SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS: CONTRIBUTOS
PARA A SUA REFORMA
Luciano de Almeida
Instituto Politécnico de Leiria / Instituto Politécnico de Macau
[email protected]
O ensino superior português, enquanto sistema, no decurso das últimas três décadas soube
corresponder às necessidades do País. Na actualidade estará preparado para responder aos desafios
colocados com a sua integração no Espaço Europeu de Ensino Superior?
O estudo efectuado revela que, desde o ano 2000, os sucessivos responsáveis governamentais
portugueses mostram um elevado grau de insatisfação face ao desempenho do sistema de ensino
superior, constatando-se que esse grau de insatisfação se manteve constante, independentemente da
alternância no poder. Os especialistas nacionais e estrangeiros que se pronunciaram sobre o sistema de
ensino português fazem dele uma leitura particularmente crítica e reclamam a sua reforma. Os
responsáveis pelas instituições, os dirigentes estudantis e os peritos nacionais ouvidos, consideram a
rede de estabelecimentos e de cursos de ensino superior desadequada e carecendo de reforma. O
estudo conclui pela existência de um diagnóstico comum que confirma a necessidade de se proceder à
reforma do sistema de ensino superior português e apresenta o sentido das políticas que, de acordo
com o estudo efectuado, devem presidir à reforma do sistema público de ensino superior português.
Palavras-chave: política educativa; sistema de ensino superior público; administração educativa;
instituições de ensino superior; reforma.
1. Introdução
Após a Revolução do 25 de Abril, a educação em Portugal sofreu uma profunda evolução. O
acesso à educação, até então privilégio de alguns, democratizou-se tendo o Estado procurado
criar as condições necessárias para a igualdade de oportunidades de educação para todos os
cidadãos, independentemente do género, condição económica ou social (Arroteia, 1996). Tal
ficou consignado no artigo 73º da Constituição da República Portuguesa. Em consequência,
assistiu-se a um crescimento acelerado da população escolar e da rede de estabelecimentos de
ensino em todos os níveis educacionais. No que concerne ao ensino superior houve que dotar
o sistema de uma rede de estabelecimentos que se mostrasse capaz de responder às
expectativas de acesso à educação superior por um número cada vez mais crescente de alunos
1
que, no ano lectivo 1973/1974, ano da Revolução de Abril, era de 56.608 e, trinta anos
depois, no ano lectivo 2002/2003 atingiria os 395.478 alunos, ou seja, um crescimento de
798,6% (Leão, 2007). Tal facto tem a ver com a percepção crescente da sociedade portuguesa
das vantagens da formação de nível superior, por razões de “mobilidade social”, e da
necessidade crescente dos diversos sectores de actividade económica disporem de mão-deobra qualificada e apta a competir com a abertura aos mercados internacionais subsequente à
Revolução de Abril (Simão, et all, 2005).
2. Da democratização do acesso à educação superior à necessidade de reforma do
sistema
Decorridos mais de trinta anos sobre o 25 de Abril de 1974, no momento em que Portugal
está confrontado com novos desafios decorrentes da construção do Espaço Europeu de
Ensino Superior, assente na Estratégia de Lisboa acordada em Março de 2000, tornou-se
necessário investigar sobre o passado e o presente do sistema de ensino superior português,
os fundamentos em que se baseou o discurso político sobre o ensino superior, a sua
organização e evolução desde 1970, e compreender as razões sociais e políticas a eles
subjacentes. Mais, ainda, perceber a dinâmica das instituições públicas de ensino superior no
referido período e em que medida ela se mostrou adequada para responder às questões do
desenvolvimento económico e social em Portugal.
Desde 2000 que se vem acentuando a percepção por parte dos responsáveis políticos (Silva,
2003; Socrates, 2006), dos estudiosos das questões da ensino superior em Portugal (Simão, et
al, 2005; Moreira, 2006) e dos dirigentes das instituições, que se é verdade que o sistema de
ensino superior português foi capaz de responder ao crescimento da demanda por parte dos
jovens a que se assistiu após o 25 de Abril não será menos verdade que o crescimento rápido
a que foi sujeito não permitiu a implementação de uma rede racional (embora extensa e
diversificada), capaz de responder aos desafios que se lhe colocam no dealbar do Século XXI,
que tornará inevitável que se lhe suceda um processo de reforma do próprio sistema
(Magalhães, 2004).
É uma discussão que ganhou forma a partir de 2000, quando o XIV Governo Constitucional
apresentou na Assembleia da República, a Proposta de Lei n.º 22/VIII (2000), relativa à
organização e ordenamento do ensino superior cuja apresentação foi fundamentada na
2
necessidade de se proceder à reorganização e racionalização da rede de estabelecimentos e de
cursos de ensino superior e de clarificar a diferente natureza dos subsistemas universitário e
politécnico (Lei n.º 26/2000, de 23 de Agosto).
A referida Lei assentava em quatro pilares, como assinalou o Conselho Nacional de
Educação1 no seu parecer: (a) assumia uma lógica de “rede global” de ensino superior
(considerando todas as instituições, públicas e privadas, universitárias e politécnicas), com o
objectivo de racionalizar a rede do ensino superior, (b) a necessidade de garantir ao ensino
superior politécnico um novo modelo de organização institucional assente no instituto e não
nas escolas; (c) a garantia de requisitos mínimos e comuns de qualidade para a criação de
novas escolas e cursos, e (d) a criação de um sistema de regulação independente capaz de
assegurar a coordenação do sistema e a relevância social e garantia de relevância académica
das suas formações.
Quer o Conselho Nacional de Educação, quer o Conselho Nacional de Avaliação 2, foram
unânimes quanto à necessidade de se encontrar resposta capaz de inverter a tendência de
desregulação que o sistema de ensino superior, tendo-se, porém, pronunciado criticamente no
que concerne à filosofia subjacente à lógica de racionalização da “rede global” que era
proposta, considerando que a sua sujeição ao sistema urbano nacional e aos eixos territoriais
em que assentava, esquecia o importante contributo que a instalação de um estabelecimento
de ensino superior, numa determinada região, dá para o desenvolvimento dessa região.
As primeiras iniciativas legislativas reformitas surgiram no ano 2000, com a aprovação da lei
de organização e desenvolvimento do ensino superior3, a qual veio a ser revogada dois anos
mais tarde. Tratou-se da primeira iniciativa política claramente direccionada para a reforma
do ensino superior, embora sem qualquer consequência prática.
Porém, a necessidade de reorganizar a rede de estabelecimentos de ensino superior e a rede
de cursos de ensino superior, acompanhada da revisão das leis de autonomia das instituições
1
Apreciação do Anteprojecto de Proposta de Lei de Organização e Ordenamento do Ensino Superior, em:
http://www.cnedu.pt/index.php?section=4&module=md_pareceresmodule.
2
Parecer n.º 1, sobre o anteprojecto da proposta de lei de organização e ordenamento do ensino superior, aprovado em
27/04/2000 e publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Maio de 2000.
3
Lei nº 26/2000, de 23 de Agosto, aprovada apenas com os votos do partido que apoiava o governo (Partido Socialista). A
lei nunca chegou a ser aplicada. Após uma remodelação do governo que substitui o Ministro da Educação a lei ficou no
esquecimento até ter sido revogada dois anos mais tarde.
3
dos estatutos da carreira docente, da lei da avaliação e da legislação relativa ao acesso ao
ensino superior, adquiria consensualidade: como fazê-lo era a questão.
Em 2003, com a tomada de posse de um novo Governo o processo de reforma é de novo
retomado. Com a publicação da Lei n.º 1/2003, de 6 de Janeiro (Regime Jurídico do
Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior), o legislador veio procurar clarificar a
diferente natureza de formação do subsistema universitário e politécnico, definir os princípios
gerais a que deve obedecer a rede de estabelecimentos de ensino superior, os requisitos
mínimos que os estabelecimentos devem respeitar, os requisitos mínimos e comuns a que
devem obedecer os cursos superiores conferentes de grau, os princípios gerais a que deve
obedecer a avaliação e acreditação dos cursos, as medidas de racionalização da rede, além da
criação do Conselho Consultivo do Ensino Superior.
A Lei foi anunciada como pedra fundamental de uma mais vasta reforma que se iniciava com
a sua publicação, tendo o Governo, logo após a sua publicação, em Janeiro de 2003,
promovido um debate nacional tendente à avaliação, revisão e consolidação da legislação do
ensino superior. Partindo de um trabalho elaborado pelos Professores Veiga Simão, Machado
dos Santos e Almeida Costa e de um questionário da autoria do Centro de Investigação de
Políticas do Ensino Superior (CIPES), coordenado por Alberto Amaral, desenvolveu-se, até
início de Abril desse ano, um debate nacional que contou com inúmeros contributos enviados
directamente para o CIPES (Amaral, 2003) ou recolhidos na página do Ministério.
Em 22 de Abril de 2003, o Ministro responsável pelo ensino superior apresenta publicamente
o Documento de Orientação “Um Ensino Superior de Qualidade” que é apresentado, como
“uma resposta consequente e reflectida aos problemas identificados e às propostas de
reforma, de acordo com uma perspectiva estratégica que o Governo tem para o ensino
superior”. O Documento é colocado à discussão pública, até 18 de Maio desse ano.
Encerrado o processo de discussão pública, o Conselho de Ministros, através da Resolução
n.º 67/2004, de 29 de Maio, criou um Grupo de Trabalho4 com a expressa missão de que este
propusesse os “princípios orientadores para a reorganização da rede de ensino superior em
Portugal e para a criação de sinergias entre os institutos politécnicos e as universidades”.
4
O Grupo de Trabalho era composto por: José Veiga Simão, Erich Reinhardt, Carlos de Melo Ribeiro, Franz Durst, W. L.
Bernercker, H. U. Prokosch, R. Lerch, Diogo Alarcão, J. M. Félix Ribeiro, Sérgio Machado dos Santos, António Almeida
Costa e Jorge Carvalhal.
4
Este documento que só veio a ser tornado público em Março de 2005, já depois da dissolução
da Assembleia da República e da queda do Governo que o promovera, denunciava a
necessidade de se proceder a uma reforma urgente e profunda do sistema de ensino superior
(Simão. J., et al 2005).
O diagnóstico que acabamos de referir não deixava de ser partilhado pelas instituições de
ensino superior. Já em 13 de Janeiro de 2000 no documento “Ensino Politécnico – algumas
reflexões”,5 o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP)
reclamava a clarificação por via legislativa do campo de intervenção das universidades no
âmbito do ensino superior politécnico e, mais tarde, em 5 de Janeiro de 2005, através do
documento “Princípios de Orientação Estratégica para o Ensino Superior”6 veio defender
publicamente um conjunto de medidas que considerava adequadas para romper com o que
classificou, “actual estado de incapacidade do sistema de ensino superior para dar resposta
aos desafios de qualificação dos portugueses, sem cedências aos interesses corporativos que
têm impedido o seu desenvolvimento”.
Também o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), em Janeiro de
2005, na senda de posições que já tomara em Maio de 2003, aprovou o documento “A
Universidade Pública Portuguesa – Reflexão para uma política de desenvolvimento”7, no
qual identificava a necessidade de reforma do sistema de ensino superior e apontava para
algumas das linhas prioritárias de reforma.
Era pois, em geral, consensual a leitura que o sistema de ensino superior em Portugal
suscitava no sentido de carecer de uma profunda reforma, quando, em 2004, tomou posse o
XVII Governo Constitucional.
É perante este quadro que o então Governo faz inserir no seu programa o propósito de dar
prioridade à reforma do sistema de ensino superior português, que abrangerá: (a) a rede de
instituições e suas unidades orgânicas; (b) a rede de cursos de graduação e de pós graduação,
sujeitando-os a requisitos comuns de qualidade; (c) a reforma das instituições de ensino
5
Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. (2000). Ensino Politécnico – algumas reflexões (versão
preliminar). Leiria: Instituto Politécnico de Leiria.
6
Em www.ccisp.pt.
7
Em www.crup.pt.
5
superior em todas as suas dimensões, entre as quais se contam a reforma do seu sistema de
governo em que se reforce a autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com
estabelecimento dos mecanismos de controlo e prestação de contas; (d) travar a proliferação
de instituições e cursos sem relevância social; (e) alterar a política de vagas no ensino público
e (f) adequar a oferta de vagas à procura dos cursos pelos estudantes e das qualificações
respectivas por parte do tecido económico e social, sem nunca esquecer a relevância
científica e cultural das formações.
Propunha, ainda, promover um sistema nacional de garantia de qualidade assente em quatro
eixos: primeiro, alargamento da avaliação ao desempenho das instituições; segundo,
objectivação dos critérios da avaliação, a tradução dos resultados em apreciações qualitativas,
dimensão a dimensão, comparáveis entre si e a clarificação das consequências da avaliação,
quer para o funcionamento dos cursos e das escolas, quer para o seu financiamento; terceiro,
a internacionalização do processo de avaliação, designadamente na dimensão de avaliação
institucional; quarto, exigência de que universidades e politécnicos concretizem sistemas
próprios de garantia de qualidade, passíveis de certificação.
Para sustentar a reforma que se propunha encetar, o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior (MCTES) desencadeou, em Novembro de 2005, três processos de avaliação
internacional do ensino superior: a do sistema de ensino superior, enquanto sistema, pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); a do sistema
nacional de avaliação pela Rede Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino Superior
(ENQA) e, finalmente, as das instituições de ensino superior, pela Associação Europeia das
Universidades (EUA). São conhecidos os dois primeiros relatórios, particularmente críticos, e
que formulam recomendações que vão no sentido de uma reorganização profunda do ensino
superior em Portugal8 9.
Entretanto, foi publicado o novo sistema nacional de avaliação da qualidade (Lei nº 38/2007,
de 16 de Agosto) e o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (Lei n.º
62/2007, de 10 de Setembro), que introduz profundas alterações ao modelo de organização e
governo das instituições de ensino superior públicas e privadas, universitárias e politécnicas,
e que introduz regras de sujeição a políticas de articulação regional da oferta formativa, dos
8
9
http://www.mctes.pt/?idc=31&idi=206&idt=22
http://devel.mctes.pt/archive/doc/EPHEreport.pdf
6
recursos humanos e financeiros, de reorganização interna das instituições, quer quanto às suas
unidades orgânicas, quer quanto à sua formação, além de normas relativas aos requisitos
mínimos de qualificação do corpo docente. Permite, ainda, em termos que aguardam
regulamentação, a possibilidade das instituições de ensino superior poderem optar por manter
a natureza de instituto público ou de se transformarem em fundações públicas de direito
privado. Mais recentemente, em 2009, procedeu-se à revisão dos Estatutos da Carreira
Docente universitária (DL 205/2009, de 31 de Agosto) e politécnica (DL 207/2009, de 31 de
Agosto).
Construído o edifício legislativo que há-de presidir á reforma do sistema de ensino superior
pareceu-nos fundamental o estudo das principais linhas de desenvolvimento que a reforma
deverá prosseguir. Procuramos dar um contributo para a formulação das políticas públicas em
educação superior para Portugal no quadro exigente da construção do Espaço Europeu de
Ensino Superior (Mora, J., 2004), através da investigação que desenvolvemos entre 2005 e
2008. São as principais conclusões desse estudo10 que procuraremos divulgar. Limitámos o
nosso estudo ao diagnóstico e à reforma do subsistema público de ensino superior não
considerando o subsistema não público.
3. Metodologia
Tendo em conta o quadro que traçamos do ensino superior em Portugal parece tornar-se claro
que o recurso a metodologias mistas (quantitativas e qualitativas) se revela adequado quando
pretendemos em simultâneo efectuar análises comparativas e desenvolver aspectos do estudo
em termos compreensivos e em profundidade.
O recurso aos métodos mistos permite, assim, ultrapassar as limitações das metodologias
quantitativas e das metodologias qualitativas, usadas numa relação de complementaridade,
entre si, permitindo uma complementaridade de dados, investigadores, teorias ou técnicas
(Triangulação) e obter informações que não poderiam ser obtidas com a mesma profundidade
e riqueza do que o seriam se obtidas utilizando isoladamente cada um dos métodos (Stake,
2007).
10
Almeida, L. (2008). Evolução do Sistema de Ensino Superior Após a Revolução de Abril de 1974. Expansão e
Desregulação. Reforma no Quadro do Espaço Europeu de Ensino Superior. Badajoz. Universidade da Extremadura
(policopiado).
7
Cientes desta realidade, afastamo-nos da discussão travada em torno da distinção dicotómica
entre quantitativo-qualitativo, acompanhando a tese de um continuum metodológico entre
quantitativo e qualitativo (Cook & Reichardt, 1986; Miles & Huberman, 1984). Tendo
presente esta postura, tal significa recusar (Blázquez, 1991), como referimos, a contraposição
excludente entre metodologias quantitativas e qualitativas e aceitando no processo de
investigação numa relação de complementaridade entre ambas. Esta complementaridade,
possibilita uma atenção aos múltiplos objectivos que podem ocorrer numa mesma
investigação, potenciam-se mutuamente ao permitir partilhar pontos de vista e percepções
que nenhuma das metodologias pode oferecer em separado e, contrasta resultados
possivelmente divergentes que obrigarão a revisões mais exigentes (Moreira, 2007).
Com o reconhecimento e a aceitação da possibilidade do recurso a uma pluralidade de vias
para aceder à realidade social, numa relação de complementaridade entre si, nasceu o
conceito de triangulação, ou diferentes aproximações teóricas e metodológicas num mesmo
trabalho de investigação (Sousa, 2005), de que nos ocuparemos de seguida. No processo de
recolha da informação e do tratamento dos resultados recorremos a várias estratégias de
triangulação, de acordo com a Figura 1.
FIGURA 1. TRIANGULAÇÃO

1
Inquérito
2
Peritos
3
Documentos oficiais
1
Observação Participante
2
Dirigentes AES
3
Fontes não oficiais
1
Triangulação de Técnicas ou Modos de recolha de dados
2
Triangulação de participantes
3
Triangulação das fontes documentais escritas
1
Análise documental
2
Dirigentes IES
3
Fontes estatísticas
Fontes de
Evidência
------------Dados
Análise
resultados
CONCLUSÕES
Triangulação de técnicas ou modos de recolha de dados (Lessard-Hébert, Goyette, G &
Boutin, 2005), através do recurso ao inquérito, à observação participante e á análise
8
documental. Cada uma destas técnicas de recolha de dados tem a sua aplicação e
vantagens, permitindo, o inquérito, recolher informação junto de um maior número de
indivíduos, embora a profundidade dessa informação seja menor que a observação
participante. Esta, embora garantindo uma maior profundidade de informação, limita o
universo de indivíduos sobre os quais incide esta recolha. Quanto à análise documental,
ela entra na realização de qualquer tipo de investigação, sendo complementar das
anteriores técnicas acima referidas. Em particular:

No âmbito do inquérito procedemos á triangulação de participantes, recorrendo a
três categorias de participantes, dirigentes das instituições públicas de ensino
superior (presidentes de institutos politécnicos e reitores das universidades),
dirigentes das associações de estudantes das universidades e institutos
politécnicos, peritos (individualidades de reconhecida competência no domínio
das políticas de ensino superior, se distinguiram no exercício de funções de
natureza diversa no domínio do ensino superior);

No âmbito da análise documental procedemos à triangulação das fontes de
documentação escritas, recorrendo aos documentos oficiais (públicos e privados
- documentos do Governo, departamentos Governamentais, Conselho de Reitores
das Universidades Portuguesas, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores,
Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, associações sindicais,
associações estudantis, etc.), fontes não oficiais (livros, imprensa, revistas e
publicações periódicas), fontes estatísticas (nacionais e estrangeiras, económicas
e sociais) (Albarello, et al, 1997).
O estudo empírico tem por base a recolha directa de informação a partir da triangulação dos
participantes através do Inquérito, por questionário, que foi enviado a todos os presidentes
dos institutos superiores politécnicos e a reitores das universidades, ambos de natureza
pública, dirigentes das associações de estudantes, e do Inquérito, por entrevista semiestruturada, efectuado junto de peritos nacionais. Recorremos, assim, a dados primários
(questionários e entrevistas) e a dados secundários (documentos oficiais, documentos não
oficiais e fontes estatísticas).
9
Estando em causa um sistema, o sistema de ensino superior, na recolha e tratamento de dados
tivemos presente os parâmetros fundamentais que definem o sistema, a saber: o seu ambiente,
as entradas, o processamento, as saídas e a retroacção.
Os referidos parâmetros, embora nem sempre fáceis de separar, permitiram-nos precisar o
contexto teórico da nossa análise e prosseguir a sua apreciação de forma consistente e
cientificamente mais adequada. Recordamos de Chiavenato (1987) que um sistema é um
“conjunto de elementos dinamicamente relacionados entre si, formando uma actividade para
atingir um objectivo, operando sobre entradas (informação, energia ou matéria), e
fornecendo saídas (informação, energia ou matéria) processadas. Os elementos, as relações
entre elas e os objectivos (ou propósitos) constituem os aspectos fundamentais na definição
de um sistema”.
FIGURA 2. PARÂMETROS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR
O ambiente
proporciona:
Entrada de
Recursos
•Estudantes
•Financiamento
•Informação
•Recursos Humanos
O ambiente
consome:
A organização transforma:
Processo
de Transformação
•Organização
•Sistema de Governo
•Actividade Científica
•Actividade Pedagógica
•Valorização Económica
do Conhecimento
Saídas
•Diplomados
•Conhecimento
•Prestação Serviços
Retroacção
Fonte: Adaptado de Chiavenato, p. 325
A natureza académica do estudo levou-nos a considerar estas questões numa segunda
vertente, na vertente da Administração pública, que tem a ver com:
 Aspectos de natureza organizacional relacionados com a natureza, o governo e a
intervenção da sociedade civil na administração das instituições de ensino superior;
 Papel do Estado como promotor da autonomia, da regulação do sistema e da regulação
interna das instituições;
10
 Financiamento das instituições por parte do Estado, dos alunos e das famílias,
condicionante do acesso dos alunos;
 Reformas, relacionadas com os “ciclos de Bolonha”;
 Avaliação e acreditação dos cursos e das instituições, em função dos resultados das
políticas anteriores seguidas nesta matéria.
A leitura que fazemos do questionário permitiu-nos, na verdade, ajuizar das vantagens por
esta opção, uma vez que os dados obtidos nos trouxeram resultados muito significativos
quando analisámos as respostas dos responsáveis das instituições de ensino superior
inquiridas. A recolha de informação contemplando os aspectos acima descritos dá-nos a
conhecer o que os principais responsáveis das instituições de ensino superior de natureza
pública, os dirigentes das associações de estudantes e os peritos, entendem ser de considerar
num projecto de reforma.
Estes, em suma, os aspectos relevantes que permitem enquadrar a metodologia seguida no
estudo empírico cujos resultados permitiram chegar às conclusões que de seguida se
apresentam.
4. Resultados
No enunciado do conjunto dos resultados susceptíveis de se constituírem contributos para a
reforma do ensino superior público português não podemos deixar de formular uma pergunta:
o que procuramos com a reforma? A resposta a esta questão pareceu-nos essencial.
Seguimos Camargo (2002) quando afirma que as reformas buscam empreender uma mudança
educativa como resultado de uma ampla convergência e acordo de todos os actores
implicados no acto educativo e que possa expressar-se num clima escolar que sirva de apoio e
promoção das difíceis tarefas que a mudança implica. Um processo de reforma envolve
forçosamente a necessidade de enfrentar resistências e incompreensões para a promoção da
mudança, envolve, do mesmo modo, a indispensabilidade de ganhar as pessoas para a
necessidade dessa mudança e pressupõe que se tenha presente que é com as pessoas que estão
no sistema que se faz a reforma. Isto significa que é necessário criar condições para uma forte
convergência dos actores quanto à necessidade e exequibilidade das principais medidas, ou,
11
então, estar disponível para incluir no processo de reforma a substituição das pessoas como
condição essencial para o seu sucesso, via que significaria reformar num processo de rotura.
Parece ter sido num processo de rotura que se orientou o Governo tendo em conta as
reflexões do Secretário de Estado do Ensino Superior, Manuel Heitor11 de Junho de 2007, em
plena discussão pública perante a Assembleia da República da Proposta de Lei do Governo
sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior, através da divulgação na página
web do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de um documento que intitulou
“Reflexões sobre a Reforma do Ensino Superior em Portugal” e do qual não resistimos a
transcrever a seguinte passagem:
Se há algum sumário possível deste breve diagnóstico, é que a reforma do sistema de ensino superior
em Portugal requer a mobilização de actores críticos da sociedade, não sendo possível esperar a sua
auto-reforma. Contudo, este facto não é algo recente. Nos anos 60, Miller Guerra já tinha lançado o
alerta para essa situação ao afirmar que «as instituições universitárias não se auto-reformam»12.
Passados 40 anos, a frase proferida por Miller Guerra perdeu naturalmente o contexto em que foi
afirmada, mas continua a ser particularmente relevante para o ensino superior em Portugal,
nomeadamente como resultado de um relacionamento continuadamente desadequado com o Estado e a
sociedade civil. Se as reformas realizadas a partir dos anos 70 tiveram um enorme impacto quantitativo
e qualitativo no ensino Superior em Portugal, é hoje claro que não permitiram preparar o sistema para
os desafios da economia do conhecimento e, sobretudo, de uma sociedade de aprendizagem. Em
particular o resultado em relação à autonomia foi um constante fechamento das instituições
universitárias face à sociedade civil, e de uma situação de conformismo face a uma dependência
crescente do Estado.
No processo de reforma encetado pelo Governo, cuja necessidade parece ser consensual
como vimos, parece ter-se partido do princípio que o processo não colheria a adesão das
instituições de ensino superior e dos seus responsáveis máximos, tendo, por isso, que ser
imposto pelo Governo com apelo ao apoio da sociedade civil, os chamados “actores críticos
da sociedade”.
Na análise que fizemos procurámos seguir um outro caminho, um caminho ditado pelo estudo
que fizemos do diagnóstico do poder político, dos principais responsáveis pelas instituições
11
www.mctes.pt/docs/ficheiros/NOTAS_RJIES_MH_26jun07.pdf.
Expressão referida por Rosas, F. et al. (1990). Portugal e o Estado Novo (1930-1960), em Nova História de Portugal,
p.496, Editorial Presença, em relação a um artigo publicado por J. P. Miller Guerra, in Análise Social, 6 (22-23-24), 1968,
pp. 639-667, e retomada em 1970 na Assembleia Nacional (As Universidades Tradicionais e a Sociedade Moderna, Moraes
Editores, Lisboa, 1970).
12
12
de ensino superior públicas, dos dirigentes das suas associações de estudantes, dos peritos
nacionais e internacionais. Um caminho, confessa-se, que rejeita a ideia de que o sistema de
ensino superior sendo destinatário da reforma a não deseja, nela não quer participar e a
pretende impedir.
Enunciaremos, pois, os resultados que, em síntese, devem ser retirados da investigação tendo
por referência os objectivos gerais e específicos que definimos como ponto de partida para a
investigação e a que agora procuraremos dar resposta. Os resultados obtidos da análise dos
dados primários (inquérito por questionário aos dirigentes das instituições de ensino superior
e aos dirigentes das Associações de Estudantes e inquérito por entrevista estruturada aos
peritos)
permitiram concluir que todos os grupo de inquiridos consideram a rede de
estabelecimentos excessiva, a rede de cursos excessiva ou inadequada, o regime de acesso ao
ensino superior, o regime de financiamento do ensino superior e a estrutura do sistema
inadequados, o sistema de governo e a implementação dos ciclos de Bolonha pouco
adequados e o sistema nacional de avaliação ineficaz, como em síntese podemos observar no
Quadro 1.
QUADRO 1. SÍNTESE DOS RESULTADOS DA ANÁLISE DE DADOS PRIMÁRIOS
QUADRO SÍNTESE DOS RESULTADOS
DA ANÁLISE DE DADOS PRIMÁRIOS
Sentido Global dos
Resultados
Dirigentes IES
Dirigentes AEs
Peritos
REDE DE
ESTABELECIMENTOS
EXCESSIVA
EXCESSIVA
EXCESSIVA
REDE DE CURSOS
EXCESSIVA
EXCESSIVA
INADEQUADA
REGIME ACESSO
INADEQUADO
INADEQUADO
INADEQUADO
FINANCIAMENTO DAS
INSTITUIÇÕES
INADEQUADO
INADEQUADO
INADEQUAADO
ESTRUTURA DO SISTEMA
INADEQUADA
INADEQUADA
INADEQUADA
SISTEMA DE GOVERNO
POUCO
ADEQUADO
POUCO
ADEQUADO
POUCO
ADEQUADO
REFORMA
IMPLEMENTAÇÃO CICLOS
DE BOLONHA
POUCO
ADEQUADA
POUCO
ADEQUADO
POUCO
ADEQUADA
REFORMA
AVALIAÇÃO
INEFICAZ
INEFICAZ
INEFICAZ
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
Fonte: Elaboração própria.
Os resultados obtidos da análise dos dados secundários (análise de documentos oficiais e
documentos não oficiais e fontes estatísticas) permitiram concluir que a rede de
13
estabelecimentos de ensino superior pública e a rede de cursos de ensino superior são
excessivas, que o regime legal de acesso ao ensino superior e o regime de financiamento das
instituições de ensino superior são inadequadas, que a estrutura do sistema de ensino superior
e o sistema de governo das instituições são inadequados ou produzem menos resultados do
que o esperado, que a implementação dos ciclos de Bolonha carece de avaliação ou é
inadequada, que o sistema nacional de avaliação do ensino superior é ineficaz, como em
síntese podemos observar no Quadro 2.
QUADRO 2. SÍNTESE DOS RESULTADOS DA ANÁLISE DE DADOS SECUNDÁRIOS
QUADRO SÍNTESE DOS RESULTADOS DA ANÁLISE
DOCUMENTAL (DADOS SECUNDÁRIOS)
Documentos
oficiais
Documentos
não oficiais
Fontes estatísticas
REDE DE
ESTABELECIMENTOS
EXCESSIVA
EXCESSIVA
EXCESSIVA
REDE DE CURSOS
EXCESSIVA
EXCESSIVA
EXCESSIVA
REGIME ACESSO
INADEQUADO
INADEQUADO
INADEQUADO
FINANCIAMENTO DAS
INSTITUIÇÕES
INADEQUADO
INADEQUADO
INADEQUADO
ESTRUTURA DO SISTEMA
INADEQUADA
INADEQUADA
PRODUZ MENOS
RESULTADOS
REFORMA
SISTEMA DE GOVERNO
INADEQUADO
INADEQUADO
PRODUZ MENOS
RESULTADOS
REFORMA
IMPLEMENTAÇÃO CICLOS
DE BOLONHA
A AVALIAR
INADEQUADA
-
AVALIAÇÃO
INEFICAZ
INEFICAZ
INEFICAZ
Sentido Global dos
Resultados
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
REFORMA
Fonte: Elaboração própria.
5. Conclusões
A aplicação dos instrumentos de investigação a que recorremos e a análise dos resultados
recolhidos na Parte empírica da Tese, permitiram-nos chegar às seguintes conclusões:
A – Em relação ao ensino superior público, em geral, enquanto sector do sistema de ensino
superior português:
 A rede pública do ensino superior em Portugal não se mostra adequada às exigências e
às expectativas da sociedade, bem como às novas orientações (pedagógicas,
14
científicas, administrativas e outras) decorrentes da criação do Espaço Europeu de
Ensino Superior estabelecidas pelo processo de Bolonha.
B – Em relação à rede de estabelecimentos e à rede de cursos de graduação das
instituições de ensino superior públicas, universidades e politécnicos:
 A rede pública de estabelecimentos de ensino superior, universitária e politécnica, é
excessiva, implicando a sua adequação a redução da rede;
 A redução da rede deve seguir cumulativamente duas vias correctivas: a redução
promovida por via administrativa dos estabelecimentos, ou unidades orgânicas destes,
que não cumpram os requisitos legais mínimos fixados na lei e a redução através da
promoção de consórcios ou outras formas de articulação das instituições,
nomeadamente através de processos de integração ou de fusão;
 Devem ser permitidas e encorajadas formas de associação, entre institutos
politécnicos, entre universidades e entre institutos politécnicos e universidades,
revestindo quaisquer formas de organização, nomeadamente a de consórcios;
 Deve ser objecto de regulação a constituição de consórcios entre instituições de ensino
superior, permitindo que estes possam ter diferentes níveis de autonomia e atingir
diferentes graus de desenvolvimento, visando a racionalização dos recursos humanos,
financeiros e físicos entre as instituições integrantes;
 O processo de articulação da rede de estabelecimentos deve ter por referência os eixos
territoriais de desenvolvimento e deve ser estudada a base territorial adequada,
admitindo-se que esta possa ter por base as antigas províncias, as NUTS II13, ou as
chamadas Regiões-Plano;
 Deve permitir-se a permeabilidade e a comunicabilidade entre os subsistemas
universitário e politécnico, seja através da criação de formações conjuntas ou em
associação, de unidades orgânicas típicas de um subsistema em instituições do outro
subsistema, quando tal se mostre necessário para satisfazer as necessidades de
formação numa determinada região e nela não haja instituições públicas do respectivo
subsistema;
 Deve ser objecto de iniciativa legislativa a regulação do regime jurídico das fundações
públicas de direito privado, devendo ser assegurado o património fundacional
necessário e adequado ao desenvolvimento das actividades da fundação;
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Portugal tem 7 NUTS II, cinco no continente (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) e duas no
território insular (uma correspondente à Região Autónoma da Madeira a outra à Região Autónoma dos Açores.
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 A rede dos cursos de graduação ministrados nas instituições de ensino superior
públicas é excessiva e pouco legível; a sua adequação implica a redução do número de
cursos e de designações dos cursos, sendo desejável a formulação de um elenco,
embora dinâmico, de designações;
 A redução do número de cursos deve seguir cumulativamente duas vias correctivas: a
redução, por via administrativa, dos cursos quando não preencham os requisitos legais
mínimos fixados para o seu funcionamento, e a redução que decorra da aplicação das
consequências legalmente previstas em caso de avaliação negativa pela Agência de
Avaliação e Acreditação do Ensino Superior;
 Deve promover-se a articulação regional entre as instituições de uma mesma região,
independentemente do subsistema de ensino em que se integrem, tendo em vista,
nomeadamente, a criação de novas unidades orgânicas, a coordenação da oferta
formativa, incluindo aqui a criação de novos cursos a e fixação das vagas de ingresso.
C – No que se refere à estrutura do sistema de ensino superior:
 O modelo em que assenta o sistema binário português deve ser repensado tendo em
vista uma profunda análise da base em que assenta a sua própria concepção. Deve
questionar-se se o modelo adequado às necessidades e dimensão do país é o modelo
actual que tem por base as instituições com as suas diferentes designações,
submetidas a um regime de apartheid legal, ou um novo modelo que tenha por base
as formações (um sistema binário de formações em vez de um sistema binário de
instituições), baseado no reconhecimento de que sendo necessário produzir formações
vocacionais não é relevante se é uma universidade ou um instituto politécnico que o
faz, o mesmo sucedendo com formações mais académicas ou conceptuais. O
importante é que o sistema de ensino, como um todo, seja capaz de dar resposta à
satisfação dessas necessidades;
 A missão das instituições de ensino superior público, universidades e institutos
politécnicos, não deve ser caracterizada em função do subsistema universitário ou
politécnico em que estas se inserem devendo ser ajustada exclusivamente às
condições objectivas de natureza científica e pedagógica que estas efectivamente
reúnam.
16
D – Relativamente à natureza jurídica das instituições e ao sistema de governo:
 A natureza jurídica de instituto público que reveste as actuais instituições de ensino
superior público, com a subsequente sujeição destas ao regime dos institutos públicos,
constitui um obstáculo ao desenvolvimento das instituições, sendo desejável que as
instituições evoluam para outros modelos de organização públicos ou privados;
 O modelo de governo das universidades e institutos politécnicos regulado pela Lei n.º
62/2007, de 10 de Setembro, que aprovou o Regime Jurídico das Instituições de
Ensino Superior, contribui para a aproximação das instituições de ensino superior à
sociedade civil, sendo desejável que se imponha por lei a obrigatoriedade de
participação de elementos externos em órgãos deliberativos do governo das
instituições;
 Deve ser aprofundado o grau de autonomia das instituições públicas de ensino
superior face ao Estado, considerando-se o aprofundamento da autonomia das
instituições como condição necessária ao seu melhor desempenho.
E – No que respeita ao financiamento do sistema de ensino superior público, pelo Estado,
pelas famílias e pelos alunos:
 O regime legal do financiamento das instituições públicas de ensino superior,
regulado pela Lei n.º 37/2003, de 22 de Agosto, alterada pela Lei n.º 49/2005, de 30
de Agosto, deve ser revisto. O Estado deve assegurar o orçamento de funcionamento
necessário ao normal desenvolvimento da actividade de cada uma das instituições
tendo em conta os objectivos e a missão da própria instituição, bem como os
resultados obtidos;
 Deve ser revisto o regime legal de comparticipação das famílias e dos alunos nos
custos do ensino superior (propinas), o que implica uma prévia discussão do papel do
Estado no financiamento do Ensino Superior, tendencialmente gratuito, conforme
estabelece a Constituição da República, aproximado do custo real, como defendem
outros, salvaguardando, em todo o caso, o princípio da equidade no acesso ao ensino
superior;
 O valor das propinas deve ter em conta o custo real das respectivas formações,
devendo ponderar-se que este tenha igual valor para o mesmo tipo de formação,
independentemente da instituição em que o curso seja ministrado.
17
F – Em relação à construção do Espaço Europeu de Ensino Superior:
 A construção do Espaço Europeu de Ensino Superior assenta no princípio da liberdade
das instituições de ensino superior estabelecerem entre si parcerias, associações ou
quaisquer outras formas de organização, tendo em vista, nomeadamente, o
desenvolvimento de projectos conjuntos no plano nacional e internacional devendo
ser abolidas as barreiras legais à cooperação entre instituições nacionais e estrangeiras
de ensino superior, qualquer que seja o subsistema em que se inserem, sejam
universidades ou institutos politécnicos;
 Deve proceder-se à revisão do n.º 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de
Março e n.º 1 do artigo 9º, do mesmo diploma legal, no que respeita à fixação da
“duração-regra” do 1º ciclo de Bolonha em função da natureza universitária ou
politécnica das instituições;

A duração do 1º ciclo de Bolonha deve ser a que se mostre adequada aos
conhecimentos e competências que o aluno deva adquirir em função dos objectivos do
curso, independentemente da instituição que o ministra ser universitária ou
politécnica.
G – Relativamente ao acesso ao ensino superior:
 O actual regime de acesso e ingresso no ensino superior é inadequado e dificulta o
acesso ao ensino superior, devendo ser alterado;
 Enquanto se mantiver o actual sistema de acesso que exige cumulativamente a
titularidade do ensino secundário ou equivalente e a realização com aproveitamento
de provas de ingresso, devem ser exigidas as mesmas provas de ingresso para o
mesmo tipo de curso; num segundo momento, devem criar-se condições para que as
instituições possam proceder à escolha dos seus próprios alunos, salvaguardando
mecanismos de controlo de garantia da qualidade do processo de recrutamento;
 Deve ser alterado, gradualmente, o actual regime de numerus clausus, acautelando, no
entanto, eventuais danos colaterais para o equilíbrio da rede de estabelecimentos de
ensino superior, especialmente em relação às instituições situadas em regiões mais
deprimidas.
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H – Por último, relativamente ao sistema nacional de avaliação do ensino superior e às
consequências dele decorrentes:
 Governos e instituições não retiraram as consequências devidas dos processos de
avaliação promovidos no âmbito do sistema nacional de avaliação coordenados, até
2005, pelo extinto Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, conduta que
contribuiu para a desregulação do sistema de ensino superior português;
 O balanço que é feito do ensino superior português em termos de qualidade, pelo
governo, pelos dirigentes das instituições, pelos dirigentes estudantis e pelos peritos é
globalmente negativo;
 A avaliação a desenvolver, no futuro, pela Agência de Avaliação e Acreditação do
Ensino Superior, deve consistir numa oportunidade para identificar as deficiências,
fixar as condições necessárias para as superar e estabelecer o prazo razoável para que
as instituições possam atingir os padrões de qualidade exigíveis; caso tal não suceda
deve proceder-se ao encerramento dos cursos, das unidades orgânicas ou das próprias
instituições enquanto tal, dependendo da gravidade da situação em concreto.
A investigação que produzimos sobre o sistema de ensino superior português e, em especial,
sobre o sistema de ensino superior público, assentou numa visão macro do sistema, tendo em
vista a sua reforma e, ainda assim, apenas sobre o sistema público de ensino superior.
O estudo efectuado permite-nos concluir que o sistema de ensino superior público português
carece de uma reforma profunda em todos os seus domínios: estrutura do sistema de ensino
superior, rede de estabelecimentos e cursos de graduação, natureza jurídica das instituições de
ensino superior e sistema de governo, adequação à construção do Espaço Europeu de Ensino
Superior, financiamento, acesso ao ensino superior e sistema nacional de avaliação.
19
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SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS: CONTRIBUTOS PARA A