O IDOSO E A ASSISTÊNCIA FAMILIAR: UMA ABORDAGEM DA FAMÍLIA
CUIDADORA ECONOMICAMENTE DEPENDENTE DO IDOSO
Priscila Matos Fernandes
RESUMO: Esta pesquisa caracterizou-se por um estudo exploratório, descritivo, numa
abordagem qualitativa que teve como objetivo analisar a relação familiar do idoso cujos
cuidadores dependem economicamente de seus recursos financeiros. O instrumento
utilizado para a coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada. O universo da pesquisa
foi de 09 (nove) idosos internados na clínica médica, distribuídos em nove enfermarias
para tratamento de doenças variadas, com exceção das infecto-contagiosas e cirúrgica. A
amostra da pesquisa foram os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, com
acompanhantes (direito assegurado pela legislação específica), que possuem algum tipo de
benefício previdenciário e suas famílias cuidadoras são dependentes economicamente do
mesmo. Foram elaboradas três categorias analíticas: a família, o idoso e a política social do
idoso.
1. INTRODUÇÃO:
Numericamente os idosos têm aumentado significativamente nos últimos anos, pois
a velhice é uma etapa do ciclo da vida que uma parcela crescente da população brasileira
vem alcançando e desfrutando por mais tempo, em virtude do aumento da expectativa de
vida e do acelerado envelhecimento populacional do país nas últimas décadas. Segundo
Brito e Ramos (1996), esta mudança no perfil demográfico, iniciada na segunda metade
dos anos 70, quando houve um declínio da taxa de natalidade, aponta que no ano de 2025
existirá, no Brasil, aproximadamente 30 milhões de idosos, que representarão 15 % da
população total.
Segundo Caldas (1998), tal fato tem despertado a atenção para os problemas
enfrentados pelos idosos e mostrando a necessidade de se garantir condições que propiciem
o envelhecimento com dignidade.
Apesar dos esforços despendidos para garantir uma velhice cada vez mais ativa e
saudável, a maioria dos idosos experimenta alguma fragilidade nessa fase. A doença traz
consigo um fator emocional de regressão, no sentido de acentuar sentimentos de
fragilidade, de dependência, de insegurança. O estado de doença acarreta algumas
repercussões psíquicas inevitáveis, como preocupações, angústias, medos, alterações na
auto-imagem e algum nível de dependência.
Segundo Leite (1995), dependência significa uma condição do idoso a qual se
caracteriza por degenerescência decorrente de doenças crônicas ou de outras patologias,
que lhes ameaçam a integridade física, social e econômica, diminuindo ou impedindo a
capacidade do indivíduo para atender suas necessidades.
Dentre as alterações que conduzem o idoso à dependência destaca-se aquelas
relacionadas ao adoecimento, as quais, por suas características de cronicidade, geram
situações que necessitam da presença de outrem por longos períodos, sendo, nestas
ocasiões, a família a principal fonte de cuidados. É nessa hora que os membros da família
costumam assumir o papel de cuidadores, por terem uma responsabilidade culturalmente
definida ou vínculo afetivo.
Para Sarti (1993), a família vai ser a concretização de uma forma de viver os fatos
básicos da vida, se relacionando com o parentesco, mas não se confundindo com ele. O
parentesco é uma estrutura formal que resulta de relações consangüíneas entre irmãos; da
relação de descendência entre pai e filho e mãe e filho e da relação de afinidade que se dá
através do casamento. Esta é uma estrutura universal e qualquer sociedade humana se
forma pela combinação destas relações.
Geralmente a função do cuidador é assumida por uma única pessoa, denominada
cuidador principal, seja por instinto, vontade, disponibilidade ou capacidade. Este assume
tarefas de cuidado atendendo às necessidades do idoso e responsabilizando- se por elas.
Segundo Karsch (1998), outro fator determinante para o familiar tornar- se o
cuidador é a obrigação e/ou dever que o mesmo tem para com o idoso. Isto pode ser
entendido como um sentimento natural e subjetivo ligado a um compromisso que foi sendo
construído ao longo da convivência familiar.
Mendes (1995) explica que o processo de tornar-se cuidador pode ser mais imediato
ou gradual. As decisões para assumir os cuidados são mais ou menos conscientes e as
pesquisas revelam que, embora a designação do cuidador seja informal e decorrente de
uma dinâmica específica, o processo parece obedecer a certas regras refletidas em quatro
fatores que estão relacionados com o “parentesco, com freqüência maior para os cônjuges
antecedendo sempre a presença de algum filho; o gênero, com predominância para a
mulher; a proximidade física, considerando quem vive com a pessoa que requer os
cuidados e a proximidade afetiva, destacando a relação conjugal e a relação entre pais e
filhos”.
Para Karsch (1998), os cuidadores atribuem sua vontade e seu compromisso à
solidariedade com o companheiro(a) de vida, ao desejo de retribuir os cuidados recebidos
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na infância, ao seu horror ao isolamento e à ausência de outras alternativas.
A família como a única provedora de cuidados de seus velhos doentes e
incapacitados é um pressuposto na sociedade brasileira e uma expectativa natural das
autoridades assistenciais e de saúde neste país. Enquanto não for exercida qualquer pressão
para mudar esta situação por parte destas famílias sobrecarregadas e muitas vezes
completamente impotentes frente à magnitude do problema, nada parece sensibilizar as
autoridades emissoras de políticas sociais no país no sentido de programar a articulação de
sistemas de suporte aos idosos dependentes e aos seus cuidadores, por meio de serviços já
existentes.
É um erro considerar que, por estarem nas casas de suas famílias e terem uma
pessoa cuidando deles, os idosos frágeis e dependentes não estariam necessitados de
formas sistemáticas de apoio, esclarecimentos, demonstrações de cuidados físicos, e visitas
de profissionais de saúde e de amparo social. Exatamente porque a família se sente no
dever de suprir as atividades para as quais o idoso não tem mais condições, que o cuidador
familiar precisa de informação, orientação, ajuda e demonstrações de cuidados corretos,
para que não faça improvisações, muitas vezes de forma prejudicial ao bem-estar do idoso.
A família é importante instituição na construção de valores morais, éticos e
espirituais, sendo responsável pela formação de padrões de comportamento. As outras
instituições possuem o caráter de complementaridade na construção do indivíduo.
O núcleo familiar por si só não dispõe do básico para promover a integração social
e o desenvolvimento de seus membros. É necessária a sua inclusão em programas que lhes
permitem condições básicas de inserção social e cidadania para que ela possa cumprir o
papel que lhe é social e legalmente atribuído.
2. DESENVOLVIMENTO:
A família é um elemento que está em freqüente mudança dentro da sociedade.
Nunca permanece imóvel, inalterada, mas tem a capacidade de passar de uma forma mais
simples a uma forma mais complexa, ou seja, pode evoluir da família tradicional, composta
pelo homem e mulher, unidos através do casamento, e seus filhos, e chegar às formas mais
variadas de união familiar, dependendo do grau de evolução da sociedade. A relação de
parentesco, no entanto, permanecem inalteradas, somente após um espaço de tempo é
possível registrar os progressos pelas quais a família passa, sem, no entanto acarretar em
alteração radical.
Portanto a família constitui a unidade primária e estrutura nuclear do padrão social.
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Tem mantido a sua forma através de relações biológicas de dependência, e com freqüência
também através de laços emotivos. De igual modo tem sido durante a maior parte da
história da humanidade, a unidade econômica. Assim ocorreu principalmente nas
comunidades camponesas, onde toda a economia da família estava centrada no próprio
grupo familiar, sendo administrada por ela.
A família é uma instituição social, está sujeita às influências que a realidade
cultural e histórica determina e por isso, freqüentemente, passa por crises durante o seu
processo histórico. No entanto ela tem se mostrado uma instituição muito resistente, capaz
de adaptar-se e sobreviver a esses diferentes momentos. Porém novos valores e paradigmas
se colocam para a família.
A família é importante instituição na construção de valores morais, éticos e
espirituais, sendo responsável pela formação de padrões de comportamento. As outras
instituições possuem o caráter de complementariedade na construção do indivíduo.
Embora o cuidado familiar seja um aspecto importante, ele não se aplica a todos os
seus membros. Em se tratando de pessoas em idade avançada, podemos identificar
diferentes situações, como: pessoas idosas que não têm família. Há outros cujas famílias
são muito pobres ou seus familiares precisam trabalhar e não podem deixar o mercado de
trabalho para cuidar deles.
Segundo Caldas (2002), o cuidado que se apresenta de forma inadequada,
ineficiente ou mesmo inexistente é observado em situações nas quais os membros da
família não estão disponíveis, estão despreparados ou estão sobrecarregados por essa
responsabilidade. Nesse contexto, existe a possibilidade concreta de serem perpetrados
abusos e maus-tratos. Portanto, é necessário lembrar que, embora a legislação e as políticas
públicas afirmem e a própria sociedade acredite que os idosos devam ser cuidados pela
família (por questões morais, econômicas ou éticas), não se pode garantir que a família
prestará um cuidado humanizado.
A família apresenta necessidades que vão desde os aspectos materiais até os
emocionais, passando pela necessidade de informações. O aspecto material inclui recursos
financeiros, questões de moradia, transporte e acesso a serviços de saúde. Por outro lado,
essa família-cuidadora necessita de informação sobre como realizar os cuidados que ligue a
família aos serviços de apoio e meios que garantam qualidade de vida aos cuidadores
principais.
Medeiros (1998) aborda um aspecto de grande relevância para questão do
financiamento da assistência ao idoso dependente. Trata-se da transferência do papel da
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seguridade social para as famílias. Os benefícios previdenciários constituem o substitutivo
da renda do trabalho humano, quando este não pode mais ser exercido diante do
surgimento de um risco social ou profissional. Essa proteção social no Brasil está
assegurada pela Previdência Social.
Medeiros (1998) define Previdência Social como:
... um agente de equilíbrio social que tem o objetivo de assegurar recursos para
a manutenção do indivíduo e seus familiares nos casos de riscos ou
contingências sociais, determinados por morte, incapacidade, velhice, invalidez,
desemprego ou reclusão.
Os cuidados desenvolvidos dentro das casas, invisíveis aos olhos do público e
ignorados pelas autoridades e pelas organizações que poderiam se responsabilizar por uma
rede de atendimento, permanecem ocultos e, por causa disso, não são amparados por
quaisquer apoios, serviços externos, ou políticas e programas.
Este fato reflete bem como a sociedade brasileira percebe a problemática dos idosos
doentes, incapacitados e dependentes: na medida em que uma mulher de uma família toma
a si a responsabilidade pelos cuidados de um idoso dependente e, com muito esforço e sem
tréguas, procura suprir as necessidades por ele apresentadas dentro das paredes de casa, seu
desempenho permanece escondido, impedindo o reconhecimento do seu papel social e
mascarando a importância de uma rede de serviços que poderia estar dando o necessário
suporte a esta mulher.
Segundo Veras (2002), nunca antes da história da humanidade os países haviam
registrado um contingente tão elevado de idosos em suas populações. Para se ter uma
noção da magnitude desse crescimento, basta verificar a população de certas áreas, como a
do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, com 26% de idosos, uma proporção superior a
países com população que conta há muito com uma importante parcela de idosos.
É chegado o momento de ir além da descrição basicamente quantitativa das
mudanças do perfil demográfico para uma reflexão na qual as mudanças culturais e sociais,
decorrentes dessa ampliação, estejam mais presentes. As repercussões das profundas
transformações sociais decorrentes do envelhecimento ainda são pouco contempladas,
cabendo observar que esse é o início de um processo em curso. O envelhecimento
populacional se ampliará em decorrência dos avanços nos conhecimentos da engenharia
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genética e da biotecnologia, alterando em um futuro próximo não apenas indicadores
demográficos como a expectativa de vida, mas principalmente o próprio limite do tempo
de vida, ou relógio biológico.
Nos dias atuais, o relógio biológico da espécie humana atinge 90 - 95 anos, estimase, no entanto, que nas próximas décadas esse indicador se ampliará, alcançando 120 - 130
anos. O desafio que se apresenta é a elaboração de cenários em que os avanços da ciência e
da tecnologia permitirão ao ser humano alcançar esses limites de forma independente, não
fragilizado, livre de diversas doenças e com uma expectativa de vida que se aproxime do
limite biológico máximo.
O processo de envelhecimento e a velhice neste país precisam ser objeto de novas
propostas profissionais, de novos investimentos sociais e de uma nova postura da nossa
sociedade, e traçam o perfil de uma realidade que precisa ser estudada e divulgada.
Segundo Camarano (2002), teremos indivíduos se aposentando aos 60 anos e
iniciando um novo ciclo de trabalho por mais 30 ou 40 anos. Na área da educação teremos
possivelmente formação profissional e cursos universitários especificamente para cidadãos
de mais de 60 anos. É possível que tenhamos, em breve, famílias com cinco gerações,
algumas delas às voltas com o desemprego, devido ao processo de globalização, cabendo
aos mais idosos o papel de sustentáculo, por contarem com aposentadoria e terem
conseguido reinserção no mercado de trabalho. Ao propor uma mudança do patamar de
discussão da transição demográfica, deve-se buscar algo análogo na área da saúde, em
relação à reorganização dos modelos assistenciais. Precisamos responder a esses desafios
de modo propositivo, é intenção deste trabalho contribuir para a discussão de tais questões,
revisando criticamente aspectos centrais da literatura e formulando e testando uma
proposta de acesso mais equânime aos serviços de saúde.
Este é o desafio: mudar conceitos já enraizados, incorporar as novas tecnologias,
aprender a “falar” em recursos financeiros e levar o conhecimento da saúde coletiva para o
interior da rede de assistência médica, além da necessidade de se viabilizar uma política de
saúde para um país com demandas crescentes. A transição demográfica no Brasil está em
curso e ainda vai se expressar de forma mais intensa a partir dos próximos anos. Portanto,
esse crescimento populacional demanda novas estratégias que possam fazer frente ao
aumento exponencial do número de idosos potencialmente dependentes e capazes de
consumir uma parcela proporcional de recursos do setor saúde. Homens e mulheres neste
país, após muitos anos de trabalho e de vida ativa, estão presentes na reivindicação de seus
direitos e na afirmação de sua cidadania.
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Segundo Neri (1993), o aumento da longevidade do brasileiro associado aos
multifatores que condicionam o idoso à dependência tem imposto sobrecargas a
considerável parte das famílias que sobrevivem em situações socioeconômicas precárias.
Dificulta-se, assim, um suporte afetivo aos seus membros idosos, levando a riscos de
estabelecimento de situações de negligência, omissão de cuidados, abandono, abuso
financeiro e maus-tratos físicos. Contudo, há situações ainda desconhecidas que explicam a
ocorrência de violência como um tipo de comportamento das pessoas.
No imaginário social a velhice sempre foi pensada como uma carga econômica seja
para família, seja para sociedade – e como uma ameaça às mudanças. Essa noção tem
levado as sociedades a subtraírem dos velhos seu papel de pensar seu próprio destino. No
entanto, nunca faltaram exceções a tais práticas, o que pode ser exemplificado com o
reconhecimento pelas sociedades indígenas da figura do pajé ou xamã ancião ou, nas
sociedades ocidentais, dos poderosos, ricos e famosos quando gozam de saúde física,
mental e econômica. As exceções, porém, não podem esconder as grandes dificuldades
socioeconômicas que os idosos, particularmente os pobres, sofrem nos mais diferentes
contextos de vida. Por isso mesmo, a velhice é por eles auto-assumida como “problema”,
na mesma medida em que sofrem por causa dela e o imaginário social assim define.
Conforme afirma Guimarães (1997), a forma mais comum de discriminação
cultural tem sido o estigma de “descartável”, “passado” ou “peso social”. Como muito bem
aponta Guimarães, “nos dicionários emocionais da população, velhice é sinônimo de
decadência, de decrepitude e de perda de dignidade”.
Todos nós sabemos que as pessoas não possuem direitos inteiramente iguais porque
as constituições não os garantem ou por que as instituições administrativas não os fazem
cumprir. Assim, quando há um defasamento entre normas e direitos, os direitos não são
respeitados, como ocorre freqüentemente no caso da discriminação dos idosos. Portanto a
democracia deve ser aplicada como uma forma de organizar a sociedade, de modo que as
pessoas não sofram desigualdades extremas que impeçam o exercício de sua cidadania.
De acordo com Moraes (2000), a dignidade humana singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão
ao respeito por parte das demais pessoas constitui-se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possa ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a
necessária estima que merecem todas os seres humanos. O direito à vida privada, à
intimidade, à honra, à imagem, dentre outros aparecem como conseqüência imediata da
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consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do
Brasil.
A compreensão da dignidade da pessoa humana aludida na Constituição deve
afastar a conotação moral que muitas vezes assume a expressão, devendo ser entendido
como princípio fundamental, ou seja, “um valor supremo, que atrai o conteúdo de todos os
direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 1991).
Registra-se que no campo legislativo, em 1996, surgiu a Lei 1948 que oficializou a
política de saúde do idoso disciplinando as ações de atenção à saúde em atenção aos
princípios do SUS e da Política Nacional do Idoso, priorizando ainda mais a figura da
pessoa como parte integrante da sociedade.
O tema participação social está presente no texto da Política Nacional do Idoso (Lei
nº 8.842, de 4 de janeiro de 1984) em seu primeiro artigo, que declara o seguinte: “A
Política Nacional do Idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando
condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”.
Porém, ainda existe uma lacuna muito grande entre o texto e a concretização da
participação social dos idosos na garantia de seus direitos sociais. Por isso, consideramos
que é por dentro dos programas direcionados para os idosos que devemos trabalhar essas
questões.
Para que isto ocorra, precisa-se envolver os idosos nesses debates. Eles já percebem
que são discriminados por outros segmentos e que suas pensões e aposentadorias não dão
conta de atender a suas necessidades básicas, mas ainda são poucos aqueles que acreditam
serem capazes de lutar por seus interesses. É nesse sentido que percebemos nas associações
de aposentados e pensionistas a tentativa de ampliar seus quadros, oferecendo serviços,
palestras, passeios que também estimulem os idosos à participação política.
Entende-se que o modo como podemos ajudar no avanço dessas questões tem a ver
com o desenvolvimento de ações de participação social nos programas de terceira idade,
sejam eles grupos ou centros de convivência, clubes de maioridade e, mais
especificamente, programas de universidade de terceira idade.
Segundo Nunes e Peixoto (1994), os programas de idosos operam mudanças em
seus participantes quanto ao resgate da auto-estima, superação de doenças, recuperação da
memória, propiciando novos conhecimentos e o desenvolvimento da sociabilidade. Este
último aspecto é interessante para nossa discussão, pois estes espaços têm favorecido o
associativismo entre idosos.
Posteriormente, ainda dizendo respeito aos idosos, o Decreto Federal nº.
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2170/1.997 alterou o Decreto Federal nº. 89250/1.983 estabelecendo um campo na Carteira
de Identidade para a expressão “idoso” ou “maior de sessenta e cinco anos”.
Visando um atendimento mais rápido para aquelas pessoas de maior idade, a Lei nº
10.048/2000 estabeleceu prioridade ao atendimento para aqueles com idade superior a 65
anos em todos os órgãos públicos, bancos e concessionárias de serviço público e, no campo
processual, a Lei nº. 10.173/2001 alterou o Código de Processo Civil Brasileiro
estabelecendo prioridade de tramitação nos processos judiciais de idosos.
Será que o nosso idoso conhece a sua política? Sabemos que nossos idosos não têm
informações sobre estas questões, por isso cabe aos profissionais dos programas de terceira
idade inserirmos esses conteúdos, pois temos certeza de que as políticas para o idoso só
avançarão se houver mobilização dos profissionais e dos idosos numa parceria de
concidadania participativa.
Somente em 2003, após sete anos em discussão no Congresso, foi alcançada a
redução de idade para o idoso, sendo considerado assim aquela pessoa que alcançasse
idade igual ou superior a 60 anos, com preservação da sua saúde física e mental, através do
Estatuto do Idoso, aprovado em 1º de outubro de 2003 pela Lei n.º10.741. Amparando os
mais diferentes aspectos da vida cotidiana, a referida Lei destaca o papel da família
reforçando e enfatizando a obrigação da família, da sociedade e do Poder Público de
assegurarem o direito à saúde, alimentação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania,
liberdade, dignidade, respeito e convivência familiar. O projeto é de autoria do exdeputado e atual Senador Paulo Paim (PT-RS) e possui 118 artigos que asseguram os
direitos dos idosos.
Segundo Silva (2005), o Estatuto do Idoso se torna o resultado das mudanças
históricas, políticas e sociais que o Brasil vem atravessando e exalta as conquistas
almejadas e, por muitos, esquecidas. Contudo, deve se ter em mente que devemos possuir a
capacidade de integrar esta camada da sociedade, ou seja, o idoso, no sistema social, não
só valorizando conquistas de direitos e, sim, elaborando mecanismos de controle que
garantam a sua aplicação.
A idade não é critério de discriminação, muito menos condição para atuação dos
atos da vida, pois não torna um ser humano menos cidadão que o outro. Contudo, apesar de
ser dos menos precisos, o critério cronológico é um dos mais utilizados para estabelecer o
que é ser idoso, até para delimitar a população de um determinado estudo, ou para análise
epidemiológica, ou com propósitos administrativos e legais voltados para desenho de
políticas públicas e para planejamento ou oferta de serviços. A experiência galgada pela
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vivência não se prende, mas se conquista. Desta forma, assegurar a dignidade aos idosos é
fundamental para que seja alcançado o fim social almejado, qual seja, um verdadeiro
Estado Democrático de Direito.
Vislumbra-se que as constituições garantem a proteção ao idoso, mas não têm se
mostrado suficiente face aos atos da sociedade. Daí a necessidade de dotar o ser humano,
em todas as suas faces de sua existência, uma proteção legal que lhe assegure não somente
a vida, mas a dignidade como pessoa humana. Desta forma a legitimação de autuação de
qualquer Estado democrático tem como pilar de sustentação o respeito à dignidade da
pessoa humana, de modo que almejam proibir idéia que procure restringi-la de alguma
forma.
Precisa-se unir forças com outros profissionais que tenham um compromisso com a
causa do idoso em termos de melhorias nas suas condições de vida, para que o idoso
brasileiro não seja visto como mais um “problema social”, mas sim como sujeito que tem
capacidade produtiva, a fim de que, através da solidariedade entre as gerações, tenha
garantia de acesso aos seus direitos sociais e poder de decisão sobre as questões que lhe
dizem respeito.
Para isto, torna-se necessário que os profissionais percebam os espaços dos
programas de terceira idade como potencializadores da construção da cidadania do idoso, o
que, a nosso ver, também irá contribuir para a consolidação de uma representação mais
positiva da velhice em nossa sociedade.
Cada cultura tem sua visão sobre a velhice, sendo que o idoso vai ser bem
ou maltratado de acordo com as características da civilização em que ele vive. Em algumas
sociedades os idosos são respeitados e venerados, e em outras são muitas vezes
abandonados e sofrem negligências.
É importante que a sociedade tome consciência do aumento da população
idosa, e formule programas políticos e de saúde que visem ao bem-estar e a qualidade de
vida dessa população, de forma preventiva e eficaz.
3. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de relatos da vida privada de algumas famílias, que narram fragmentos de
seus cotidianos e deixam-nos conhecer os motivos pelos quais tornaram-se cuidadores,
seus sentimentos e a realidade que vivenciam ao cuidar de uma pessoa idosa dependente,
pudemos aprender um pouco do processo que envolve o cuidar e refletir sobre esta
realidade muitas vezes ignorada pela própria sociedade. Através da análise dos resultados
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desta pesquisa, vimos que essas famílias possuem uma estrutura nuclear, mesmo havendo
muitos membros residindo com esse idoso, há apenas um principal cuidador, os filhos
ainda dependem financeiramente desses idosos, a família na maioria dos casos analisados
associa a velhice a uma idéia negativa de dependência, fragilidade, doença, inutilidade,
eles possuem a forma mais comum de discriminação cultural, que tem sido o estigma de “
descartável”, “passado” ou “peso social”, a velhice por eles é auto-assumida como
“problema”, poucas famílias tem o conhecimento sobre o verdadeiro processo de
envelhecimento e grande parte das famílias não conhece a legislação específica (Estatuto
do Idoso).
Para a maioria das famílias, idoso é aquele que, em nossa sociedade, não tem mais
nada a colaborar. Suas experiências são passadas e seu futuro é a decrepitude e a morte.
Essa é uma questão de tempo, e esse tempo é curto. Cabe a esse indivíduo esperar
pacientemente pela perda iminente de memória e das forças físicas, bem como pela vinda
da solidão e da doença. Possivelmente, ele será um fardo de pouca duração para os seus e
para a sociedade, mas um fardo.
Até bem pouco tempo, essa sociedade em que vivemos visualizou o idoso de
acordo com sua expectativa de vida, que era curta e sem saúde. Porém, com os avanços da
medicina e com a qualidade de vida sensivelmente melhorada, a terceira idade, como o
restante da maioria da humanidade, ganhou mais saúde e, conseqüentemente, uma
expectativa de vida incrivelmente maior.
Uma interpretação de que envelhecer, mais que inevitável, pode ser um momento
da vida extremamente produtivo, dadas a experiência e sabedoria do indivíduo. Também
pode vir a ser um dos momentos de maior flexibilidade do mesmo, já que visualizou
durante toda a sua existência a complexidade e mutabilidade das coisas e dos fatos. Esse
indivíduo, devido às suas vivências, pode discernir o que é imprescindível do que não é; o
que é inadiável e o que realmente somará positivamente em qualquer instância da vida.
Sobre essa sabedoria, advinda do tempo vivido, nos escreve Alves (2001, p.79) que “o
erudito soma saberes. O sábio diminui saberes. Ele escolhe o que é essencial. Os saberes
essenciais são aqueles que nos ajudam a viver”.
Há na velhice uma liberdade de escolha, mais que necessária, nunca experimentada,
como diz Alves. Uma liberdade de sermos o que somos, de termos desejos, de podermos
realizar as coisas dentro do nosso ritmo, de aprender coisas novas à luz de nossas
preferências, de reinterpretarmos nossas vidas e nosso entorno, de acordo com o já vivido,
o já enraizado e com o que idealizamos para o futuro.
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O conceito de idoso em nossa sociedade vem, histórica e culturalmente, alterandose e adequando-se às necessidades dessa sociedade e de seus interesses econômicos e
políticos. Também pesam nessas alterações de interpretações sobre o estar idoso, mudanças
demográficas, lutas democráticas e por cidadania, de todos os indivíduos da sociedade
terrena, incluindo-se os da terceira idade.
Junto a essas políticas que visam oportunizar situações novas, educativas e de
cidadania para os idosos, fez-se necessária uma nova legislação, um estatuto que
contemplasse esse novo conceito de velhice e de seus direitos. Direitos esses que se
somassem aos já conquistados, pela lei e pela ética.
O fato é que todos os direitos previstos no estatuto são fundamentais, porém é o
direito de aprender e de usar esse aprendizado para inserir-se numa cultura aquele que
melhor nos faz perceber que a velhice é apenas um continuar a vida, um somar
experiências, comunicar-se e estar em comunhão com o restante da humanidade, de forma
ética e solidária.
A velhice deve ser considerada como idade da vivência e da experiência, que jamais
devem ser desperdiçadas. O futuro será formado por uma legião de indivíduos mais velhos
e se não estivermos conscientes das transformações e preparados para enfrentar esta nova
realidade, estaremos fadados a viver em uma civilização solitária e totalmente deficiente de
direitos e garantias na terceira idade.
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O IDOSO E A ASSISTÊNCIA FAMILIAR: UMA ABORDAGEM DA