Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Fee, Gordon D.
Como ler a Bíblia livro por livro: um guia de estudo panorâmico da Bíblia /
Gordon D. Fee e Douglas Stuart; tradução Thomas Neufeld de Lima e Daniel
Hubert Kroker. – São Paulo: Vida Nova, 2013.
Título original: How to read the Bible book by book
ISBN 978-85-275-0527-7
1. Bíblia - Crítica e interpretação 2. Bíblia - Leitura I. Stuart, Douglas. II. Título.
12-14970
CDD-220.6
Índice para catálogo sistemático:
1. Bíblia : Leitura 220.6
Thomas Neufeld de Lima (capítulos referentes ao AT)
Daniel Hubert Kroker (capítulos referentes ao NT)
Copyright ©2002, Gordon D. Fee e Douglas Stuart
Título original: How to read the Bible book by book
Originalmente publicado e traduzido, com permissão,
a partir da primeira edição publicada pela Zondervan,
Grand Rapids, Michigan, 49530 EUA
1.a edição: 2013
Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos
reservados por Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
Caixa Postal 21266, São Paulo, SP, 04602-970
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Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos,
xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de
dados etc.), a não ser em citações breves com indicação de fonte.
ISBN 978-85-275-0527-7
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Supervisão Editorial
Marisa K. A. de Siqueira Lopes
Coordenação Editorial e Revisão
Valdemar Kroker
Coordenação de Produção
Sérgio Siqueira Moura
Revisão de Provas
Mauro Nogueira
Diagramação
Luciana Di Iorio
Capa
Wesley Mendonça
Todas as citações bíblicas, salvo indicação contrária, foram extraídas da
versão Almeida Século 21, publicada com todos os direitos reservados
por Edições Vida Nova.
Para Walker, Maia e Emma
Joshua, Julia, Cherisa, Nathan e Benjamin
Zachary e Jackson
Maricel e Annalise
e
Mariwether e Honour
e Mcaela
para que possam aprender a ler bem a história
e amar aquele de cuja história se trata
(Sl 71.14-18; Sl 103.17)
Sumário
Apresentação........................................................................................ 9
Abreviações........................................................................................ 11
Prefácio............................................................................................. 12
A história bíblica: um panorama......................................................... 17
A narrativa de Israel na história bíblica
(Inclusive a Lei)
Gênesis.................................. 29
Êxodo.................................... 41
Levítico................................. 51
Números................................ 58
Deuteronômio....................... 66
Josué...................................... 75
Juízes..................................... 83
Rute....................................... 92
1 e 2Samuel........................... 97
1 e 2Reis.............................. 108
1 e 2Crônicas....................... 117
Esdras-Neemias................... 127
Ester.................................... 134
Os escritos de Israel na história bíblica
Jó......................................... 144
Eclesiastes............................ 182
Provérbios............................ 171
Lamentações........................ 197
Salmos................................. 155
Cântico dos Cânticos.......... 191
8
Como ler a Bíblia livro por livro
Os profetas de Israel na história bíblica
Isaías.................................... 206
Jeremias............................... 220
Ezequiel............................... 231
Daniel.................................. 241
Oseias.................................. 249
Joel....................................... 256
Amós................................... 262
Obadias............................... 270
Jonas.................................... 273
Miqueias.............................. 278
Naum................................... 284
Habacuque........................... 289
Sofonias............................... 294
Ageu.................................... 299
Zacarias............................... 303
Malaquias............................ 310
Os Evangelhos e Atos na história bíblica
Mateus................................. 318
Marcos................................. 328
Lucas................................... 338
Atos..................................... 349
João...................................... 358
As Cartas e Apocalipse na narrativa bíblica
Romanos.............................. 374
1Coríntios........................... 383
2Coríntios........................... 393
Gálatas................................. 401
Efésios................................. 409
Filipenses............................. 416
Colossenses.......................... 423
1Tessalonicenses.................. 430
2Tessalonicenses.................. 436
1Timóteo............................. 441
2Timóteo............................. 448
Tito..................................... 453
Filemom.............................. 458
Hebreus............................... 462
Tiago................................... 471
1Pedro................................. 477
2Pedro................................. 483
1João.................................... 488
2João.................................... 495
3João.................................... 498
Judas.................................... 502
Apocalipse........................... 506
Glossário.......................................................................................... 519
Apêndice: Lista cronológica dos livros bíblicos.................................... 526
Apresentação
Cruzando mundos
Cresci numa parte da cidade onde as crianças brincavam em segurança. Depois de uma manhã na escola e do breve descanso no início
da tarde, a alegria ruidosa tomava conta de nossa vizinhança: eram as
crianças que saíam para algumas horas de divertimento até a hora do
jantar, quando todos nos recolhíamos e o silêncio voltava a reinar.
Naquele tempo, nosso único temor era “cruzar de mundos”; era assim que nos referíamos ao desafio diário de atravessar as ruas de nosso
bairro, pois nossa escola ficava “do outro lado”. Lembro-me de como
nos organizávamos em pequenos grupos em torno de um adulto que
nos ajudava a superar aquele desafio. Ir à escola em grupo era também
motivo de festa e mais uma oportunidade para brincar, mas “cruzar
mundos” era algo perigoso. Às vezes, por alguma razão, perdíamos o
horário e não conseguíamos ir com o grupo; nesse caso sempre esperávamos um adulto que nos tomasse pelas mãos e nos ajudasse a superar
o grande desafio. Com o passar do tempo apareceram os guardas escolares e tornaram nossa vida muito mais fácil.
Lembrei-me dessa experiência da infância quando pela primeira
vez tomei este livro em minhas mãos. A possibilidade de ser guiado
por mãos seguras neste “cruzar de mundos”, no caso o mundo bíblico,
de ser guiado livro por livro das Escrituras, com orientações que me
auxiliariam na leitura e na compreensão do texto, me deixou cheio
de entusiasmo para uma nova leitura panorâmica de toda a Bíblia. À
medida que fui aprendendo a usá-lo como auxílio em minha leitura
10
Como ler a Bíblia livro por livro
bíblica, meu ânimo foi crescendo de tal forma que este livro passou
a ocupar um lugar especial em minha estante, o lugar dos livros que
não podiam ser emprestados. Afinal eu só tinha um exemplar! Ele se
tornou uma obra de reserva exclusiva. Em tom de brincadeira, eu dizia
aos meus amigos: “Para ter acesso a este livro, só visitando minha casa,
para consultá-lo em minha presença”! Fiquei muito feliz quando soube que esse tesouro estava sendo traduzido para o português.
Posso assegurar a você que sua leitura bíblica nunca mais será a
mesma depois que você passar a fazer uso desta ajuda idônea para
“cruzar mundos”. Tive o privilégio de conhecer um de seus autores e
de vê-lo expor a Bíblia com reverência, profundidade e paixão. Você
encontrará essas mesmas características no texto que agora tem em
suas mãos e não me surpreenderei se este livro acabar fazendo parte
de sua reserva exclusiva.
Espero que desfrute muito deste recurso e que possa, como eu fazia
na infância, “cruzar mundos” de forma alegre e confiante. Meu desejo
é que sua leitura das Escrituras Sagradas ganhe novo ânimo com este
guia panorâmico, de forma que você se torne apto e plenamente preparado para toda boa obra!
Um grande abraço deste seu companheiro de leitura
Ziel Machado
Pastor da Igreja Metodista Livre Nikkei em São Paulo e
diretor acadêmico do Seminário Servo de Cristo.
Abreviações
GnGênesis
Êx Êxodo
Lv Levítico
Nm Números
Dt Deuteronômio
Js Josué
Jz Juízes
Rt Rute
1Sm 1Samuel
2Sm 2Samuel
1Rs 1Reis
2Rs2Reis
1Cr 1Crônicas
2Cr2Crônicas
Ed Esdras
NeNeemias
Et Ester
Jó Jó
Sl Salmos
PvProvérbios
MtMateus
McMarcos
LcLucas
JoJoão
AtAtos
RmRomanos
1Co1Coríntios
2Co2Coríntios
GlGálatas
EfEfésios
FpFilipenses
ClColossenses
1Ts1Tessalonicenses
2Ts2Tessalonicenses
Antigo Testamento
Ec Eclesiastes
Ct Cântico dos Cânticos
IsIsaías
JrJeremias
LmLamentações
EzEzequiel
DnDaniel
OsOseias
JlJoel
Am Amós
ObObadias
JnJonas
Mq Miqueias
Na Naum
HcHabacuque
SfSofonias
AgAgeu
ZcZacarias
MlMalaquias
Novo Testamento
a.C.
antes de Cristo
at
Antigo Testamento
c.
circa, aproximadamente
cf.
confer, conferir, comparar
cap./caps. capítulo/capítulos
d.C.
depois de Cristo
esp.especialmente
etc.
et cetera, e o restante
i.e. id est, isto é
1Tm1Timóteo
2Tm2Timóteo
TtTito
FmFilemom
HbHebreus
TgTiago
1Pe1Pedro
2Pe2Pedro
1Jo1João
2Jo2João
3Jo3João
JdJudas
ApApocalipse
lit.literalmente
nt
Novo Testamento
p.página/páginas
par.
paralelos (paralelos textuais)
p. ex.
por exemplo
s./ss.
e o/s seguinte/s
v.
ver, versículo/versículos
v. esp.
ver especialmente
x
número de vezes que ocorre uma forma
Prefácio
Este livro pretende acompanhar o volume Entendes o que lês? Aquele
livro visa ajudar as pessoas a se tornarem melhores leitores da Bíblia,
auxiliando-as a identificar os gêneros literários diversos que formam as
Escrituras cristãs. Pela compreensão de como “funcionam” esses diversos gêneros, como eles diferem entre si e como, finalmente, suscitam
vários tipos de questões hermenêuticas, buscamos, com aquele livro,
ajudar as pessoas a ler a Bíblia de uma forma mais bem informada.
O êxito do primeiro livro nos deu a coragem para realizar este novo
volume. Nosso objetivo continua sendo o mesmo: ajudar as pessoas a
se tornarem melhores leitores da Bíblia. Pretendemos, neste livro, ir um
passo além do anterior: tomando por base os princípios do primeiro,
queremos ajudar você a ler — e a compreender — cada um dos livros
bíblicos em si, mas, particularmente, queremos ajudar você, leitor, a
perceber a maneira especial pela qual, juntos, os livros cooperam para
formar a grande narrativa da Bíblia.
Mas este livro teve uma evolução própria. Há alguns anos, fomos
solicitados a escrever um livro-texto de visão panorâmica da Bíblia, do
tipo que muitos estudantes puderam conhecer ao longo dos anos. Por
muitas razões, mas principalmente porque nunca conseguimos nos
empenhar de coração nesse livro, o projeto simplesmente não decolou.
Sem dúvida, continuamos esperando que este livro sirva aos propósitos dos cursos que pretendem passar uma visão panorâmica da Bíblia,
mas buscamos, de forma intencional, escrever algo diferente que vá
além. Essas diferenças, como nós as entendemos, são várias.
Prefácio
13
Em primeiro lugar, nosso objetivo não se resume a fornecer informações sobre os diversos livros da Bíblia — o tipo de informações
que ajuda as pessoas a passar em provas de conhecimento bíblico sem
jamais terem lido a Bíblia! Esses livros e exames costumam abordar
um grande número de dados, mas frequentemente fazem pouco no
sentido de elucidar como os diversos livros da Bíblia funcionam como
entidades individuais, ou como partes que, juntas, formam a história
de Deus. Nosso interesse, nesta obra, é quase exclusivamente pela segunda abordagem. De todo modo, o objetivo é fazer de você um leitor
melhor da Bíblia; se você começar a aprender algumas outras coisas
sobre cada livro ao longo dessa caminhada, tanto melhor.
Em segundo lugar, queremos mostrar como cada entidade em particular — cada um dos livros bíblicos — integra o todo, à sua maneira,
para contar a história de Deus. Essa é uma das preocupações fundamentais do livro, e por isso ele contém uma introdução com uma breve
visão panorâmica da história bíblica — aquilo que os estudiosos das
narrativas chamam de metanarrativa da Bíblia. Esse é o quadro geral,
a história principal, da qual todas as outras histórias são uma parte,
cooperando para dar forma ao todo.
Em terceiro lugar, na nossa abordagem dos diversos livros bíblicos, um por um, seguimos em geral um formato que isola as questões
de introdução no início do capítulo sob o título “Informações básicas
sobre...”. Essas questões (de autoria, data, destinatários, ocasião e semelhantes) costumam formar a maior parte das obras que visam a dar
um panorama da Bíblia. Para essas questões (às vezes importantes)
há diversas sínteses, introduções e dicionários bíblicos, tanto para o
Antigo quanto para o Novo Testamento, que você pode consultar. Mas
essas questões são frequentemente discutíveis, e debatê-las — o que
pode consumir bastante espaço — nem sempre tem uma relevância
imediata para a leitura do texto bíblico no seu contexto mais amplo.
Limitamo-nos, portanto, a oferecer algumas opções possíveis, fazer
referência ao ponto de vista tradicional ou decidir por alguma opção
específica a ser adotada por este guia.
Mas é preciso fazer mais uma observação sobre a questão da auto­
ria, especialmente no caso dos livros do Antigo Testamento, porque
os autores daquele período não costumavam incluir seu nome no que
14
Como ler a Bíblia livro por livro
escreviam (exceto quando escreviam cartas, não havendo nenhum livro
desse gênero no Antigo Testamento). Quando os indivíduos se referem a si próprios num dado livro (p. ex., Moisés, Neemias, Qohelet
[“Mestre”/“agregador” em Eclesiastes]), podemos aprender algo sobre
sua autoria que de outra forma provavelmente não teríamos como saber.
Mas, em grande parte, não havia no Israel antigo o mesmo interesse
que existe hoje por data e autoria, o que a ausência dessas informações
na maioria desses livros deixa evidente. Muitos dos livros do Antigo
Testamento (p. ex., quase todos os livros históricos e poéticos) são completamente anônimos. E mesmo que a fonte do conteúdo de alguns deles seja citada — na forma de título editorial no início —, e muitas vezes
seja possível deduzir uma correspondência entre fonte e autor, a preocupação quanto à identidade do verdadeiro autor não é algo proeminente no próprio livro. Quanto à data, somente quatro livros — Ezequiel,
Daniel, Zacarias e Ageu — datam alguma parte do seu material, e dentre esses, somente Ageu o faz de forma consistente. Por isso, optamos
por minimizar a importância da autoria neste guia de leitura, omitindo
a questão inteiramente quando o próprio livro bíblico é anônimo (não
se pode ficar dizendo “autor desconhecido” o tempo todo!). O nosso
interesse está em você ler o documento bíblico e a sua forma canônica
final, não no debate das questões de data, fontes e autoria.
Concentramos a maior parte da nossa energia, portanto, em três
grandes seções de cada capítulo. A primeira, “Visão geral de...”, busca apresentar o livro dando uma noção do seu tema como um todo.
De certa forma, trata-se de um breve desenvolvimento da(s) frase(s)
do “Conteúdo” da seção “Informações básicas sobre...”. A segunda,
“Orientações para a leitura de...”, tende a desenvolver as “Ênfases” da
seção “Informações básicas sobre...”. Aqui apresentamos uma maneira de ler o texto, alguns temas-chave para manter em mente durante a
leitura, ou algum material crucial de antecedentes — tudo com o propósito de ajudar você quando estiver lendo o texto por conta própria.
A seção final, “Uma Caminhada por...”, toma o leitor pela mão, por assim dizer, e o conduz através do livro, mostrando como as suas diversas
partes interagem para formar o todo. Às vezes, isso assume a forma de
um esboço; outras, por uma tentativa deliberada de manter breves os
capítulos, você caminhará a passos de gigante. É compreensível que os
Prefácio
15
livros de Salmos e Provérbios tenham sido os mais difíceis de encaixar
nesse padrão; mas mesmo nesses casos, tentamos ajudá-lo a ver como
foi reunida a coletânea em que cada livro consiste.
Acima de tudo, tentamos escrever um livro que trata dos livros da
Bíblia, mas que não deve substituir a leitura da própria Bíblia. Esperamos, antes, que ao ajudá-lo a elucidar o sentido dos livros bíblicos, este
livro gere em você um desejo renovado de lê-los.
TOME NOTA: A chave para usar este livro é você ler as primeiras três seções de cada capítulo (“Informações básicas”, “Visão geral” e
“Orientações para a leitura”), e então ler o texto bíblico em conjunto com
a seção intitulada “Uma Caminhada por...”. Se você ler apenas “Uma
Caminhada por”, isso servirá somente para acumular mais dados. O
nosso objetivo é que, primeiramente, você possa contar com alguns dados preliminares importantes, e então queremos de fato caminhar com
você pela leitura do livro bíblico. Isso sem dúvida será muito mais difícil
no caso dos livros mais extensos, assim como foi difícil para nós condensar tanto material dentro dos parâmetros estreitos que estabelecemos.
Mas mesmo nesses casos, enquanto você estiver lendo durante um período mais longo, esperamos que você encontre neste material um guia
útil. Apresentamos um glossário para aqueles que precisam de condução
através do emaranhado de termos técnicos que os estudiosos da Bíblia
tendem a usar sem maiores explicações (v. p. 519). Também fornecemos
uma lista cronológica sugerida dos livros para aqueles que quiserem lê-los nessa ordem (v. o apêndice ao final do livro, p. 526).
Tentamos escrever de tal maneira que você consiga seguir o que se
está dizendo, não importa a versão da Bíblia que esteja usando, contanto que se trate de uma versão contemporânea (cf. cap. 2 de Entendes
o que lês?). [Nesta edição do livro em português, empregamos a Versão
Almeida Século 21, a21.]
Algumas palavras sobre nossas pressuposições. Em primeiro lugar,
embora não presumamos que o leitor tenha lido Entendes o que lês?, referimo-nos, vez ou outra, a esse livro (os números das páginas sempre se
referem à 3ª edição revisada e ampliada, 2011), para não precisar repetir
algumas pressuposições daquele livro (p. ex., as fontes dos Evangelhos).
No caso de Atos e Apocalipse, que receberam capítulos individuais em
Entendes o que lês?, o material é reformulado para este livro, mas o leitor
ainda assim fará bem em ler aqueles capítulos também.
16
Como ler a Bíblia livro por livro
Em segundo lugar, os autores se situam abertamente na tradição
evangélica da igreja. Isso significa, entre outras coisas, que cremos que
o Espírito Santo inspirou os autores (e os compiladores) bíblicos na sua
tarefa — embora seja mais comum, quando falamos sobre os documentos, falarmos em termos do que o autor humano (inspirado) está fazendo.
Ao mesmo tempo, na maioria dos casos buscamos nos valer dos estudos bíblicos mais recentes — embora seja possível que qualquer estudioso
que venha a consultar esta obra se pergunte se, de fato, consultamos seu
último trabalho. Além da nossa própria leitura do texto, reconhecemos,
com gratidão, que incorporamos aqui sugestões — e às vezes o próprio
fraseado — de outros autores, tantas que não haveria como mencionar
todas. Esperamos que, se algum autor reconhecer algumas das suas ideias
neste livro, isso lhe traga satisfação; confiamos, também, que eles nos
sejam generosos nos momentos em que preferimos trilhar nosso próprio
caminho em vez de nos fiar no trabalho de outros estudiosos.
Os autores também fazem os seguintes reconhecimentos com
grande gratidão: ao Regent College, cuja generosa política de períodos sabáticos tornou possível que o professor Fee trabalhasse no livro
durante o semestre da primavera de 1998 e o do inverno de 2001; a
colegas e amigos que leram capítulos escolhidos e contribuíram com
valiosos comentários: Iain Provan, V. Philips Long, Rikk Watts, John
Stek, Bruce Waltke e Wendy Wilcox Glidden. A esposa do professor Fee, Maudine, demonstrou grande interesse por este projeto e leu
cada palavra, contribuindo com sugestões importantes que aprimoraram em muito o nosso trabalho. E, durante o mês de março de 2001,
enquanto o professor Fee se recuperava de uma cirurgia, ela se uniu
a ele na leitura do manuscrito todo e da Bíblia toda em voz alta — o
que resultou em inúmeras alterações no livro, já que os ouvidos, às
vezes, ouvem melhor do que veem os olhos. Não podemos enfatizar o
bastante o valor da leitura bíblica em voz alta!
Dedicamos o livro Entendes o que lês? a nossos pais, três dos quais
já partiram para estar com o Senhor. Estamos dedicando este presente
empreendimento a nossos netos — que, por ocasião desta composição,
já contam doze da parte dos Fee, os mais velhos já sendo adolescentes,
e três da parte dos Stuart. Assim, em certa medida, este livro é a nossa
própria reflexão sobre Salmos 71.14-18.
Gênesis
Informações básicas sobre Gênesis
Conteúdo: a história da Criação, da desobediência humana e suas
trágicas consequências, e da escolha, por parte de Deus, de Abraão
e sua descendência — o início da história da redenção
■■ Abrangência histórica: da Criação do mundo até a morte de José,
no Egito (c. 1600 a.C.?)
■■ Ênfases: Deus como o Criador de tudo o que existe; a criação dos
seres humanos à imagem de Deus; a natureza e as consequên­cias
da desobediência humana; o início das alianças divinas; a escolha,
por parte de Deus, de um povo por meio do qual ele abençoará as
nações
■■
Visão geral de Gênesis
Para os leitores modernos, Gênesis pode parecer um livro estranho, já
que começa com Deus e a Criação e conclui com José num caixão no
Egito! Mas essa estranheza é prova de que, embora apresente integridade como livro (estrutura e organização evidentes), Gênesis tem o
propósito, ao mesmo tempo, de dar início a toda a história bíblica. A
primeira palavra do livro (Bereshit = “em [o] princípio”), além de lhe
servir de título, sugere o seu conteúdo. Assim, ele fala do princípio da
história de Deus — Criação, desobediência humana e redenção divina
30
Como ler a Bíblia livro por livro
— enquanto, ao mesmo tempo, dá início ao Pentateuco, a história da
escolha de um povo, por parte de Deus, e do estabelecimento de uma
aliança com esse povo, por meio do qual ele abençoaria todos os povos
(Gn 12.2,3).
A narrativa de Gênesis apresenta duas partes básicas: uma “pré-história” (caps. 1—11), que consiste nas histórias da Criação, da origem dos seres humanos, da Queda da humanidade e do progresso
implacável do mal — tudo isso tendo como fundo a paciência e o
amor incansáveis de Deus —, e a história do início da redenção por
meio de Abraão e sua descendência (caps. 12—50), o foco estando nas
histórias de Abraão (11.27—25.11), de Jacó (25.12—37.1) e de José
(caps. 37—50). Essas histórias, em parte, são estruturadas em torno de
uma frase que ocorre dez vezes: “Estas são as gerações [genealogias/
histórias/relatos de família] de”, um termo que pode se referir tanto às
“genealogias” em si (como nos casos de Sem, Ismael e Esaú) quanto
às “histórias de famílias”. Você perceberá que as histórias principais de
Abraão, Jacó e José estão todas na história de família de seus respectivos pais (Terá, Isaque e Jacó).
A narrativa geral de Gênesis, portanto, começa imediatamente
após o prólogo (1.1—2.3), com a primeira família humana no jardim
do Éden, passando, a partir da família de Adão, por Noé e Sem e
chegando, assim, a Terá e Abraão, e passando, finalmente, por Isaque e
chegando, assim, a Jacó (Israel), e portanto até José. Ao mesmo tempo,
também são fornecidas as linhagens familiares dos filhos rejeitados
(Caim, Ismael, Esaú), destacando, assim, o contraste entre a “descendência eleita” e o “irmão rejeitado” (aquela tem uma história, este, só
uma genealogia). Finalmente, perceba mais um recurso estrutural que
dá forma à maior parte do livro: Deus usa Noé para preservar a vida
humana durante o grande dilúvio (caps. 6—9), e usa José para preservar a vida humana durante a grande seca (caps. 37—50).
Orientações para a leitura de Gênesis
À medida que você lê esse primeiro livro da Bíblia, além de saber que
a narrativa se desenvolve segundo as histórias de famílias, também
atente para a forma como a trama principal, por um lado, e várias
Gênesis
31
subtramas, por outro, cooperam para moldar a história de família mais
ampla, que é a história do povo de Deus.
A trama principal diz respeito à intervenção de Deus na história
da condição caída da humanidade ao escolher (“eleger”) um homem
e sua família. Porque embora as famílias de Abraão, de Isaque e de
Jacó sejam, por assim dizer, os personagens principais, você não deve
jamais esquecer que Deus é o Protagonista último — o que se aplica
a todas as narrativas bíblicas. Esta é, acima de tudo, a história dele.
Deus fala, e dessa forma cria o mundo e um povo. A história se torna
do povo (e nossa) apenas na medida em que Deus traz essa família à
existência, faz promessas a ela e realiza com ela uma aliança para ser o
seu Deus. Permaneça atento, portanto, à forma como a trama principal
se desenvolve, e a como os personagens primários se tornam parte da
história de Deus.
Ao mesmo tempo, não deixe de observar as várias tramas menores,
que são cruciais para a história maior do povo de Deus no Antigo
Testamento — e em alguns casos, também, para a história do povo
constituí­do pela nova aliança. Seis dessas subtramas merecem atenção especial.
A primeira — crucial para toda a história bíblica — é a ocorrência das primeiras duas alianças entre Deus e o seu povo. A primeira aliança é com toda a humanidade, por meio de Noé e seus filhos,
prometendo que Deus nunca mais eliminará a vida da terra (9.8-17).
A segunda aliança é com Abraão, e promete duas coisas em especial
— a dádiva da “semente/descendência” que se tornará uma grande
nação para abençoar as nações, e a dádiva da terra (12.2-7; 15.1-21;
cf. 17.3-8, em que a aliança é ratificada pela marca identificadora da
circuncisão). A segunda aliança é repetida a Isaque (26.3-5) e a Jacó
(28.13-15) e serve, por sua vez, como base para as duas alianças seguintes no Antigo Testamento: a dádiva da Lei (Êx 20—24) e a dádiva da monarquia (2Sm 7).
A segunda subtrama é um pouco sutil no próprio Gênesis, mas é
importante para o desenrolar posterior do tema da guerra santa (v. glossário) na história bíblica. Ela começa com a maldição de Deus sobre
a serpente, de que Deus porá “inimizade entre ti e a mulher, entre a
tua descendência [semente] e a descendência dela” (3.14,15). O termo
32
Como ler a Bíblia livro por livro
crucial aqui é “descendência” (semente), retomado em 12.7 em relação
ao povo escolhido. Essa maldição prenuncia o tema da guerra santa, que
é particularmente acentuado em Êxodo (a guerra sendo entre Moisés
e o faraó, portanto entre Deus e os deuses do Egito; v. Êx 15.1-18),
é desenvolvido na conquista e derrota de Canaã e de seus deuses (o
que explica a maldição de Canaã em Gn 9.25-27) e culmina no Novo
Testamento (na história de Jesus Cristo, e esp. em Apocalipse). Embora
em Gênesis esse tema não assuma a forma da guerra santa propriamente, pode se vê-la, não obstante, especialmente no conflito entre irmãos,
ou seja, entre a descendência divina e a não divina (Caim/Abel; Ismael/
Isaque; Esaú/Jacó), em que o mais velho persegue o mais novo, por meio
de quem Deus escolheu operar (v. Gl 4.29).
A escolha, por parte de Deus, do mais jovem (ou do mais fraco, ou
do mais improvável) para levar adiante a descendência justa é uma terceira subtrama que começa em Gênesis. Aqui, ela assume duas formas
em particular que são, então, repetidas ao longo da história bíblica.
Em primeiro lugar, Deus regularmente ignora o filho primogênito na
execução dos seus propósitos (uma ruptura considerável, da parte de
Deus, com as normas culturais então correntes): não Caim, mas Sete;
não Ismael, mas Isaque; não Esaú, mas Jacó; não Rúben, mas Judá.
Em segundo lugar, a descendência divina frequentemente é gerada
por uma mulher antes estéril (Sara, 18.11,12; Rebeca, 25.21; Raquel,
29.31). À medida que você lê a história bíblica inteira, é uma boa ideia
prestar atenção nesse tema recorrente (v., p. ex., 1Sm 1.1—2.11; Lc 1).
Ligado a esse tema está o fato de que os escolhidos não devem a
escolha de Deus à própria bondade; aliás, os defeitos desses escolhidos
são fielmente narrados (Abraão em Gn 12.10-20; Isaque em 26.1-11;
Jacó ao longo da sua narrativa [repare no quanto a família no capítulo
37 é disfuncional!]; Judá em 38.1-30). Deus não os escolhe em vista
do caráter inerente deles; o que faz deles a descendência santa, antes, é
que eles confiaram, no final, em Deus e na sua promessa de que seriam
o seu povo — um povo extraordinariamente numeroso — e de que
herdariam a terra à qual primeiro vieram como estrangeiros.
Uma quarta subtrama vem à tona mais tarde na história, em que
Judá assume o papel de líder entre os irmãos na longa narrativa de
33
Gênesis
José (caps. 37—50). Ele aparece pela primeira vez no capítulo 38, em
que suas fraquezas e sua pecaminosidade são expostas. Mas seu papel
principal tem início em 43.8,9, em que ele garante a segurança de seu
irmão Benjamim, e atinge o clímax com sua disposição em tomar o lugar de Benjamim, em 44.18-34. Tudo isso prenuncia a bênção de Jacó
em 49.8-12, segundo a qual o “cetro não se afastará de Judá” (apontando para o reino davídico e, indo além deste, para Jesus Cristo).
Uma quinta subtrama é encontrada na prenunciação do “capítulo”
seguinte na história — a escravidão no Egito. O interesse no Egito
começa com a genealogia de Cam (10.13,14; Mizraim é o termo hebraico para “Egito”). A narrativa familiar básica (de Abraão até José)
começa com uma fome que leva Abraão até o Egito (12.10-20) e conclui com outra fome que leva Jacó e toda a sua família a se estabelecer
no Egito, enquanto Isaque, na sua viagem para o Egito durante ainda
outra fome, recebe a ordem expressa de não ir até lá (26.1-5).
Finalmente, o interesse em detalhar as origens dos vizinhos próximos de Israel, que se lhe tornam espinhos na carne ao longo da
história do Antigo Testamento, forma uma sexta subtrama. Além dos
personagens principais, Egito e Canaã (10.13-19), observe também,
respectivamente, Moabe e Amom (19.30-38), Edom (25.23; 27.39,40;
36.1-43), e o papel menor de Ismael (39.1; cf. Sl 83.6).
Uma caminhada por Gênesis
͌͌1.1—2.3 Prólogo
Embora seja escrito em prosa, há uma dimensão claramente poética
nesse prólogo criacional. Parte da poesia está na estrutura meticulosa
da primeira “semana”, em que o primeiro dia corresponde ao quarto, o
segundo corresponde ao quinto, e o terceiro corresponde ao sexto. Repare como os dois grupos de dias correspondem ao fato de a terra ser
“sem forma e vazia” (1.2): os dias 1-3 dão “forma” à terra (luz, céu, terra
seca), enquanto os dias 4-6 dão conteúdo a essa forma. Desse modo:
Dia 1 (1.3-5)
Dia 2 (1.6-8)
Dia 3 (1.9-13)
Luz
Céu e mares
Terra seca/vida vegetal
34
Como ler a Bíblia livro por livro
Dia 4 (1.14-19)
Dia 5 (1.20-23)
Dia 6 (1.24-31)
Dia 7 (2.2,3)
Sol, lua, estrelas
Céu e animais marinhos
Animais terrestres se alimentam da vida vegetal
Deus descansa desse trabalho
Preste atenção nas várias ênfases à medida que você lê, algumas das
quais são retomadas posteriormente na história bíblica — a ênfase de
que a fala de Deus traz todas as coisas à existência (cf. Sl 33.6; Jo 1.1-3);
de que Deus abençoou aquilo que criou, incluindo o mundo material,
declarando que tudo é “bom”; de que os seres humanos, homem e
mulher, são criados segundo a própria imagem de Deus, e recebem
dele o domínio sobre o restante da Criação; de que Deus descansou no
sétimo dia, e o separou como santo (estabelecendo, assim, o padrão de
seis dias de trabalho e um de descanso; cf. Êx 20.8-11, a grande dádiva
de descanso de Deus para os ex-escravos).
͌͌2.4—4.26 O relato da origem humana
Esse é o primeiro dos seis “relatos” que formam a pré-história de
Gênesis 1—11. Ele se divide em três partes claramente distintas, seguindo a atual divisão em capítulos. Começa (2.4-25) com os seres
humanos sendo criados e colocados no Éden, no centro do qual estão
as duas árvores (da vida; do conhecimento do bem e do mal — ambas
refletindo o ser do próprio Deus); há, também, a advertência para não
comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, e a criação de Eva
a partir da costela de Adão, com ênfase no caráter mútuo e cooperativo
da relação entre os dois. Observe como, a partir desse momento, a história entra em rápido declínio: a serpente os persuade à desobediência
(3.1-13), a que se seguem a maldição de Deus sobre a serpente e a
terra, e o seu juízo sobre a mulher e o homem (3.14-19), e, após um
alívio momentâneo (3.21), a punição deles — a perda da presença de
Deus (3.22-24). É importante lembrar, aqui, que o Éden é visto como
restaurado na visão final de Apocalipse (Ap 22.1-5)!
O declínio é consumado com a história do assassinato de Abel por
seu irmão, Caim, e o consequente banimento de Caim da presença
de Deus (4.1-18), concluindo com as notas irmãs da arrogância dos
descendentes de Caim (4.19-24) e do nascimento de Sete, e com a
Gênesis
35
nota esperançosa, por outro lado, de que “nesse tempo [...] os homens
começaram a invocar o nome do Senhor” (4.25,26).
͌͌5.1—6.8 O relato da linhagem familiar de Adão
Essa genealogia faz um contraste com a linhagem de Caim (v. a diferença entre os dois Lameques no final de cada uma). Observe duas
coisas importantes sobre essa genealogia: em primeiro lugar, ela começa (5.3) e termina (5.29) com ecos do prólogo (Sete faz paralelo
com Adão; Noé trará alívio da maldição). Em segundo lugar, um dos
homens dessa linhagem, Enoque (5.21-24), continua a experimentar
a presença de Deus. Apesar de alguns detalhes desconcertantes, não
perca de vista o sentido de 6.1-8: a degeneração total da raça humana
leva Deus a agir em juízo (6.6,7); mas, por clemência divina, “Noé [...]
encontrou graça aos olhos do Senhor” (6.8).
͌͌6.9—9.29 O relato de Noé
Essa narrativa é tão conhecida que é fácil deixar de perceber seus aspectos significativos. Observe como, no começo, a justiça de Noé faz
eco ao fato de que Enoque “andava com Deus” (6.9). Repare também
como a história ecoa a história original da Criação, de modo que, com
efeito, ela acaba sendo uma narrativa da “segunda criação”: o dilúvio
faz a terra retornar à sua condição “sem forma e vazia” (1.2), mas Noé
e os animais constituem uma ligação com o mundo anterior, ao mesmo tempo que começam algo novo. A aliança com Noé está repleta
de ecos de Gênesis 1—2 — o restabelecimento do ciclo das estações
(8.22; cf. 1.14); a ordem para que se multipliquem (9.1,7; cf. 1.28); a
humanidade à imagem de Deus (9.6; cf. 1.27). Aqui Deus está começando de novo, e portanto faz uma aliança que consiste na promessa
de nunca mais destruir a terra inteira dessa forma. A história, infelizmente, termina com uma nota amarga (9.20-23) — uma “queda”, novamente, que leva à maldição do descendente de Cam, Canaã — mas
conclui com a bênção de Sem (de cuja descendência virá a redenção).
͌͌10.1—11.9 O relato de Sem, Cam e Jafé
Aqui se vê o desenvolvimento da civilização humana em três grupos
étnicos básicos, conhecidos dos israelitas. Mizraim (forma hebraica de
36
Como ler a Bíblia livro por livro
“Egito”) e Canaã (10.13-20) recebem destaque especial. A história de
Babel conclui esses relatos, e leva diretamente à narrativa abraâmica,
o foco deixando as nações espalhadas e passando diretamente ao homem que fundará uma nova nação, e por meio do qual todas as nações
serão abençoadas.
͌͌11.10-26 O relato de Sem
Essa lista de nomes não é uma leitura muito estimulante, mas conduz
o leitor de Sem, filho de Noé, até Abrão (Abraão), e portanto ao “pai”
do povo eleito.
͌͌11.27—25.11 O relato de Terá
Não há como ignorar o fato de que o filho de Terá, Abraão, é o personagem predominante nessa história de família. Aqui você pode observar a habilidade com que a narrativa é elaborada. Ela apresenta a
família de Abraão, a meio caminho de Canaã (11.27-32), com uma
nota especial sobre a esterilidade de Sara (11.30). Os momentos principais estão em 12.1-9, em que Deus chama Abraão para sair de Harã
e ir “para a terra que eu te mostrarei” (12.1), e promete fazer dele “uma
grande nação” e abençoar “todas as famílias da terra” por meio dele
(v. 2,3). Depois de viajar obedientemente para a terra habitada pelos
cananeus (v. 4,5), Abraão percorre a terra inteira, e então recebe a promessa de que “Darei esta terra à tua descendência [semente]” (v. 6,7),
e então, ali, ele “edificou um altar ao Senhor e invocou o seu nome”
(v. 8,9). No restante da narrativa, você verá esses vários temas ocorrendo de uma forma ou outra: a terra prometida será dada à descendência
prometida, que se tornará uma grande nação e, portanto, uma bênção
para as nações — muito embora os cananeus, por ora, possuam a terra,
e Sara seja estéril! —, e portanto Abraão adora e confia no Deus que
prometeu essas coisas.
Assim, a primeira narrativa, que trata do malogro de Abraão no
Egito (12.10-20), está ligada à proteção, por parte de Deus, da descendência prometida. O primeiro ciclo de Ló (caps. 13—14) se concentra
na grande nação e na terra prometida, ao mesmo tempo que introduz
Sodoma e Gomorra e indica a importância considerável de Abraão
Gênesis
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naquela terra. As narrativas dos capítulos 15—16, emendadas uma
na outra, retornam ao tema da descendência prometida que se origina
de uma mulher estéril, enquanto a narrativa central do capítulo 17 se
concentra em todos os temas ao mesmo tempo. A narrativa seguinte
se concentra, novamente, na descendência prometida que vem de uma
mulher estéril (18.1-15), tema retomado na série de três narrativas nos
capítulos 20—21 (Abimeleque, o nascimento de Isaque, a expulsão de
Ismael). Essas narrativas encerram o primeiro ciclo de Ló. O segundo
ciclo (18.16—19.38) começa com a grande nação que será uma bênção para as nações (18.18). Aqui, a destruição de Sodoma e Gomorra
e a concepção incestuosa de Moabe e Amom fazem contraste com
a confiança de Abraão em Deus quanto à terra prometida, um tema
retomado em 21.22-34.
Quatro narrativas cruciais concluem, então, a história da família
de Terá. Primeiro vem a provação de Abraão, que testa sua disposição
de entregar seu primogênito a Deus (cap. 22). Nessa narrativa crucial,
não deixe de observar
(1) a renovação das promessas (v. 15-18),
(2) a obediência e a confiança implícita de Abraão em Deus o tempo todo e
(3) a provisão feita por Deus de um sacrifício no lugar de Isaque.
Consideradas em conjunto, as mortes de Sara (cap. 23) e de Abraão
(25.7-11) completam o tema da terra prometida — uma porção da futura terra prometida é comprada para que seus corpos possam descansar ali, aguardando que o futuro seja cumprido! Elas também encerram
a história do casamento de Isaque, que é incluída na série de Abraão
porque dá continuidade ao tema da terra prometida, como também o
faz a apresentação da narrativa da morte de Abraão (25.1-6).
Observe, finalmente, que as escolhas feitas sem sabedoria em momentos de fé debilitada não frustram os propósitos de Deus (as histórias do faraó e de Abimeleque nos caps. 12 e 20, e Hagar no cap. 16),
enquanto Abraão, por sua vez, “creu no Senhor; e o Senhor atribuiu-lhe isso como justiça” (15.6, um texto que assume importância
38
Como ler a Bíblia livro por livro
especial nas cartas de Paulo). Assim, a resposta regular de Abraão a
Deus é de adoração e obediência (12.7,8; 13.4,18; 14.17-20; 22.1-19).
͌͌25.12-18 O relato de Ismael
Esta, a mais breve das histórias de origem, confirma que Deus cumpriu a sua promessa (16.10) de fazer de Ismael, e não só de Isaque,
uma grande nação de doze tribos.
͌͌25.19—35.29 O relato de Isaque
A história de Isaque trata principalmente de Jacó, que representa a
linhagem eleita. Observe como as promessas feitas a Abraão são repetidas tanto para Isaque (26.3-5) quanto para Jacó (28.13-15). Mais
uma vez, seguindo-se à oração, a descendência prometida é gerada por
uma mulher estéril (25.21-26). O desprezo de Esaú pelo seu direito
de primogenitura (25.29-34) mostra o seu caráter (cf. Hb 12.16)
e, por implicação, o caráter de seus descendentes, os edomitas —
perenes inimigos de Israel (v. o livro de Obadias). No capítulo 26,
Isaque repete o fracasso de Abraão (caps. 12; 20), e, como antes,
Deus intervém para proteger a descendência prometida. Nos capítulos 27—28, apesar de Jacó usurpar de Esaú a bênção de seu pai
(agindo, assim, segundo o seu nome, “ele engana”), observe que Deus
renova a aliança abraâmica com ele (28.10-22). Esse evento também marca o começo de uma mudança no caráter de Jacó, evidenciada pelos eventos que giram em torno da sua reconciliação com
Esaú (caps. 32—33; repare, especialmente, na narrativa em que o seu
nome é mudado, de Jacó para Israel).
Nos capítulos 29—31, você pode começar a seguir de perto a expansão da nação de Israel. A família eleita, agora, conta doze filhos,
cuja descendência formará as doze tribos, um conceito refletido depois nos distritos tribais da terra, e ainda depois na escolha, por parte
de Jesus, de doze discípulos, e, por último, na arquitetura final da
nova Jerusalém que desce dos céus (Ap 21.12,14,21). Infelizmente,
os filhos de Jacó (cap. 34) refletem o caráter do Jacó mais jovem,
um fator que desempenha um papel muito importante no começo
(37.12-36) da última história de família de Gênesis (caps. 37—50).
Gênesis
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͌͌36.1—37.1 O relato de Esaú
Os edomitas, a linhagem de Esaú, tornam-se uma grande nação, como
prometido, mas também estão entre os vizinhos que ameaçam continuamente o povo eleito e sua segurança na terra prometida.
͌͌37.2—50.26 O relato de Jacó
A última história de família trata principalmente de José, a quem
Deus usa para resgatar Israel (e as nações, dessa forma abençoando-as,
12.2,3) da fome, para que a descendência prometida possa ser preservada. Você perceberá que a leitura dessa história é uma experiência
diferente das anteriores, já que consiste em uma única narrativa coesa
(a mais longa do gênero na Bíblia), com apenas três interrupções (a
história de Judá no cap. 38, a genealogia em 46.8-27, e a “bênção” de
Jacó no cap. 49). Repare em como ela começa e termina na mesma
nota — seus irmãos se inclinando diante dele (37.5-7; 50.18; cf. 42.6).
Atente para os vários temas que dão coesão à história: Deus derruba
o mal dos irmãos contra José, permite que José sofra na prisão (o que
sucedeu porque José se recusou a pecar), mas, finalmente, o salva e o
exalta por meio da sua habilidade divinamente concedida de interpretar sonhos (observe as repetições de “o Senhor estava com José”,
39.2,3,21,23) — mais uma vez, Deus opera por meio de um filho
mais jovem, desprezado. Observe, também, como no fim (cap. 48), a
bênção de Jacó sobre os dois filhos de José dá continuidade ao padrão
da escolha divina do mais jovem (o menos favorecido).
Finalmente, é proveitoso observar o papel que Judá desempenha
na narrativa. Embora seu começo não seja nem um pouco salutar
(cap. 38), Judá, depois, evidencia um coração arrependido pelo seu papel anterior na história (44.18-34). E ele é, por fim, abençoado como
“o leãozinho” por meio de cuja linhagem virá o rei davídico (49.8-12),
e depois o próprio rei messiânico, Cristo Jesus.
Ainda que a narrativa conclua com José num caixão no Egito
(50.26), isso também prenuncia a parte seguinte da narrativa, o livro
de Êxodo, em que se faz nota especial do fato de que os israelitas levaram os ossos de José consigo, porque este os tinha feito realizar um
40
Como ler a Bíblia livro por livro
juramento: “Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar daqui
os meus ossos” (Êx 13.19).
Gênesis inicia a história bíblica com Deus como Criador, os seres
humanos como criados à imagem de Deus, mas caídos, e a resposta de
Deus por meio da criação redentora de um povo eleito — o que ele
faz por meio de toda sorte de circunstâncias (boas e más), e apesar das
falhas do povo.
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