemplos as Presidências do Conselho.
Sabemos que um dos principais desafios que se colocam hoje à União é o da sua actuação externa e Portugal, através
da sua vocação universalista e de tradicional ponte entre civilizações, está em condições de dar um contributo importante
para a afirmação da acção externa da União Europeia, muito em particular no contexto dos instrumentos criados pelo
Tratado de Lisboa, que reforçam a capacidade da União agir em conjunto e com coerência neste domínio.
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Portugal’s path in Europe has been a path of mutual benefits. Throughout this quarter of a century, the role that European integration has had in the development of our country, on various levels, is undeniable. Portugal consolidated
its democracy and has seen an unquestionable economic development and a rise in the levels of social well-being, which
translated into a visible increase of the quality of life.
On the other hand, Europe has also benefited from the adhesion of a profoundly europeist country and a firm sponsor of the values and principles which underlie the European Project and the contract that supports the Union: cohesion, solidarity and openness. Portugal has always been a part of the advanced cores of integration, from the Euro
zone to Schengen space, and has always given proof of commitment to the European Project, of which the Council
presidencies are an example.
We know that one of the greater challenges facing the Union today is that of its external performance, and Portugal, with its vocation for universalism and bridging between civilizations, is in the condition for giving an important
contribution for the affirmation of the European Union’s external actions, in particular within the context of the
instruments created by the Lisbon Treaty, which have reinforced the ability of the Union for acting jointly and coherently in that domain.
C
elebramos este ano o 25.º aniversário da assinatura do Tratado de
Adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Vinte e cinco anos
constituem uma oportunidade
para, tendo presente o caminho percorrido, olhar
para o futuro e para os desafios com que o projecto europeu – e Portugal – hoje se deparam.
O percurso de Portugal na Europa tem sido um
percurso de benefícios mútuos. Ao longo deste
quarto de século, é inegável o papel que a integração europeia desempenhou no desenvolvimento
do nosso país, a vários níveis. Portugal consolidou
a sua democracia e assistiu a um desenvolvimento
económico inquestionável e a um aumento dos níveis de bem-estar social, que se traduziram numa
melhoria efectiva da qualidade de vida.
Por seu lado, também a Europa beneficiou com
a adesão de um país profundamente europeísta e
firme defensor dos valores e dos princípios que
estão na base do projecto europeu e do contrato que sustenta a União: coesão, solidariedade e
abertura. Portugal fez sempre parte de todos os
núcleos avançados de integração, desde a zona
euro ao espaço Schengen, e deu sempre provas
de empenho no projecto europeu, de que são
exemplos claros as sucessivas Presidências do
Conselho.
Somos, assim, simultaneamente beneficiários
e contribuintes de um espaço de integração regional ímpar em todo o mundo. Um espaço que
– reunificado após o alargamento – vive o período de paz mais longo da sua história, tendo
por diversas vezes dado provas de ser capaz de
se adaptar – e de responder – aos múltiplos desafios que foi encontrando ao longo das últimas
décadas. Desafios internos, decorrentes do seu
processo interno de integração, maxime o mercado interno, e desafios externos, tendo presente que nas últimas décadas a globalização tornou
o mundo mais pequeno, mais interdependente e
mais exigente.
A política externa como
instrumento
Sabemos que um dos principais desafios que
se colocam hoje à União é o da sua actuação externa.
O Tratado de Lisboa é a prova de que a Europa compreendeu as vantagens e a necessidade
de uma acção conjunta e eficaz no quadro externo. O tratado pretende, precisamente, responder
à questão de saber como pode a União assumir
um papel consentâneo com as suas ambições e
fazer reflectir, em termos diplomáticos, o seu
peso económico num mundo tendencialmente
multipolar.
Para além de dois novos cargos com responsabilidades na área externa – o Presidente do Conselho Europeu e o Alto Representante para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
– o tratado prevê a criação de um Serviço Europeu para a Acção Externa. Este serviço, que
apoiará a Alta Representante nas suas funções,
será uma das maiores redes diplomáticas do mundo e contará não apenas com funcionários das
instituições europeias, mas também com diplomatas dos Estados-Membros.
A criação do Serviço Europeu para a Acção
Externa representa a oportunidade de a UE pensar e actuar estrategicamente, de forma global,
de acordo com o interesse europeu, com realismo e coerência.
Portugal tem participado activamente, desde o
primeiro momento, nos debates relativos à criação deste serviço, sendo do seu interesse uma
participação portuguesa que valorize a diplomacia nacional, e que permita a Portugal aproveitar
este novo momento na construção europeia para
reafirmar a centralidade da União na sua política
externa e, simultaneamente, a centralidade das
prioridades da nossa política externa, no quadro
da acção europeia.
Desde há muito tempo que Portugal se habituou
a trabalhar em conjunto na Europa – e com a Europa – no domínio das relações externas. Desde a
sua adesão, o nosso país tem desempenhado um
papel instrumental como plataforma de relacionamento entre a União e os países e regiões com
os quais mantém ligações históricas e culturais.
A América Latina é objecto de um desses relacionamentos especiais, sendo exemplo disso
a recente realização, em Portugal, de mais uma
Cimeira Ibero-Americana. O Brasil ocupa neste
contexto um papel privilegiado, sendo importante lembrar que foi por iniciativa da última Presidência portuguesa, em 2007, que foi lançada
uma parceria estratégica da União com aquele
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país, que viu reconhecido o seu estatuto de potência emergente.
Foi com Portugal na Presidência do Conselho
da União Europeia que se realizaram as duas primeiras Cimeiras UE-África, de onde resultou, em
2007, uma estratégia conjunta entre os dois continentes abrangendo domínios como a segurança, o
desenvolvimento e as alterações climáticas.
Portugal tem também desempenhado um papel pivô com a região do Mediterrâneo, com a
qual partilha não apenas um passado histórico,
mas também um presente marcado por questões
que requerem ampla cooperação entre ambas as
margens, com vista a fazer desta região um espaço de paz e prosperidade.
Portugal conseguiu ainda tirar partido do exercício das sucessivas Presidências em regiões do
Mundo, como a China e a Índia, onde o seu peso
é objectivamente mais reduzido, mas onde a sua
capacidade histórica de interlocução não deixa
de ser significativa. E fê-lo com benefícios para
os parceiros europeus e para os países terceiros,
mas também, como é evidente, com inegável benefício próprio.
O nosso país, através da sua vocação universalista e de tradicional ponte entre civilizações, está
em condições de dar um contributo importante
para a afirmação da acção externa da União Europeia, muito em particular no contexto dos instrumentos criados pelo Tratado de Lisboa, que
reforçam a capacidade da União agir em conjunto
e com coerência neste domínio.
O reforço da centralidade na política externa
europeia dos países com os quais Portugal tem
um relacionamento especial contribui também
para o reforço da nossa centralidade nesses países, bem como na Europa. E não deixará de trazer
também importantes benefícios para a afirmação
da própria União Europeia no Mundo.
Primeira regra de boa política
externa: boa política interna
Porém, as hipóteses de sucesso da Europa no
Mundo serão limitadas se não for assegurada a
sua coerência e força interna, ou seja, se não for
reconhecida a importância que a «governação interna» assume no posicionamento da União face
a países terceiros.
Parafraseando W. E. Gladstone, primeiro-ministro britânico no século XIX, a primeira regra
de uma boa política externa é uma boa política
interna (good government at home). Sendo verdade para um Estado-Nação, também o é para a
União Europeia.
A Europa vê-se presentemente confrontada
com a mais grave crise económica e financeira
dos últimos 80 anos e com desafios económicos
que só poderão ser satisfatoriamente ultrapassados em conjunto pela Europa.
É neste contexto que a Europa é chamada a
estabelecer a sua estratégia de desenvolvimento para a próxima década. Com a Estratégia de
Lisboa, os Estados-Membros reconheceram a
necessidade de uma acção concertada com vista ao seu desenvolvimento, numa perspectiva de
coesão interna e, simultaneamente, de posicionamento internacional.
Nas prioridades da nova Estratégia «Europa
2020», é inquestionável a aposta na inovação e na
promoção de uma economia sustentável, baseada
numa lógica de produção de baixo carbono, que
promova a inclusão e o emprego qualificado.
Mas a forte crise económica que o Mundo e a
Europa atravessam vieram igualmente tornar claros, muito em particular para os países da zona
euro, alguns princípios que, regendo a integração
europeia, deverão ser elevados a outros níveis
caso a Europa queira recuperar um crescimento
económico sustentado e consolidar o seu modelo de sociedade.
Desta crise podemos claramente retirar como
lições a necessidade de regras e transparência,
de coordenação das políticas económicas e de
solidariedade.
E se não há dúvidas de que esses são objectivos
e princípios inscritos na matriz europeia, é também evidente que a actual crise expôs fraquezas.
Desde logo na transparência, sendo evidente que
a falta de transparência entre Estados-Membros
constitui uma ameaça à coesão europeia. A fiabilidade é condição indispensável para a sobrevivência de um modelo económico e social europeu.
A actual crise mostrou também que a coordenação das políticas económicas é urgente e, actualmente, insuficiente. Ao longo do processo
de integração, os Estados-Membros souberam
definir e aprofundar modelos de governação
adequados aos desafios que se foram colocan-
do. É inegável a interdependência das economias
nacionais dos Estados-Membros, em particular
dos que participam na zona euro. Mas estabilidade e crescimento económico, sendo duas
faces da mesma moeda, só serão atingidos, no
actual contexto económico global, através de
uma efectiva coordenação das opções de política económica.
Não será possível lançar um novo ciclo de crescimento sustentado na União Europeia sem assumir politicamente, ao mais alto nível, uma nova
dinâmica de governação, baseada numa coorde-
nação efectiva das políticas económicas nacionais,
desde a definição das prioridades estratégicas até
à sua implementação no terreno. Esse objectivo
deve ser assumido com carácter prioritário.
Por último, solidariedade deve continuar a ser
o cimento da unidade europeia. Muitas vezes reduzido a um debate entre beneficiários e contribuintes, a verdade é que o projecto europeu é,
nunca é demais recordá-lo, um projecto de solidariedade entre povos e nações que perceberam
que o seu interesse está, precisamente, na criação
de benefícios comuns.
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