Georg Sans SJ
Lei moral e sumo bem: A Crítica da razão prática de Kant
(1) Por que o principio fundamental da moral não é material,
mas formal?
[Analítica, § 4.]
“Se um ente racional deve representar suas máximas como leis universais práticas, então ele somente pode representá-las como princípios
que contêm o fundamento determinante da vontade não segundo a
matéria, mas simplesmente segundo a forma.
A matéria de um princípio prático é o objeto da vontade. Este objeto ou é
o fundamento determinante da vontade, ou não o é. Se ele é o fundamento determinante da mesma, então a regra da vontade estaria submetida a uma condição empírica (à relação da representação determinante
com o sentimento de prazer e desprazer), conseqüentemente não seria
nenhuma lei prática. Ora, se se separa de uma lei toda a matéria, isto é,
todo objeto da vontade (enquanto fundamento determinante), dela não
resta senão a simples forma de uma legislação universal. Logo, um ente
racional ou não pode absolutamente representar seus princípios práticosubjetivos, isto é, suas máximas, ao mesmo tempo como leis universais,
ou tem de admitir que a simples forma dos mesmos, segundo a qual eles
convém à legislação universal, torna-os por si só uma lei prática.” (V, 27)
(Trad. port. de Valério Rohden, São Paulo: Martins Fontes, 2002, 45.)
Georg Sans SJ
Lei moral e sumo bem: A Crítica da razão prática de Kant
(2) Como é possível aplicar um princípio formal às ações concretas?
[Analítica, § 4. Anotação]
“Sem instrução o entendimento comum não pode distinguir qual forma na
máxima presta-se, e qual não, a uma legislação universal. Por exemplo,
adotei como máxima aumentar a minha fortuna através de todos os
meios seguros. Agora se encontra em minhas mãos um depósito, cujo
proprietário faleceu e não deixou nenhuma manifestação escrita a respeito. Naturalmente este é o caso de minha máxima. Quero saber agora
somente se aquela máxima pode valer também como lei prática universal. Aplico-a, pois, ao caso presente e pergunto se ela poderia admitir a
forma de uma lei, por conseguinte, se eu mediante minha máxima poderia fornecer ao mesmo tempo uma tal lei: que seja permitido a qualquer
um negar um depósito, cujo assentamento ninguém pode provar-lhe.
Dou-me conta imediatamente de que um tal princípio enquanto lei
destruir-se-ia a si mesmo, porque faria com que não existisse absolutamente depósito algum. Uma lei prática, que eu reconheça como tal, tem
que qualificar-se a uma legislação universal; esta é uma proposição
idêntica e, pois, por si clara. Ora, se digo: minha vontade está sob uma
lei prática, então não posso apresentar minha inclinação (por exemplo,
no presente caso, minha cobiça) como o fundamento determinante de
minha vontade apto a uma lei prática universal; pois essa inclinação,
completamente equivocada no sentido de que devesse prestar-se a uma
legislação universal, tem que, muito antes, sob a forma de uma legislação universal, destruir-se a si mesma.” (V, 27-28)
(Trad. port. de Valério Rohden, São Paulo: Martins Fontes, 2002, 45-46.)
Georg Sans SJ
Lei moral e sumo bem: A Crítica da razão prática de Kant
(3) Por que o virtuoso quer ser feliz?
[Dialética, V.]
“Felicidade é o estado de um ente racional no mundo para o qual, no
todo de sua existência, tudo se passa segundo seu desejo e vontade e
depende, pois, da concordância da natureza com todo o seu fim, assim
como com os fundamentos determinantes essenciais de sua vontade.
Ora, a lei moral como uma lei da liberdade ordena mediante fundamentos
determinantes que devem ser totalmente independentes (como motivos)
da natureza e da concordância da mesma com nossa faculdade de
apetição; porém o ente racional agindo no mundo não é ao mesmo
tempo causa do mundo e da própria natureza. Logo, não há na lei moral
o mínimo fundamento para uma interconexão necessária entre a
moralidade e a felicidade, proporcionada a ela, de um ente pertencente
ao mundo e por isso dependente dele, o qual justamente por isso não
pode ser por sua vontade causa dessa natureza e torná-la, no que
concerne à sua felicidade e a partir das próprias forças, exaustivamente
concordante com suas proposições fundamentais práticas. Não obstante,
no problema prático da razão pura, isto é, do necessário empenho em
favor do sumo bem, uma tal interconexão é postulada como necessária:
nós devemos procurar promover o sumo bem (o qual, pois, tem de ser
possível).” (V, 124-125)
(Trad. port. de Valério Rohden, São Paulo: Martins Fontes, 2002, 201.)
Georg Sans SJ
Lei moral e sumo bem: A Crítica da razão prática de Kant
(4) É razoável crer na existência de Deus?
[Dialética, V.]
“Portanto é postulada também a existência de uma causa da natureza distinta da natureza em conjunto, e que contenha o fundamento dessa interconexão, a saber, da exata concordância da felicidade com a moralidade.
Esta causa suprema, porém, deve conter o fundamento da concordância da
natureza não simplesmente com uma lei da vontade dos entes racionais,
mas com a representação dessa lei, na medida em que estes a põem para
si como fundamento determinante supremo da vontade, portanto não simplesmente com os costumes segundo a forma, mas também com a sua
moralidade como motivo dos mesmos, isto é, com a sua disposição moral.
Logo, o sumo bem só é possível no mundo na medida em que for admitida
uma causa suprema da natureza que contenha uma causalidade adequada
à disposição moral. Ora, um ente que é capaz de ações segundo a representação de leis é uma inteligência (um ente racional), e a causalidade de
um tal ente segundo esta representação das leis é uma vontade do mesmo.
Logo a causa suprema da natureza, na medida em que tem de ser pressuposta para o sumo bem, é um ente que mediante entendimento e vontade é
a causa (conseqüentemente o Autor) da natureza, isto é, Deus. Conseqüentemente o postulado da possibilidade do sumo bem derivado (do melhor
mundo) é ao mesmo tempo o postulado da efetividade de um sumo bem
originário, ou seja, da existência de Deus. Ora, a promoção do sumo bem
era para nós um dever, por conseguinte não apenas uma faculdade mas
também uma necessidade, vinculada ao dever como carência, de pressupor
a possibilidade desse sumo bem, o qual, uma vez que só ocorre sob a condição da existência de Deus, vincula sua pressuposição inseparavelmente
com o dever, quer dizer, é moralmente necessário admitir a existência de
Deus.” (V, 125)
(Trad. port. de Valério Rohden, São Paulo: Martins Fontes, 2002, 201-203.)
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