Um caso carioca de gentrificação?
Mayra Mosciaro1
Mestranda em Urbanismo no PROURB
Colaboradora do projeto de pesquisa Tecnologia, Planejamento e Território (IPPUR)
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
As cidades contemporâneas têm sido palco de uma série de processos
sociais, econômicos e políticos, nas mais diversas escalas. Com a globalização,
mencionada aqui sem que haja qualquer juízo de valor sobre os seus reflexos, ora
vistos como positivos, ora como negativos, tais processos se espalharam por uma
diversidade de cidades e por uma pluralidade de contextos urbanos pelo mundo.
Mas, como já foi extensamente debatido por diversos estudiosos, a globalização
não produz a homogeneização dos espaços e das práticas humanas, uma vez que
os modos de vida e tradições locais sempre acabam por influenciá-los e
contextualizá-los, re-adaptando-os à realidade local.
Pensando dessa maneira, o objetivo deste trabalho é analisar se há
elementos que sustentem a suposição de que há a ocorrência de um processo de
gentrificação no Centro do Rio do Janeiro, mais especificamente no bairro da
Lapa. Partindo da análise desse fenômeno, caracterizado pela revitalização e reatração da classe média para uma determinada área antes ocupada por uma
população mais pobre, em diversas outras cidades no mundo, buscarei
compreender quais seriam as suas particularidades no caso carioca.
PRIMEIROS QUESTIONAMENTOS SOBRE GENTRIFICAÇÃO
Nos anos denominados pós-guerra, houve nos Estados Unidos algo que Neil
Smith (1991) classificou como “antiurbanismo norte americano”, momento no qual
as cidades passam a ser vistas e retratadas como locus da pobreza,
1
[email protected]
1
criminalidade, drogas, corrupção... Nesse contexto de desvalorização do ambiente
urbano, se consolida o clássico processo de suburbanização das cidades
estadunidenses. As inner-cities ficam reservadas para as camadas menos
abastadas da sociedade, aquelas excluídas do “american dream” ou “american
way of life”.
No final da década de 60 e, de maneira mais intensa, a partir da década de
70, as grandes cidades norte-americanas voltam a se tornar ponto de atração das
classes média e alta. Alguns autores, como o já mencionado Neil Smith
(HAMNET, 1991), argumentam que esse fenômeno é o reflexo espacial de algo
muito mais complexo, como a nova divisão do trabalho e a emergência de cidades
globais. Já estudiosos como David Ley (HAMNET, 1991, p. 177) indicam o
crescimento e a consolidação de um novo grupo social, os “whilte-collars2”, como
forte acelerador dos processos de gentrificação. Na perspectiva de Ley, esses
cidadãos teriam força para impor no mercado imobiliário seus interesses, como o
de residir nas áreas centrais.
As inner-cities se tornam o playground desse novo grupo social, que inicia
seu processo de remodelação dessas áreas adequando-as aos seus interesses e
desejos. Esse fenômeno se torna muito visível em cidades como Nova York –
extensamente analisada pelos trabalhos de SMITH (1991), DEUTSCHE & RYAN
(1984) –, Vancouver (LEY, 1986), Baltimore (HARVEY, 2005), dentre muita outras.
Com o intuito de dar um nome a esse processo de reformulação de alguns bairros,
passa-se a anunciá-lo, nos jornais e no meio acadêmico, como um retorno da
gentry3 à cidade, e a partir daí nasce o termo gentrification, posteriormente
aportuguesado para gentrificação.
Desde o surgimento deste conceito, muitos foram os autores que buscaram
compreender sobre o que se tratava o processo de gentrificação e como ele
2
O conceito de white-collars nasce nas últimas décadas do século XX para determinar os
funcionários relacionados ao crescente setor de serviços. A consolidação desse grupo se dá em
oposição a diminuição dos trabalhadores blue-collars, provenientes do setor manufatureiro.
3
“Pessoas de alta classe social, especialmente no passado”. Dicionário Cambridge International,
1995, p. 589.
“Pessoa educada e de boa criação na Inglaterra, aqueles entre os nobres e os pequenos
proprietários rurais”. Dicionário Webster Online.
2
poderia ser percebido nas cidades. Uma das definições mais completas e
abrangentes é a de Chris Hamnet,
[A gentrificação é um] fenômeno simultaneamente físico,
econômico, social e cultural. Gentrificação comumente envolve a
invasão da classe média ou grupos de alto poder aquisitivo em
áreas previamente ocupadas pelas classes trabalhadoras. [...]
Envolve a renovação ou reabilitação física do que era,
freqüentemente, uma habitação altamente deteriorada e seu
melhoramento para ir de encontro com as requisições dos novos
proprietários. (Hamnett apud Hamnett, 1991, p. 175) 4
No contexto internacional, há mais de três décadas têm sido analisados os
reflexos e os diferentes processos que resultam na gentrificação de bairros
próximos a áreas centrais das grandes cidades. Mas, ao se pensar o Brasil e,
especificamente, a cidade do Rio de Janeiro, no último quartel do século XX,
nenhum bairro ou porção do Centro refletia a ocorrência de um processo similar
ao descrito por Hamnet. Por esse motivo, os questionamentos sobre gentrificação,
re-atração para áreas centrais, substituição dos grupos mais pobres pelos mais
ricos etc., não foram temas extensamente debatidos. Além do que, a realidade das
nossas cidades apresentava, e ainda apresenta, processos de exclusão e
segregação muito mais visíveis e alarmantes, e demandava muito da atenção do
meio acadêmico, que acabava por negligenciar processos ainda incipientes ou
pouco representativos.
O BAIRRO DA LAPA
4
Todos os trechos em língua estrangeira foram traduzidos livremente.
3
A área conhecida popularmente como “bairro da Lapa 5” nada mais é do que
uma porção do bairro do Centro. Com base na compreensão de Marcelo Lopes de
Souza sobre o que seriam os bairros e como eles se constituem no imaginário dos
habitantes das cidades, a Lapa poderia ser incluída nessa categoria, visto que:
[os bairros são] Pedaços de realidade social que possuem uma
identidade mais ou menos inconfundível para todo um coletivo; o
bairro possui uma identidade intersubjetivamente aceita pelos seus
moradores e pelos moradores dos outros bairros [...] A delimitação
destes [bairros] é dificultada pela inexistência de limites claros,
inquestionáveis [...] As pessoas demarcam seus bairros, a partir de
marcos referenciais [...]. (SOUZA, 1989).
Ainda buscando justificar a proposta de delimitação do “bairro da Lapa”, é
interessante mencionar a concepção do arquiteto e urbanista Carlos Nelson
Ferreira dos Santos (1988), que percebe a delimitação de espaços dentro das
cidades através de uma analogia com gradientes e tonalidades. Segundo ele, nos
miolos, área em que existe consenso absoluto sobre o pertencimento ao bairro, a
cor é mais intensa. Já nas fronteiras, estas cores vão sendo progressivamente
enfraquecidas, até que são substituídas por outras.
De acordo com as leituras de ambos os autores, tanto sobre o que são os
bairros, quanto sobre como se dão as delimitações dentro do tecido urbano,
alguns moradores, novos e antigos, e ex-moradores do local foram entrevistados.
A partir das suas leituras desse espaço por eles vivido, foi possível construir o
recorte a seguir. O trecho assinalado em vermelho é o que estava incluído na
maioria dos relatos, o miolo, segundo a leitura de Carlos Nelson. O polígono está
delimitado pela Rua dos Arcos (direita) até a Praça da Cruz Vermelha (esquerda),
sendo balizada pela Rua Mem de Sá e Avenida Chile.
5
Ao longo de todo o texto a área da Lapa será denominada “bairro da Lapa”, assim como faz
grande parte da população carioca, independente da inexistência administrativa desse recorte.
4
Ilustração 1: Delimitação do "bairro da Lapa" (Fonte: MOSCIARO, M. 2009).
Este artigo não tem o propósito de realizar uma análise histórica sobre os
diferentes processos de valorização e decadência que essa porção do centro da
cidade sofreu ao longo dos últimos séculos. Por este motivo, irei apenas focar nas
décadas finais do século XX que serviram de base para o processo a ser
investigado.
A partir da década de 80, a localidade da Lapa volta a se tornar foco de
algumas ações governamentais, como as implementadas pelo governo Brizola, ou
como a transferência do Circo Voador para a Lapa e a não demolição do prédio da
Fundição Progresso, que representaram as bases para o que futuramente seria
chamado de processo de revitalização da Lapa. Com o sucesso dessas primeiras
5
iniciativas, os investidores privados também voltaram sua atenção para esta área,
e novos bares, casas de show e teatros começaram a surgir.
Diante dessa nova realidade, a Lapa se torna um local freqüentado por
moradores dos mais diversos bairros da cidade e até mesmo por turistas nacionais
e internacionais. Inicia-se um processo de re-atração para essa área do Centro,
que passa a oferecer opções de negócios, empregos qualificados, lazer e
entretenimento. Mas, até esse momento, anos 80/90, a população apenas
freqüentava o local para divertimento ou trabalho, retornando depois aos seus
bairros de origem.
Há, portanto, a hipótese de que, primeiro, houve uma gentrificação dos
serviços. Mas, por duas razões, não entrarei a fundo nessa questão. Em primeiro
lugar, não abordarei especificamente a análise da gentrificação dos comércios e
serviços, já que meu foco principal é a gentrificação habitacional. E, em segundo
lugar, é questionável a utilização do termo gentrificação nesse caso, já que grande
parte dos imóveis da área se encontravam fechados ou subutilizados, ou seja, não
houve um processo de substituição de serviços, mas sim a chegada de novos
empreendimentos que se aproveitaram dos “espaços vazios”.
Com finalidade ilustrativa, alguns empreendimentos recém construídos
podem ser apontados como símbolo desse processo de revitalização e, posterior,
gentrificação da Lapa. Na categoria de prédios de negócios ou instituições
públicas, o mais expressivo, atualmente, são as torres do “Ventura Corporate
Towers”, construídas na Avenida Chile, para abrigar o BNDES e a Petrobras. Já
dentre os novos lançamentos residenciais, o grande chamariz é o condomínio
“Cores da Lapa”, seguido pelo edifício “Viva Lapa”. Também não se pode
esquecer dos retrofits6, que apesar de não representarem novas edificações, são
uma reformulação dos antigos casarios feita para atender às novas demandas,
tanto comerciais quanto habitacionais.
6
O termo retrofit nasce para definir aquelas obras que preservam as fachadas dos prédios e casas,
mas alteram todo o seu interior.
6
Ilustração 2: Empreendimentos símbolo da "nova Lapa", Ventura Towers, Viva a Lapa e
Cores da Lapa
AS BASES PARA A COMPREENSÃO DA GENTRIFICAÇÃO NA LAPA
Um elemento de fundamental importância quando se pretende identificar um
caso de gentrificação é que haja a presença dos elementos denominados como
gentrifiers, os agentes desse processo. Esse grupo pode ser composto tanto pelos
recém atraídos moradores, como pelos investidores que fornecem as bases para a
reprodução desse grupo. Até este momento, foi possível iniciar uma compreensão
sobre quem são os novos moradores dessa área e alguns dos elementos que os
atraíram para o “bairro”. Mas em relação aos produtores imobiliários e
investidores, ainda não foi possível traçar um perfil dos seus interesses e
motivações no caso da cidade do Rio.
Metodologicamente, optou-se por dividir os moradores da Lapa segundo
duas categorias: os moradores tradicionais, que habitavam a Lapa muito antes de
todo esse processo de revitalização; e os gentrifiers, aqui identificados como todos
os moradores que chegaram ao “bairro” após a implementação das iniciativas de
re-atração
para
o
local,
fossem
eles
residentes
ou
não
nos
novos
empreendimentos.
7
Na grupo de moradoras entrevistadas do “bairro””, quatro nasceram no bairro
da Lapa, nas décadas de 70 e 80. Duas delas ainda residem na Lapa e as outras
duas se mudaram para outros bairros da cidade. Através do discurso delas foi
possível compreender que a opção pelo local era produto de raízes sócio-afetivas
com aquele espaço, uma vez que suas famílias já residiam no local há muitas
gerações. A existência desses moradores, provenientes da classe média, é
comumente esquecida quando se pensa nos habitantes da Lapa, freqüentemente
associados à malandragem, a boemia e a grupos socialmente marginalizados.
O trabalho de Rosalinda Costa demonstra a dualidade da Lapa, que abrigava
essas duas imagens em constante conflito, a boemia e a família,
[...] Em torno de 1910 - 1940, duas identidades foram
espacialmente construídas. Uma, de bairro da boemia. Outra, de
bairro residencial familiar. A primeira dominou o imaginário coletivo
da cidade do Rio de Janeiro. A segunda, como imagem de uma
identidade espacial, ficou sufocada pela primeira. Tanto que a
Lapa familiar da qual sempre ouvíamos falar em criança, não
correspondia, inteiramente, à Lapa sobre a qual todas as gentes
falavam. Pois a Lapa desse período ficara, na história da cidade,
conhecida e reconhecida como o bairro da boemia. (COSTA, 1993,
p.4)
Esse relato de Rosalinda Costa aliado ao depoimento das pessoas
entrevistadas serve para corroborar com a idéia de que no “bairro da Lapa”,
independente de qualquer imaginário de malandragem, vícios e prostituição se
sobrepõem ao caráter residencial do local. A partir daí, já se torna possível realizar
uma comparação entre áreas gentrificáveis nos EUA, caracterizadas por Robert
Beauregard, como:
As vizinhanças para serem gentrificadas são locais deteriorados e
ocupados por classe baixa ou média-baixa, geralmente, composta
por pessoas idosas. Essas áreas residenciais estão localizadas
próximas ao CBD – Central Buisness District – e, costumam
possuir amenidades particulares como a vista da cidade, acesso a
8
parques ou locais de significância histórica.
1986, p. 37).
(BEAUREGARD,
E o caso canadense, especificamente na cidade de Vancouver, citada por
David Ley,
Uma característica distintiva [do centro] das cidades canadenses é
a ausência de grandes externalidades negativas, a contínua
presença de uma substancial classe média, recorrentes
investimentos do setor privado no ambiente construído (Goldberg
and Mercer apud David Ley, 1986, pp.522).
O caso da Lapa apresenta uma terceira possibilidade de interpretação, já
que existe uma contínua presença de membros da classe média, mas que se
torna invisível frente aos esteriótipos associados à Lapa. No entanto, por muitas
décadas, tanto o setor público quanto o privado negligenciou essa porção do
Centro, permitindo um significativo processo de degradação e abandono.
Mas, mais do que determinar quem são os antigos moradores do “bairro”, é
de fundamental importância que se conheçam quem são, e o que pretendem, os
novos moradores da Lapa. Neste estágio da pesquisa, ainda não foi possível
entrevistar um grande número desses gentrificadores, mas mesmo com poucos
questionários já foi possível identificar algumas similaridades entre eles e suas
motivações, assim como singularidades em comparação com casos estrangeiros.
Os moradores entrevistados foram solicitados para eleger de 0 a 5 os motivos que
mais o atraíram para a Lapa, sendo 5 a razão mais importante.
9
Gráfico 1: Fatores que atraíram os gentrificadores à Lapa. (Fonte: MOSCIARO, M. 2009)
5
4
3
2
1
0
A.S.
K.M.
T.G.
T.R.
D.M.
Facilidade de acesso
Proximidade do trabalho
Proximidade com opçoes de lazer
Valor do imóvel compatível com as necessidades
Imóveis mais adequados às necessidades
Possibilidade de unir alto padrão de imóveis com a proximidade do centro
Dois fatores não estão presentes no gráfico porque não foram escolhidos por
nenhum dos entrevistados: “possibilidade de adquirir o primeiro imóvel” e “boa
localização para quem está no Rio de Janeiro apenas a negócios”. A partir dessas
informações já se torna possível traçar um breve perfil sobre esses gentrifiers da
Lapa e colocá-os em contraposição com o esteriótipo criado por Smith & Willams
(1986).
Através do texto dos estudiosos norte-americanos, é possível identificar
razões como: incapacidade de adquirir imóveis nos subúrbios, devido aos seus
elevados preços, fazendo-os buscar por opções alternativas; proximidade com o
trabalho, não gastando longos períodos de tempo no trajeto casa-trabalho; e a
consolidação de um novo grupo social, composto por jovens, casados ou não,
mas, geralmente, sem filhos. Por meio da conversa com os gentrificadores
cariocas foi possível perceber que a questão da idade é um ponto em comum com
os norte-americanos; assim como a necessidade de estar perto do trabalho e de
opções de lazer se encontra presente nas respostas de todos os entrevistados,
como pode ser observado no gráfico.
10
Um outro elemento fundamental para a ocorrência de um processo de
gentrificação é uma significativa elevação no valor do solo no bairro afetado. A
progressiva atração de membros das camadas mais abastadas da sociedade e
dos serviços relacionados às demandas desse grupo produzem um encarecimento
dos imóveis para venda e locação, fator impulsionador da remoção dos grupos
mais pobres.
O caderno Morar Bem, publicado aos domingos no jornal O Globo, fornece
uma tabela com os valores médios das unidades, por bairro e por número de
cômodos. A partir desses dados, foi possível realizar uma comparação entre o
Centro e outros bairros tipicamente residenciais da cidade. Com base nessas
informações, não foi possível analisar especificamente a Lapa, mas, como a
localidade tem apresentado uma crescente atividade no setor imobiliário
habitacional, acredita-se ela seja a maior responsável pelos valores observados.
O segundo gráfico pretende demonstrar o valor dos imóveis disponíveis da
subseção Lapa, do mesmo caderno do jornal O Globo. Um dado relevante e que
não está evidenciado no gráfico é o aumento da oferta de unidades ao longo do
período estudado.
Em ambos os gráficos a seguir, os dados foram coletados no período entre
fevereiro de 2008 e setembro de 2009, fornecendo um recorte temporal de mais
de um ano, facilitando a observação de possíveis variações e tendências. Além
disso, as primeiras observações foram feitas antes da “entrega das chaves” do
condomínio “Cores da Lapa” e do prédio ”Viva a Lapa”, que afetaram
significativamente a oferta e os valores oferecidos no “bairro”.
11
Valor dos imóveis em diversos bairros do Rio de Janeiro
R$ 1.100.000,00
R$ 1.000.000,00
R$ 900.000,00
Laranjeiras
Ipanem a
R$ 700.000,00
Tijuca
R$ 600.000,00
Méier
R$ 500.000,00
Barra da Tijuca
Copacabana
R$ 400.000,00
Centro
R$ 300.000,00
R$ 200.000,00
R$ 100.000,00
1
2
3
Número de quartos
Gráfico 2: Valor dos imóveis em alguns bairros do Rio (fev. 2008 set. 2009).
(Fonte: MOSCIARO, M. 2009)
Variação do valor dos imóveis na área da Lapa, Rio de Janeiro
R$ 250.000,00
R$ 200.000,00
fev/08
Valores
Valor
R$ 800.000,00
R$ 150.000,00
dez/08
fev/09
jul/09
R$ 100.000,00
set/09
R$ 50.000,00
R$ 0,00
1
2
3
Número de quartos
Gráfico 3: Progressão no valor dos imóveis no bairro da Lapa.
(Fonte: MOSCIARO, M. 2009)
12
A partir de estudo bibliográfico sobre casos de gentrificação em outras
realidades urbanas, estes três elementos – elevação do valor do solo, atração de
um novo grupo social e chegada de novos empreendimentos – são
constantemente utilizados para determinar a ocorrência de casos de gentrificação.
A possibilidade de observá-los no caso da Lapa permite que se questione sobre a
real ocorrência de um processo deste tipo. Mas muitas outras pesquisas e
levantamentos precisam se desenvolver para que se possa categoricamente
afirmar que, de fato, existe um processo de gentrificação em curso na Lapa.
FOCOS DE TENSÃO
Um último aspecto, ainda não plenamente identificado na Lapa, mas que é
evidente em muitos casos de gentrificação, é o choque entre os grupos sociais, os
removidos e os gentrificadores. Em casos como o processo de gentrificação do
Lower East Side ou do Harlem, em Nova York (Smith, 1991), há resistência severa
da população local à chegada desses novos grupos sociais. Muitas vezes os
representantes das camadas menos abastadas acabam sendo incapazes de lutar
contra todo o poder financeiro e lobby dos gentrirficadores, e passam a ser vistos
como um mal a ser removido das cidades.
No contexto estadunidense, os grupos apologéticos da gentrificação tendem
a associar esse fenômeno com o processo de conquista do oeste americano, a
inner-city é vista como uma nova fronteira a ser desbravada, conquistada.
Assim como [Frederick Jackson] Turner reconheceu a existência
dos nativos americanos, mas os incluiu como parte da selvageria,
o imaginário contemporâneo da fronteira urbana trata a população
presente na inner-city como um elemento natural do ambiente
circundante. O termo “pioneiro urbano” é, portanto, arrogante
assim como a noção original de pioneiros que sugere que a cidade
ainda não era socialmente habitada; como os nativos, a classe
13
urbana trabalhadora é vista como menos que social, parte do
ambiente físico (SMITH, 1991, p. xiv).
Um discurso como esse ainda não foi identificado no caso do Rio de Janeiro,
mas por enquanto poucos foram os discursos que abordaram essa temática. O
meio acadêmico, em função do seu posicionamento na maioria das vezes crítico,
tende a repudiar comparações e análises desse tipo. Já os grupos intimamente
envolvidos no processo buscam consolidar no imaginário da população, que vive
fora desses bairros, a idéia de que a remoção dessas pessoas e sua substituição
pela classe média só tende a beneficiar, não apenas o local, como toda a cidade.
Ainda neste inicio das reflexões sobre o que pode estar ocorrendo na Lapa,
poucos são os movimentos que tem se mostrado contrários ao processo. Existem
duas possibilidades para esse fato. Em primeiro lugar, os grupos contrários a essa
atração de novas classes sociais para a Lapa não estão tendo voz para expor sua
insatisfação. É muito plausível que esteja ocorrendo algum tipo de movimentação
popular, só que ela ainda não atingiu o status de “questão urbana” para ser
largamente debatida e apresentada aos moradores dos outros bairros da cidade.
A diversidades de problemas sociais, econômicos e políticos que assolam a nossa
cidade é muito extensa, e isso dificulta que pequenas iniciativas, de magnitude
reduzida, possam ser ouvidas.
Outra possibilidade é um real interesse de uma parcela dos moradores da
Lapa de que esse processo se consolide. Afinal, a partir do que se ouviu de quem
já morava na Lapa antes do processo de revitalização, muitos desses moradores
se assemelham e se relacionam mais com o perfil socioeconômico dos gentrifiers
do que com os trabalhadores pobres e residentes nas casas de cômodo da Lapa.
Esse grupo percebe a gentrificação como uma forma de elevar o status social do
seu bairro, assim como de valorizar os seus imóveis, alheios aos impactos sociais
do processo.
14
NA BUSCA POR ESCLARECIMENTOS
Esse artigo teve como finalidade demonstrar alguns elementos que sugerem
a ocorrência de um processo de gentrificação na Lapa. A proposta dele não foi a
de trazer soluções, afirmar ou negar a ocorrência desse processo, pelo contrário,
a intenção é abrir os debates sobre o assunto para que outros pontos de vista
possam se desenvolver e enriquecer o debate.
Os casos internacionais são de fundamental importância para a consolidação
do conceito e a identificação de algumas linhas de pesquisa já bem sucedidas. No
entanto, o mais importante para o estudo do “bairro da Lapa” é identificar suas
singularidades, os elementos que o fazem único dentre as diversas áreas
gentrificadas no mundo.
As bases para essa compreensão já foram lançadas, mas muito ainda se
precisa questionar e muitos são os atores envolvidos a serem identificados e
estudados. Não se trata de um único trabalho, mas de uma pluralidade deles,
provenientes dos mais diversos campos do conhecimento, que permitirão um
entendimento mais completo do que pode estar ocorrendo na Lapa.
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Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós Graduação em Geografia
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15
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DICIONÁRIO CAMBRIDGE INTERNATIONAL of ENGLISH (1995). London:
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Jornal O GLOBO, caderno Morar Bem, 2008 e 2009. Rio de Janeiro.
MOSCIARO, Mayra. (2009) A “revitalização” da Lapa: Uma análise através dos
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SANTOS, Carlos N.F. dos (1988) A Cidade como Jogo de Cartas. Niterói e São
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SMITH, Neil (1996). The new urban frontier: gentrification and the revanchist city.
New York: Routledge
SOUZA, Marcelo L. de. O bairro contemporâneo: Ensaio de abordagem política.
In: Revista Brasileira de Geografia, 1989. Vol. 51, nº 2. Rio de Janeiro: IBGE.
16
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