A questão salarial
Absurdo!!!
J
amais pretendi ser dono da verdade, mas não posso deixar de comentar sobre
essa questão cruciante do aumento que se arrasta desde o início do ano e agora
termina em frustração. Isto não é novidade. Mudam-se táticas, fazem-se pressões
e ameaças, mas o resultado é o mesmo: desencanto geral. Isto se repete desde que
ingressei na PM, pelos idos de 1965. Já naquela época as categorias que mais chiavam
por ganhar mal eram os policiais-militares, os professores e os profissionais de saúde;
e uns se casavam com outros para tentar formar famílias somando suas misérias. Foi o
meu caso: ingressei como soldado e casei com professora primária; e houve época de
“entressafra” em que só se pleiteava, minimamente, perceber os parcos vencimentos
em dia; havia atrasos de dois meses consecutivos ou mais. Ah, e as chiadeiras eram
da boca pra dentro, arapongas não faziam futrica em surdina, como hoje: mandavam
à forca quem pusesse o pescoço de fora!
A luta de sempre... Enquanto isso, — desde lá e até hoje, — o que mais se vê em
quartel é arrocho das escalas de serviço, é desrespeito ao horário de trabalho, é
serviço extra jamais recompensado e tome cadeia nos recalcitrantes!... Isto no
mínimo, pois boa parte da tropa é lançada fora, como dejeto — ex-PM —, e vai à
miséria extrema junto com a família, mesmo que conte, às vezes, mais de trinta anos
de serviço e tenha descontado para o IPERJ e para o Fundo de Saúde da Corporação
durante a vida toda. Isto é
Absurdo!!!
Ao ganhar o pontapé no traseiro, nem sempre justo, ou melhor, geralmente injusto
(e, mesmo justo, há de se considerar que o ex-PM sofre desconto antecipado pela
aposentadoria que não leva nem proporcionalmente ao tempo que descontou), a
família do ex-PM perde imediatamente o direito ao atendimento hospitalar, dentre
outras aberrações que lembram os tempos do “escravo liberto” que suava a ganho do
patrão e recebia a “liberdade” já entrando no vai-volta a caminho do além-túmulo,
com a Igreja garantindo, em troca do sofrimento, um “reino dos céus” de delícias
eternas. Irra!... Arrenego!... Até criminoso condenado por atrocidades recebe ganhos
estatais enquanto o ex-PM passa fome. Isto é
Absurdo!!!
Cá pra nós, desde cedo senti na carne o escárnio dos superiores em relação aos
subordinados, e não falo apenas de oficiais versus praças. Guardo em mim a
experiência de ter sido soldado PM... Sim, é problema geral: o superior, seja de
graduação ou de patente, maltrata o subordinado como se lhe fosse “direito
regulamentar”, embora a legislação aponte no sentido inverso. Fui vítima disso, falo de
cadeira, eis porque passei a carreira toda respeitando os direitos mínimos dos
subordinados, sem, porém, ser benevolente com quem não merecesse. Mas procurava
ser justo e me preocupava com alguma decisão minha que viesse a afetar a vida
pessoal e familiar de qualquer subordinado. Pois muitas vezes o pecado estava na
instituição, e não no aparentemente faltoso. Como hoje...
Que devemos ganhar bem, sem dúvida, devemos!... Mas, de repente, há meios e
modos de conquistar nosso objetivo por meio de remuneração indireta, a começar pelo
pagamento de horas extras segundo as leis trabalhistas acessíveis a todos os
trabalhadores urbanos e rurais, cidadãos brasileiros que deixamos de ser ao
envergarmos a farda de PM. Essa história de “categoria especial” destinada aos
militares estaduais é a mais monumental falácia que conheço; danifica nossas vidas
dentro e fora da caserna. Isto é
Absurdo!!!
Falta à PMERJ cuidar da assistência social direta e eficaz à família do PM ativo e
inativo. Só fazem cobranças, nada promovem em termos de bem-estar e felicidade da
tropa. Não basta dar “cestas de Natal em nome da natividade de Cristo”, mas, sim,
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cestas básicas mensais bem supridas, conforme o tamanho da família do PM; não
basta dar atendimento médico, mas fornecer remédios gratuitos à tropa. Essas ONGs
que nadam em dinheiro bem que poderiam ajudar em programas assim.
Também se poderia garantir educação integral ao efetivo ativo e inativo e seus
dependentes, incluindo-se o nível universitário. Programas emergenciais de construção
de moradias populares para retirar PMs das favelas e do aluguel poderiam ser
promovidos em todos os Municípios. Enfim, há meios e modos de melhorar a vida da
tropa; basta haver maior empenho dos dirigentes e a exploração máxima do prestígio
da corporação junto à sociedade, mas em benefício da tropa e não para atender a
vaidades ou a outros objetivos inconfessáveis... Esquecer tudo isto — e muito mais —,
para fixar o interesse e a pressão somente em melhoria salarial, é acrescentar mais
um dígito na soma do fracasso histórico da má remuneração. Isto é
Absurdo!!!
É fácil entender: todos os servidores públicos ganham mal; cabe ao governante
solucionar o problema do frio geral com cobertores insuficientes. Temos de entender
isto, racionalmente, e jogar com a idéia do ganho indireto, que inclui a imediata
reorganização do efetivo conforme o anseio do PM. Sabemos que governantes
anteriores remexeram o efetivo abalroando as necessidades individuais e familiares
dos policiais-militares. Manter tal situação de desrespeito à tropa (homem errado no
lugar errado) é
Absurdo!!!
A busca do bem-estar e da felicidade não se deve prender tão-só a ganhar bem por
meio de dinheiro vivo, especialmente quando a realidade brasileira aponta para a
impossibilidade da concretude de tal desiderato. Falta verba ao Estado-membro para
atender a todas as demandas da população e dos servidores públicos. Então, temos de
pensar em alternativas úteis ao PM e tentar conquistá-las com inteligência e
criatividade.
Há algumas até permitidas por lei desde a época da ditadura militar, como, por
exemplo, a supressão de postos e graduações, o que permitiria clarear sobremodo a
folha de pagamento jogando-a para cima. Por exemplo, em vez de três categorias de
sargento e mais a de subtenente, bastaria uma só: sargento. A precedência
hierárquica e outras vantagens acrescidas (tempo de serviço, cursos etc.) cuidariam do
resto, mas a base salarial seria a mesma.
Também se deveria formar o policial-militar em período mais longo (um ano) e ele
já sairia do curso de formação como cabo PM. O soldado PM, hoje um desagradável
pejorativo (desculpem-me a redundância), existiria apenas no CEFAP (Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças). No caso do oficial, a supressão de postos
pode ser feita; basta estudar a forma mais adequada. Não há por que manter patentes
idênticas às do Exército Brasileiro. Por exemplo; para que existem segundo-tenente e
primeiro-tenente? Bastaria tenente; para que existir capitão? Bastaria major. Para que
existir tenente-coronel? Bastaria coronel. Enfim, um quadro enxuto, simples,
caracterizado pela precedência hierárquica e agraciado com vantagens acumuladas por
mérito, incluindo-se a possibilidade da valorização de cursos universitários (oficiais e
praças), aquinhoados em incentivo ao aprimoramento cultural.
Enfim, uma política de Incentivo ao Desempenho por via da remuneração indireta
em vista de fatores integrados ao nosso dia-a-dia. Citei alguns dentre muitos que se
inserem num rol de possibilidades realísticas. Agora, se as muitas entidades
representativas da categoria (são mesmo?) se reunissem para tratar do tema, creio
que haveria maior chance de ajustar a vida do PM valorizando o efetivo em vez de
aumentá-lo e investindo em tecnologia. O inchaço do efetivo dificulta e até impede o
alcance da eficiência e a eficácia da corporação no controle da violência urbana e rural
e prejudica o bem-estar e a felicidade da tropa. O aumento da quantidade é
inversamente proporcional à qualidade profissional e social do policial-militar. Isto é
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Absurdo!!!
Emir Larangeira
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