A perícia médica na ação judicial indenizatória movida pelo paciente
Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade
Professor de Direito Empresarial do Centro Universitário Newton Paiva
Advogado – sócio do escritório Monteiro de Andrade e Diniz Advogados Associados
Embora a Medicina não seja uma ciência exata, nada obstante se tenha conhecimento de que o
organismo humano responde de forma diferente em relação a determinado tratamento
oferecido pelo médico, verifica-se um crescente movimento em prol da “judicialização” da
relação estabelecida entre o médico e paciente. Esse processo deve-se ao fato de os pacientes
estarem mais conscientizados das suas garantias estabelecidas pela Constituição Federal da
República do Brasil de 1988 e das leis infraconstitucionais, especialmente, do Código de
Defesa do Consumidor.
Todavia, esse amadurecimento do Estado de Direito Brasileiro e de nossos concidadãos tem
provocado um aumento no número de demandas judiciais envolvendo ações de médicos, nem
sempre calcadas na prática de atos ilícitos ou de defeito de produto ou serviço.
Basta verificar-se um insucesso qualquer no tratamento sugerido que surge a dúvida do
paciente quanto ao trabalho do médico, que pode variar desde o diagnóstico até a escolha da
estratégia de combate à doença. Infelizmente, em número cada vez maior de situações, essa
constatação do paciente (e/ou de sua família) é feita de maneira apressada, sem levar-se em
conta a dificuldade natural do médico em realizar seu trabalho e as inúmeras variáveis que
contribuem para a falta de obtenção do retorno esperado pelo doente.
Evidentemente, como em qualquer outra área, existem profissionais que cometem equívocos
grosseiros, por ações ou omissões decorrentes da falta de perícia para realização de
determinado ato médico, pela negligência na sua execução, ou devido à imprudência na
maneira de promovê-lo. Nunca é demais lembrar que errar é humano.
Para que o Juiz possa chegar à conclusão de que existiu o “erro médico” é preciso franquear
ao médico acusado o direito ao contraditório e à ampla defesa e aos recursos a ela inerentes,
devido à norma estampada no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal da República do
Brasil de 1988. Assim, respeitando-se essas garantias constitucionais, a ação judicial será
promovida, concedendo-se às partes litigantes a oportunidade de comprovar suas alegações.
Somente poderá haver conclusão do Juiz pela condenação do médico a indenizar o paciente se
ficar robustamente comprovado o erro, que poderá ser omissivo ou comissivo.
Quando se evidencia a ocorrência do chamado “erro do médico”, consequentemente, surge o
dever do profissional de indenizar o paciente, segundo estabelecem o art. 5º, inciso X, da
Constituição Federal de 1988, bem como o art. 186, do Código Civil, e o art. 6º, inciso VI, do
Código de Defesa do Consumidor. Uma vez revelada a necessidade de recompor-se o
prejuízo, deve ser apurada a extensão do dano oriundo do “erro médico”, para que o Judiciário
possa fixar um valor para recompensar a dor sofrida em função da prática desse ato ilícito.
Muito embora a dor não tenha preço, a única forma de o doente amenizar seu sofrimento dáse pela imposição de condenação ao médico a pagar uma quantia em dinheiro ao paciente.
Essa apuração de responsabilidade não é tarefa simples, é bom que se esclareça. Isso porque,
como se trata de matéria técnica – saber se houve, ou não, o “erro médico” – que envolve
conhecimento de questão não dominada pelo Magistrado, é imperioso que este seja auxiliado
por um profissional que conheça da questão controvertida posta em discussão. Assim, para
que seja possível ao Juiz chegar a algum convencimento sobre o deslinde do litígio, o ato do
médico acusado da prática de erro deve ser examinado por outro médico (perito), que será
nomeado pelo Juiz e deverá ser da estrita confiança deste.
Digno de registro que, em ações de indenização envolvendo “erro médico”, a legislação
brasileira determina que a prova pericial seja realizada por um médico, preferencialmente
especialista na área da medicina objeto de discussão, consoante o disposto no art. 145, e
parágrafo segundo, do Código de Processo Civil. Confira-se:
“Art. 145. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou
científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no art. 421.
(...)
§ 2o Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que
deverão opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem
inscritos”.
Escolher um perito médico com capacitação para fazer uma análise específica tornou-se
trabalho difícil nesses dias de hoje, posto que o desenvolvimento da medicina criou novas
áreas de atuação, existindo cada vez mais especializações e ramos dessa ciência. Em virtude
dessas transformações, a prova técnica tem de ser realizada por médico habilitado na área
objeto do debate, vez que um médico não-especialista carece de conhecimento científico para
analisar a ação havida como equivocada. Isso significa dizer que um médico possuidor de
título de Cardiologista não pode investigar a ocorrência de erro numa cirurgia ortopédica, por
exemplo.
Essa tem sido a posição adotada pelos Tribunais Brasileiros, segundo revela a decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento do agravo de instrumento
nº 1.0024.06.056049-7/001, bem assim como demonstram os precedentes oriundos do
Superior Tribunal de Justiça, correspondentes às decisões tomadas no julgamento do Recurso
Especial nº 7782/SP e do Resp nº 773192/SP. Nesses julgados, é possível verificar que nossas
Cortes vem adotando o entendimento de que o Juiz deve nomear o perito especialista para o
assunto debatido na ação judicial. Logo, o Magistrado não pode observar apenas o grau de
confiança depositado no médico perito, estando obrigado a indicar um profissional habilitado
cientificamente para exercer essa investigação fundamental ao desate da controvérsia, se
houver na Comarca em que tramita o litígio pessoa com essa capacitação (art. 145, § 3º, do
Código de Processo Civil).
Concluindo, é preciso que se tenha critério e rigor na nomeação de peritos médicos em ações
de indenização baseadas na prática de “erro médico”, tendo em vista a gravidade do fato
debatido judicialmente e em função das conseqüências que a condenação injusta do médico
pode provocar na sua vida profissional e pessoal.
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