Tema VII – Organização e gestão dos serviços de saneamento. Item b = políticas
públicas.
Título
Plano de Ocupação para Áreas com sobreposição de Interesse Ambiental e Social
no Município de Santo André - SP.
Francisco Comarú - engenheiro civil, mestre em engenharia civil e Doutor em Saúde Pública
pela USP. É professor doutor adjunto da Universidade Federal do ABC.
[email protected]
Giselle Tanaka - arquiteta e urbanista e mestre pela FAU USP. Pesquisadora do LabHab FAU
USP de 1997 a 2006. Integra equipe da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da
Prefeitura de Santo André. [email protected]
Juan Cristaldo - arquiteto pela Universidad Nacional de Asunción (UNA-Py), mestrando pela
Universidade Nacional de Lanús (UNLA-Ar), cátedra UNESCO para o Desenvolvimento
Sustentável e o Foro Latinoamericano de Ciencias Ambientais (FLACAM). Integra a equipe do
SEMASA como Assistente Técnico da Superintendência.. [email protected]
Colaboradores (equipe do projeto)
UFABC: Jeroen Klink, Arilson Favareto, Darlene Dias, Ricardo Moretti, Gabriel Tashima;
PMSA: Rosana Denaldi, Margareth Uemura, Claudia Virgina Souza, Nilza Oliveira, Aylton
Affonso, Selma Scarambone; SEMASA: Sebastião Ney Vaz Jr., Izabel Maura Lavendowski,
Alessandra Miranda Crespi, Marcos Araújo, Peter Teixeira.
Palavras chave: gestão integrada, saneamento, meio ambiente
Plano de Ocupação para Áreas com sobreposição de Interesse Ambiental e Social
no Município de Santo André - SP.
Objetivos do trabalho e introdução
Este trabalho objetiva contribuir com a sistematização de dados e debate para a
elaboração de diretrizes de uso e ocupação do solo em áreas de sobreposição de
Zonas Especiais de Interesse Social e Zonas Especiais de Interesse Ambiental,
previstas no Plano Diretor Participativo. Para tal é realizado um estudo de caso no
município de Santo André, em área de preservação permanente de cabeceiras de
córrego – nascentes e topo de morro, tendo como referencia um projeto de extensão
universitária – PROEXT, proposto e executado em parceria pela Universidade Federal
do ABC, o Semasa - Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André e a
Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura de Santo André, com
financiamento do Ministério das Cidades e do Ministério da Educação.
A temática da compatibilização dos instrumentos urbanísticos com os ambientais é da
maior atualidade para o planejamento e gestão territorial no país. Diversos autores
tendem a concordar que ocorreu nos últimos anos um avanço significativo no
arcabouço jurídico institucional tanto no tocante às políticas urbanas quanto às políticas
ambientais. Estes avanços vão deste a entrada em vigor de novas leis e normas;
mecanismos de gestão compartilhada e controle social, como conselhos, conferências
e comitês em diferentes níveis federativos; até novos arranjos institucionais como a
estruturação do Ministério das Cidades.
Apesar destes avanços setoriais e intersetoriais nota-se que, do ponto de vista da ação
prática, há uma quantidade considerável de lacunas a serem preenchidas, de
intersecções não resolvidas e de ajustes relativos aos limites daquilo que pode ser
considerado aceitável e não aceitável em termos de uso e ocupação do solo urbano
versus preservação / conservação dos recursos ambientais.
Esta equação torna-se ainda mais complexa, considerando-se o gigantesco movimento
de construção de cidades e de assentamentos humanos, boa parte improvisados e
irregulares, principalmente por parte da população de mais baixa renda nas periferias
das metrópoles brasileiras, sem alternativas de moradia adequada. Há inúmeros
trabalhos acadêmicos e documentos institucionais que tratam deste assunto.
Nesta perspectiva, a preservação e recuperação de áreas de proteção ambiental nas
franjas das regiões metropolitanas e das grandes e médias cidades constituem desafio
complexo, principalmente considerando a interdependência entre preservação e o
modelo de desenvolvimento urbano brasileiro, periférico e excludente.
Este quadro sugere a necessidade de um robusto e adequado aparato técnico, jurídico
e institucional capaz de responder, tanto a demandas emergenciais, quanto ao
planejamento futuro e gestão do território numa perspectiva de construção de
sustentabilidade ambiental.
Entre as fragilidades mais sentidas pelos técnicos e gestores, tanto da área do
desenvolvimento urbano quanto da área ambiental refere-se justamente à
compatibilização de instrumentos e abordagens de gestão integrada do território,
prevenção de impactos e resolução de conflitos urbano-ambientais.
A sobreposição entre Interesse Ambiental e Interesse Social resulta em conflitos entre
dois objetivos baseados em valores legítimos e reconhecidos socialmente. O conflito
tem origem na dificuldade em garantir os dois interesses quando tratados a partir de
abordagens segmentadas da realidade, o que torna necessária a busca de soluções e
processos de tomada de decisões que visem compatibilizá-los, dentro de uma visão
integrada e considerando as limitações que as situações concretas colocam.
Em Santo André a situação não é diferente. Legislação recente do município, o Plano
Diretor (Lei nº 8.696 de 2004), identificou as áreas de cabeceira de três dos principais
córregos da área urbana – Cassaquera, Guarará e Itrapoã – como áreas destinadas à
proteção e recuperação da paisagem e do meio ambiente, onde deve ser garantida a
manutenção de áreas preservadas, a proteção das características ambientais
existentes e recuperação de áreas degradadas. Estas foram demarcadas como ZEIA’s
B, e foi remetida à legislação específica estabelecer diretrizes e parâmetros de
ocupação do solo compatíveis com os interesses ambientais.
No mesmo momento, o Plano Diretor identificou as áreas de ZEIS B e C, vazios na área
urbana destinados à provisão habitacional. Com base nestas ZEIS, o Plano Municipal
de Habitação - PMH (2006), que apresenta um diagnóstico da situação habitacional na
cidade e define meios para atender ao direito à moradia da população, buscou
identificar áreas da cidade que seriam destinadas à produção habitacional. O
diagnóstico do PMH revela um déficit habitacional de cerca de 25mil unidades
habitacionais (considerando que grande parte das favelas serão urbanizadas, e as
remoções serão mínimas nas áreas de risco e beiras de córregos). Para atender a esta
carência, o PMH identifica um Banco de Terras, composto por estas ZEIS (áreas
particulares) e áreas públicas destinadas para tal. Somadas estas, o município dispõe
de menos de 40% do necessário para atender à demanda. E ainda constata-se que
estas terras possuem restrições ambientais (APP’s, altas declividades), o que reduz a
área de provisão habitacional em pelo menos 30% do total considerado.
Nas áreas das ZEIA’s B, com sobreposição de ZEIS, este conflito é explícito. São áreas
vazias vistas pelo enfoque ambiental como prioritárias para serem protegidas, enquanto
que o PMH as define como potenciais para a provisão habitacional. Ressalta-se que
praticamente todos os vazios urbanos de que o município dispõe hoje apresentam
fragilidades ambientais
Nesta perspectiva, este projeto de extensão – que procura integrar ensino com a
produção de conhecimento, envolvendo agentes responsáveis pelo planejamento e
gestão municipal do desenvolvimento urbano e habitacional e do saneamento ambiental
– representa uma oportunidade importante de abordar a temática da interface deste
conflito, explorando as possibilidades de articulação e construção de compatibilidades,
a partir de problemáticas concretas na periferia da metrópole paulistana.
Metodologia e informações utilizadas
O trabalho se ampara em diagnóstico físico, urbanístico e ambiental elaborado sobre
duas áreas de ZEIA B, a primeira composta por duas micro-bacias de nascentes do
córrego Guarará e a segunda de uma micro-bacia do córrego Cassaquera.
O diagnóstico consiste primeiramente em atualização de base cartográfica das áreas
de estudo. São áreas de ocupação recente, com loteamentos novos implantados na
última década, e ocupações irregulares também deste período. A partir da base
cartográfica foi possível identificar as áreas de preservação de topo de morro,
nascentes e córregos, e sobreposições com a ocupação urbana. O diagnóstico físicoambiental consiste ainda de mapeamento da vegetação, das áreas de maior
declividade, situações de risco (levantamento geotécnico) e áreas de alagamento,
buscando-se identificar os graus de preservação ou degradação existentes nas
distintas porções das micro-bacias. O levantamento da situação fundiária das áreas
baseia-se nos processos existentes no poder público: de projetos aprovados, pedidos
de regularização fundiária; levantamento da origem das áreas públicas: dação em
pagamento, desapropriação, reserva de loteamentos; entre outros. O diagnóstico das
condições urbanísticas das ocupações realiza-se a partir de análise do histórico das
ocupações, grau de consolidação (infra-estrutura instalada, consolidação das moradias,
viário e transporte público), e áreas com pressão para ocupação, considerando
também a carência de áreas no município para atendimento da demanda habitacional.
O diagnóstico deverá permitir a proposição de um plano de ocupação para as três
micro-bacias hidrográficas estudadas, com a identificação das políticas de uso e
ocupação do solo a serem adotadas nas diversas áreas. Essas definições serão
amparadas em processo de discussão e decisão, que se pauta inclusive na
identificação de medidas mitigadoras e compensatórias definidas de forma abrangente
nas micro-bacias, na direção da melhoria da qualidade das águas na região, sem
desconsiderar as necessidades sociais. O estudo tem a perspectiva de orientar o
processo de licenciamento urbanístico e ambiental, bem como a execução de obras em
locais que envolvem as Áreas de Preservação Permanente estudadas.
No decorrer do desenvolvimento do trabalho estão previstas ações de sensibilização e
capacitação dos participantes de 4 Conselhos Municipais: Política Urbana; Orçamento
Participativo; Habitação; Gestão e Saneamento Ambiental. Tem-se a perspectiva de
criação de uma cultura mais integrada de planejamento e gestão das áreas que,
simultaneamente, apresentam importância ambiental e social.
Conclusões e propostas de debate:
O estudo urbano-ambiental das áreas de ZEIA B pretendeu contribuir na discussão da
ocupação sustentável do território, a partir da revisão crítica dos seguintes conceitos:
Alterar o enfoque principalmente restritivo por um enfoque mais proativo, que se
apóia em um conhecimento mais aprofundado do território, e na participação dos
diversos agentes envolvidos.
Superar a discussão binária que reduz as alternativas para o território e a gestão
urbano-ambiental a duas posições: ocupar ou não ocupar, intervir destrutivamente
ou congelar. Propor, em lugar disto, uma discussão muito mais difícil, mas também
muito mais promissora: como ocupar o território.
Os projetos de urbanização podem apontar formas de superar a segmentação das
áreas de conhecimento propondo soluções que atendam à demanda social e
contribuam na melhoria da qualidade ambiental das áreas urbanas.
Quebrar a dicotomia conceitual “natureza – cidade”, vistas como opostos. Isto é vital
quando se intervém num contexto tão antrópico quanto o da RMSP;
Compreender e reafirmar que elementos totalmente “artificiais”, elaborados
culturalmente são importantíssimos do ponto de vista ambiental: Um parque urbano,
ou um córrego parcialmente retificado, mas com as margens preservadas e solo
permeável são essenciais para o equilíbrio ambiental e a qualidade de vida na
cidade. O que leva ao contraponto que pode parecer paradoxal: intervir, modificar,
alterar a paisagem, não é sempre e inevitavelmente uma fonte de destruição e
desequilíbrio ambiental.
A ruptura desta dicotomia conceitual “natureza – cidade” permite uma nova visão
dos problemas. Por uma parte, não faz de toda e qualquer alteração uma fonte de
impactos ambientais negativos. Por outra, permite que a cidade e seus habitantes
reconheçam o valor ambiental de seu território, ainda que este seja um território
modificado pela ação do homem, criando uma nova consciência com respeito ao
que consideramos como recursos valiosos ou significativos.
Romper com análises do espaço segregado, com fronteiras demarcadas entre
áreas urbanas e áreas de proteção. Abordar o espaço a partir de análises mais
amplas que considerem bacias e microbacias hidrográficas, matas e corredores
verdes, áreas de expansão urbana e fluxos urbanos. Considerar estas áreas com
múltiplas funções: proteção ambiental, urbanísticas e paisagísticas.
Em síntese, faz-se necessário superar uma visão segmentada da realidade, a partir
do reconhecimento de que muitos problemas da gestão urbana e ambiental são
originados por que existem visões parciais, baseadas em arcabouços teóricos,
técnicos e jurídicos específicos, que remetem a partes do todo.
Referencias bibliográficas
Comarú, F.A.; Uemura, M.M. Estudos de Caso: São Paulo. In: Maricato, E. (coord.)
Parâmetros técnicos para urbanização de favelas. FAUUSP (LabHab): FUPAM.
FINEP/CEF. Relatório de pesquisa. São Paulo, 1999.
Denaldi, R. Políticas de urbanização de favelas. Evolução e impasses. Tese de
Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2003.
Maricato, E. Brasil, cidades. Alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes,
2002.
Santo André. Prefeitura Municipal. Plano Diretor. Santo André: PMSA, 2005.
Uemura. M.M. Programa de saneamento ambiental da bacia do Guarapiranga.
Alternativa para recuperação dos mananciais? Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Dissertação de Mestrado. Campinas, 2000.
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