INFORMATIVO
Agosto/2007 - nº15
O STJ e a exportação de serviços
Neste artigo, a Ernst & Young traça um paralelo entre a isenção de ISS na exportação e a isenção de PIS e Cofins na importação de serviços
Juliana Cardoso *
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente
decisão1, manifestou-se pela incidência de Imposto sobre Serviços (ISS) sobre serviços prestados por empresa brasileira para empresas situadas no exterior. O parecer, que não reconhece
esse tipo de atividade como exportação de serviços, causou bastante polêmica no meio tributário.
o exterior do País”. Como exceção à regra geral
de isenção2 das exportações, temos que, nos
termos do parágrafo único deste artigo, “não se
enquadram no disposto no inciso I os serviços
desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se
verifique, ainda que o pagamento seja feito por
residente no exterior”.
O caso envolve uma empresa brasileira contratada por companhias aéreas estrangeiras para
prestar, no Brasil, serviços de retificação, reparo
e revisão de motores e turbinas de aeronaves
estrangeiras. Após a realização do trabalho e
verificação do funcionamento de motores e
turbinas, esses equipamentos são enviados ao
exterior, para então serem instalados e novamente testados nas aeronaves estrangeiras, que operam fora do território brasileiro.
De acordo com a Lei Complementar n° 116 de
2003, as exportações de serviços não devem
sofrer a incidência de ISS. Por outro lado, os
serviços desenvolvidos no Brasil, e cujo resultado aqui se verificarem, estão sujeitos à incidência do ISS. Assim, nota-se que as condições
para a não-aplicação da regra de isenção das
exportações devem ser cumulativas, ou seja, se
o serviço for desenvolvido no Brasil, e o seu
resultado for verificado no exterior, por exemplo, então o serviço é isento de ISS.
Com efeito, a questão do ISS e a correspondente
tributação das exportações de serviços são disciplinadas pelo artigo 2º, inciso I, da Lei Complementar n° 116 de 2003, segundo o qual o “ISS
não incide sobre as exportações de serviços para
A maioria dos ministros da Primeira Turma do
STJ decidiu que, em virtude de o objeto da
contratação da empresa brasileira ser o conserto
de motores e turbinas e de os reparos terem sido
1
Recurso Especial n. 831.124-RJ (2006/0052272-7). Importante notar que esta decisão não foi alterada quando do julgamento dos respectivos
Embargos de Declaração no Recurso Especial.
2
Este artigo não tem como objetivo discutir a natureza jurídica desta regra, se de isenção ou imunidade, como defendem alguns autores considerando a previsão constitucional para exclusão da exportação de serviços na base de cálculo do ISS.
TAX VIEW
executados no Brasil, o resultado desse serviço
aqui se verificaria. Por esse raciocínio, esse serviço não poderia ser considerado, portanto, uma
exportação de serviços. No entendimento do STJ,
para a configuração de exportação de serviços
seria necessário o desenvolvimento de parte do
trabalho no exterior3. Ou seja, o entendimento do
STJ é de que o local onde se verifica o resultado
do serviço é o local onde ele é concluído.
Neste sentido, alguns estudiosos do direito
tributário parecem compartilhar da mesma opinião do STJ sobre a incidência do ISS nesse
caso, não interpretando a operação como uma
exportação de serviço. O argumento sustentado
por aqueles favoráveis à decisão do STJ é de
que o resultado se refere à conclusão dos objetos da contratação, a saber, retificação, reparo e
revisão de motores e turbinas. Dessa forma, se
os serviços foram concluídos no Brasil, o resultado aqui se verificaria.
Não partilhamos, no entanto, deste entendimento.
O termo resultado, segundo o Dicionário Aurélio,
significa4: conseqüência, efeito, seguimento. Segundo a definição semântica do termo, portanto, o
conceito de resultado não deve ser confundido
com o de conclusão. Assim, ainda que o serviço
seja realizado no Brasil, é de suma importância
identificar seu seguimento, os seus efeitos (entre
eles, o econômico), o local da sua entrega para
consumo, a utilidade do serviço pelo respectivo
destinatário, para que então se verifique se o serviço está isento ou não do ISS. Por exemplo, uma
empresa estrangeira contrata uma empresa de
consultoria brasileira para o desenvolvimento de
um estudo de mercado. De nada servirá a análise
feita pela consultoria brasileira se esta não for
enviada ao seu beneficiário efetivo que está no
exterior. Muito embora o estudo de mercado desenvolvido pela empresa de consultoria seja concluído no Brasil, os efeitos do serviço somente se
verificarão no exterior, quando o estudo puder ser
utilizado pela empresa estrangeira, cumprindo
assim com a sua função. Deste raciocínio, decorre
a conclusão que o termo “resultado de um serviço” guarda íntima relação com o benefício que
gera para o seu tomador.
A esta altura, podemos enumerar dois conceitos de
vital importância para a caracterização do resultado no exterior, a saber: (i) que o beneficiário efetivo5 do serviço esteja domiciliado no exterior, e (ii)
que este possa gozar do benefício gerado pela
prestação do serviço (ainda que concluído no
Brasil) no exterior.
Mesmo que este raciocínio seja aparentemente
lógico, é nosso dever investigar se essas conclusões encontram respaldo em nosso ordenamento
jurídico. Dessa forma, passemos a ponderar se
essas conclusões a respeito do conceito de “resultado” se coadunam com uma interpretação
teleológica dos dispositivos constitucionais
relacionados à matéria.
3
Por exemplo, enviar funcionários da empresa brasileira para o exterior, para lá instalarem os motores e turbinas.
Dicionário Aurélio eletrônico século XXI, versão 3.0 nov./1999.
5
O termo beneficiário efetivo aqui utilizado é originário do direito inglês (beneficiary) e significa aquele que realmente se beneficiará da operação em questão.
4
Com análises sobre temas atuais e relevantes para as empresas, o Tax View pretende criar um amplo canal
de debates, do qual você pode participar enviando e-mails para o endereço [email protected].
O Tax View Ernst & Young é uma publicação destinada a clientes e colaboradores da Ernst & Young que aborda assuntos e questões relevantes para as empresas nas áreas de legislação tributária e legal, jurisprudência, tendências e oportunidades da economia. As opiniões aqui expressas não devem ser utilizadas, de maneira isolada, para a tomada de decisões por parte das organizações. Isto porque existem particularidades
atinentes a cada empresa que podem, eventualmente, alterar o enfoque transmitido na opinião. Recomendamos que antes de a decisão ser tomada, as empresas discutam esses pontos de vista com seus consultores.
Estamos à disposição para discutir nossas opiniões e sua aplicação em cada caso concreto.
Coordenação Editorial:
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Edição final, direção de arte e distribuição:
Departamento de Comunicação e Gestão da Marca
seja feito por residente no exterior”7. AparenteA Constituição Federal de 1988, no caso do ISS,
reservou à lei complementar a função de estabelemente, a intenção do legislador foi a de não
cer os limites de alíquotas e a exclusão da exportatributar pelo ISS os serviços cujo beneficiário
ção de serviços de sua incidência6. Ao reservar à
efetivo estivesse no exterior.
lei complementar a tarefa de instituir isenções para
A Lei Complementar nº 116 de 2003 estabeleceu,
a exportação de serviços, a Constituição limitou a
assim, uma regra para evitar abusos na aplicação
competência dos municípios, excluindo
do benefício sobre as exportações,
a sua competência, por exemplo,
determinando que somente será
para dispor sobre questões que
considerada exportação a prestação
ultrapassem interesses locais, como
Ainda que o
de serviços cujos resultados se
o desenvolvimento do comércio
serviço seja
verificarem no exterior. Em outras
exterior e a integração econômica.
realizado
no
Brasil,
palavras, estabeleceu como condiA Constituição Federal deixou
ção para aplicação do benefício que
é de suma imporclaro, portanto, que os municípios
o beneficiário do serviço esteja
não possuem competência ilimitada
tância identificar
localizado fora do Brasil.
para cobrar o imposto sobre serviseu seguimento e
ços. Assim, pode-se entender que a
Dessa forma, se uma prestadora de
os seus efeitos
intenção do legislador não foi outra
serviços no Brasil presta serviços
senão excluir da tributação do ISS
para uma empresa situada também
os rendimentos auferidos com a
no Brasil e a prestadora for remuneexportação de serviços.
rada pela controladora estrangeira da tomadora
dos serviços, não ocorrerá a exportação de serviAo analisar texto da Lei Complementar 116,
ços, uma vez que a fonte pagadora não tem imporentendemos que, ao conferir o benefício da nãotância para fins de aplicação da isenção de inciincidência de ISS na exportação de serviços, ela
dência de ISS na exportação de serviços, isso
refere-se àqueles serviços iniciados e/ou conporque o beneficiário efetivo é uma empresa
cluídos no Brasil, porém destinados a um tomabrasileira, e não uma empresa estrangeira. Endor no exterior. Ademais, a Lei Complementar
tendemos, assim, que a Lei Complementar 116
116 limitou este benefício quando estabeleceu
buscou evitar a chamada “triangulação clássique “não se enquadram no disposto no inciso I
ca”, compreendida pela interposição artificial
os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resulde uma pessoa jurídica residente no exterior.
tado aqui se verifique, ainda que o pagamento
6
7
Artigo 156, III, parágrafo 3º, II, da Constituição Federal de 1988.
Artigo 2º, I, parágrafo único da Lei Complementar 116/03.
TAX VIEW
Entendemos ainda que, no caso do conserto dos
motores e turbinas, objeto da decisão do STJ, os
resultados serão única e exclusivamente verificados e utilizáveis no exterior quando os motores,
uma vez instalados nas respectivas aeronaves,
desempenharão a sua função.
Embora nossa interpretação seja diferente da do
STJ quanto ao conceito de resultado para a aplicação da isenção do ISS na exportação de serviços, é
interessante observar que o conceito de resultado
adotado pelo STJ pode ser benéfico ao contribuinte dentro do contexto da legislação do PIS e da
Cofins na importação de serviços.
A Lei n° 10.865 de 20048 trata da incidência do
PIS e da Cofins sobre serviços provenientes do
exterior, prestados por pessoa física ou jurídica
residente ou domiciliada no exterior, nas seguintes hipóteses: (i) executados no País; ou (ii)
executados no exterior, cujo resultado se verifique no País.
Mais uma vez, a legislação brasileira tenta distinguir, como o fez no caso do ISS, a conclusão
do serviço, local onde o trabalho é executado,
de seus resultados, local onde seus efeitos são
percebidos. No entanto, se aplicarmos por analogia a decisão do STJ9 quanto ao conceito de
resultado de um serviço, e considerarmos como
resultado a conclusão da tarefa, concluiremos
que os serviços prestados por não residentes,
cuja conclusão se verifique no exterior, não
deveriam estar sujeitos à tributação do PIS e da
Cofins na importação, ainda que o beneficiário
efetivo desses serviços estivesse no Brasil.
Vale ressaltar que não é este o entendimento predominante da Receita Federal, como demonstrado
na Solução de Consulta nº 436, da 10ª RF10. Nesse
documento, a Receita se pronunciou no sentido de
que enseja a incidência da contribuição para o
PIS-Importação e a Cofins-Importação, sobre a
prestação, por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, de serviços de intermediação de
vendas, remunerada mediante comissões, concernentes a exportação de móveis realizados por
pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Neste caso,
a Receita Federal entendeu que, quando uma
empresa brasileira exporta mercadorias para o
exterior e paga comissão de intermediação para
residente no exterior, o serviço é executado no
exterior, mas o resultado é auferido pela empresa
no Brasil. Isso porque, a intermediação resultou na
venda de mercadorias que gera a entrada de recursos financeiros para a empresa no Brasil, enquadrando-se na hipótese de incidência do inciso II,
parágrafo 1º, do artigo 1º da Lei 10865/04. Assim,
a Receita Federal considerou o local onde o benefício econômico foi gerado e não o local onde o
serviço foi executado.
Por fim, até que os tribunais se manifestem de
forma a esclarecer e harmonizar seus entendimentos no que diz respeito à interpretação dos conceitos de conclusão e resultado, na importação e
exportação de serviços, cabe aos contribuintes,
tomadores e prestadores de serviços, se resguardarem para que não sejam injustamente lesados.
Juliana Cardoso é consultora sênior da área de Impostos
Internacionais da Ernst & Young.
Este artigo foi redigido sob coordenação de Luiz Sérgio
Vieira, sócio da área de Impostos Internacionais, e com
contribuição de Robinson Ramos, diretor da área
de Tax Compliance.
8
Artigo 1º, parágrafo 1º da Lei 10865/04.
Recurso Especial n. 831.124-RJ (2006/0052272-7).
10
Diário Oficial da União de 24.01.05.
9
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