REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro
Diretoria (2010-2011)
Presidente: Eulalia Henriques Maimone
Vice Presidente: Helena de Ornellas Sivieri Pereira
1ª. Secretária: Cirlei Evangelista Silva Souza
2ª. Secretária: Larissa Guimarães Martins Abrão
1ª. Tesoureira: Célia Vectore
2ª. Tesoureira: Marineia Crosara Resende
Coordenador de Eventos: Walter Mariano de Faria Silva Neto
Editor da Revista: Moisés Fernandes Lemos
UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Reitor: Virmondes Rodrigues Junior
Instituto de Educação, Artes, Letras, Ciências Humanas e Sociais
Diretora: Fábio César da Fonseca
Curso de Psicologia
Coordenadora: Helena de Ornellas Sivieri Pereira
UFU - Universidade Federal de Uberlândia
Reitor: Alfredo Júlio Fernandes Neto
Instituto de Psicologia
Diretora: Áurea de Fátima Oliveira
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Coordenador: Ederaldo José Lopes
Curso de Psicologia
Coordenador: Joaquim Carlos Rossini
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
1
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
Expediente
A Revista Perspectivas em Psicologia é uma revista científica semestral, publicada pela da
Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro e pelos cursos de Psicologia da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro e da Universidade Federal de Uberlândia. Ela é enviada a
bibliotecas universitárias do Brasil com a missão de incentivar e difundir o conhecimento
científico nas diversas áreas da Psicologia tendo como referência a produção do
conhecimento sobre fatos e fenômenos da região
Editor
Moisés Fernandes Lemos (UFG-CAC)
Conselho Editorial
Antonio Roazzi (UFPE)
Célia Vectore (UFU)
Cláudia Davis (PUCSP)
Eduardo Costa (Coimbra/PT)
Elias Humberto Alves (UNICAMP)
Eulália Henriques Maimone (UNIUBE)
Fernando Antônio de Oliveira Leite (UNIMINAS)
José Lino de Oliveira Bueno (USP/Rib. Preto)
Marcela Cornejo Cancino (PUC – Santiago-Chile)
Maria Aparecida Morgado (UFMT)
Maria Gracite (Coimbra/PT)
Maria Elisabeth Montagna (PUC-SP)
Miguel Mahfoud (UFMG)
Sinésio Gomide Júnior (UFU)
Teresa Benitez Gray (Universidad de Oriente - Cuba).
Endereço da Revista
Universidade Federal de Uberlândia
Campus Umuarama
Av. Pará, 1720, Bloco 2C, Sala 31, Bairro Umuarama
CEP 38405-320 – Uberlândia – MG.
2
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
Publicada originalmente com o título de: Revista da Sociedade de Psicologia do Triângulo
Mineiro. Primeiro volume e número (V.1 N.1) publicado em dezembro de 1998. Uberlândia
– MG.
Capa
Andréia Fernandes Malaquias Assistente - Comunicação Social /UFTM
Diagramação
Thimoteo Pereira Cruz
Impressão e Acabamento
Gráfica Univesitária da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Ficha catalográfica:
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA. Uberlândia,
V.15 N.1, jan/jun.2011. (V.1 N.1 de dezembro de 1998)
Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro.
Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Universidade Federal de Uberlândia
Semestral
1. Psicologia
ISSN 2237-6917 CDU: 159.9
Revista indexada ao
INDEX-PSI
(www.psicologia-online.org.br/index_psi.html)
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
3
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
EDITORIAL
Editorial
SAÚDE E COMPROMISSO SOCIAL
Moisés Fernandes Lemos
Na década de oitenta, a sociedade organizada já levantava bandeiras, exigindo do
Estado garantias de investimentos em saúde pública, educação e saneamento básico, por
entender que essa era uma maneira de melhorar a qualidade de vida da população mais
sofrida. Isso faz muito tempo, mas nas últimas décadas o Brasil observou a consolidação do
regime democrático e hoje podemos participar diretamente da destinação de verbas públicas,
atendendo às necessidades das diversas regiões de um país continental. Os problemas de
saneamento básico foram relativamente resolvidos, as endemias e a mortalidade infantil
foram controladas. O Brasil ainda tem muitos problemas, entretanto, nos últimos anos o
número de brasileiros abaixo da linha da pobreza diminuiu, assim como diminuiu o número
de mortes por fome, por problemas de saúde de fácil controle como diarréia e doenças
infantis passíveis de coberturas pelas vacinações. Cresceu o número de brasileiros na escola,
aumentando, principalmente a quantidade de anos em que o brasileiro permanece nela.
Aumentou a incidência de brasileiros com carteiras assinadas, com capacidade de compra,
com duas ou mais refeições dia e o acesso à casa própria. Enfim, as condições de vida no
Brasil melhoraram, consideravelmente, nos últimos anos, elevando a expectativa de vida de
nosso povo.
Mas nesse cenário, hoje nos perguntamos: quais os desafios das instituições de ensino em
Psicologia e as exigências do mercado de trabalho para a atuação em saúde? Para tentar
responder a este questionamento retomamos um pouco da história da Psicologia. As
experiências de Wundt na Alemanha levaram ao reconhecimento da Psicologia como área do
saber, dotando-a de um objeto de estudo e de um método de investigação científica que a
deram o status de ciência do comportamento. Os esforços de Freud, estabelecendo as bases
da Psicanálise contribuíram, sobremaneira, para o desenvolvimento da clínica e
indiretamente para a inclusão da Psicologia na área de saúde, seja pelo desenvolvimento da
teoria, de procedimentos técnicos ou da prática clínica. Não obstante, foi a pequena
possibilidade de recuperação dos pacientes internados nos hospitais psiquiátricos suscitou
questionamentos em diversos países, levando ao surgimento dos primórdios do movimento
denominado de anti-psiquiatria. Na década de 60 a luta anti-manicomial atinge seu ápice na
Itália com Franco Baságlia que fecha os manicômios, dando aos internos um tratamento mais
humano e devolvendo-lhes a cidadania. As experiências de Baságlia geram um movimento
sem precedentes, com repercussão no mundo todo.
4
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
No Brasil é apresentado o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado, que reduz o
número de leitos e propõe meios alternativos ao tratamento do doente mental. Os
trabalhadores da saúde se organizam em movimento e em 1985 é realizada uma convenção,
exigindo mudanças significativas no modelo de saúde. Como consequência da organização
dos trabalhadores em saúde pública o país adota um modelo de assistência inspirado no
modelo de assistência sandinista, o qual teve como inspiração o modelo cubano. Observa-se,
então, uma mudança significativa na assistência pública à saúde, com a redução de leitos e
com a implantação das políticas do SUS em substituição ao modelo de hospitalização do
INPS. Como principal recurso à assistência e promoção da saúde mental a lei prevê a
instalação dos CAPS e a realização de oficinas terapêuticas. A saúde passa a ser um esforço
conjunto de diversas áreas do saber, havendo uma horizontalização do poder na equipe
interdisciplinar que atende à demanda, ou seja, a saúde mental deixa de ser uma atribuição
do psiquiatra, contando com as contribuições de profissionais de diversas áreas, dentre elas a
Psicologia.
No que se refere à expansão das áreas de atuação da psicologia clínica os profissionais
com formação de inspiração psicanalítica, por influência da Psicanálise Argentina, de forte
inspiração socialista, começam a praticar uma clínica mais social, posto que a Psicologia
clínica passe a ser praticada de maneira mais extensa, afirmando seu compromisso com as
camadas menos favorecidas da população, mas por diversas razões que não cabe aqui
discuti-las amiúde. Fato é que a Psicologia Clínica ao ser aplicada em larga escala carece da
adequação das técnicas para atender uma clientela mais ampla da população, inaugurando a
chamada clínica extensa, que sem negar as origens psicanalíticas faz uma clínica mais
voltada para o social, se adaptando gradativamente às características da sociedade brasileira.
Se na década de 1980 recebíamos formação voltada para a Psicologia de atendimentos
individuais em consultórios, hoje ainda temos deficiências: carecemos de formar
profissionais para uma nova realidade: a saúde pública. Não basta ensinar técnicas
atendimentos clínicos, colocar profissionais no mercado em larga escala, pois suas primeiras
oportunidades de trabalhar provavelmente serão na saúde pública. No entanto, o modelo de
formação que ele recebeu não o capacita para atuar nessa área, gerando problemas para
quem contrata e para o próprio psicólogo que se vê frustrado em suas iniciativas e com a
identidade profissional pouco estabelecida.
Nesse cenário, nos parece que o grande desafio para quem atua em saúde pública seja,
por um lado, trabalhar numa equipe interdisciplinar, colocando sua escuta treinada a serviço
do grupo. Por outro, vimos como um desafio o desenvolvimento de habilidades e
competências, adequando as técnicas para o atendimento em grupo, com o envolvimento das
famílias, das instituições e da rede social. O aprimoramento das oficinas terapêuticas é outro
desafio, já que na prática elas não cumprem o papel previsto na legislação. Cabe ainda
destacar que o papel do psicólogo na equipe não está garantido na lei, devendo os colegas
que ali atuam justificar suas permanências nas equipes de trabalho e essa justificativa se faz
com empenho e resultados.
Entendemos que esse problema deva ser resolvido pela categoria e pelas instituições
formadoras de tal maneira que o público alvo seja mais bem assistido. Destacamos, ainda,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
5
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
que não da para pensar em formação em Psicologia sem pensar em Psicologia Aplicada. O
compromisso profissional do psicólogo deve ser essencialmente com a sociedade, como
retribuição dos investimentos sociais em sua formação e capacitação como forma de
diminuir o sofrimento humano, seja a instituição formadora pública ou privada, posto que
todas usufruam das benesses do Governo.
Sendo assim, cabe aos periódicos de Psicologia estimular a discussão, difundir os
resultados de pesquisas e publicar avanços e retrocessos da área. Essas experiências,
certamente, contribuirão para que a Psicologia alcance seu lugar na história. Nesse sentido, a
Revista Perspectivas em Psicologia, sem perder de vista sua proposta generalista, soma
esforços com as demais publicações do gênero, buscando um lugar para os psicólogos nas
equipes de saúde, por mérito e competência. Tenham uma boa leitura!
6
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
Artigos
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA
EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO
DO PSICÓLOGO ESCOLAR
Marilene Proença Rebello de Souza (USP – São Paulo - SP)
Anabela Almeida Costa e Santos Peretta (UFU – Uberlândia - MG)
Juliana Sano de Almeida Lara (UFU – Uberlândia - MG)
Roseli Fernandes Lins Caldas (Instituto Mackenzie – São Paulo - SP)
Resumo
O presente artigo propõe-se a apresentar e discutir os recursos metodológicos utilizados para realização da
pesquisa “A atuação do psicólogo da rede pública de ensino frente à demanda escolar: concepções,
práticas e inovações”, no estado de São Paulo. A investigação foi organizada em duas frentes
concomitantes: 1) pesquisa de campo sobre práticas psicológicas desenvolvidas na rede pública de
educação, que contemplou aplicação de questionários e realização de entrevistas; 2) análise documental
por meio da revisão de literatura sobre a atuação do psicólogo na educação. Foi possível mapear onde e
como atuam os psicólogos paulistas. Identificaram-se avanços nas práticas profissionais psicológicas no
campo da educação, os quais anunciam que psicólogos têm se apropriado dos conhecimentos da
Psicologia Escolar e Educacional Crítica.
Palavras-chave: psicologia escolar; metodologia; atuação do psicólogo; ensino público.
Abstract
Methodological paths Research in Psychology: survey on school psychologist proceedings
This article aims to present and discuss the methodological resources for the research “School
Psychologists in Public School Education: conceptions, practices and innovations” in the State of São
Paulo, Brazil. The investigation was organized into two concomitant fronts: 1) field research on the
psychological practices developed in public education, which included questionnaires and interviews; 2)
document analysis by reviewing the literature about the practice of psychologists in education. It enabled
the mapping of where and how the psychologists work. Advances in professional psychological practice
in education were identified, which announced that psychologists have appropriated the knowledge from
Critical School Psychology.
Keywords: school psychology; methodology; psychologist performance; public education.
Artigo Recebido em 03/01/2012 e Aprovado em 29/8/2012
7
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
Introdução
O presente artigo se propõe a apresentar e
discutir os recursos metodológicos utilizados
para a realização da pesquisa “A atuação do
psicólogo da rede pública de ensino frente à
demanda escolar: concepções, práticas e
inovações”. Considerando a relevância da
escolha e sistematização do percurso
metodológico para os estudos científicos, o
presente texto tem como objetivo
compartilhar os desafios e os caminhos
encontrados para desenvolver estudo
comprometido com conhecer e discutir a
atuação em Psicologia Escolar e Educacional.
A pesquisa em questão foi desenvolvida em
âmbito nacional, nos estados de São Paulo,
Rondônia, Acre, Minas Gerais, Bahia, Santa
Catarina e Paraná.
Buscou-se
manter
uma
unidade
metodológica em todos os estados,
possibilitando, assim, que tivéssemos acesso a
uma espécie de “estado da arte” da prática
profissional em Psicologia no campo da
educação. E, neste artigo, nos deteremos mais
especificamente no modo como se deu a
condução do estudo no estado de São Paulo.
Destaca-se a relevância de São Paulo para que
se conheçam as tendências e as peculiaridades
da atuação em Psicologia. É possível
constatar que o estado concentra quase um
terço dos psicólogos brasileiros1 e abriga os
principais centros de pesquisa e formação que
têm desenvolvido propostas de mudança de
rumos na Psicologia Escolar e Educacional.
A Psicologia Escolar passou por uma
grande transformação desde a década de
1980, quando foram desvelados os
compromissos
político-ideológicos
que
vinham sendo assumidos até então por esta
ciência e profissão. Passou-se, então, de uma
atuação psicológica marcada pela intervenção
junto à dimensão individual das questões
escolares, para práticas mais comprometidas
com os aspectos institucionais e políticos da
educação.
Tais mudanças também impactaram a
pesquisa em Psicologia Escolar e
Educacional. Há cerca de 20 anos,
começaram a ganhar evidência trabalhos
dedicados a compreender o processo de
escolarização. A temática das políticas
públicas em Educação também se tornou foco
de atenção das pesquisas em Psicologia
(Souza, 2010a). Em consonância com a
vertente de pesquisa voltada à compreensão
de como as políticas públicas em Educação
têm sido implantadas e apropriadas pelos
diversos participantes da vida diária escolar,
estão os estudos que buscam compreender
como tem se dado a inserção da psicologia na
educação pública brasileira (Balbino, 2008;
Marinho-Araújo, Neves, Penna-Moreira e
Barbosa, 2011). O estudo deste tema tem se
revelado fundamental para a compreensão de
quais conquistas têm sido alcançadas, bem
como para que se identifique quais são os
desafios e as lutas necessárias a garantir que o
psicólogo seja um profissional que tenha
possibilidades de atuação e efetivas
contribuições para a educação brasileira.
É neste cenário que se insere a pesquisa
aqui apresentada, que teve como objetivo
geral identificar e analisar concepções e
práticas desenvolvidas pelos psicólogos da
rede pública frente às queixas escolares,
oriundas do sistema educacional, visando
compreender em que medida apresentam
elementos inovadores e pertinentes às
discussões recentes na área de Psicologia
Escolar e Educacional em busca de um ensino
de qualidade para todos. O estudo foi
organizado em duas frentes concomitantes,
contemplando modalidades distintas de
8
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
investigação: 1) investigação das práticas
psicológicas desenvolvidas na rede pública de
educação, realizada por meio da pesquisa de
campo; 2) investigação das discussões
recentes na literatura sobre a atuação do
psicólogo na educação, realizada por meio da
análise documental. Ao optarmos por estes
dois procedimentos visávamos estabelecer um
diálogo teórico-prático no que se refere à
atuação em Psicologia Escolar. Tal recurso
possibilitou que identificássemos como e em
que medida as discussões e proposições que
comparecem nas publicações recentes da área
de Psicologia Escolar e Educacional têm sido
incorporadas nas práticas dos profissionais
que atuam junto à rede pública de educação.
Conhecer a atuação dos psicólogos que
estão vinculados ao ensino público do estado
de São Paulo foi uma tarefa complexa,
desenvolvida por meio de estratégias que
possibilitaram o acesso a informações
quantitativas e qualitativas sobre a inserção
dos profissionais e as práticas por eles
desenvolvidas.
A possibilidade de que estratégias
quantitativas e qualitativas possam ocupar
uma relação de complementariedade em
estudos científicos vem sendo abordada por
importantes pesquisadores (Minayo &
Sanches, 1993; Spink, 1999), que questionam
a ideia de dicotomia entre essas formas de
conduzir
pesquisas.
As
abordagens
quantitativas possibilitam conhecer a
magnitude de fenômenos sociais, enquanto as
abordagens qualitativas propiciam que novos
aspectos de um fenômeno emerjam e
possibilitam que sejam compreendidos os
significados sob a perspectiva dos sujeitos
envolvidos (Serapioni, 2000).
Spink (1999) propõe a triangulação
metodológica, ou seja, a utilização de técnicas
múltiplas para que se conheça o objeto de
pesquisa proposto. A triangulação de
informações quantitativas e qualitativas, sob
tal perspectiva, pode ser utilizada como forma
de enriquecimento do estudo de fenômenos
complexos e multifacetados.
Deste modo, as informações quantitativas
nos possibilitaram fazer um mapeamento
amplo do número de psicólogos do estado, de
suas modalidades de intervenção e dos
referenciais utilizados para a condução do
trabalho, enquanto as estratégias qualitativas
de pesquisa foram fundamentais para que
fosse aprofundada a compreensão a respeito
das práticas desenvolvidas e dos contextos em
que se inserem.
Conhecendo as práticas dos psicólogos na
rede pública de educação
No Estado de São Paulo, centramos a
busca por psicólogos nas Secretarias
Municipais de Educação após verificarmos
que não havia psicólogos trabalhando na
Secretaria da Educação deste estado. Devido à
impossibilidade de contatar os 645 municípios
do estado, foi composta uma amostra de 133
municípios para contato, obedecendo aos
seguintes critérios: a) boa receptividade por
parte dos psicólogos do município à pesquisa;
b) contato com psicólogos que participam de
atividades na universidade e que, portanto,
poderiam apresentar informações relevantes à
pesquisa; c) contemplar todas as regiões do
Estado de São Paulo, tendo como referência
as cidades-sede das Diretorias de Ensino
subordinadas à Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo (vide Figura 1); d)
contatar todos os municípios da região
metropolitana de São Paulo.
Optou-se por realizar contato com as
cidades-sede de cada Diretoria de Ensino
porque estas correspondem a municípios de
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
9
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
grande porte que aglutinam à sua volta um
conjunto de municípios pequenos e médios,
circunscritos a cada diretoria. Desta forma,
consideramos que as cidades pertencentes a
uma mesma diretoria sofreriam, no âmbito
educacional, a influência de uma mesma
administração, centralizada na cidade-sede.
Quanto à região metropolitana de São
Paulo, optou-se por contatar todos os
municípios que a compõem, por ser uma
região que concentra um grande número de
instituições de Ensino Superior com cursos de
Psicologia. De acordo com a Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP,
2010), no Ensino Superior há 33 cursos de
Psicologia na capital e nove nos demais
municípios da Grande São Paulo, totalizando
42 dos 99 cursos de Psicologia oferecidos no
Estado de São Paulo (42%).
Figura 1. Divisão do Estado de São Paulo em
Diretorias de Ensino
Extraído de: Souza (2010b)
O contato inicial e os questionários
O contato telefônico inicial2 com as
Secretarias de Educação dos municípios
permitiu obter a informação sobre a presença
ou não de psicólogos em seu quadro de
funcionários. Os psicólogos encontrados
foram convidados a responder questionário,
enviado via fax, correio ou e-mail, ou
entregue pessoalmente, no caso de cidades
próximas, de fácil acesso. O material da
pesquisa enviado era composto por: Carta de
apresentação; Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido e Questionário.
O questionário era de preenchimento
individual e as perguntas feitas giravam em
torno do tempo de trabalho do profissional na
equipe, seu cargo, formação, sua filiação
teórica e modalidades de atuação de que se
utilizava para responder às demandas
escolares. Estruturava-se nos seguintes eixos:
dados gerais de identificação, formação,
níveis de ensino em que atua, público-alvo da
intervenção, modalidades de atuação, projetos
desenvolvidos, fundamentação teórica e
contribuições da Psicologia para a Educação.
Dessa maneira, os 108 questionários
respondidos proporcionaram a obtenção de
dados que permitiram a caracterização das
modalidades de atuação profissional, a
compreensão das concepções que respaldam
as práticas psicológicas, a identificação das
práticas realizadas e a identificação de
indícios que apontassem o caráter inovador
das práticas realizadas. Indícios esses que
serviram de base para a seleção dos
municípios cujos profissionais seriam
entrevistados na etapa seguinte da pesquisa.
Além de proporcionar dados para a
seleção dos profissionais que participariam da
segunda etapa da pesquisa, os questionários
permitiram coletar dados muito ricos na
caracterização da atuação dos psicólogos que
atuam na rede pública de educação e das
práticas que desenvolvem. Optou-se, então,
por realizar tanto leituras de caráter
quantitativo, em relação à distribuição da
amostra e à frequência dos dados, como
também leituras de caráter qualitativo, com
categorizações das respostas por similitudes
10
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
dos conteúdos, principalmente em relação às
questões abertas.
A análise estatística utilizou o programa
Statistical Package for Social Sciences (SPSS)
– Versão 10, para verificar de que maneira os
dados coletados dos diferentes eixos do
questionário se associavam, permitindo a
formação de perfis dos psicólogos que
atuavam na rede pública de Educação no
Estado de São Paulo. Para tanto, foi realizada
uma categorização das respostas coletadas nos
questionários e todos os 108 questionários
respondidos foram tabulados de acordo com
esta categorização.
Foi avaliada a associação entre pares de
variáveis por meio do teste “qui-quadrado”,
para verificar quais delas eram significativas.
Todos os pares possíveis de variáveis foram
testados. A constatação de associações
significativas entre variáveis demonstra a
existência de um padrão na distribuição dos
dados, determinado por dependência entre
essas variáveis. A partir das associações
significativas entre pares de variáveis, foi
utilizada a Análise de Correspondência
(ANACOR)3 para verificar as associações
significativas entre duas ou mais variáveis.
Esta análise gerou um mapa multidimensional
que permitiu entender como as variáveis se
associavam, podendo-se criar perfis.
Para as leituras de caráter quantitativo e
qualitativo, o questionário foi dividido em três
grandes categorias: a) identificação; b)
atuação profissional; c) fundamentação
teórico-metodológica da atuação.
Identificação
A categoria identificação abrangeu
informações relativas a: a) dados pessoais:
sexo e idade; b) Secretaria de Educação:
cargo (contrato), função (que exercia), tempo
no cargo e ano de ingresso na Secretaria de
Educação; c) formação: tempo de formação,
Instituição formadora e cursos realizados.
As análises decorreram a partir da
descrição da frequência dos dados, com
leituras sobre os valores em médias e
porcentagens. Em relação às respostas dadas
sobre o trabalho do psicólogo na Secretaria de
Educação, além da análise quantitativa sobre
a distribuição da amostra, foram feitas
categorizações a partir das diversas respostas
dadas aos itens: “Cargo” de contratação pela
Secretaria de Educação; “Função” exercida
pelo profissional e “Tempo no Cargo”.
Atuação Profissional
A categoria atuação profissional abrangeu
informações sobre a) clientela: níveis de
ensino em que atua o psicólogo e público-alvo
do trabalho; b) modalidades de atuação: com
as
opções:
“avaliação
psicológica”,
“atendimento clínico”, “formação de
professores”, “assessoria às escolas” e
“outros”; era solicitado que o psicólogo
especificasse os objetivos e estratégias de
ação para cada modalidade de atuação; c)
projetos e trajetória profissional: descrição de
projetos desenvolvidos ao longo da carreira
profissional, com destaque para os mais
relevantes.
Para as temáticas “Níveis de Ensino”,
“Público-Alvo” e “Modalidades de Atuação”,
foi feita uma análise da frequência das
respostas assinaladas, que foram divididas em
categorias para obtenção das médias e
porcentagens. Também foram realizadas
categorizações de caráter qualitativo,
buscando-se verificar se o público-alvo era
predominantemente alunos e pais ou se
envolvia também outros atores do processo
ensino-aprendizagem, como professores e
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
11
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
funcionários. Com relação às modalidades de
atuação,
buscou-se
entender,
qualitativamente, como as práticas são de fato
realizadas.
Quanto à temática “Projetos e Trajetória
profissional”, procurou-se separar os projetos
citados em categorias, baseadas nos nomes
dados aos projetos e na análise da descrição
dos mesmos, tendo como objetivo agrupá-los
de acordo com o público-alvo do trabalho
e/ou com o foco da atuação.
Fundamentação teórico-metodológica da
atuação
Na categoria fundamentação teóricometodológica da atuação, foram agrupadas as
respostas dadas pelos psicólogos às questões
sobre os “Autores que fundamentam
teoricamente o trabalho” e sobre as
“Contribuições o psicólogo pode dar à
Educação”, bem como comentários adicionais
feitos por alguns profissionais.
A respeito dos “Autores” foram arrolados
os autores e obras citados pelos psicólogos.
Procurou-se agrupar autores e obras em
categorias, levando em conta as abordagens
dos autores citados. As categorias utilizadas
foram: “Educação”, para autores da Educação
e da Psicologia em sua interface com a
Educação; “Clínica”, para autores da
psicologia e da psicanálise clínicas;
“Educação e Clínica”, para autores que fazem
uma junção entre as duas áreas, como no caso
da psicopedagogia; e “Outros”, para autores
que não se encaixavam em nenhuma das
categorias anteriores.
A questão referente às “Contribuições à
Educação” que a atuação do psicólogo pode
oferecer e os comentários finais feitos pelos
participantes
foram
analisadas
qualitativamente a partir do conteúdo das
respostas dadas.
A análise da fundamentação teóricometodológica presente nas respostas dadas
aos questionários foi fundamental para que
fossem escolhidos os municípios participantes
da segunda etapa da pesquisa. Foram
selecionadas
equipes
municipais
ou
psicólogos que apresentaram indícios de
criticidade, ou seja, aqueles que apontaram
para a direção de uma prática crítica. Para o
levantamento desses indícios, que serviram de
guia para identificar quais municípios
apresentavam
práticas
inovadoras
e
condizentes com uma perspectiva crítica em
Psicologia Escolar e Educacional, foram
tomadas como referências as produções
teóricas explicitadas a seguir.
Adotou-se a concepção de crítica proposta
por José de Souza Martins (1977) em
Sociologia e Sociedade, citada por Maria
Helena Souza Patto em Introdução à
Psicologia Escolar (1997, p. 464),
compreendido como um conceito que conduz
à raiz dos fenômenos e se opõe a
naturalização, levando a considerar o contexto
histórico, político e cultural:
(...) a possibilidade de pensamento
crítico – do pensamento que vai à raiz
do
conhecimento,
define
seus
compromissos sociais e históricos,
localiza a perspectiva que o construiu,
descobre a maneira de pensar e
interpretar a vida social da classe que
apresenta esse conhecimento como
universal,
porque
supostamente
objetivo e neutro (Martins, 1977, p.2)
12
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
Tabela 1. Correspondência entre Indícios de Atuação
Crítica em Psicologia Escolar e Educacional
(Tanamachi, 1997) e Itens do Questionário
Indícios de perspectiva
crítica
Consideração das múltiplas
determinações (sociais,
econômicas, políticas,

históricas) e presença de 
concepção sobre o homem e
sobre a educação.
Itens do questionário
Público-alvo
Foco da intervenção
Concepção sobre a queixa
escolar ou fracasso escolar
Contribuição teórico-prática

articulada à realidade em

que se está inserido.
Projetos
Modalidade de Atuação
Pressupostos teóricometodológicos/ referência a
autores do pensamento

crítico e o modo como são
apropriados.
Autores de referência
Cursos realizados
Explicitação de um
compromisso técnico
político e/ou teórico-prático
com a transformação da
Psicologia.
Contribuições do psicólogo à
educação
Para a análise dos questionários, foram
utilizados como base produções de Elenita de
Rício Tanamachi e Marisa Eugênia Melillo
Meira a respeito da atuação crítica em
Psicologia Escolar e Educacional. Meira &
Tanamachi (2003) defendem que a prática
crítica em Psicologia Escolar e Educacional
deve procurar analisar a produção da queixa
escolar e o processo de subjetivação e
objetivação da escolarização. Esta abordagem
deve tentar compreender fenômenos por meio
de suas múltiplas determinações e o método
utilizado deve se pautar na reflexão e análise
dos processos.
Para identificar se as práticas relatadas
nos questionários indicavam atuações em
Psicologia Escolar e Educacional numa
direção crítica, utilizou-se como base o
procedimento adotado por Tanamachi em sua
tese de doutorado, intitulada Visão crítica de
Educação e de Psicologia: elementos para a
construção de uma visão crítica de Psicologia
Escolar (1997), para definir se as teses e
dissertações
estudadas
seguiam
uma
perspectiva crítica. A partir dos indícios
adotados por Tanamachi, fez-se uma
correlação com os itens do questionário,
conforme indicado no Quadro 1.
Considerou-se que todos os elementos
constitutivos de uma atuação crítica,
apontados acima, não seriam claramente
observados em todos os itens de um mesmo
questionário, assim buscou-se por indícios de
criticidade.
Além
disso,
classificar
determinada atuação como “crítica” ou “não
crítica” significaria operar de acordo com a
lógica formal, ou seja, sem considerar a
multideterminação dos fenômenos, o que é
compreendido como essencial a partir do
referencial teórico adotado. Com a leitura das
respostas, observou-se que muitas respostas
apresentavam tanto elementos críticos quanto
não críticos, encontrando-se numa linha
contínua entre estes dois pólos. Dessa forma,
a presença de qualquer um dos elementos
constitutivos de uma atuação crítica,
inovadora, ou não crítica, tradicional, não
necessariamente
resultaria
em
uma
classificação direta da atuação do psicólogo
participante como crítica ou não crítica,
respectivamente. Por isso, na seleção para a
segunda etapa da pesquisa, foi realizada a
análise de cada questionário como um todo,
buscando-se identificar quais participantes
apresentavam mais tendências à criticidade
em sua atuação e verificando a coerência
interna entre as respostas dadas.
Foram considerados elementos críticos
aqueles que apontavam para uma atuação que
contemplasse as multideterminações dos
fenômenos educacionais e que buscasse
incluir os diversos atores escolares na
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
13
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
superação das queixas. Consideramos
elementos
não
críticos
aqueles
correspondentes a uma atuação que centrasse
o foco da queixa escolar no indivíduo –
geralmente no aluno e em sua família –
desconsiderando as relações institucionais e a
multiplicidade de determinações sociais e
históricas que a produzem. Concluiu-se que as
entrevistas seriam uma etapa fundamental
para identificar em que medida as atuações
dos
psicólogos
aproximavam-se
ou
afastavam-se do que consideramos como
atuação crítica em Psicologia Escolar e
Educacional. Além disso, forneceriam
importantes informações a respeito de quais
seriam as condições concretas de trabalho que
possibilitam ou criam empecilhos para
atuações em perspectiva crítica.
As entrevistas
Seleção dos municípios para entrevista
Para a realização desta etapa da pesquisa,
foram selecionados 11 dos municípios
contatados. Adotamos como critério de
seleção dos municípios para a segunda etapa a
presença de indicativos de uma atuação crítica
e inovadora dos psicólogos, conforme
critérios apontados anteriormente, e que
contemplasse
os
avanços
teóricometodológicos da área de Psicologia Escolar e
Educacional.
Realização das entrevistas
A realização das entrevistas teve como
objetivo possibilitar maior aprofundamento a
respeito das práticas empreendidas pelos
psicólogos. Por se tratar de um instrumento de
coleta da linguagem própria do entrevistado,
possibilitando ao investigador desenvolver
uma ideia de como o sujeito interpreta
aspectos da vida social, a entrevista é
amplamente utilizada em pesquisas de cunho
qualitativo, sobretudo na área educacional
(Bogdan & Biklen, 1994).
Para a realização das entrevistas, as
Secretarias Municipais de Educação dos
municípios escolhidos foram novamente
contatadas para convidar os psicólogos a
participarem da segunda etapa da pesquisa.
Toda a equipe dos psicólogos foi convidada
para a entrevista em grupo, mesmo que
tivesse como membros profissionais de outras
áreas e os projetos desenvolvidos pelos
psicólogos fossem diferentes entre si, pois foi
tomada como referência a instituição que
oferece o serviço de Psicologia, e não cada
profissional isoladamente. Os profissionais
entrevistados receberam uma carta-convite
para participação desta etapa da pesquisa e
também o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, referente ao uso do material das
entrevistas pelos pesquisadores.
As
entrevistas
seguiram
roteiro
semiestruturado, elaborado para assegurar que
o foco da conversa se articulasse com os
objetivos da pesquisa, e para proporcionar a
exploração de assuntos levantados pelo
entrevistado. Por outro lado, o caráter
semiestruturado da entrevista ofereceu
oportunidade para que os participantes
discorressem com maior liberdade sobre
temas abordados pela pesquisa, de modo que
pudessem expressar o que pensavam e
sentiam a respeito. O objetivo da entrevista
foi esclarecido aos participantes, assegurandolhes que a entrevista seria tratada de forma
sigilosa, evitando qualquer forma de
identificação do sujeito entrevistado.
Análise das entrevistas
14
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
Todas as entrevistas foram gravadas e
transcritas; no entanto, duas entrevistas foram
descartadas: uma devido à má qualidade do
áudio e outra porque, embora apresentasse
indícios de criticidade no questionário, a
entrevista indicou uma atuação com tendência
predominantemente tradicional. Dessa forma,
restaram
nove
municípios
paulistas
participantes da etapa das entrevistas, cada
qual com número variado de psicólogos.
As entrevistas foram analisadas utilizando
procedimentos de análise de conteúdo, tal
como é definida por Bardin (2000):
Um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objetivos
de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos
ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições
de
produção/recepção
(variáveis
inferidas) destas mensagens. (p.42)
A compreensão das entrevistas visou à
exploração do material obtido de modo a
organizá-lo, possibilitando que fossem feitas
interpretações e inferências (Bardin, 2000). O
processo de interpretação consistiu na
compreensão do significado das ações e
daquilo que foi dito, conforme aponta
Rockwell (1987). Esta autora ressalta também
que
interpretar requer compartilhar, dentro
do possível, ‘o conhecimento local’;
compreender o que é dito como o fazem
os outros sujeitos da localidade
implicaria, dentre outras coisas,
compartilhar toda a sua experiência
comum, o que é impossível (p. 27).
Ainda que seja impossível compartilhar
completamente os significados, cabe ao
pesquisador buscar essa aproximação. O
conhecimento progressivo da situação
estudada, bem como das pessoas que dela
participam, e a comparação de respostas
dadas pelos diversos informantes foram
importantes recursos (Rockwell, 1987).
Porém, além dessa aproximação com as
categorias ‘locais’, com o modo como os
indivíduos viviam a situação estudada, foi
necessário construir categorias analíticas que
permitissem
estabelecer
relações
e
conceitualizações que escapavam àqueles que
estavam imersos numa determinada realidade.
Para isso, os pesquisadores se debruçaram
sobre as entrevistas em busca de
regularidades e padrões, a fim de realizar uma
codificação e categorização que possibilitasse
a articulação entre os avanços teóricos na
Psicologia Escolar e Educacional e as práticas
adotadas na rede pública de atendimento à
Educação.
Com este intuito, após a leitura de
algumas entrevistas para entrar em contato
com o material obtido, foi organizado um
roteiro inicial de análise das entrevistas,
baseado no roteiro para a realização das
entrevistas e nos objetivos da pesquisa. Tal
roteiro foi dividido em 3 eixos: serviço,
atuação e concepção teórica.
Com o roteiro em mãos, toda a equipe leu
uma mesma entrevista, visando apropriar-se
dele e verificar se ele estava adequado aos
objetivos desta etapa da pesquisa. O roteiro
foi então reformulado a partir das questões
suscitadas pela leitura da entrevista e
informações nela contidas que ele não
contemplava. Assim, o roteiro de análise foi
ampliado com subitens, com vistas a detalhar
a descrição das informações contidas nas
entrevistas.
Cada entrevista foi analisada por duas
pessoas, com o objetivo de ampliar as
impressões sobre a mesma. A partir do roteiro
de análise, foi construído um texto síntese
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
15
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
para cada entrevista, contendo também
citações de trechos relevantes.
Dessa forma, a análise das entrevistas foi
realizada em um processo dinâmico,
constituído por distintos momentos: primeiro,
aproximação junto aos dados obtidos em
campo; segundo, construção do instrumento
de análise a partir de tais dados e dos
objetivos pretendidos pela pesquisa; terceiro,
verificação da adequação do instrumento ao
objeto; quarto, ajuste do instrumento; e
quinto, momento de análise dos dados a partir
do instrumento reformulado. Isto tornou
possível adequar o instrumento a realidades
regionais e particularidades trazidas pelos
conteúdos das entrevistas, tornando a análise
mais fidedigna da realidade que se buscava
apreender por meio da entrevista.
Após a análise de cada entrevista
separadamente, todas foram analisadas no
conjunto, em cada um dos eixos: serviço,
atuação e fundamentação teórica. Foi
realizada a leitura horizontal, isto é, foram
lidas as respostas para o mesmo item do
roteiro de análise em todas as entrevistas para
observar as semelhanças e particularidades
daquele tópico. Por fim, foi organizado um
texto para cada eixo descrevendo o que fora
encontrado no conjunto de todas as
entrevistas.
Revisão de literatura: contribuições
teóricas sobre a atuação do psicólogo na
educação
Para compreender em que medida as
práticas desenvolvidas pelos psicólogos que
atuam nas Secretarias de Educação
correspondem aos avanços teóricos na área de
Psicologia Escolar, foi elaborado um
levantamento da produção bibliográfica sobre
a atuação do psicólogo na educação, de
maneira a tornar possível a análise das
práticas investigadas tomando como base a
literatura recente. Consideramos que as
publicações da área revelam, de maneira
geral, as concepções e fundamentações
teórico-práticas a serem implementadas no
campo da atuação do psicólogo na educação.
Tendo em vista a quantidade de produções
encontradas e a sua importância, considerouse necessário realizar uma análise
aprofundada e detalhada das publicações. A
análise da produção bibliográfica foi
constituída por meio de resenhas, elaboradas
pela equipe da pesquisa a partir da leitura
integral dos textos.
A trajetória metodológica desta etapa da
pesquisa organizou-se em três momentos,
apresentados a seguir: a) critérios de escolha
das produções; b) produção de resenhas das
publicações; c) análise de conteúdo das
resenhas.
Primeiro momento: critérios de escolha das
produções
A pesquisa iniciou-se em 2006,
realizando-se levantamento de títulos de
livros e coletâneas4 relacionados à Psicologia
Escolar e Educacional, segundo quatro
critérios: a) recorte editorial: foram
selecionadas editoras que usualmente
publicam o tema de investigação; b) recorte
temporal: foram escolhidos trabalhos
publicados entre os anos de 2000 a 2007,
incluindo reedições de publicações, por
entendermos que a partir dos anos 2000
houve um incremento do número de
produções de Psicologia Escolar e
Educacional; c) recorte por área de
conhecimento: buscou-se priorizar trabalhos
que tratam especificamente de temáticas de
Psicologia Escolar e Educacional. excluindo
16
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
outras,
tais
como:
Psicopedagogia,
Psicomotricidade, Psicolinguística etc; d)
recorte temático: foram contemplados
trabalhos que se referem direta ou
indiretamente à prática do psicólogo escolar.
Segundo momento: produção de resenhas das
publicações
No segundo momento, realizamos a
leitura e produção de resenhas5 das
publicações selecionadas. Para elaboração das
resenhas, foram utilizados três eixos
norteadores: 1) trajetória do autor: caminho
percorrido pelo autor na construção de seu
texto e finalidades do trabalho apresentado; 2)
concepções teóricas que embasam a atuação
profissional: explicitação das concepções que
respaldam as práticas psicológicas descritas
no texto; 3) proposta de contribuição do autor
para atuação do psicólogo escolar e
educacional: caracterização das modalidades
de atuação profissional e descrição da prática
proposta pelo autor. Consideramos, ainda, a
existência de um eixo transversal definido
como “perspectivas emancipatórias em
Psicologia e Educação”, compreendendo
textos que revelam compromisso do
psicólogo e do conhecimento psicológico com
abordagens que consideram o fenômeno
educativo enquanto constituído socialmente,
nas relações produzidas no cotidiano da
escola,
determinadas
sócio-históricoculturalmente. Os textos foram lidos na
íntegra e resenhados6 com base nos eixos
acima.
Terceiro momento: análise de conteúdo das
produções
A atividade de análise das resenhas
produzidas retomou os eixos gerais de forma
horizontal, ou seja, buscando identificar cada
um deles no conjunto das resenhas. Para
tanto, foram produzidas perguntas que
visavam detalhar cada um dos eixos. Por
exemplo, no eixo 1, relativo à “trajetória do
autor e finalidades do trabalho”, foram
geradas as seguintes questões: a) autor parte
de dados educacionais, de sua própria
trajetória profissional ou de conjunto de
trabalhos anteriores?; b) quais questões,
inquietações geraram interesse do autor pelo
tema?; c) Qual o objetivo do autor?; d) Quais
instituições relacionadas à área são citadas?
Após a elaboração dessas questões e
retorno às resenhas, observamos que várias
delas referiam-se a temáticas semelhantes.
Consideramos então que seria interessante, do
ponto de vista comparativo, reunir o conjunto
das resenhas, tomando por base determinados
temas, a saber: a) intervenção do psicólogo na
educação; b) Psicologia e Educação:
perspectiva crítica; c) formação do psicólogo;
d) temas clássicos e revisitados; e) dimensões
teórico-metodológicas da atuação do
psicólogo na educação; f) políticas públicas
em educação; g) formação docente; h)
educação inclusiva; i) Psicologia Escolar no
Brasil e em outros países; j) avaliação
psicológica.
Buscou-se relacionar as informações
obtidas nas análises das resenhas e nas
entrevistas. Para isto, foram articulados os
elementos indicativos de concepções e
práticas críticas que compareceram tanto na
literatura da área, como nos discursos dos
profissionais participantes da pesquisa.
Resultados e Discussão
Consideramos que os recursos teóricometodológicos adotados permitiram um
levantamento importante sobre a atuação do
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
17
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
psicólogo no estado de São Paulo. Foram
pesquisados 133 municípios do Estado de São
Paulo, sendo que em 61 deles atuam
psicólogos, participando da pesquisa 108
profissionais. Do conjunto dos participantes,
96,4% são mulheres, na faixa etária de 40
anos, com a média de 8,7 anos no cargo.
Encontramos uma variedade de formas de
contratação: psicólogo, psicólogo escolar,
professor, coordenador, supervisor, dentre
outros. Com relação à formação, 78,7% dos
participantes
são
provenientes
de
universidades privadas e 93% mantém uma
formação continuada, nas modalidades:
especialização, cursos de atualização e
supervisões.
Os Serviços de Psicologia são bastante
diversos quanto à composição: alguns se
organizam em equipes multiprofissionais,
equipes por nível de ensino ou psicólogos que
individualmente atendem à demanda da
Secretaria de Educação e demais solicitações
no âmbito do Município e, em alguns casos,
do estado. Grande parte deles foi instituída a
partir dos anos 2000, por iniciativa pessoal do
gestor ou por reivindicação do conjunto de
profissionais que se encontravam inseridos na
rede, ou ainda para adaptar-se à política de
educação inclusiva. Com relação à inserção
do psicólogo nestes Serviços há uma grande
diversidade no que tange a vários aspectos:
cargo, função, carga horária, plano de
carreira, remuneração e formas de contratação
e organização do trabalho. Notou-se que um
dos desafios apontados pelos participantes do
estudo é a realização do trabalho diante das
mudanças constantes de gestão do município
que podem interferir nas formas de atuação.
Com relação à atuação, a pesquisa
analisou os seguintes aspetos: público-alvo,
níveis de Ensino, Modalidades de Atuação e
Projetos desenvolvidos ao longo da trajetória
profissional. Na Secretaria de Educação dos
Municípios, esses profissionais centram seu
trabalho em todas as modalidades de Ensino,
predominando a atuação nos níveis de
Educação Infantil e Ensino Fundamental
(34%). No que tange à educação inclusiva,
esta atuação encontra-se em torno de 28%.
Nesses níveis, as ações centram-se no
trabalho com professores (89%) e com alunos
(83%). O trabalho realizado revelou três
modalidades de atuação: Clínica (15%),
Institucional (30%) e Clínica e Institucional
(55%). Os psicólogos trabalham com
diferentes projetos envolvendo estudantes,
famílias e instâncias municipais de caráter
intersetorial (Assistência Social, Saúde
Mental e, Comunitária). O acompanhamento
das queixas escolares se dá, principalmente no
interior das escolas, problematizando os
encaminhamentos e realizando ações nos
espaços pedagógicos instituídos, buscando
abarcar familiares, professores e estudantes,
optando por modelos institucionais de
intervenção.
Do ponto de vista das concepções teóricometodológicas, observamos a presença de
pelo menos três tendências: a) Clínica, ao
incluir respostas que apontam na direção de
uma atuação profissional individualizada,
baseada em diagnóstico e tratamento dos
problemas de aprendizagem. b) Institucional,
ao reunir respostas referentes a uma atuação
que contempla formas de intervenção em que
participam diversos atores do contexto
escolar; c) Clínico e Institucional, ao abarcar
respostas em que comparecem características
de ambas tendências. De maneira geral, o
maior número de psicólogos apresentou
concepções de caráter Clínico e Institucional.
Do conjunto de psicólogos que
participaram da pesquisa, pudemos identificar
aqueles que atuam em nove municípios e que
18
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
apresentam um conjunto de práticas
profissionais que coadunam com as
tendências de atuação institucional ─
atualmente consideradas como as que melhor
respondem às demandas educacionais em
uma perspectiva de educação de qualidade
social para todos e todas. Essa atuação centrase em aspectos tais como: a) trabalho em
equipe multiprofissional ou intersetorial; b)
atuação em redes sociais; c) compreensão das
dificuldades escolares a partir do cotidiano
escolar e da constituição histórico-cultural do
processo de escolarização; d) crítica aos
diagnósticos e encaminhamentos das
dificuldades de aprendizagem e ao fracasso
escolar; e) atuação na formação de
professores; f) atuação envolvendo os vários
atores escolares; g) ações junto à política de
inclusão escolar; h) participação na
perspectiva do projeto político pedagógico
das unidades escolares.
Os psicólogos entrevistados ressaltaram
que as dificuldades enfrentadas no âmbito da
Educação centram-se nos seguintes aspectos:
a) modalidades de contratação que não
definem claramente a função do psicólogo na
educação; b) níveis salariais baixos; c)
mudanças constantes de gestão; d) carga
horária não condizente com a demanda da
educação; e) representação clínica da
profissão pelos educadores e profissionais da
saúde; f) questionamentos à política de
educação inclusiva pelos educadores e pais.
É importante ressaltar que os profissionais
destacaram que a Educação pode contribuir
para o desenvolvimento e a melhoria da
situação do país e de que esse seria o foco
central de seu trabalho.
Considerações finais
Diante de um objeto de pesquisa, a
escolha das estratégias metodológicas a adotar
é uma das mais importantes decisões que os
pesquisadores precisam tomar. Sobretudo
quando fenômenos complexos e pouco
conhecidos são eleitos como interesse de
estudo, faz-se necessária a criação de recursos
que possibilitem a melhor aproximação do
que se pretende conhecer. Identifica-se,
porém, que a prática de publicação científica
destinada à discussão metodológica não tem
sido muito adotada nos meios acadêmicos.
Daí a relevância do presente artigo que
apresentou o percurso metodológico utilizado
para que fosse possível conhecer a atuação do
psicólogo da rede pública de ensino do estado
de São Paulo frente à demanda escolar. O
estudo, vinculado a uma pesquisa de âmbito
nacional, buscou compreender quais eram as
concepções, práticas e inovações presentes na
condução do trabalho da Psicologia junto à
educação pública. Foram apresentados neste
artigo instrumentos e estratégias que
possibilitaram o acesso a preciosas
informações quantitativas e qualitativas a
respeito do que vem sendo publicado na área
de Psicologia Escolar e de como os
psicólogos vêm incorporando as contribuições
das recentes produções acadêmicas recentes
no seu trabalho.
A dimensão da pesquisa proposta fez com
que fosse necessário contar com uma
numerosa equipe, que envolveu cerca de 50
pessoas divididas nos sete estados
participantes, a fim de que fosse possível
desenvolver a diversidade e a quantidade de
ações previstas. A equipe do estado de São
Paulo, proponente do estudo, teve como
desafio criar a sistematização das estratégias
que seriam utilizadas. Além disso, foi
importante que o trabalho fosse conduzido de
modo muito afinado, no que se refere à
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
19
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
clareza de objetivos e de referenciais teóricometodológicos. Para isto, foram realizados
frequentes encontros, nos quais tais aspectos
foram exaustivamente discutidos.
Esta criteriosa sistematização foi
necessária para que houvesse uma unidade
nos procedimentos e na compreensão do
fenômeno na pesquisa em âmbito nacional.
No entanto, não bastou o investimento na
unidade metodológica. A vasta amplitude do
estudo trouxe a necessidade da flexibilização
frente às especificidades e aos obstáculos
regionais. Assim, conservando-se a estrutura
metodológica, foi necessário fazer a
adaptação de procedimentos. Algo que foi,
em muitos momentos, fundamental para que
se pudesse ter acesso às informações
respeitando as características e os contextos
dos diferentes municípios.
O método aqui exposto não se põe como
referencial hegemônico. Apresenta um
percurso desenvolvido coletivamente, fruto de
muitas discussões e reflexões do grupo que
conduziu esta pesquisa. Algo que se
configurou numa proposta viável e frutífera
de enfrentamento dos desafios e impasses que
um trabalho científico de tal monta pode
apresentar.
Avaliamos que trabalho foi um trabalho
bastante importante, pois denotou um
movimento de avanço em direção à
construção de práticas profissionais no campo
da educação que anunciam uma apropriação,
por parte dos psicólogos que estão na
Educação Pública, dos conhecimentos que
vem sendo produzidos pela academia no que
se refere a uma atuação que denominamos
crítica em Psicologia Escolar e Educacional.
Tais indícios de mudança nessa direção,
identificados em vários momentos deste
estudo, possibilitam vislumbrar um caminho
possível, e promissor, para a Psicologia no
Estado de São Paulo, no campo da Educação
de qualidade para todos e todas.
Notas de Rodapé
1
O Estado de São Paulo conta com mais de
74 mil psicólogos inscritos em seu Conselho
Regional de Psicologia (CRPSP), segundo
informação
disponível
em:
<http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao
/jornal_crp/169/frames/fr_dia_do_psicologo.a
spx>. No Brasil há aproximadamente 230 mil
profissionais, segundo informação do
Conselho Federal de Psicologia (CFP), de
acordo com informação disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_a
rttext&pid=S141498932010000500001&lng=pt&nrm=iso>
2
Os primeiros contatos com os participantes
da pesquisa e as entrevistas inspiraram-se no
modelo etnográfico de pesquisa proposto por
Rockwell, 2009.
3
Para mais informação ver: OLIVEIRA, F. E.
M. (2008). SPSS Básico para Análise de
Dados. Rio de Janeiro: Ciência Moderna.
4
Por coletânea entende-se: “conjunto de
trechos seletos de diferentes obras, ou coleção
de várias obras ou coisas” (Dicionário
Eletrônico Houaiss da língua portuguesa.
(2001) versão 1.0 para Windows [CD-ROM].
Rio de Janeiro: Objetiva).
5
Por resenhas compreendemos uma síntese
ou análise bibliográfica como descrito por
Severino (2000).
6
O processo de produção das resenhas durou
aproximadamente dois anos e participaram
desta etapa 32 membros da equipe de
pesquisa:
RO - Iracema Tada, Maria Freire;
BA - Edlamar de Jesus França, Gabriele
Rocha Hayne, Juliana Oliveira, José Junio
Almeida
20
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
Queiroz, Marcus de Souza Oliveira, Thais
Araújo; MG - Silvia Maria Cintra da Silva,
Paula Cristina Medeiros Rezende, Cárita
Portilho de Lima, Viviane Silva Barreto,
Cláudia Silva de Souza, Denise Silva Rocha,
Maria José Ribeiro, Ana Cecília Oliveira
Silva, Rafael Santos
Carrijo;
SP - Aline de Araújo Leite Santos, Aline
Morais Mizutani, Anabela de Almeida Costa
Santos, Ana Karina Amorim Checchia, Artur
Rafael Agostinho Theodoro, Camila Oliveira,
Deborah Rosária Barbosa, Jane Cotrin,
Juliana Sano de Almeida Lara, Kátia
Yamamoto, Marcelo Domingues Roman,
Roseli Lins Caldas, Vânia Calado;
PR - Marilda Facci, Zaira Leal e Valéria
Garcia Silva.
As referências dos textosresenhados estão
disponíveis no site da Associação Brasileira
de
Psicologia
Escolar
e
Educacional:
http://www.abrapee.psc.br/livros.htm
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
21
MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA, ANABELA ALMEIDA COSTA E SANTOS PERETTA, JULIANA
SANO DE ALMEIDA LARA, ROSELI FERNANDES LINS CALDAS
Referências
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia. Curso Graduação em Psicologia. Recuperado
em 01 de fevereiro, 2010, de http://www.abepsi.org.br/web/cursodegraduacao.aspx
Balbino, V. C. R. (2008). Psicologia e Psicologia Escolar no Brasil: formação acadêmica,
práxis e compromisso com as demandas sociais. São Paulo: Summus.
Bardin, L. (2000). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições.
Bogdan, R. & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria
e aos métodos. Porto, Portugal: Porto.
Marinho-Araújo, C. M., Neves, M. M. B. J., Penna-Moreira, P. C. & Barbosa, R. M. (2011).
Psicologia Escolar no Distrito Federal: história e compromisso com políticas públicas. In,
C. M. Marinho-Araújo & Guzzo, R. S. L. Guzzo (Orgs.), Psicologia Escolar:
identificando e superando barreiras. Campinas, SP: Átomo & Alínea.
Martins, J. S. (1977). Introdução. In M. A. Foracchi & Martins, J. S. Martins. Sociologia e
Sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.
Meira, M. E. M & Tanamachi, E. R. (2003). A atuação do psicólogo como expressão do
pensamento crítico em Psicologia e Educação. In, M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes
(Orgs.), Psicologia Escolar: Práticas críticas (pp. 11-62). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Minayo, M. C. S. & Sanches, O. (1993, julho/setembro). Quantitativo-Qualitativo: oposição ou
Complementaridade? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 9 (3), 239-262.
Patto, M. H. S. (1997). Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Rockwell, E. (1987). Reflexiones sobre el proceso etnográfico. Ciudad de México:
DIE/CINVESTAV.
Rockwell, E. (2009). La experiência etnográfica. Buenos Aires: Paidós.
Serapioni, M. (2000). Métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa social em saúde: algumas
estratégias para a integração. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n. 1.
Recuperado
em
22
outubro,
2011,
de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232000000100016&lng=en&nrm=iso
Souza, M. P. R. (2010a). Psicologia Escolar e políticas públicas em Educação: desafios
contemporâneos. Em aberto, 23 (83), 129-149.
Souza, M. P. R. (2010b). A atuação do psicólogo na rede pública de educação: concepções,
práticas e desafios. Tese de Livre-Docência, Instituto de Psicologia, Universidade de São
Paulo, São Paulo.
Spink, M. J. P. (1999). Desvendando as teorias implícitas: uma metodologia de analise das
representações sociais. In P. A. Guareschi &, S. Jovchelovitch (Orgs.), Textos em
representações sociais (5a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Tanamachi, E. R. (1997). Visão crítica de Educação e de Psicologia: elementos para a
construção de uma visão crítica de Psicologia Escolar. Tese de Doutorado, Universidade
Estadual Paulista, Marília, São Paulo.
As autoras:
Marilene Proença Rebello de Souza é Graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1978). Mestre, Doutora e
Livre-Docência em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1991, 1996 e
22
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CAMINHOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM PSICOLOGIA: PESQUISANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
ESCOLAR
2010, respectivamente). Professora Doutora da Universidade de São Paulo. Realizou estágio Pós-Doutoral na York
University, Canadá (2001-2002).
Anabela Almeida Costa e Santos Peretta é graduada em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1997),
aperfeiçoamento em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1999), mestre e doutora em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (2002 e 2008, respectivamente).
Atualmente é Professora Adjunto 1 da Universidade Federal de Uberlândia
Juliana Sano de Almeida Lara é p sicóloga e Bacharel em Psicologia pela Universidade de São Paulo (2010). Atualmente
é mestranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e cursa Licenciatura em Psicologia no Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo
Roseli Fernandes Lins Caldas é graduada em Psicologia pelo Instituto Unificado Paulista em 1979, especialista em
Psicologia Escolar, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000)
e Doutora em Psicologia Escolar pelo Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da
Universidade de São Paulo (2010). É coordenadora da Representação Paulista da Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional - ABRAPEE
Endereço para contato:
Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama, CEP 38405-320 – Uberlândia – MG. E. mail: [email protected]
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
23
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E
“VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
Ana Paula de Ávila Gomide
(UFU – Uberlândia - MG)
Resumo
A partir do referencial da teoria critica da sociedade, o presente trabalho propõe uma
problematização do tema do bullying, atualmente, explorado pela mass media, tendo em vista dois
aspectos a serem considerados: pensar se nos aspectos evidenciados nos estudos atuais voltados ao
tema, não presenciamos certo recrudescimento de discursos tradicionais sobre as “características
patológicas de alunos-problemas” que responsabilizam o indivíduo, de forma isolada e a-crítica,
pelas demais violências acometidas e ocorridas dentro das escolas; e, lançar luz aos fatores objetivos
envolvidos no assunto, assim evidenciando as tendências sociais imperantes que medeiam a
formação dos sujeitos e que contribuem para o estabelecimento de relações adoecidas no interior do
ambiente escolar.
Palavras-chave: teoria crítica; educação; violência
Abstract
A critique of the term bullying and "school violence"
From the view of the critical theory of society, this paper proposes to discuss the issue of bullying,
currently exploited by the media. This is done in order to consider two aspects: on the highlighted in
the current studies focused to the theme, based on traditional discourses on the “pathological features
or the problems of students” which blame individual in isolation and uncritically by other affected
and disregarding violence occurring within schools; and on objective factors involved in the matter,
thus showing the prevailing social trends that mediate the formation of the subject which contribute
to the establishment of relations diseased within the school environment.
Keywords: critical theory; education; violence.
Artigo Recebido em 23/09/2011 e Aprovado em 10/04/2012
Introdução
Das relações históricas da educação com
a psicologia é preciso destacar que a
educação, desde o século XIX, tem buscado
respaldo na ciência psicológica para
fundamentar e resolver, cientificamente, os
“problemas” ditos educacionais, em grande
parte estabelecendo uma relação de
subordinação da educação ao tema do
“individuo”, em termos de sua configuração
psíquica. Temas como os aspectos
universais do desenvolvimento humano, as
condições de ensino e aprendizagem, os
chamados “problemas de aprendizagem e
fracasso escolar”, a compreensão das
características psicológicas dos alunos,
entre outros -, e mais as preocupações sobre
como “aperfeiçoar” o ensino -, foram
elementos necessários para que os
educadores e pesquisadores da área se
voltassem para a psicologia, a fim de
buscarem soluções pragmáticas a tais
problemas. Em decorrência desses aspectos
24
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
aqui mencionados, a psicologia enquanto
ciência auxiliar aos processos educacionais,
muitas vezes tem desempenhando um papel
hegemônico nas tentativas de explicação e
de orientação das práticas educativas,
legitimando as intervenções e diagnósticos
de psicólogos escolares dirigidas aos demais
desafios encontrados no cotidiano da escola.
Os temas sobre o bullying e “violência na
escola” têm sido, na atualidade, os
privilegiados nos estudos de especialistas,
inclusive, ocupando papéis de destaque no
mass media e, (não podemos deixar de
mencionar) na imprensa sensacionalista.
Tendo em vista a expressividade desses
temas nas pesquisas acadêmicas e nas
demais abordagens de especialistas que se
voltam ao assunto, bem como a exploração
do fenômeno do bullying escolar veiculado
pelos demais meios de comunicação de
massa, trataremos aqui de problematizar o
assunto em dois aspectos a serem
considerados: 1) de um lado, pensar se, nos
aspectos evidenciados nos estudos voltados
aos temas, não presenciamos certo
recrudescimento de discursos tradicionais
sobre as “características patológicas de
alunos-problemas” - encontradas tanto nas
tentativas de descrições de características de
alunos que cometem o bullying, quanto na
descrição dos tipos de sujeitos mais
vulneráveis a sofrerem violência (as
chamadas “vitimas do bullying”) - que
responsabilizam o indivíduo, de forma
isolada e a-crítica, pelas demais violências
acometidas e ocorridas dentro das escolas;
2) e, de outro, dando relevo à dimensão do
problema - e concordando que o mesmo
merece a devida atenção por parte de
intelectuais-, pensar o que se evidencia por
trás da temática “violência na escola”, em
termos de apontar as tendências sociais
imperantes que, por sua vez, medeiam a
formação dos sujeitos, assim configurando
as suas relações adoecidas no interior das
escolas (entre alunos e professores, entre
alunos e alunos, etc).
É preciso destacar que não se intenciona
aqui desvalorizar as pesquisas psicológicas
no que tange aos recortes estabelecidos para
seus objetos de estudo, nem tampouco seus
instrumentos de análise, principalmente
porque a psicologia ilumina sobre os “tipos
sociais” mais afeitos à violência e aqueles
pelos quais o sistema social – a
irracionalidade objetiva - subsiste. De fato,
há uma tradição de pesquisas empíricas
dentro da psicologia social voltadas aos
estudos sobre violência, preconceito e
antissemitismo, desde a década de 50, nos
países europeus e nos EUA que deixaram de
herança dados e análises profícuas para a
elucidação de problemas dessa natureza,
sobretudo, aquelas pesquisas de campo da
psicologia profunda, nas interfaces da
psicanálise com a teoria social, dentro do
campo da psicologia social analiticamente
orientada (Adorno, Frenkel-Brunswik,
Levinson e Sanford, 1950). Os aspectos
subjetivos da violência devem ser
considerados e tratados com a devida
seriedade, entretanto, pela perspectiva aqui
adotada, não devem ter primazia sobre os
fatores objetivos, posto a pesquisa
psicológica poder correr o risco de se tornar
em um “tipo de imagem encobridora
ideológica” (Adorno, 1995) de questões
cruciais geradas pelas tendências sociais e
históricas contemporâneas, de cunho
regressivo, que fomentam e instilam nas
pessoas seus comportamentos irracionais.
O uso do termo técnico “bullying”,
equivocadamente tratado pelo mass media
como uma “epidemia social”, às vezes até
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
25
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E “VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
mesmo visto como um fenômeno extrínseco
à nossa sociedade que visa descrever formas
e códigos de condutas de crianças e
adolescentes – esses, por sua vez, apontados
como indisciplinados e “sem limites” pelas
leituras técnico-psicologizantes -, acaba por
ocultar as condições objetivas favoráveis à
violência e a um tipo de educação que se
volta para a “eliminação” de singularidades,
quando essa privilegia a produção de
identidades conformadas à lógica produtiva
da racionalidade instrumental. Nesse
sentido, entendemos ser o termo mais um
"produto cultural" a ser consumido pelos
agentes educacionais que acaba impedindo
a conscientização e a reflexão mais crítica
por parte dos mesmos sobre o legado de
representações e práticas violentas que a
escola carrega consigo, tendo em vista a
nossa cultura prenhe de manifestações
bárbaras.
A partir do referencial da teoria critica
da sociedade, especificamente, os escritos
de Adorno sobre a temática educacional e
formativa, mais elementos teóricos para a
discussão do tema serão apontados.
Educar contra a barbárie
Em boa parte da literatura voltada ao
tema do bullying e\ou violência na escola
(Fante, 2005; Oliveira & Antônio, 2006),
evidenciamos o tratamento do assunto sob o
âmbito da psicologia de quem comete as
“atrocidades” para com os mais frágeis - as
possíveis vitimas -, tendo em vista
apresentar os efeitos deletérios das
humilhações sobre quem as recebe. As
pesquisas têm como intuito apontar as
características dos agressores e as
peculiaridades de sujeitos que os colocam
na posição de vítimas (por exemplo, a
timidez excessiva, “traços que destoam das
características culturais de seu grupo etário”
ou “dificuldades emocionais e físicas” para
reagirem às humilhações (Campos & Jorge,
2010), para se pensar em medidas
preventivas nas escolas (Fante, 2005). Em
que pese a objetividade dessas pesquisas e a
denúncia que subjaz às mesmas sobre as
situações desumanas encontradas no
ambiente escolar, a questão é a de que os
aspectos psicológicos envolvidos na
violência não são suficientes para tratar do
problema quando não sustentados por uma
crítica social. A pesquisa psicológica para o
tema da violência entre jovens, e que se
volta exclusivamente para as características
psíquicas
dos
sujeitos,
deve,
necessariamente, em se tratando de escola e
de educação, se perguntar pelas condições
de existência de seu objeto, assim
evidenciando as marcas sociais nos sujeitos
a serem estudados. Podemos afirmar que há
uma tendência em se enfatizar os traços de
caráter dos envolvidos de forma isolada e
“estereotipada” – no caso, a ênfase sobre as
“famílias desestruturadas” dos jovens
agressores e suas necessidades de autoafirmação, baixa auto-estima, etc (Campos
& Jorge, 2010)-, em detrimento de uma
análise que possa trazer em seu bojo o
confronto dos fenômenos apontados com as
condições sociais objetivas, de uma época
histórica na qual as crianças e jovens são
(pseudo) formados sob a influência de
imagens
televisivas,
criadoras
de
estereótipos sociais, e de jogos eletrônicos
extremamente violentos (Zuin, 2010).
Em uma época na qual os mandamentos
tradicionais patriarcais e religiosos têm sido
enfraquecidos
pelas
transformações
estruturais das sociedades tecnológicas
(que, por sua vez, forneciam a experiência
26
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
de conteúdos formativos tradicionais pelos
quais o indivíduo poderia se salvaguardar
dos embates da “socialização” do mundo do
trabalho), bem como o empobrecimento de
bens espirituais, as pesquisas psicológicas e
educacionais deveriam se atentar para essas
tendências: a de que crianças e adolescentes
encontram-se educados mais diretamente
pela
sociedade
de
massa.
Os
comportamentos
economicamente
necessários – aqueles necessários à
adaptação do sujeito à sociedade – são
apreendidos e interiorizados pelos sujeitos
por meio de outras instâncias sociais de
controle em virtude das transformações
ocorridas na família privada, atualmente,
cada vez mais empobrecida e invadida por
tais instâncias. A televisão, por exemplo,
tem sido um dos principais fatores de
identificação aos sujeitos, pois, como afirma
Marcuse (1998) no texto A obsolescência da
psicanálise, a criança acaba por aprender
que são seus companheiros de brincadeiras,
os vizinhos, o esporte e o cinema – e todo
um aparato de estímulos audiovisuais – que
“são autoridades no que se refere ao
comportamento intelectual e corporal
adequado” (Marcuse, 1998, p.100), e não
mais o modelo oferecido pela autoridade
paterna, também enfraquecida pelas
modificações estruturais econômicas das
sociedades pós-industriais. Nesse sentido, a
respeito da constituição psicológica
individual nas sociedades administradas,
Marcuse apresenta a formação de “egos
frágeis” que resultam em indivíduos poucos
resistentes às pressões sociais e mais
inclinados a se identificarem aos modelos
coletivos irracionais. Nas palavras do autor:
Na estrutura da sociedade, o
indivíduo
torna-se
um
objeto
administrado,
consciente
e
inconsciente, e obtém liberdade e
satisfação em seu papel como um tal
objeto; na estrutura psíquica o ego se
contrai de tal maneira que já não
parece capaz de se manter como um
eu distinto do id e do superego. A
dinâmica
pluridimensional,
em
virtude da qual o indivíduo alcançava
e mantinha seu equilíbrio entre a
autonomia e a heteronomia (...) deu
lugar
a
uma
dinâmica
unidimensional, a uma identificação
estática do indivíduo com seus
semelhantes e com o princípio de
realidade administrado (Marcuse,
1998, p.95).
Para Marcuse (1998), a sociedade de
massas que promove um ideal coletivo por
meio de seus bens de consumo oferecidos –
tanto os produtos ditos “culturais”, quanto
as “personalidades” fungíveis da televisão,
da política, dos esportes, entre outros, que
acabam por manipular e ostentar as
fantasias narcísicas de onipotência das
massas- intensifica o controle social da
energia libidinal, repercutindo na economia
psíquica dos sujeitos, a saber: a formação de
sujeitos frágeis e regredidos e, assim, mais
propensos a exteriorizarem suas energias
agressivas para a manutenção do status quo,
cujas formas de violência podem ser
expressas de diversas formas, desde a
defesa de práticas políticas autoritárias até
às ações de pequenas transgressões contra
“minorias”, etc. Assim, uma geração
educada cada vez mais sob os imperativos
de uma sociedade de massa acaba por se
tornar uma geração empobrecida em termos
de capacidade de simbolização e de
sublimação, perdendo o poder da reflexão
crítica. Zuin (2010), discutindo acerca dos
crimes e massacres cometidos nas escolas,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
27
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E “VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
ressalta o arrefecimento da capacidade de
produção simbólica suscitado pela indústria
cultural que hoje é capaz de redimensionar
tanto a esfera objetiva quanto a subjetiva.
Os ressentimentos surgidos nas costumeiras
relações ambivalentes estabelecidas entre
alunos
e
professores
acabam
se
materializando
na
fúria
explosiva
manifestada por alguns alunos ressentidos
que, privados de elementos simbólicos que
poderiam auxiliá-los na elaboração do
sofrimento psicológico, acabam por vingar
sobre os colegas as humilhações sofridas. E
o autor alerta: se caso as ambivalências
surgidas nas relações entre os sujeitos nas
escolas fossem trabalhadas, e, como afirma
Adorno (1995a), se o medo e a angústia que
os jovens vivenciam cotidianamente
pudessem ser reconhecidas e explicitadas lembrando que tais sentimentos estão à
altura daquilo que a nossa realidade social
injusta nos exige -, talvez os massacres e
demais tipos de violência pudessem ser
evitados na escola. Assim, questões sobre
“violência na escola” devem emanar da
sociedade, pois, como mesmo afirmou
Adorno (1995a), a chave para a
desbarbarização das pessoas reside na
sociedade e em sua relação com a escola. O
conhecimento de fatores desumanos
testemunhados no funcionamento escolar
não deve se restringir à pedagogia ou à
psicologia, pois refletir a educação à luz da
teoria crítica é justamente tentar evidenciar
os mecanismos de dominação e de controle
que se mantêm na sociedade irracional que
são reproduzidos no interior das escolas.
No texto Educação contra a barbárie,
Adorno (1995a) assinala os efeitos nefastos
de uma educação que se pauta,
exclusivamente, na adaptação e na
competição entre crianças e adolescentes. A
competição como instrumental pedagógico
é, no fundo, um princípio contrário a uma
educação humana, e caso seja utilizada nas
escolas, transforma-se em um instrumento
reprodutivo da intensa competição presente
na essência do capitalismo que transforma
os homens em inimigos uns dos outros,
privilegiando o domínio dos mais fortes,
dos mais ricos, ou dos mais “cultos” sobre
os socialmente mais “fracos”. Segundo
Adorno:
Partilho inteiramente do ponto de
vista segundo o qual a competição é
um princípio no fundo contrário a
uma educação humana. De resto,
acredito também que um ensino que
se realiza em formas humanas de
maneira
alguma
ultima
o
fortalecimento
do
instinto
de
competição” (Adorno, 1995a, p.161).
A escola acaba por reproduzir a lógica
instrumental quando privilegia o “bom
comportamento” e a competição entre
alunos, impedindo ou dificultando a
possibilidade de aprofundamento de
contatos, a partir das relações entre os
diferentes sujeitos e de momentos de fruição
da afetividade que poderiam ser agenciados
por meio de propostas educativas voltadas a
experiências
culturais
significativas
(música, teatro, dança), para além da mera
educação formal. A educação que se volte
para a emancipação do indivíduo, segundo
Adorno, não é nem um processo de
modelagem
de
pessoas,
nem
a
transformação de sujeitos em depositários
de “saberes”, pois deve ter como meta a
criação de dispositivos pelos quais as
crianças e os jovens possam dar vazão e
expressão à agressividade, tendo em vista
uma realidade social dominada pela
violência e pela injustiça que atenta, de
28
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
várias formas, contra as vidas e a dignidade
dos sujeitos. Entretanto, alerta o autor, os
indivíduos estão sendo mais educados e
formados para a adaptação ao todo –
produzindo nada além do que “pessoas bem
ajustadas” -, em detrimento de uma
formação que poderia privilegiar a autoreflexão crítica, providenciada pela
capacidade
de
experiência1,
e
impulsionadora de resistência e de possível
autonomia. E Adorno diz que, neste
contexto que privilegia a formação de
pessoas com o
“ego enfraquecido”, essas se tornam
facilmente seduzidas pela coletividade, com
a disposição de tratar os outros “como
sendo uma massa amorfa” (Adorno, 1995a,
p.129),
ou como objetos, já que, expropriadas
de sua capacidade de autodeterminação,
tornaram-se, também, objetos.
Das pressões sociais sobre os sujeitos
que tem se multiplicado num nível
insuportável,
cujos
efeitos
são
o
desenvolvimento nas pessoas de certa
“claustrofobia no mundo administrado”,
bem como o fortalecimento progressivo do
que é “anti-civilizatório” – o ódio e a
aversão que as pessoas podem desenvolver
contra a cultura e as autoridades que a
representem -, Adorno diz que:
Quanto mais densa é a rede, mais se
procura escapar, ao mesmo tempo em
que precisamente a sua densidade
impede a saída. Isto aumenta a raiva
contra a civilização. Esta torna-se
alvo de uma rebelião violenta e
irracional. Um esquema sempre
confirmado
na
história
das
perseguições é o de que a violência
contra
os
fracos
se
dirige
principalmente contra os que são
considerados socialmente fracos e ao
mesmo tempo – seja isto verdade ou
não – felizes. De uma perspectiva
sociológica eu ousaria acrescentar
que nossa sociedade, ao mesmo tempo
em que se integra cada vez mais, gera
tendências de desagregação (...).
Junto com sua identidade e seu
potencial de resistência, as pessoas
também perdem as suas qualidades,
graças a qual têm a capacidade de se
contrapor ao que em qualquer tempo
novamente seduz ao crime (Adorno,
1995a, p.122).
Em face da pressão social do
trabalho alienado, do assédio da indústria da
cultura, de uma educação que priva o
indivíduo da reflexão assim suscitando o
conformismo generalizado, a possibilidade
do indivíduo de enxergar que o momento
histórico não é inexorável, e que o mundo
pode ser diferente do que tem sido
apresentado aos sujeitos pela lógica da
racionalidade de domínio é minada. Em
outro texto intitulado Educação – para quê?
Adorno
(1995b)
alerta
sobre
o
desenvolvimento em crianças e adolescentes
de certa aversão à educação, aos valores
adquiridos nas primeiras experiências no
seio familiar (tais como as brincadeiras, o
contato com a música, a arte, e aos valores
importantes para a formação de caráter),
posto que isso dificultaria suas adaptações e
inserções no mundo competitivo e
massificado. E, ainda, apontando o
empobrecimento de repertório de imagens,
de fantasias, da capacidade de linguagem e
de toda outra forma de expressão
encontradas nas crianças e adolescentes, o
autor ressalta a presença de um “realismo
supervalorizado” na constituição subjetiva
desses jovens, bem como o ressentimento
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
29
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E “VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
mediante os assuntos de natureza
intelectual. Dentro deste cenário de realismo
supervalorizado,
presenciamos
o
enaltecimento por parte da indústria cultural
da violência e dos crimes, e da produção de
estereótipos sobre os mais pobres (vide os
programas sensacionalistas que apresentam
imagens fortes de corpos mutilados,
assassinados), bem como a administração de
“forças pulsionais” para a vinculação dessas
aos objetos oferecidos por meio do consumo
de “produtos culturais” (Marcuse, 1998),
cujas benesses prometidas revelam-se
ilusórias, além de aumentar o grau de
frustração nos sujeitos. Nas palavras de
Adorno:
Pelo fato de o processo de adaptação
ser tão desmesuradamente forçado
por todo o contexto em que os homens
vivem, eles precisam impor a
adaptação a si mesmos de um modo
dolorido, exagerando o realismo em
relação a si mesmos, e, nos termos de
Freud, identificando-se com o
agressor. A crítica desse realismo
supervalorizado parece-me ser umas
das tarefas educacionais mais
decisivas, a ser implementada,
entretanto, já na primeira infância
(Adorno, 1995b, p.145).
Não é demais lembrar que o
sentimento de aversão ao que é
diferenciado, ao que possa “destoar” da
realidade e do cotidiano, ou do que é
moldado pela indústria cultural é uma das
características muito citadas por Adorno
(1995a) sobre os possíveis traços
psicológicos de pessoas com tendências
preconceituosas – os traços autoritários. Isso
nos conduz à discussão sobre a prevalência
de uma educação que corrobora para a
“formação” de sujeitos com mentalidades
afeitas aos estereótipos, e aos demais
preconceitos sociais, dentro de um “clima
social” que promove condições para tal.
Sobre as concepções educacionais vigentes
é preciso então perguntar até que ponto
essas reduzem os processos educativos e
pedagógicos ao “necessário momento de
instrução” do aluno, tendo como metas
principais o desenvolvimento da capacidade
formal de pensamento (o desenvolvimento
de competências cognitivas necessárias à
racionalidade instrumental2), em detrimento
da espontaneidade e de momentos
singulares que poderiam ser obtidos nas
relações dos alunos - suas capacidades de
experiência - com diferentes objetos do
conhecimento. Tais propostas educativas
que se revelam, no fundo, hostis em relação
à imaginação e à fantasia, correspondem à
produção do conformismo social com a
preparação de sujeitos para a fácil aceitação
à realidade. Enquanto existirem no que têm
de fundamental as condições que geraram a
regressão – no caso, Adorno cita o
holocausto e as demais políticas totalitárias
do século XX -, a barbárie continuará
existindo.
No texto Tabus acerca do magistério,
Adorno (1995c) aponta questões cruciais
encontradas nos fatores objetivos e,
principalmente, subjetivos envolvidos na
profissão de ensinar, nas relações entre
alunos e professores e na estrutura escolar
de ensino, perpassando por temas tabus
relacionados ao magistério – ainda bastante
vigentes com relação aos preconceitos
referentes à docência -, e à violência
inerente às relações institucionais escolares,
sendo essa o reflexo de uma sociedade
extremamente desigual. As hierarquias
oficial e não-oficial exercidas nas escolas e que seguem ainda existindo hoje no
30
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
âmbito escolar -, discutidas por Adorno no
texto, e que constituem as relações de
poder, contribuem para a aversão de
crianças e jovens contra a escola e ao corpo
docente que a constitui: aquela hierarquia
que diz respeito a uma espécie de aluno que
se destaca por seu bom comportamento e
bom desempenho de notas que, prestigiado
como "aluno exemplar", enquadra-se bem
nos moldes de uma sociedade extremamente
individualista e competitiva; e aquela - a
hierarquia não-oficial - que aponta para
aqueles tipos de sujeitos que se destacam
pela força física (Adorno, 1995c, p.111).
Esses últimos, no entendimento de Adorno
apresentados como os "ressentidos" - pois
excluídos de uma formação cultural e
intelectual e que desenvolvem certa aversão
aos homens de estudo e ao "espírito" -, são
os possíveis tipos sociais afinados com as
personalidades dos algozes e carrascos,
necessários
às
políticas
totalitárias.
Inclusive, nas palavras de Adorno, o
nazismo explorou essa dupla hierarquia
muito presente, inclusive, fora das escolas,
assim incitando o repúdio e o desprezo das
massas pelo trabalho intelectual, ao mesmo
tempo, propiciando um clima social para a
constituição de sujeitos bem adaptados e
eficientes, sempre prontos para cumprir as
ordens - o caráter manipulador descrito por
Adorno na pesquisa A Personalidade
Autoritária, obra também citada nos ensaios
de Adorno sobre educação. Adorno afirma:
"A pesquisa pedagógica deveria dedicar
especial atenção à hierarquia latente na
escola" (Adorno, 1995c, p.111).
Pensamos então que, para lançar luz ao
problema do bullying, as pesquisas
sociológicas e psicológicas atuais deveriam
se voltar para aquilo que Adorno há muito
tempo já havia indicado nas suas
"especulações pedagógicas": a presença da
dupla hierarquia nas escolas, que é o reflexo
de uma sociedade competitiva ainda
baseada na violência física (ainda que nas
sociedades “democráticas” o uso da força
seja remoto), tem que ser reavaliada e
combatida. Todavia, ainda que a educação
pautada em castigos físicos deixou de existir
oficialmente na atualidade, tal imagem do
professor como agente de punição ainda
subsiste no imaginário pedagógico, sendo
isso reatualizado e reavivado (e, de certa
forma, reaproveitado, ainda que de forma
inconsciente), pelo professor, quando o
mesmo exerce sobre seus alunos um "poder
simbólico" - ou uma violência simbólica quando, em vez de empregar castigos
físicos, os substitui pelas "punições
psicológicas", deixando claro que ele é o
"único dono do saber" (Zuin, 2010). Tais
arcaísmos relacionados à imagem do
professor reverberam nos comportamentos
dos alunos, assim fortalecendo no cotidiano
escolar um clima de agressividade e de
“perseguição” entre colegas, ao lado de
sentimentos aversivos contra a educação e
ao magistério que crianças e jovens tendem
a desenvolver. De acordo com Adorno:
Esta imagem representa o professor
como sendo aquele que é fisicamente
mais forte e castiga mais fraco. Nesta
função, que continua a ser atribuída
ao professor mesmo depois que
oficialmente deixou de existir, e em
alguns
outros
lugares
parece
constituir-se em valor permanente e
compromisso autêntico, o docente
infringe um antigo código de honra
legado inconscientemente e com
certeza conservado por crianças
burguesas (Adorno, 1995c, p.105).
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
31
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E “VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
O nosso processo civilizatório e
educacional que é delegado aos professores
e mestres, orienta-se para o nivelamento no
sentido de que as idiossincrasias e as
"naturezas disformes" devam ser eliminadas
nos alunos, tendo em vista a formação
social que se volta para a homogeneização
de sujeitos. Não obstante, tal tipo de
educação pela "dureza" e pautada
exclusivamente na adaptação torna legítima
as perseguições contra os colegas que
apresentam tais "traços disformes" (aqueles
destoantes do modelo de pessoa bem
adaptada), ou algum tipo de fragilidade. A
escola é também local de violência e
punição quando deveria ser um ambiente
que pudesse formar pessoas resistentes a
qualquer tipo ou traço de violência,
sobretudo quando ainda vigora na memória
escolar, em meio às tensas relações
estabelecidas nas escolas, as imagens tabus
sobre professores enquanto “tiranos”, ainda
que tais imagens arcaicas tenham perdido
suas bases objetivas no contexto de
reformas pedagógicas atuais. Somado a isso
tudo, cada vez mais as pessoas (pseudo)
formadas no seio das sociedades
tecnológicas e da indústria cultural têm se
tornado avessas ao conhecimento teórico.
O fenômeno do bullying e da violência
nas escolas está atrelado a questões sociais e
políticas mais complexas das sociedades
contemporâneas, o que nos levam a
questionar o seguinte: em que medida a
escola encontra-se implicada na produção
da violência social, visto que a escola,
enquanto instituição social tende a
reproduzir em seu interior os padrões
violentos e tradicionais de sociabilidade
existente entre os diferentes segmentos de
classes? Dentro desse quadro perverso,
percebemos
um
movimento
de
desvalorização da escola como um lugar de
sociabilização do conhecimento, pois ela
não tem sido mais vista pela geração atual
como canal seguro de mobilidade social
ascendente para os mais pobres, e, ainda, os
conhecimentos
relevantes
para
a
“experiência formativa” dos sujeitos têm se
tornado fatores inócuos dentro das relações
reificadas da sociedade capitalista. Assim
sendo, temos assistido a crise da eficácia
socializadora da educação escolar e, junto a
isso, a crescente desvalorização social do
professor
na
sociedade
brasileira.
Ressaltamos que no interior da política
econômica e cultural em tempos sombrios
de neoliberalismo, vemos manifestar, na
realidade social, a configuração de novos
padrões de sociabilidade que determina o
“contato adoecido” entre as pessoas, em que
o “outro” só interessa como meio para
realizar metas particulares, dentro de um
individualismo exagerado que corrobora
para o chamado “darwinismo social”.
Assim, não são todos esses fatores
responsáveis pela violência na escola? O
bullying, que é tratado pela imprensa
sensacionalista como uma síndrome,
facilmente incorporado aos discursos
psicologizantes
sobre
questões
educacionais, não constitui um termo que,
apresentado sob novas roupagens, revigora
discursos tradicionais acerca dos problemas
referentes à aprendizagem e aos problemas
de comportamento dos alunos?
Por isso, afirmamos que o tema sobre
bullying não é algo recente – a despeito dos
alardes em torno do assunto veiculados pela
mídia e das queixas atuais dos professores -,
nem tampouco se constitui como uma
“síndrome escolar” do século XXI. Diz
mais respeito, em termos de uma análise
mais abrangente, a um “sintoma” que revela
32
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
acerca das tendências sociais e históricas
que ainda propiciam um clima favorável à
barbárie e, pior, à formação de pessoas mais
inclinadas à violência, à regressão e, assim,
ao preconceito. As humilhações e demais
brincadeiras
de
mau
gosto,
ou
extremamente violentas, sempre ocorreram
em instituições educacionais entre crianças,
e/ou professores e alunos, presenciadas nos
ritos de iniciação entre jovens em formação
e nos abusos cometidos em sala de aula.
Mas tal tipo de relação regredida não
deveria jamais ser “naturalizada” quando
reduzida aos problemas de personalidade
dos sujeitos envolvidos, tal como temos
presenciado nas pesquisas atuais.
Enfim, caberia refletirmos sobre o que
ocorre nas nossas escolas hoje que,
dolorosamente,
crianças,
jovens
e
professores têm experimentado. Com base
nas discussões apontadas, alguns fatores
devem ser levantados: as relações afetivas
permeadas
de
ambivalência
entre
professores e crianças são sufocadas no
ambiente da escola que, por sua vez,
estabelece e privilegia modelos de
comportamento,
pautados
no
bom
desempenho e na competição entre alunos,
tendo em vista o rendimento escolar; as
formas de autoridades oferecidas nas
escolas comumente se pautam em modelos
autoritários, e não nos tipos de “autoridades
esclarecidas” no sentido adorniano, que não
se originam do princípio da violência, mas,
sim, de momentos de transparência com
relação às regras e às normas para as
crianças e adolescentes; os tabus contra o
magistério (representações inconscientes)
ainda vigoram e não são ditos
explicitamente nas relações entre os
escolares; e mais outros elementos graves,
tais como o preconceito de classe, etnia,
entre outros, sabemos que se encontram
bem presentes nas escolas, principalmente
em se tratando de jovens e crianças pobres
(aqui não citamos o repúdio que as
autoridades brasileiras têm pela educação
infantil e fundamental que, é claro, acaba
invadindo o cotidiano escolar). Nesse
ambiente no qual o medo e a angústia não
são trabalhados seus efeitos deletérios só
podem de fato se manifestar nas piores
formas possíveis: nos massacres e nas
diversas formas de violência.
Notas de Rodapé
1
Adorno, estabelecendo a crítica ao
conceito de racionalidade presente na
educação vigente, e introduzindo a questão
da reflexão e da experiência como o cerne
de uma educação para a emancipação, diz:
“Mas aquilo que caracteriza propriamente a
consciência é o pensar em relação à
realidade, ao conteúdo – a relação entre as
formas e estruturas de pensamento do
sujeito e aquilo que este não o é. Este
sentido mais profundo de consciência ou
faculdade de pensar não é apenas o
desenvolvimento lógico formal, mas ele
corresponde literalmente à capacidade de
fazer experiências. Eu diria que pensar é o
mesmo que fazer experiências intelectuais”
(ADORNO, 1995b, p.151). É claro que aqui
o termo “experiência” difere do usual
apropriado pelas ciências naturais e
positivistas para as suas “pesquisas
experimentais”.
2
Não é o caso aqui aprofundar e distinguir
as demais tendências contemporâneas na
educação, que ora se voltam para as
pedagogias do “aprender a aprender”, e que
ora adotam princípios pedagógicos que se
dirigem à facilitação do aprendizado pela
adequação do conteúdo à suposta faixa
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
33
PARA UMA CRÍTICA AO TEMA BULLYING E “VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS”
etária ou nível cultural do aluno. Entretanto,
tais modelos pedagógicos dão a impressão
de que o mundo é facilmente apreendido
pelo sujeito por meio do desenvolvimento
de suas capacidades cognitivas, e que por
meio dessas, ele estaria preparado para se
inserir no mundo do trabalho em termos do
desenvolvimento
de
competências
necessárias para o mesmo.
34
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ANA PAULA DE ÁVILA GOMIDE
Referências
Adorno, T.W. (1995a) Educação contra a barbárie. In T.W. Adorno, Educação e
Emancipação (W. Leo Maar, trad., pp.155-169). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Adorno, T.W. (1995b) Educação – Para quê? In T.W. Adorno, Educação e Emancipação
(W. Leo Maar, trad., pp.139-155). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Adorno, T.W. (1995c) Tabus acerca do magistério. In T.W. Adorno, Educação e
Emancipação (W. Leo Maar, trad., pp.97-119). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Adorno, T.W., Frenkel-Brunswik, E, Levinson, D.J, Sanford, R.N. (1950). The Authoritarian
Personality. New York: Harper & Brother.
Campos, H.R. & Jorge, S.D. (2010) Violencia na escola: uma reflexão sobre o bullying e a
prática educativa. Revista Em Aberto, 23 (83), 107-128.
Fante, C. (2005). Fenômeno Bullying – Como prevenir a violencia nas escolas e educar para
a paz. Campinas: Veros Editora
Marcuse, H.(1998) A obsolescência da psicanálise. In H. Marcuse, Cultura e Sociedade. (W.
Leo Maar, I M Loureiro, R. Oliveira, trads., Vol.2, pp.91-113). Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
Oliveira, A. S., & Antônio, P. S. (2006) Sentimentos do Adolescente Relacionados ao
Fenômeno Bullying. Revista Eletrônica de Enfermagem. 8(1) Recuperado em 08 ag.
2011: http//www.fen.ufg.br.
Zuin, A. (2010) Amok on-line e Ressentimento entre Alunos e Professores. In B. Pucci, A.
Zuin, Lastória (Orgs), Teoria Crítica e Inconformismo – novas perspectivas de
pesquisa. (pp.57-77). São Paulo: Autores Associados.
A autora:
Ana Paula de Ávila Gomide é professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP-SP. Endereço: Rua Maria Dória Cunha, 160, Apt.302 –
Bairro Jd. Finotti. CEP: 38408-080 Telefone: (34) 3219-9962. E-mail: [email protected]
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
35
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
FALSAS MEMÓRIAS NUM GRUPO DE ALUNOS
DE ESCOLAS PÚBLICAS
Cláudia Araújo da Cunha
(UFU – Uberlândia - MG)
Resumo
Este trabalho teve como objetivo discutir as relações entre as idades de 885 alunos do ensino
fundamental e médio e a quantidade de erros cometidos no teste pictórico de memória. O instrumento
foi aplicado coletivamente, em crianças e adolescentes, de ambos os sexos, de duas escolas da rede
pública de uma cidade do interior de Minas Gerais. As respostas erradas do grupo de alunos
apresentaram uma correlação inversamente proporcional às idades dos mesmos. Em razão disso,
crianças e adolescentes mais jovens erraram mais ao responderem o teste e os mais velhos, erraram
menos.
Palavras-chave: avaliação em psicologia educacional; teste pictórico de memória; ensino
fundamental e médio.
Abstract
False memories in a group of students of public schools
This work had as aim discuss the relations between the ages of 885 students of elementary and high
school and the amount of mistakes made in the pictorial test of memory. The instrument was applied
collectively, in children and adolescents, of both sexes, of two public schools of a city in the interior
of Minas Gerais. The wrong answers of the group of students presented an inversely proportional
correlation to the ages of the same ones. Therefore, younger children and adolescents made more
mistakes when answering the test and the oldest, made less mistakes.
Keywords: evaluation in educational psychology; pictorial test of memory; elementary and high
school.
Artigo Recebido em 31/05/2012 e Aprovado em 01/09/2012
Introdução
A memória intervém nas funções
cognitivas e possui um papel fundamental
no processamento da informação. Como
conseqüência, o funcionamento anormal da
memória
prejudicaria,
de
maneira
generalizada, o cotidiano das pessoas
(Reynolds e Bigler, 2001).
A primeira corrente teórica que
procurou definir o construto memória foi a
empírica, introduzindo a teoria de
associação por contigüidade (Warren,
1921). Segundo essa corrente, idéias
complexas seriam formadas na mente,
conectando na memória idéias simples
baseadas em sensações que seriam
vivenciadas simultaneamente em tempo
e/ou espaço.
Segundo Warren (1921), o processo
para essa corrente despertar as seqüências
associativas da memória (quando a
repetição do evento A faz pensar no evento
B) seria o método pelo qual as experiências
passadas das pessoas causariam seus
pensamentos posteriores para, dessa forma,
36
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CLÁUDIA ARAÚJO DA CUNHA
progredir de uma idéia para a outra. Essa
noção básica foi elaborada para explicar a
maneira pela qual os seres humanos
desenvolvem expectativas coordenadas
sobre propriedades de objetos, expectativas
sobre seqüências causais de eventos,
predições sobre eventos futuros, explicações
de como ou por quê alguma coisa surgiu e
planos de ação sobre resultados particulares.
O primeiro investigador experimental
da memória humana, entretanto, foi
Ebbinghaus que, em 1885, se interessou em
saber qual a quantidade de informação, mais
especificamente sílabas, frases sem sentido,
números ou monossílabas, que as pessoas
poderiam se lembrar de um teste de
memória,
imediatamente
após
a
apresentação da informação (Tulving &
Craik, 2000). Existem alguns tipos de
classificações da memória como, por
exemplo, memória de curto prazo,
intermediária e de longo prazo, ou memória
declarativa ou explícita e memória não
declarativa ou implícita. Especificamente a
memória explícita ou declarativa contém
duas classes de memórias, quais sejam, a
semântica e a episódica, sendo que a
primeira
serviria
para
conservar
informações sobre o conhecimento do
mundo, como fatos ou conceitos e a
memória
episódica
conservaria
os
acontecimentos durante a vida da pessoa
(Kandel, Schwartz, & Jessell, 2000; Sandi,
Venero & Cordero, 2001).
Baddeley e Hitch (1974) propuseram o
conceito de memória de trabalho, no qual a
capacidade de armazenamento seria uma
das características, mas não a única.
Existiriam também outros sistemas que
estariam “operando” na MT. Os autores
colocaram que a estrutura da MT
compreenderia a existência de um executivo
central, que desempenharia o papel de
controle atencional e, além disso, haveria
dois sistemas subsidiários, quais sejam, o
articulatório e a agenda visoespacial. O
articulatório seria o encarregado de
conservar de forma transitória a informação
auditiva e estaria relacionado com o
tratamento dado aos conteúdos da
linguagem oral. Por sua vez, a agenda
visoespacial seria a encarregada de
conservar transitoriamente a informação
visoespacial e o processamento das imagens
mentais.
A partir da década de 70 do século
passado, segundo Bajo, Puerta-Melguizo e
Gómez-Ariza (1999) diversas teorias
debateram sobre a natureza dos códigos
representacionais de desenhos e palavras.
Por um lado, várias teorias (Paivio, 1971,
1983, 1991; Jonhson, Paivio & Clark, 1996)
propuseram que desenhos e palavras
difeririam em relação ao sistema de
memória ao qual acedem e são
armazenados. Por outro lado, teóricos como
Glaser (1992) propuseram que os códigos
de representação de desenhos e palavras
seriam iguais e que a diferença entre eles
estaria apenas na ordem em que acedem aos
diferentes tipos de representação (visual,
fonológica, semântica, dentre outros).
Quanto ao problema da representação de
desenhos e palavras, Bajo, Puerta-Melguizo
e Gómez-Ariza (1999) afirmam que um
procedimento muito utilizado tem sido o da
facilitação (priming), utilizando desenhos e
palavras como estímulos alvo (target) e de
preparação (prime). Nelson (1979) e
Eysenck (1979), entre outros, já defenderam
que características
de um
objeto
influenciariam sua recuperação pela
memória, propondo, inclusive, modelos
psicológicos para esse fenômeno. Em tais
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
37
FALSAS MEMÓRIAS NUM GRUPO DE ALUNO DE ESCOLAS PÚBLICAS
modelos argumentava-se que em razão de
um processo de codificação diferenciado de
estímulos altamente característicos era
aumentada
sua
probabilidade
de
reconhecimento.
Nesse contexto, as figuras seriam
codificadas diferentemente em relação aos
estímulos visualmente mais simples, como
as palavras. As figuras, assim, seriam mais
facilmente recordadas que as palavras,
regularidade essa que hoje em dia já não é
mais discutida em se tratando de tarefas de
reconhecimento. A explicação sugere que as
características sensoriais da figura são
muito diferenciadas, o que facilitaria sua
discriminação ao compará-la com outras
figuras, que também possibilitariam uma
codificação única e diferenciada.
Não obstante os numerosos e recentes
estudos vinculando os traços característicos
dos estímulos a sua codificação, autores
como Nelson (1979) e Eysenck (1979),
entre
outros,
já
defenderam
que
características de um objeto influenciariam
sua recuperação pela memória, propondo,
inclusive, modelos psicológicos para esse
fenômeno. Em tais modelos argumentava-se
que em razão de um processo de
codificação diferenciado de estímulos
altamente característicos era aumentada sua
probabilidade de reconhecimento.
O modelo proposto por Nelson (1979)
foi denominado de sensorial-semântico.
Define que os estímulos visuais e pictóricos
a serem codificados possuem os traços
verbal, fonético e semântico. Quando uma
tarefa requer a codificação visual de
palavras e de figuras, o processamento
começa, em geral, pelos traços visuais (a
aparência física dos estímulos). Assim, no
caso de que seja figura, o processamento
seguinte seria o dos traços semânticos
(significado). Depois, o processamento será
em relação aos traços fonéticos e visuais da
palavra escrita (correspondentes à figura).
No caso de que se trate de um estímulo
visual verbal (palavra escrita), segundo
Nelson (1979), somente depois de acessar o
significado da palavra (processamento
semântico) é que seria possível recuperar os
traços visuais da figura correspondente.
Para estudar o falso alarme em tarefas
de reconhecimento, Israel e Schacter (1997)
compararam o desempenho de dois grupos
de pessoas em duas situações: em uma
delas, elas ouviam os pares de palavras
associadas e viam as respectivas figuras; em
outra, as pessoas escutavam as mesmas
palavras associadas e viam as respectivas
palavras escritas. O resultado indicou que a
codificação pictórica produziu taxas de
falso reconhecimento mais baixas. A
conclusão a que chegaram indicou que a
ausência de lembranças detalhadas produz
evidência de que o item é novo, que é o
caso do signo (palavra) em relação ao
símbolo (codificação pictórica); em
decorrência, foram rejeitadas novas palavras
(distratores) e produziu-se um taxa menor
de falso alarme.
Corroborando esses resultados Smith e
Hunt (2000) constataram uma diminuição
de falso reconhecimento das palavras
escritas em relação às palavras ouvidas,
assumindo que a apresentação visual
possibilitou maior discriminação entre os
itens estudados e os distratores. Por sua vez,
Schacter, Cendan, Dodson e Clifford (2001)
concluíram que itens novos (distratores),
mas associados aos itens estudados,
diminuem a precisão das respostas, devido
ao falso reconhecimento dos itens novos.
Nesse caso, o falso reconhecimento estaria
vinculado à apresentação de palavras
38
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CLÁUDIA ARAÚJO DA CUNHA
associadas que favoreceriam a codificação
de traços comuns a todos os itens e não a
cada item (Schacter, Israel & Racine, 1999).
Em termos gerais, há concordância em que
a precisão do reconhecimento é afetada
pelas codificações
das
informações
relacionais
e
traços
característicos
(Dobbins, Kroll, Yonelinas & Liu, 1998).
Para estudar o falso alarme em
tarefas de reconhecimento, Roediger e
McDemott (1995) adaptaram o paradigma
de Deese (1959), tradicionalmente usado
para o estudo da falsa memória nas tarefas
de lembrança livre. Tal paradigma,
resultante dessa adaptação, produz altas
taxas
de
falso
reconhecimento,
principalmente no que tange aos distratores
relacionados (Schacter, Israel & Racine,
1999). A interpretação dada ao efeito de
falso alarme, normalmente se pauta em que
o fornecimento de muitas palavras
associadas
realça
as
características
semânticas comuns a todos os itens
estudados mais que os traços característicos
de cada item particular (Schacter, Norman
& Koutstaal,1998). Assim, sua redução
seria possível se as situações favorecessem
mais a codificação dos traços característicos
dos itens.
Para estudar essa hipótese, Israel e
Schacter (1997) compararam o desempenho
de dois grupos de pessoas em duas
situações: em uma delas, elas ouviam os
pares de palavras associadas e viam as
respectivas figuras; em outra, as pessoas
escutavam as mesmas palavras associadas e
viam as respectivas palavras escritas. O
resultado indicou que a codificação
pictórica produziu taxas de falso
reconhecimento mais baixas tanto para os
distratores relacionados quanto para os não
relacionados. A conclusão a que chegaram
indicou que a ausência de lembranças
detalhadas produz evidência de que o item é
novo, que é o caso do signo (palavra) em
relação ao símbolo (codificação pictórica);
em decorrência, foram rejeitadas novas
palavras (distratores) e produziu-se um taxa
menor de falso alarme.
Corroborando esses resultados Smith e
Hunt (2000) constataram uma diminuição
de falso reconhecimento das palavras
escritas em relação às palavras ouvidas,
assumindo que a apresentação visual
possibilitou maior discriminação entre os
itens estudados e os distratores. Por sua vez,
Schacter, Cendan, Dodson e Clifford (2001)
concluíram que itens novos (distratores),
mas associados aos itens estudados,
diminuem a precisão das respostas, devido
ao falso reconhecimento dos itens novos.
Nesse caso, o falso reconhecimento estaria
vinculado à apresentação de palavras
associadas que favoreceriam a codificação
de traços comuns a todos os itens e não a
cada item (Schacter, Israel & Racine, 1999).
Em termos gerais, há concordância em que
a precisão do reconhecimento é afetada
pelas codificações
das
informações
relacionais
e
traços
característicos
(Dobbins, Kroll, Yonelinas & Liu, 1998).
Para a efetiva recuperação de
informação, os resultados sugerem que as
funções exercidas pelas codificações das
informações relacionais e das características
são distintas. A expectativa é que para esses
dois tipos de codificação haja dissociação
(Hunt
&
McDaniel,
1993).
Em
conseqüência, essa codificação combinada
aumentaria o índice de discriminação dos
itens novos associados e itens estudados.
Mintzer e
Snodgrass
(1999)
avaliaram o custo da transmodalidade para o
reconhecimento de palavras e figuras.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
39
FALSAS MEMÓRIAS NUM GRUPO DE ALUNO DE ESCOLAS PÚBLICAS
Assim, quando a situação continha figurafigura (estudar figuras e reconhecer figuras)
o desempenho das pessoas foi melhor, ou
seja, houve um alto índice de acertos;
quando a situação envolvia figura-palavra
(tinham que estudar figuras e reconhecer os
signos da figuras, ou seja, a palavras) ou
palavra-palavra, foi constatado o mesmo
número de acertos, ainda que menor que na
situação anterior, o que foi explicado pela
transmodalidade, quer dizer, embora a
figura seja mais fácil de ser reconhecida, na
forma figura-palavra (transmodal) se
tornava tão difícil quanto palavra-palavra;
finalmente, as situações mais difíceis de
serem reconhecidas foram as que envolviam
palavra-figura, pois a codificação em signo
e a transmodalidade estavam presentes. Ao
lado disso, defenderam também que as
figuras são as mais afetadas pela
transmodalidade, como também que a forma
como o estímulo foi codificado (figura ou
palavra) possibilitou o aumento da taxa de
falso reconhecimento.
Em suma, por várias décadas a
concepção da codificação dos traços
característicos dos estímulos e sua
lembrança facilitada foram investigadas por
distintos paradigmas. Os resultados
apontaram que os traços característicos
foram e seguem sendo utilizados para
explicar a efetividade mnemônica em
situação
de
reconhecimento
e
a
superioridade da figura (Nelson, 1979;
Stenberg, Radeborg & Hedman, 1995;
Mintzer & Snodgrass, 1999).
Sendo assim, o intuito da presente
pesquisa foi o de verificar as possíveis
correlações estabelecidas entre a idade dos
participantes e o número de falsas
memórias, ou seja, quantidade de erros
verificados a partir da aplicação do teste
pictórico de memória (Rueda e Sisto, 2005).
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 885 alunos,
sendo 365 (41,24%) do sexo masculino e
520 (58,76%) do sexo feminino, do ensino
fundamental e médio, de duas escolas da
rede pública de ensino de uma cidade do
interior de Minas Gerais.
Materiais e Procedimentos Utilizados
O Teste Pictórico de Memória (Rueda &
Sisto, 2005) consiste numa lâmina de
desenhos compostos por 55 estímulos
pictóricos (figurais) divididos em três
categorias, quais sejam; céu (13 itens); terra
(26 itens) e água (16 itens). Antes da
aplicação do material, as diretoras das
escolas da rede pública de ensino, pais e
professores assinaram um termo de
consentimento livre e esclarecido conforme
estabelecido pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de
Uberlândia.
Antes da aplicação do material
propriamente dito, a pesquisadora realizou
um pré-teste com os alunos, explicitando
como se daria a aplicação do teste pictórico
de memória bem como a projeção do
mesmo em retroprojetores cedidos pelas
escolas. A aplicação do material deu-se
coletivamente em salas de aula de duas
escolas públicas de uma cidade do interior
de Minas Gerais. O procedimento adotado
pelos autores determina 1 minuto de
projeção da lâmina para ser visualizada e 2
minutos para que os participantes registrem
na folha de resposta o que conseguiram
memorizar. Isso significa dizer que aos
participantes foi permitido anotar num
40
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CLÁUDIA ARAÚJO DA CUNHA
tempo de 2 minutos, manualmente. Não
houve intervalo entre as apresentações das
figuras e o registro subseqüente. Pediu-se
que os participantes não conversassem entre
si. Dos 55 itens considerados, privilegiou-se
a contagem dos erros cometidos pelo grupo
de alunos quando foram questionados sobre
o que lembravam a partir da exposição da
lâmina. Foram computados como erros
palavras que não faziam parte dos 55 itens
considerados pelo teste pictórico de
memória.
Resultados e Discussão
Os resultados demonstraram que a
escola 1 concentrou o maior número de
alunos, perfazendo um total de 70.73%.
Desses 70.73%, 27.12% encontram-se no 3º
ano do ensino médio, seguido pelo 2º ano
do ensino médio com 18.87% dos alunos.
Na tabela nº 1, estão demonstradas as
freqüências e porcentagens de alunos, de
acordo com as séries e com as escolas, de
acordo com o gênero e resultados totais.
Tabela 1. Distribuição de freqüências e
porcentagens de alunos, de acordo com as séries e
com as escolas, em que estão matriculados, de
acordo com o gênero e resultados totais.
Alunos
Escola 1
1º médio
2º médio
3º médio
Total
Escola 1
8º ano
9º ano
Total
Escola 2
7º ano
8º ano
9º ano
Total
T. Geral
Masc
Frq
Masc
%
Fem
Frq
Fem
%
Total
Frq
Total
%
48
76
95
219
5,42
8,59
10,73
24,74
78
91
145
314
8,81
10,28
16,39
35,48
126
167
240
533
14,23
18,87
27,12
60,22
03
29
32
41
40
33
114
365
0,34
3,28
3,62
4,63
4,52
3,73
12,88
41,24
22
39
61
43
55
47
145
520
2,48
4,41
6,89
4,86
6,21
5,31
16,38
58,76
25
68
93
84
95
80
259
885
2,82
7,69
10,51
9,49
10,73
9,04
29,26
100,00
As idades dos alunos variaram de 11 a
19 anos, sendo que a maioria tinha entre 13
e 17 anos, perfazendo um total de 86,54%
da amostra.
Na tabela nº 2, estão demonstradas as
freqüências e porcentagens de alunos, de
acordo com a idade e resultados totais.
Tabela 2. - Distribuição de freqüências e
porcentagens de alunos, de acordo com a idade e
resultados totais.
Idades
11 anos
12 anos
13 anos
14 anos
15 anos
16 anos
17 anos
18 anos
19 anos
Total
Frequências
13
76
123
127
162
180
174
24
06
885
Porcentagens
1,47
8,59
13,90
14,35
18,30
20,33
19,66
2,72
0,65
100,00
Na tabela nº 3, estão demonstrados os
valores mínimos, valores máximos, médias
e desvios padrão, relativos às idades dos
alunos, de acordo com as séries em que
estão matriculados e resultados totais.
Tabela 3. Valores mínimos, valores máximos,
médias e desvios padrão, relativos às idades dos
alunos, de acordo com as séries em que estão
matriculados e resultados totais.
V. Min
V. Max
7º ano
11 a
16 a
12 a 3 m
Desvios
Padrão
1m
8º ano
12 a
15 a
12 a 11 m
8m
9º ano
13 a
17 a
14 a 1 m
9m
1º colegial
14 a
16 a
14 a 10 m
5m
2º colegial
14 a
18 a
15 a 11 m
8m
3º colegial
16 a
19 a
16 a 11 m
8m
Total
11 a
a = anos
m = mês/meses
19 a
15 a
1a9m
Alunos
Médias
Na tabela nº 4, estão demonstrados os
valores mínimos, valores máximos, médias
e desvios padrão, relativos aos pontos
obtidos pelos alunos, no item Falsas
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
41
FALSAS MEMÓRIAS NUM GRUPO DE ALUNO DE ESCOLAS PÚBLICAS
Memórias, de acordo com as idades e
resultados totais.
Tabela 4. Valores mínimos, valores máximos,
médias e desvios padrão, relativos aos pontos obtidos
pelos alunos, no item Falsas Memórias, de acordo
com as idades e resultados totais.
V. Mín
V. Máx
Médias
11 anos
01
04
1,77
Desvios
Padrão
1,09
12 anos
00
04
1,54
0,96
13 anos
00
04
1,46
0,94
14 anos
00
04
1,26
0,93
15 anos
00
04
0,73
1,03
16 anos
00
06
1,52
1,09
17 anos
00
14
1,26
1,43
18 anos
00
03
1,46
0,93
19 anos
00
01
0,17
0,91
Total
00
14
1,27
1,13
Idades
Tabela 5. Valores mínimos, valores máximos,
médias e desvios padrão, relativos aos pontos obtidos
pelos alunos, no item Falsas Memórias, de acordo
com as idades e resultados totais.
Idades
11 anos
V. Mín
V. Máx
Médias
01
04
1,77
Tabela 6. Valores mínimos, valores máximos,
médias e desvios padrão, relativos às idades dos
alunos, de acordo com as séries em que estão
matriculados e resultados totais.
V. Mín
V. Máx
Médias
Escola 1
12 anos
19 anos
15 a 9 m
Escola 2
11 anos
17 anos
13 a 2 m
1a2m
Total
11 anos
19 anos
13 a 2 m
1a2m
Os resultados demonstraram uma
correlação negativa entre a idade dos
participantes e o número de erros
contabilizados a partir da aplicação da
lâmina pictórica de memória, conforme
ilustrado na tabela número 7.
Tabela 7. Valores de rs e das probabilidades a eles
associadas, encontradas quando da aplicação do
Coeficiente de Correlação por Postos de Spearman
às idades dos alunos e os pontos obtidos por eles nos
itens relativos à Falsas Memórias, nas duas Escolas.
Variáveis Analisadas
Idade x Falsas Memórias
Idade x Falsas Memórias
00
04
1,54
0,96
13 anos
00
04
1,46
0,94
14 anos
00
04
1,26
0,93
15 anos
00
04
0,73
1,03
16 anos
00
06
1,52
1,09
17 anos
00
14
1,26
1,43
18 anos
00
03
1,46
0,93
19 anos
00
01
0,17
0,91
Total
00
14
1,27
1,13
Na tabela nº 6, estão demonstrados os
valores mínimos, valores máximos, médias
e desvios padrão, relativos às idades dos
alunos, de acordo com a escola que
freqüentam e resultados totais.
Valores de rs
Probabilidades
Total de sujeitos
Desvios
Padrão
1,09
12 anos
Desvios
Padrão
1a4m
Alunos
-0,069
0,039*
0,139
0,000*
-0,040
0,520
Escola 1
Escola 2
Idade x Falsas Memórias
(*) p < 0,05
Esses dados revelaram que quanto mais
erros os alunos cometem no teste pictórico
de memória, menos idade apresentam. Isso
vale também dizer que quanto mais idade
apresentam, menos erros cometem no teste
de memória pictórica.
Considerações finais
Os resultados indicaram que as falsas
memórias medidas pela quantidade de
respostas erradas computadas no teste de
memória
pictórica
apresentou
uma
correlação inversamente proporcional à
idade dos alunos. Então, quanto mais
42
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CLÁUDIA ARAÚJO DA CUNHA
velhos, menos erravam ao responderem ao
teste. Os alunos, em sua grande maioria, se
encontravam entre os 13 e 17 anos, faixa
etária essa que compreende alunos do 8º e
9º ano do presente estudo. Também foi
possível observar um número expressivo de
alunos entre 16 e 17 anos conforme
ilustrado na tabela 4. Isso significa dizer que
apesar de uma idade avançada, menos erros
cometiam no teste de memória pictórica e
que apesar disso, ainda cursavam o ensino
fundamental. O fato de serem, muitas das
vezes, repetentes, não invalida a capacidade
de memorização de respostas certas dado
um estímulo visual. O fato de lembrar
errado e até mesmo não lembrar dos nomes
de símbolos expostos numa lâmina num
curto prazo de tempo, evidencia que quanto
mais jovens, menos concentrados e menos
atentos à solicitação de uma tarefa. Se
pudermos fazer um paralelo com o ensino
acadêmico, o que vemos não é muito
distante do que foi colocado até então. A
adolescência muito contribui para tal
resultado. Período de turbulências, dúvidas,
crise de identidade, receios e inseguranças
que, por vezes, podem estar refletidas nos
erros que cometem ao tentarem se lembrar
de algo, que momentaneamente, não lhe são
interessantes ou que lhes chamem a atenção.
O 8º e 9º ano constituem-se nos dois
últimos anos do ensino fundamental. Logo,
estarão no ensino médio, fase das escolhas
profissionais, dos relacionamentos afetivosemocionais e por que não dizer do
amadurecimento cognitivo-intelectual.
Apesar da memória ser algo tão
importante em nossas vidas, a maioria de
nós só se preocupa quando esta falha; ou
seja, quando nos esquecemos de coisas
importantes e/ou corriqueiras, tais como: se
tomamos ou não um remédio; o que fomos
comprar ao chegar ao supermercado; o
nome daquela pessoa que encontramos dias
depois de sermos apresentados. Este tipo de
erro na memória é chamado esquecimento e
é facilmente identificável. Porém, para
Pergher & Stein (2003) o esquecimento é
um mecanismo que contribui em grande
parte para a nossa inteligência, pois é
através do esquecimento de inúmeras
situações que somos capazes de abstrair e
de trabalhar com conhecimentos genéricos.
Sendo assim, para estes autores, tão
importante quanto conseguir armazenar
informações é conseguir esquecê-las.
É importante ressaltar, portanto, que as
falsas memórias não se tratam de mentiras.
As pessoas que sofrem com esse tipo de
erro da memória realmente acreditam que
aquela lembrança é verdadeira. Elas podem
descrever situações com detalhes e
lembram-se inclusive dos sentimentos
experienciados na ocasião. O fenômeno da
falsificação mnemônica, que ocorre tão
freqüentemente como o esquecimento é um
tipo de erro de memória que em geral não é
identificado. Não é possível distinguir as
lembranças
falsas
das
lembranças
verdadeiras.
Os estudos sobre as falsas memórias são
bastante recentes, porém estão em
expansão. As pesquisas da psicologia sobre
este tema podem contribuir para minimizar
tais tipos de problemas, e vêm buscando
cada vez mais compreender os mecanismos
e processos de retenção, armazenamento e
recuperação da memória que podem estar
ligados ao aparecimento das falsas
memórias.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
43
FALSAS MEMÓRIAS NUM GRUPO DE ALUNO DE ESCOLAS PÚBLICAS
Referências
Baddeley, A. D., & Hitch, G. (1974). Working memory. In G. A. Bower (Org.). Advances on
Learning and Motivation, (pp. 47-90). New York: Academic Press.
Bajo, M. T., Puerta-Melguizo, M. C., & Gómez-Ariza, C. (1999). Representación semántica
y fonológica de dibujos y palabras: acceso diferencial o sistemas de memoria?
Psicothema, 11(4), 873-889.
Dobbins, I. G., Kroll, N. E. A., Yonelinas, A. P., & Liu, Q. (1998). Distinctiveness in
recognition and free recall: The role of recollection in rejection of the familiar. Journal
of Memory and Language, 38, 381-400.
Eysenck, M. W. (1979). Depth, elaboration, and distinctiveness. In L. S. Cermak & F. I. M.
Craik (Orgs.), Levels of processing in human memory (pp. 89-118).
Glaser, W.R. (1992). Picture naming. Cognition, 42, 61-105.
Hunt, R. R., & McDaniel, M. A. (1993). The enigma of organization and distinctiveness.
Journal of Memory and Language, 32, 421-445.
Israel, L., & Schacter, D. L. (1997). Pictorial encoding reduces false recognition of semantic
associates. Psychonomic Bulletin & Review, 4, 577-581.
Jonhson, C, J., Paivio, A., & Clark, J.M.(1996). Cognitive components of picture naming.
Psychological Bulletin, 120, 113-139.
Kandel, E. R. Schwartz, J., & Jessell, T. (2000). Princípios de Neurociencia. Madrid:
McGrawHill.
Mintzer, M. Z., & Snodgrass, J. G. (1999). The picture superiority effect: support for the
distinctiveness model. American Journal of Psychology, 112, 113-146.
Nelson, D. L. (1979). Remembering pictures and words: Appearance, significance, and
name. In L. S., Cermak, F. I. M., Craik (Orgs.), Levels of processing in human memory
(pp. 45-76). Hilsdale. NJ: Lawrence Erlbaum.
Paivio, A. (1971). Imagery and Verbal Processes. New York: Holt, Rinehart and Winston.
Paivio, A. (1983). The empirical case for a dual coding. Em J. C. Yuille (Org.). Imagery,
Memory and Cognition: Essays in Honor of Allan Paivio. Hillsdale: LEA.
Paivio, A. (1991). Dual Coding Theory: retrospect and current status. Canadian Journal of
Psychology, 45, 255-287.
Pergher, G. K. & Stein, L. M. (2001). Criando Falsas Memórias em Adultos por meio de
Palavras Associadas. Psicologia Reflexão e Critica. Porto Alegre, v.14, n.2, p 353-366.
Reynolds, R. C., Bigler, E. D. (2001). Test de memoria y aprendizaje: Manual. Madrid: TEA
ediciones.
Roediger, H.L., & McDermott, K, B. (1995). Creating false memories: Remembering words
not presented in lists. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, &
Cognition, 21, 803-814.
Rueda, F. J. M., & Sisto, F. F. (2006). Teste de Memória pictórica. Vetor Editora
Psicopedagógica Ltda.
Sandi, C., Venero, C., & Cordero, M. I. (2001). Psicobiología de la memoria. In C. Sandi, C.
Venero & M. I. Cordero, Estrés, memoria y trastornos asociados: implicaciones en el
daño cerebral y envejecimiento (pp. 134-149). Barcelona: Editorial Ariel.
44
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CLÁUDIA ARAÚJO DA CUNHA
Schacter, D. L., Cendan, D. L., Dodson, C. S., & Clifford, E. R. (2001). Retrieval conditions
and false recognition: Testing the distinctiveness heuristic. Psychonomic Bulletin &
Review, 8, 827-833.
Schacter, D. L., Israel, L. Racine, C. (1999). Suppressing false recognition in younger and
older adults: The distinctiveness heuristic. Journal of Memory and Language, 40, 1-24.
Schacter, D. L., Norman, K. A., & Koutstaal, W. (1998). The cognitive neuroscience of
constructive memory. Annual Review of Psychology, 49, 289-318.
Smith, R. E., & Hunt, R. R. (2000). The effects of distinctiveness require reinstatement of
organization: The importance of intentional memory instructions. Journal of Memory
and Language, 43, 431-446.
Stenberg, G., Radeborg, K., & Hedman, L. R. (1995). The picture superiority effect in a
cross-format recognition task. Memory and Cognition, 23, 425-441.
Tulving, E., & Craik, F. I. M. (2000). The Oxford Handbook of Memory. Oxford: University
Press.
Warren, H. C. (1921). A history of the association philosophy. New York: Charles Scribner’s
Sons.
Agradecimento
A mestra Fernanda Machado pela ajuda incondicional na análise dos dados dos referidos protocolos.
A autora:
Cláudia Araújo da Cunha possui graduação em Psicologia pela Universidade Gama Filho (1990), mestrado em Psicologia
(Psicologia Social) pela Universidade Gama Filho (1993), doutorado em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (1999) e pós-doutorado pela Universidade São Francisco (2008). Professora Associado II da Universidade
Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama, CEP 38405-320 – Uberlândia – MG. E. mail:
[email protected].
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
45
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO
VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE
UMA COMUNIDADE URBANA
Paola Regina Buoro
Walter Mariano de Faria Silva Neto
Raquel Souza Lobo Guzzo
(PUCCAMP – Campinas - SP)
Resumo
Os objetivos dessa pesquisa envolvem sistematizar elementos das condições objetivas de vida de
moradores de uma ocupação urbana de Campinas e analisar sua consciência sobre a influência dessas
condições em sua qualidade de vida. Foi utilizado o banco de dados do grupo de pesquisa contendo
entrevistas realizadas com moradores de um bairro periférico na cidade de Campinas. Embora
tenham sido identificados alienação e fatalismo perante as adversidades, há a percepção acerca de
condições objetivas adversas e insatisfatórias, o que poderia pautar a atuação do psicólogo nesta
comunidade. A importância de pesquisas como esta, fica evidenciada ao observarmos que a urgência
e profundidade das adversidades vividas nesta comunidade não são abarcadas pelos instrumentos
utilizados pelos órgãos representativos do Estado.
Palavras-chave: fatalismo; impotência; condições objetivas de vida; fortalecimento;
conscientização.
Abstract
Objective Life Conditions: How to live and survive in an urban community
The objectives of this research involve systematizing elements of the objective life conditions of
urban settlement residents and analyzing their awareness about the influence of these conditions on
their quality of life. We used the research group database, which contains interviews with residents of
a suburban neighborhood, in Campinas city. Despite alienation and fatalism in the face of adversity,
there is a perception about adverse and unsatisfactory conditions that could guide psychologist's
work. This study reveals the importance of such surveys to exist, since the instruments used by the
representative bodies of state does not cover the depth and urgency of these issues.
Keywords: fatalism; powerlessness; objective conditions of life; empowerment; awareness.
Artigo Recebido em 30/05/2012 e Aprovado em 01/09/2012
Introdução
O presente artigo é fruto de uma
experiência de iniciação científica realizada
pela primeira autora, sob supervisão, na
tentativa de elucidar como as condições
objetivas de vida dos sujeitos influenciam
sua consciência1. Para tanto, utilizou-se uma
fundamentação teórica que auxiliasse na
compreensão da vida no capitalismo, bem
como a formação da consciência, a partir da
perspectiva histórico-cultural e então, que
elucidasse
o
posicionamento
dos
46
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
movimentos sociais na cultura produzida
pelo capitalismo.
A vida no capitalismo
A partir de dados concretos da
realidade social, bem como do decorrer da
história da humanidade, percebeu-se que no
modo
de
produção
capitalista
a
desigualdade social tem o caráter estrutural.
Conforme Sloan (2009) descreve, é por
conta da lógica do capital que sua
acumulação não é possível aos funcionários
e sim, apenas, aos donos dos meios de
produção. Tal fato passou a ocorrer neste
sistema, já que os funcionários não recebem
o suficiente para conseguir acumular e o
excedente de seu trabalho não retorna a eles,
pois são apropriados por aqueles que
contratam sua força de trabalho, ou seja, os
proprietários dos meios de produção. Com
relação a esta lógica, atualmente, pode-se
constatar a presença determinante da
desigualdade social, por meio de dados
divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, 2000) e pelo
PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, 2010). No caso do Brasil,
cerca de 8,5% de pessoas vivem em
situação de pobreza multidimensional. Este
índice considera não apenas o aspecto
financeiro, mas o padrão de vida, a
educação e a saúde. Nesse cálculo são
incluídos, por exemplo, aqueles que ainda
usam combustível sujo para cozinhar seus
alimentos, não possuem acesso à água
potável, a saneamento adequado ou
eletricidade, ou então que possuem
membros na família com menos de cinco
anos de estudo, ou com má-nutrição.
De acordo com o Relatório de
Desenvolvimento Humano de 2010, 1
milhão e 75 mil pessoas de 104 países em
desenvolvimento vivem em pobreza
multidimensional, que é um índice, criado
pelo IBGE em 2010, para captar as
privações sobrepostas ao nível da família na
saúde, educação e padrão de vida. Este
índice baseia-se em três dimensões e dez
indicadores, sendo eles: I - Padrão de vida
(não ter eletricidade, não ter acesso a água
potável limpa; não ter acesso a saneamento
adequado; usar combustível sujo para
cozinhar [estrume, madeira ou carvão], ter
uma casa com piso de terra; não ter carro;
caminhão
ou
veículo
motorizado
semelhante e possuir no máximo um dos
bens seguintes: bicicleta, motocicleta, rádio,
frigorífico, telefone ou televisor); II Educação (não ter nenhum membro da
família que tenha concluído cinco anos de
escolaridade e ter pelo menos uma criança
em idade escolar [até ao 8º ano] que não
esteja frequentando a escola) e III - Saúde
(ter pelo menos um membro da família que
sofra de má nutrição e ter tido uma ou mais
crianças que tenham falecido). Conforme
descrito na Nota Técnica 4 do Relatório de
Desenvolvimento Humano (PNUD, 2010),
cada um desses indicadores tem um peso
específico que, se for igual ou maior que
três,
classifica
a
família
como
multidimensionalmente pobre e, se for entre
2 e 3, a classificação como vulnerável ou
em
risco
de
se
tornar
multidimensionalmente pobre.
Utilizando-se de dados de 2000 a 2008,
o PNUD (2010) atribuiu ao Brasil um
Índice de Pobreza Multidimensional de
0,039, ou seja, em média os indivíduos
sofrem privação em 3,9% dos indicadores
relacionados, sendo que 8,5% da população
é multidimensionalmente pobre, com
intensidade média de privação de 46% dos
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
47
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
indicadores, e outros 13,1% estão em
situação de vulnerabilidade e em risco de se
tornarem multidimensionalmente pobres.
Há, ainda, 20,2% da população brasileira
com, ao menos, uma privação em educação,
5,2% com, ao menos, uma privação na área
da saúde e 2,8% com, ao menos, uma
privação em relação ao padrão de vida.
É interessante, ainda, observar os dados
fornecidos pelo Critério de Classificação
Econômica Brasil – CCEB (ABEP, 2010),
que considera os bens e serviços básicos
possuídos pela população para classificá-la
em oito classes (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D,
E), de acordo com seu poder de compra. É
informado que a maior parte dos brasileiros
encontra-se na classe econômica C1,
representando 24,5% da população,
acompanhados de perto pela classe C2,
composta por 23,9%, e pelas classes B2 e
D, compostas respectivamente por 18% e
17,9% da população. Esse indicador mostra
ainda a renda média familiar referente a
essas classes como sendo: classe B2 igual a
R$ 2.327; C1, igual a R$ 1.391; C2, igual a
R$ 933; D, igual a R$ 618; E, igual a R$
403. Nesse cálculo não é exposto a
quantidade de pessoas que compõem a
família, entretanto, conforme os dados já
mencionados na tabela 1, o primeiro quinto
mais pobre de cada região do Brasil possui
renda per capita entre R$ 10 e R$ 45 e não
estão incluídos neste cálculo dos
agrupamentos sociais. No entanto, o fato
destes indivíduos não estarem incluídos
num instrumento que se propõe a dividir a
sociedade em classes econômicas se
justifica pela autodescrição do mesmo, já
que “esse critério foi construído para definir
grandes
classes
que
atendam
às
necessidades de segmentação (por poder
aquisitivo) da grande maioria das empresas“
(ABEP, 2010, p. 3). Em outras palavras,
esse instrumento se propõe a dividir a
sociedade em camadas de públicos-alvo
para facilitar às empresas a definição de
critérios para estipular o valor de uso de
suas mercadorias. Desse modo, por não
incluir famílias com menor renda em sua
classificação da sociedade, deixa de ser um
instrumento válido para se discutir a
qualidade de vida da população brasileira.
Tabela 1. Renda per capita nas regiões do Brasil
Média do 1º
Média do
quinto mais pobre
quinto mais rico
Sul
R$ 45
R$ 1.076
R$ 353
Sudeste
R$ 41
R$ 1.154
R$ 356
R$ 38
R$ 1.231
R$ 367
Norte
R$ 13
R$ 663
R$ 196
Nordeste
R$ 10
R$ 532
R$ 152
Região
Geral
Centro
Oeste
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000
O CCEB (ABEP, 2010), portanto,
mostra-se
como
um
instrumento
interessante para situarmos somente as
famílias com renda média maior que R$ 403
e ineficiente para abarcar a desigualdade
social e a maneira como ela se reflete nas
condições objetivas de vida daqueles que
vivem abaixo do nível de pobreza
multidimensional ou mesmo da pobreza de
rendimento, delimitada pelo IBGE pela
Paridade do Poder de Compra de U$ 1,25
por dia e por pessoa.
Quanto a essa divisão de classes, de
acordo com o poder aquisitivo das famílias,
e para observarmos uma estimativa da
quantidade de pessoas excluídas pelo
CCEB, utilizamos alguns dados com relação
à renda divulgados no Censo que foi
realizado pelo IBGE em 2000, e que ainda
48
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
não tiveram sua atualização divulgada pelo
Censo 2010: a média da renda per capita
entre as regiões do Brasil, em 2000,
equivalia a R$ 285, mas nos dados expostos
na tabela 1, a desigualdade de distribuição
da renda, indica pessoas com renda per
capita no máximo de R$ 1.076 e outras, no
mínimo R$ 10. Os dados coletados pelo
IBGE no referido ano conferem ainda que
no Brasil há em média 40% das pessoas
com renda per capita abaixo de R$ 75,50,
sendo que metade dessas tem renda per
capita abaixo de R$ 37,75. Apesar desses
dados, o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) relativo à renda no Brasil,
nesse ano, o colocou numa qualidade média
(0,677).
Atualmente, através de alguns dados já
publicados pelo IBGE (2010) a respeito do
censo do ano passado, vemos que mesmo
uma década depois ainda existem 531.873
mil domicílios particulares sem renda per
capita mensal, sendo que a maioria dos
domicílios particulares, equivalendo a
3.705.925 milhões, possuem de 1 a 2
salários mínimos e a segunda maior parte,
3.505.268 milhões, possuem de meio a 1
salário mínimo per capita mensal.
Com relação às condições objetivas de
moradia, a Organização Panamericana de
Saúde - OPS (1999) publicou um
documento especificando as condições
necessárias para moradia e os riscos que sua
violação pode oferecer aos indivíduos,
podendo ser de ordem biológica, química
e/ou psicossociais.
Consciência versus alienação, fatalismo
mais opressão
Feita
respeito
esta breve caracterização a
das
condições
objetivas
consequentes ao sistema capitalista, cabe,
então, fazer referência à constituição da
consciência, elemento este que se
responsabiliza pela diferenciação da
atividade humana e da atividade animal. Por
ser essencialmente social, a atividade
humana permite a apropriação e objetivação
dos conhecimentos acumulados, resultando
na construção do ser humano por meio do
desenvolvimento de suas funções psíquicas
superiores. No entanto, justamente pela
forma de trabalho da sociedade capitalista, o
sentido e o significado da ação são
dissociados, anulando o trabalho como algo
que desenvolve o indivíduo, tornando-se
uma atividade alienante (Duarte, 2004).
Somado a isso, os povos oprimidos da
America Latina são considerados absortos
no fatalismo, devido à construção histórica
permeada de opressão com início na
colonização destes países e continuidade até
os dias de hoje (Martín-Baró, 1996). A
pobreza naturalizada e a miséria
institucionalizada provocam na população
oprimida um sentimento de impotência
diante dos próprios problemas, resultando
na alienação e fatalismo mediante situações
em que é necessária a luta por seus direitos.
Nesse processo histórico, a psicologia tem
atuado em favor das classes dominantes,
oferecendo base teórica que permite
culpabilizar os indivíduos pelo seu fracasso,
como se este fosse apenas resultante de
características individuais, ignorando a
construção histórico-cultural que determina
as condições objetivas precárias impostas a
determinadas classes sociais, normalizando
a desigualdade social e miséria das classes
menos favorecidas (Guzzo & Lacerda Jr.,
2007; Martín-Baró, 1996).
O papel do psicólogo
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
49
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
A psicologia deve atuar, diante destes
contextos, a fim de propiciar o
fortalecimento desses grupos (Guzzo &
Lacerda Jr., 2007; Martín-Baró, 1996;
Martín-Baró, 2009; Montero, 2011). Para
que as comunidades oprimidas e
discriminadas se organizem e lutem pelos
seus direitos, devem participar da criação de
possibilidades para a transformação social
de uma sociedade que possui, como
alicerce, a desigualdade.
Para tanto, é necessário que o psicólogo
atue para promover a desalienação das
pessoas e dos grupos, principalmente
melhorando o enfoque nesses últimos,
permitindo que tenham consciência de sua
identidade pessoal e um saber crítico sobre
si mesmos, evitando que se comportem ou
como dominador ou como dominado
(Martín-Baró, 1996). A Psicologia da
Libertação possui três tarefas urgentes que
são recuperar a historicidade dos povos,
desideologizar o senso comum e a
experiência cotidiana dos mesmos e
potencializar as virtudes populares. (MartínBaró, 2009).
A luta pelos direitos
O fortalecimento dos sujeitos de uma
comunidade, portanto, permite que os
integrantes participem na construção de sua
realidade,
delineando
soluções
e
encaminhamentos para as questões sociais
que lhe dizem respeito. O fortalecimento e a
tomada
de
decisões,
visando
a
transformação das condições sociais postas,
têm como base essencial a apropriação da
própria
história,
do
conhecimento
acumulado pela humanidade. É nesse ponto
que nos deparamos com a presença da mídia
nos dias de hoje e o espaço que vêm
tomando perante a construção da sociedade,
por estar se relacionando com os sujeitos e,
portanto, participando ativamente de sua
constituição.
De acordo com Guareschi (2007) a
mídia têm se mostrado um veículo de
informações determinante na construção da
ideologia, que só está sendo usado por
pequenos grupos que detém o poder de
influenciar as massas e acabam por oprimir
e desestruturar os grupos excluídos. O autor
relembra que as relações interpessoais que
desenvolvemos nos fornecem elementos
para constituir nossa identidade e nossa
consciência, a respeito das condições
materiais que nos rodeiam. A mídia, na
sociedade moderna, tem sua presença
demarcada no dia-a-dia de toda a
população, o que se comprova com os dados
coletados por esse mesmo autor que revela
que a média de horas diárias que o brasileiro
fica diante da TV, por exemplo, é de 4,
podendo ser seis horas em algumas cidades
periféricas pesquisas por Guareschi (2007) e
até mesmo nove horas para as crianças,
cujos pais têm medo de deixá-las brincar na
rua.
Portanto, não é de se espantar que os
meios de comunicação assumam hoje um
papel de construir a realidade, determinando
se um fato existirá ou deixará de existir e,
ainda, a conotação valorativa que se atribui
a esse fato. Paralelamente, determina a
agenda de discussão, que se expressa no
fato de que 80% dos assuntos discutidos nos
âmbitos sociais são aqueles veiculados pela
mídia
(Guareschi,
2007),
podendo,
inclusive, eliminar um assunto da pauta.
Esses elementos expostos pelo autor nos
levam a compreender o poder de influência
que os meios de comunicação exercem
sobre a sociedade. É passível também de se
50
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
refletir a questão da falta de democracia na
utilização de tais meios e, mais ainda, a
influência que um pequeno grupo de
pessoas exerce sobre toda a população, pois
só no Brasil 90% da mídia eletrônica está
nas mãos de nove famílias. A mídia pode,
então, ser um veículo para a participação
dos sujeitos na construção de sua realidade.
No entanto, como este meio de
comunicação de massa é pouco acessível
para divulgar as demandas dos grupos
discriminados pela lógica dominante e,
inclusive, influencia as massas de maneira
contrária a tais grupos, os movimentos
sociais se revelam como instrumentos
efetivos de comunicação de tais demandas
(Goss & Prudencio, 2004).
Obejtivos
Este artigo tem como objetivo geral
entender como se dá a influência das
condições materiais de vida na construção
da subjetividade. Sendo assim, os objetivos
específicos são: sistematizar elementos das
condições de vida de moradores de uma
ocupação urbana, informados por meio de
um censo comunitário e entrevistas
domiciliares e analisar a consciência desses
indivíduos sobre a sua qualidade de vida e
como as condições objetivas a influenciam.
Método
Este artigo funda-se no pensamento
metodológico proposto pelo Materialismo
Histórico Dialético que, como descrito por
Marx e Engels (1977), toma primeiramente
a realidade concreta para depois entender as
representações abstratas que dela se
refletem. Será considerado também o
processo histórico de constituição da
realidade
concreta,
apreendendo
as
contradições expostas nas entrevistas para
entender como as condições objetivas de
vida dos moradores de uma comunidade
urbana influenciam na formação de sua
consciência, bem como na construção da
alienação e do fatalismo mediante as
circunstâncias impostas pelo sistema
capitalista.
Fontes de pesquisa
Foram utilizadas as questões Banco de
dados do grupo de pesquisa contendo 60
entrevistas realizadas censitariamente, entre
os anos de 2009 e 2010. O instrumento
geral utilizado é composto por quatro eixos
que se referem à (1) identificação do
entrevistado, (2) à dimensão sócioeconômica, (3) ao que trouxe o entrevistado
para aquele espaço, e (4) a vida falada e
escrita. A entrevistas foram realizadas em
momentos diferentes por outros membros
do grupo de pesquisa, cada qual utilizando
do instrumento geral com adaptações
concernentes aos objetivos de suas
pesquisas.
Contexto das entrevistas
O bairro em questão teve sua origem em
1998, por meio de uma ocupação urbana.
Pelas descrições dos pesquisadores que
realizaram as visitas ao local, foi possível
observar que, até então, não havia asfalto
nas ruas, centro de saúde, grupo escolar ou
área de lazer. O meio de transporte na
região é precário por ser impossível o
ônibus intermunicipal transitar no local em
dias de chuva. As casas, em sua grande
maioria, estão em inacabadas e em terrenos
pequenos. De acordo com relatos coletados
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
51
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
pelos entrevistadores, há pontos de droga no
bairro.
Caracterização dos participantes
O banco de dados abrange cerca de 5%
(60 moradores) do bairro, que possui cerca
de 1.300 moradores. Dentre os participantes
65% são do sexo feminino e 35%, do sexo
masculino. Quanto ao número de cômodos
na casa, a maior parte dos entrevistados
(33,3%) possui quatro cômodos, sendo que
na metade das residências há um cômodo
por morador ou menos. Em apenas 60% das
casas dos entrevistados há cozinha, sendo
que em menos de 60% delas há geladeira ou
fogão e em menos de 30% há mesa. Quanto
ao(s) quarto(s), menos de 40% possuem
cama ou guarda-roupa. Quanto à sala,
menos de 50% possuem aparelho de
televisão e menos de 40% possuem sofá.
Em relação à escolaridade, metade dos
entrevistados não avançou além do Ensino
Fundamental. Pouco mais da metade dos
entrevistados recebem menos que três
salários mínimos, sendo que a maioria
recebe até dois salários mínimos. Apenas
alguns, cerca de 6,67%, recebem mais que
quatro salários mínimos.
Resultados
Foram utilizadas quatro questões do
instrumento utilizado pelo grupo de
pesquisa para as entrevistas. Cada
argumento das respostas encontradas foi
categorizado, resultando na seguinte
sistematização:
Quadro I. Síntese dos resultados – questões 1 - “O
que mais gosta de fazer na vida?” e 2- “Onde você
obtém informações sobre o que acontece na vida?”
1. O que mais
gosta de fazer
na vida?
2. Onde você
obtém
informações
sobre o que
acontece
na
vida?
Categoria
predominante
Descrição da categoria
Lazer
(48,15%*)
Argumentos que se referem às
atividades de lazer enquanto
atividades
de
distração,
entretenimento ou repouso.
TV
(42,9%*)
Argumentos
televisão
referentes
à
*relativo aos argumentos encontrados na questão.
Na questão 1 – o que mais gosta de fazer na
vida? , encontramos a categoria Lazer, com
48,15%
de
frequência,
indicando
argumentos referentes às atividades de
distração, entretenimento ou repouso como
atividades que mais se gosta de fazer na
vida. Com relação à questão 2, referida no
mesmo quadro, a maior parte dos
argumentos (42,9%) indica a TV como
meio para obtenção de informações.
Embora não explicitado no quadro, temos
também na questão 1 o Trabalho como
segunda atividade que mais se gosta de
fazer na vida. Já em relação à questão 2 –
onde você obtém informações sobre o que
acontece? , temos também o jornal
impresso como segunda fonte de
informações mais citada.
Quadro II. Síntese dos resultados – questão 3.”O
que gostaria de mudar em sua vida?.”
Categorias
predominantes
Moradia
(25%*)
3.O
que
gostaria de
mudar
em
sua vida?
Trabalho
(22,22%*)
Descrição da categoria
Argumentos relativos ao
lugar em que a pessoa vive,
tais como vontade de mudar
de bairro, vontade de
conquistar a propriedade de
sua casa, vontade de
reformar a casa, críticas
referentes à estrutura básica
do bairro
Argumentos que se referem
à mudanças relativas ao
trabalho de uma maneira
geral, podendo se expressar
como falta de oportunidade
de emprego, o desgosto em
trabalhar, a vontade de
trabalhar e a busca por um
trabalho menos sacrificante.
*relativo aos argumentos encontrados na questão.
52
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
Quanto à questão 3 – o que gostaria de
mudar em sua vida?, vemos que a maior
parte dos argumentos (25%) referem-se às
condições objetivas de moradia, incluindo
tanto o espaço peridomiciliar quanto o
intradomiciliar, e, em segundo lugar, estão
os argumentos referentes às condições de
trabalho. Convém acrescentar que 55% dos
argumentos encontrados dizem respeito às
condições objetivas de vida de maneira
geral.
Quadro III. Síntese dos resultados – questão 4
“Como define suas condições de vida?”
Categorias
predominantes
Presença de
Dificuldades
(46%*)
4.
Como
define suas
condições de
vida?
Indicação de
Adaptação
(39%*)
Descrição da categoria
Argumentos que demonstram
a
presença
de
alguma
dificuldade na vida da pessoa,
variando a intensidade com
que são adjetivadas.
Argumentos que demonstram
a adaptação às condições de
vida,
podendo
estar
explicitada a presença de
estratégias de enfrentamento, a
acomodação
e
aceitação
passiva das dificuldades, ou
mesmo não estar indicado em
que
circunstância
tal
adaptação se faz. Levar este
dado para a discussão, se ele
consegue
estratégias
de
enfrentamento
ou
se
simplesmente se acomodou.
*relativo aos argumentos encontrados na questão.
Quanto à questão 4 – como define suas
condições de vida? , demonstra que a maior
parte dos argumentos (46%) fornecidos
pelos participantes indicam a percepção de
dificuldades em suas condições de vida.
Com boa frequência também temos os
argumentos que indicam alguma forma de
adaptação, ou seja, a percepção de suas
condições de vida mediante uma adaptação
a tais condições. Essa adaptação varia entre
a
formulação
de
estratégias
de
enfrentamento, a acomodação, a aceitação
passiva das dificuldades ou mesmo não ter
sido indicado de que forma é feita tal
adaptação. Cabe aqui complementar que
foram encontrados também, na questão 4,
argumentos que sinalizam a necessidade de
muitas mudanças, sem especificar quais.
Outros argumentos explicitam ainda, a
percepção de uma inexistência de
necessidade de mudança, como, por
exemplo, a fala da participante 19: “Ah!
Acho que nada! Talvez algo em relação ao
meu emprego".
Discussão
Observamos o destaque para as
atividades em que é possível o sujeito
objetivar sua personalidade (Duarte, 2004),
e, principalmente, as atividades que tiveram
maior incidência revelam possibilitar a
associação entre o sentido e o significado da
ação. Curiosamente, há a presença
considerável de argumentos que indicam o
trabalho como atividade que mais gostam de
fazer na vida, sendo 16,7% dos argumentos
voltados à essa questão e a segunda
categoria que mais citada. Tal resultado
mostra haver motivação em trabalhar, haver
sentido na atividade realizada, ainda que o
trabalho na sociedade capitalista sofra a
dissociação entre sentido e significado
(Duarte, 2004). No entanto, não é possível
termos conhecimento do tipo de trabalho a
que os participantes se referem, podendo
dizer respeito a qualquer uma das diversas
formas que podem ser caracterizadas como
trabalho, com exceção de um participante
que revela gostar de trabalhar com
plantação no sítio onde fora criado.
É possível, portanto, observar a
importância que têm as atividades em que
os sujeitos se apropriam do conhecimento
acumulado e objetivam suas próprias
descobertas, investigações, sua própria
personalidade, já que essa característica é
comum a todas as atividades indicadas.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
53
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
Podemos com isso concluir, que as
atividades
que
proporcionam
o
desenvolvimento do ser humano na sua
relação consigo mesmo e com outros são
atividades realizadas com prazer e
motivação, configurando-se em algo que o
sujeito mais gosta de fazer na vida.
Nas respostas que vão além dos
objetivos da pergunta, observamos que
alguns indivíduos são impossibilitados de
fazer o que gostam, uns por não terem
tempo para se divertir, outros por não terem
a oportunidade de realizar tal atividade,
como estar desempregado devido à carência
de vagas de emprego.
Há também a percepção de que “o
trabalho engrandece o homem” e é o único
meio para se obter alguma conquista. O
trabalho é uma atividade necessária para o
desenvolvimento das funções superiores do
ser humano (Duarte, 2004) e, portanto,
engrandece o homem neste sentido. No
entanto, sabemos que o sistema capitalista
revoluciona a atividade humana justamente
por tornar possível à classe dominante, a
conquista de algo sem o trabalho, ou seja,
através da contratação e exploração da mão
de obra de outrem. E isso se revela uma
contradição desta sociedade, que ao ser
internalizada pelo indivíduo pode se
configurar em elementos fatalistas e de não
enfrentamento, ao sentir-se impotente diante
desta realidade.
Observa-se também a grande influência
da mídia eletrônica neste contexto,
representada muito mais pela televisão, do
que pelo rádio. Isso pode indicar a
influência
da
ideologia
dominante
propagada pelos meios de comunicação na
percepção dos sujeitos acerca das
consequências que as condições objetivas
vivenciadas trazem para sua qualidade de
vida. Ainda assim, vemos considerável
quantidade de indicações aos espaços como
escola, igreja, conversa com amigos,
familiares e colegas, que dão a possibilidade
de o receptor participar da transmissão da
informação
e,
com
isso,
poder
problematizar a notícia e a realidade, dando
condições para se construir a ação coletiva
nessa comunidade o que é potencialmente
promotor do fortalecimento do grupo
(Montero, 2011).
Grande parte dos argumentos revelam a
percepção das questões objetivas das vidas
dos sujeitos que, ou não estão satisfatórias
ou são muito adversas. Ficam nítidas as
questões adversas de moradia, tanto ao
espaço
intradomiciliar
quanto
ao
peridomiciliar, este, por sua vez, agravando
outras adversidades da esfera individual.
Cabe aqui relembrar que os serviços
carentes desta comunidade, como asfalto,
grupo escolar, centro de saúde, segurança,
saneamento, transporte coletivo, são todos
de obrigação do Estado. Enquanto as
questões de moradia e de trabalho são as
mais evidentes, há sujeitos que apontam a
necessidade de mudar muitas coisas ou
mesmo tudo. No entanto, também há
referências à ausência de necessidade de
qualquer mudança, revelando a alienação de
alguns deles à respeito da influência que as
condições objetivas adversas exercem sobre
a qualidade de vida. Podemos captar a
presença do fatalismo, inclusive, em alguns
argumentos que colocam ser necessário
apenas ter fé em Deus para que as
adversidades se resolvam ou, então,
esperam da Igreja e de Deus a pressão social
e moral para realizar a mudança que julgam
necessárias, como por exemplo, o abandono
da dependência do álcool.
54
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
Por fim, a última questão nos revela
novamente a contradição na percepção das
condições objetivas, mas ainda mais
acentuada. Vemos que há uma grande
indicação da percepção de dificuldades, que
são por vezes extremas. No entanto,
também é muito indicada a percepção de
que nem tudo está ruim, de que há pontos
positivos que compensam as dificuldades,
como ter saúde e vontade de viver. Há
também aqueles que percebem suas
condições de vida como boas, às vezes
como ótimas, chegando a dizer que não têm
do que reclamar.
Essa percepção de elementos positivos,
que foi denominada de “indicação de
adaptação” no plano de análise dos
resultados, sinaliza a resignação e
passividade (Goss & Prudencio, 2004;
Montero, 2011) diante de condições
objetivas de vida muito adversas e que
merecem a atenção da comunidade e do
Estado, pois impedem o desenvolvimento
saudável dos indivíduos e da própria
sociedade. Há outros argumentos que nos
mostram a realidade é captada como um
dado estático, que não sofre transformações
(Iasi, 1999).
A partir da caracterização dos
entrevistados e das respostas fornecidas
através do instrumento, pode-se constatar
que a situação concreta da moradia,
abarcando os espaços intra e peridomiciliar,
apresenta uma série de adversidades,
considerando
as
especificações
da
Organização Panamericana de Saúde (OPS,
1999). Visto os argumentos encontrados,
que em sua maioria apontavam para a
necessidade de melhorias na própria casa,
pode-se concluir que as mesmas não
satisfazem por completo as necessidades
particulares da vida familiar e pessoal. Com
relação ao espaço peridomiciliar, embora
haja eletricidade, encanamento e sinal de
TV (OPS, 1999) a comunidade é carente de
serviços de saúde, considerados os mais
essenciais, não havendo vigilância ou
atenção primária ambiental o que
potencializa que o lixo nas ruas favoreça o
surgimento de vetores de doenças.
Outros fatores de risco indicados pela
organização que estão presentes na
comunidade são a falta de acabamento e a
necessidade de reforma das casas, pois as
fissuras do material utilizado nas
construções emitem substâncias prejudiciais
à saúde dos moradores. Segundo os critérios
da OPS, a moradia deve oferecer, também,
abrigo resistente aos impactos naturais e
sociais, o que ocorre nesta comunidade, pois
nos seus relatos, os moradores apontam que
as crianças ficam dentro de casa como
medida de segurança, o que aponta para
uma aparente contradição. No entanto, elas
sofrem a influência inevitável do espaço
peridomiciliar, que expõe tais indivíduos a
situações como a violência e o tráfico de
drogas.
A renda dos sujeitos é outro elemento a
ser considerado na análise de suas
condições objetivas de vida. Vemos que
59% dos entrevistados têm renda abaixo de
três salários mínimos, sendo que a maioria
recebe entre um e dois salários. Entre a
maioria dos entrevistados há duas pessoas
no grupo familiar trabalhando seguidos de
perto dos grupos familiares em que há
apenas uma. Aliás, a maior parte dos
entrevistados mora em quatro pessoas na
casa. Considerando o grupo de pessoas que
moram em quatro, dois trabalham ganhando
um salário mínimo, chegaremos a uma
renda familiar mínima de R$ 1.090 e
máxima de R$ 2.180. No caso dos grupos
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
55
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
familiares em que apenas um trabalha, a
renda familiar está entre R$ 5452 e R$
1.090.
De acordo com o Critério de
Classificação Econômica Brasil (ABEP,
2010), o primeiro grupo familiar está
incluído ou na classe B2 ou na C2, enquanto
o segundo se incluiria ou na classe D ou na
C2. Devemos considerar além desses casos,
que ainda há as famílias que são compostas
por até nove pessoas e, também, há aqueles
que moram sozinhos. Em suma, temos
alguns indivíduos desempregados, mas a
maioria possui uma renda familiar mínima
de R$ 545, variando o número de pessoas a
que essa renda deve sustentar.
Quanto aos índices de desenvolvimento
humano e de desigualdade sugeridos pelo
PNUD (2010) é possível afirmar que os
entrevistados
não
são
considerados
multidimensionalmente pobres, apesar de
vivenciarem adversidades e restrições.
O papel da psicologia é de extrema
importância e singularidade perante esta
situação de alienação e fatalismo. Vivemos
numa
sociedade
desumanizada
e
desumanizadora, que submete a maioria das
pessoas a situações extremas. Em oposição
a isso, glorifica o explorador, que consegue
realizar suas conquistas sem se importar
com as consequências de suas ações. A
sociedade capitalista cria e recria uma série
de mecanismos para manter essa situação,
acreditando fielmente que sua forma de
governo, de modo de produção, é a melhor.
É na medida em que esses mecanismos se
utilizam da ideologia, do senso comum e da
alienação para se efetivarem, que a atuação
do psicólogo se mostra essencial.
Diante deste quadro, o psicólogo pode
utilizar seus conhecimentos e técnicas para
promover
a
conscientização
e
o
fortalecimento dos grupos excluídos e
submetidos à violência que a sociedade
capitalista lhes reserva. Nesse trajeto é
necessário apropriar-se da produção de
outras áreas sob o viés da psicologia e, sem
dúvida, se unir a outros profissionais e
sujeitos inseridos no grupo em questão.
A conscientização e fortalecimento
destes grupos se constituem como uma
única solução para a transformação da
sociedade. E diante do fato de que o
capitalismo degrada a humanidade dos seres
humanos (Iasi, 1999) e, consequentemente,
a espécie humana e o planeta, vemos que a
conscientização e o fortalecimento em
busca de justiça e de igualdade social são
aspectos importantes a serem trabalhados
pelo psicólogo.
Considerações finais
Vemos que, apesar de todas essas
condições
objetivas
adversas,
os
entrevistados não são classificados pelo
PNUD (2010) como multidimensionalmente
pobres, ou seja, não são vistos pelos órgãos
a serviços do Estado como estando em
situação alarmante. E também são
relativamente bem classificados a partir da
ABEP (2010), como um público alvo
extenso e interessante para as empresas.
Sendo assim, pode-se concluir que o Estado,
governantes e empresários dificilmente
olharão para esta comunidade visando sua
melhoria. Isso evidencia ainda mais a
importância deste projeto para explicitar e
denunciar as condições objetivas a que estão
submetidas não só esta comunidade, mas
grande parte da população do Brasil. E
mais, que estão submetidas a estas
condições devido à negligência dos
governantes e ao fatalismo dos governados.
56
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
Por isso, é importante o investimento
em pesquisas que gerem meios para a
mudança social. É essencial e urgente a
discussão sobre para que serve a psicologia,
sobre sua posição frente à ideologia
dominante, e sobre a formação de
psicólogos que possam trabalhar com
populações que têm sofrido os efeitos
colaterais do capitalismo.
Notas de rodapé
1
Trabalho originalmente apresentado no V
Seminário do NEPPEM – “Psicologia
Histórico-Cultural e Marxismo”
2
Em relação ao salário mínimo da época em
que foram coletados os dados
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
57
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE VIDA: COMO VIVEM E SOBREVIVEM MORADORES DE UMA COMUNIDADE
URBANA
Referências
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2010). Critério de Classificação Econômica
Brasil.
Recuperado
em
20
de
dezembro
de
2010,
em
http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=302
Duarte, N. (2004). Formação do Indivíduo, Consciência e Alienação: o ser humano na
psicologia de A. N. Leontiev. Cadernos Cedes, 24(62), 44-63.
Goss, K. P. & Prudencio, K. (2004). O conceito de movimentos sociais revisitado. Revista
Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, 1(2), 75-91, vol. 2.
Guareschi, P. A. (2007). Mídia e Democracia: o quarto versus o quinto poder. Revista
Debates, 1 (1), 6-25.
Guzzo, R. S. L. & Lacerda Jr., F. (2007). Fortalecimento em Tempo de Sofrimento:
reflexões Sobre o Trabalho do Psicólogo e a Realidade Brasileira. Revista
Interamericana de Psicologia/ Interamerican Journal of Psychology, 41 (2), 231-240.
Iasi, M. L. (1999). Processo de Consciência. São Paulo: CPV.
IBGE (2010). Censo Demográfico 2010. Recuperado em 05 de maio de 2011, em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm
Martín-Baró, I. (1996). O papel do Psicólogo. Estudos de Psicologia - Natal, 2(1), 7-27;
Martín-Baró, I. (2009). Para uma psicologia da libertação. In: R. S. L. Guzzo & F. Lacerda
Jr. (Orgs.). Psicologia Social para a América Latina: o resgate da Psicologia da
Libertação. Campinas, SP: Alínea.
Marx, K. & Engels, F. (1977). Para conhecer a história. (tradução W. Duarte). Santo André:
Projeto.
Montero, M. (2011). A Tensão entre o Fortalecimento e as influências alienadoras no
trabalho psicossocial comunitário e político. In: R. S. L. Guzzo & F. Lacerda Jr.
(Orgs.). Psicologia & Sociedade: interfaces no debate sobre a questão social.
Campinas, SP: Alínea. p. 65-81.
Organização Panamericana de la Salud; Organización Mundial de la Salud & División de
Salud y Ambiente. (1999) Documento de posición sobre Políticas de Salud en la
Vivienda. Washington, D.C. y La Habana, Cuba.
PNUD (2010). Relatório do Desenvolvimento Humano 2010. Recuperado em 04 de maio de
2011, em http://www.pnud.org.br/rdh/.
Sloan, T. (2009). Globalização, pobreza e justiça social: papéis para os psicólogos. In: R. S.
L. Guzzo &, F. Lacerda Jr (Orgs.). Psicologia Social para a América Latina: o resgate
da Psicologia da Libertação. Campinas, SP: Alínea.
Os autores:
Paola Regina Buoro é graduana em Psicologia, pela PUC-Campinas. Atualmente participante do grupo de pesquisa
Avaliação e Intervenção Psicossocial: Prevenção, Comunidade e Libertação, liderado pela Profª Draª Raquel Souza
Lobo Guzzo, com bolsa FAPIQ de Iniciação Científica.
Walter Mariano de Faria Silva Neto possui graduação em Psicologia - Formação de Psicólogo, Licenciatura e
Bacharelado pela Universidade Federal de Uberlândia (1996) e Mestrado em Psicologia Escolar pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (1999). Atualmente é aluno do programa de doutorado em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, bolsista CAPES, membro do grupo de pesquisa: Avaliação e intervenção
psicossocial: prevenção, comunidade e libertação
58
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PAOLA REGINA BUORO, WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
Raquel Souza Lobo Guzzo possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, mestrado
e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
Estudos Comunitários e Prevenção pela University of Rochester, USA. Professora titular da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas nos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia. Coordenadora do GT de Psicologia
Escolar e Educacional da ANPEPP.
Endereço para correspondência:
Endereço: Rua Santa Monica,
Email: [email protected]
136.
Jd.
Santa
Marcelina.
Campinas/
SP,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
Brasil.
CEP
13100-101,
59
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO
BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE
Moisés Fernandes Lemos
(UFG – Catalão - GO)
Resumo
O estudo discute a contradição entre a Constituição (1988) e o modelo de Estado implantado no
Brasil, na década de 1990, abordando suas políticas de saúde. O método utilizado em sua realização
foi o qualitativo e descritivo, delineado como pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados
indicam que a implantação das políticas públicas de saúde guarda relação com a Constituição de
1988 e o acesso universal à saúde é uma conquista do povo brasileiro. O Sistema Único de Saúde foi
implantado com a superação de forças antagônicas da sociedade, levando à conquista de um sistema
público de saúde avançado, democrático, de acesso universal, classificado entre os melhores do
mundo, ainda que apresente consideráveis problemas estruturais.
Palavras-chave: estado; políticas públicas; saúde; SUS.
Abstract
The State of Health and Policies in Brazil: Reflections on the Unified Health System
The study discusses the contradiction between the Constitution (1988) and the state model introduced
in Brazil in the 1990s, mainly addressing their health policies. The method used for its realization
was the qualitative and descriptive, designed as a documentary and bibliographical research. The
results indicate that the implementation of public health policies directly related to the 1988
Constitution and universal access to health care is a conquest of the Brazilian people. The Health
System has been deployed to overcome opposing forces of society, leading to the achievement of an
advanced public health system, democratic, universal access, ranked among the best in the world,
though present considerable structural problems.
Keywords: state; public policies; health; SUS.
Artigo Recebido em 30/09/2011 e Aprovado em 14/05/2012
Introdução
O Brasil é um país de dimensões
continentais,
em
processo
de
desenvolvimento,
marcado
pelas
desigualdades regionais e com direitos
sociais garantidos em sua Constituição
(Brasil, 1988).
Não obstante, o país conviveu com a
crise econômica experimentada pela maioria
dos países em desenvolvimento, nas
décadas de 1980 e 1990, circulando com
intensidade o retorno ao Estado Mínimo
como receita para solucionar seus
problemas (Costa, 1998; Batista, 1999;
Draibe, 2003; Schwartzman, 2007).
Segundo Schwartzman (2007) há um
descompasso entre os anseios dos direitos
humanos e a realidade encontrada no Brasil
e países da América Latina, visto que
60
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MOISÉS FERNANDES LEMOS
Os direitos sociais buscam assegurar
uma condição de vida minimamente
satisfatória, requerendo a existência de um
Estado de Bem-Estar, capaz de gerar os
recursos e organizar os serviços necessários
para que eles sejam efetivados.
(...) No entanto, no Brasil e nos países
da América Latina, a economia não
gera os recursos necessários para
satisfazê-los, e o setor público, mesmo
quando existem recursos, não tem
capacidade para proporcioná-los
(Schwartzman, 2007, p. 2-3).
Em novembro de 1989, acontece nos
EUA uma reunião de funcionários do
governo norte-americano, dos órgãos
financeiros internacionais (FMI, Banco
Mundial e BID) e de diversos economistas
sul-americanos, objetivando avaliar as
reformas econômicas dos países da América
Latina, notadamente mergulhados na
referida crise financeira. As conclusões
dessa reunião receberam o nome de
Consenso de Washington (Batista, 1999).
Essa reunião ratifica a proposta
neoliberal do governo norte-americano para
esses países, ou seja, os EUA defendem
para eles a prática da liberdade de mercado
e a restrição à intervenção estatal sobre a
economia, só devendo esta ocorrer em
setores imprescindíveis e ainda assim num
grau mínimo. Tais propostas implicam,
consequentemente, a adoção de uma política
restritiva como condição para conceder
cooperação financeira externa. Dentre
outras exigências, eles apresentam como
receita, para solucionar os problemas do
Brasil, as privatizações de importantes
empresas de setores estratégicos, cortes na
prestação de serviços sociais públicos, com
queda significativa nos gastos e reduções de
graus de proteção social. Preconizam ainda
o desenvolvimento da agricultura, visando à
exportação de grãos, sem levar em
consideração as necessidades do povo e o
estágio de desenvolvimento industrial do
país (Batista, 1999).
Portanto, há aqui uma aparente
contradição
entre
o
clima
de
redemocratização que se busca com a
eleição de novos governantes e a
promulgação da nova Constituição e o
arrocho econômico apresentado como
remédio para a crise financeira e fiscal.
Fazendo menção a este período, Costa
(1998) afirma que
Durante os anos 80 a orientação para
o mercado tornou-se a referência
cognitiva das comunidades de
especialistas
(ou
comunidades
epistêmicas) e a base de legitimação
discursiva
das
agências
internacionais, especialmente para o
tema da Reforma do Estado. Essas
crenças científicas sobre meio e fins
da economia e sobre a crise do
Estado têm viabilizado o relativo
consenso sobre a agenda da Reforma
tanto no seio de grupos específicos –
sobretudo
na
comunidade
de
especialistas em políticas públicas e
economia – como na opinião pública
em geral (Costa, 1998, p.127).
Outro autor que se debruça sobre o tema
é Carvalho (2009). Segundo ele,
O Estado que se busca estruturar tem
a pretensão de ser uma espécie de
“Estado empresário” (citado por,
Fiori, 1994) enxuto, eficaz, livre das
amarras da prestação de serviços e
do peso das burocracias. Paralelo a
essas medidas o projeto neoliberal
manifesta a intenção de corrigir o que
ele
denomina
de
disfunções
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
61
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
burocráticas propondo, para tanto, a
implementação de um modelo de
administração gerencial em que
busca transpor para o setor público
práticas
bem-sucedidas
da
administração de empresas. A venda
do patrimônio público e a concessão
de serviços à iniciativa privada são
igualmente estratégicas centrais desse
projeto (Carvalho, 2009, p. 24).
Esse processo não deve ser tomado
apenas como uma mudança do regime
autoritário para um regime democrático,
mas como um processo que envolve a
própria redefinição da natureza do Estado
quanto à vinculação das desigualdades de
poder com a estrutura social e suas bases
materiais (Sallum, 1994, citado por,
Nascimento, 2007).
Num
clima
de
mudanças
e
contaminados
pelos
interesses
internacionais, os governos brasileiros da
nova república se rendem às exigências do
FMI – Fundo Monetário Internacional –
colocando, consequentemente, em questão a
falência do Estado, visto que assim se via
questionada até a soberania brasileira de
elaborar e executar sua própria política
monetária e fiscal.
Para Dagnino, citado por Carvalho
(2009),
Em contraposição aos princípios
constitucionais que afirmam a “Saúde
como um direito de todos e um dever
do Estado”, políticas de governo
influenciadas pelo ideário neoliberal
vêm procurando, desde o início da
década de 1990, delegar à sociedade
civil a responsabilidade pelo cuidado
à
saúde.
Preconiza-se
uma
solidariedade que não é, como no
Estado
de
Bem-Estar
Social,
fundamentada por critérios de
igualdade e de direitos universais,
mas benemerência dos que podem
doar um pouco de seu tempo ou do
seu dinheiro (Dagnino, et al, 1999,
citado por, Carvalho, 2009, p. 28).
Depois desta breve introdução, alguns
questionamentos se fazem necessários:
neste contexto de antagonias, como dirimir
as contradições entre o modelo de Estado e
suas políticas públicas? Como se dá, no
Brasil, a garantia de direitos sociais? Como
assegurar o acesso universal à saúde?
Sendo assim, o presente estudo tem como
objetivo discutir esta aparente contradição
entre o modelo de Estado e sua política de
saúde.
Metodologia
O presente trabalho se caracteriza como
uma pesquisa de natureza qualitativa e
descritiva,
delineada
como
estudo
bibliográfico e documental, conforme
classificação proposta por autores da área de
metodologia científica (Appolinário, 2006;
Severino, 2007).
A escolha da pesquisa qualitativa se
justifica a partir do entendimento que ela
seja capaz de incorporar a questão do
significado e da intencionalidade como
inerentes aos atos, às relações, e às
estruturas sociais, sendo estas últimas
tomadas tanto no seu advento quanto na sua
transformação como construções humanas
significativas.
A pesquisa qualitativa apresenta ainda
algumas características que, para o atual
trabalho, são fundamentais. Em primeiro
lugar, ela tem o ambiente natural como sua
fonte direta de dados e o pesquisador como
seu principal instrumento. Ela supõe o
62
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MOISÉS FERNANDES LEMOS
contato direto e prolongado do pesquisador
com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, via de regra, através do
trabalho intensivo de campo. Em segundo
lugar,
os
dados
coletados
são
predominantemente descritivos e o material
obtido nessas pesquisas é rico em descrições
de pessoas, situações, acontecimentos.
Outra característica importante é que a
preocupação com o processo é muito maior
do que com o produto. O interesse do
pesquisador ao estudar um determinado
problema é verificar como ele se manifesta
nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas.
Por fim, a análise dos dados tende a
seguir um processo indutivo. Os
pesquisadores não se preocupam em buscar
evidências que comprovem hipóteses
definidas antes do início dos estudos. As
abstrações se formam ou se consolidam
basicamente a partir da inspeção dos dados
num processo de baixo para cima. A
pesquisa qualitativa envolve a obtenção de
dados descritivos obtidos no contato direto
do pesquisador com a situação estudada
(Lüdke & André, 1986).
Quanto ao delineamento, a pesquisa é
classificada como um estudo bibliográfico e
documental, visto que o conhecimento sobre
teorias do estado e políticas públicas
decorre do processo de discussão e da
divulgação que elas receberam, ou seja, pelo
fato de serem de domínio público,
acessíveis por meio de leis, livros e revistas
especializadas (Severino, 2007) e ainda, por
tomar como referência os documentos
legais.
Resultados e Discussões
As políticas públicas e o Sistema Único
de Saúde brasileiro
Quando se discute o modelo e o
tamanho do Estado, as chamadas políticas
públicas merecem destaque. Mas o que são
políticas públicas? Qual sua importância
para o governo? Como a população
participa
de
suas
concepções
e
planejamento?
São
questionamentos
necessários, a seguir apresentados, para
melhor compreensão do tema em questão.
Segundo Costa
(...) política pública é o espaço de
tomada de decisão autorizada ou
sancionada por intermédio de atores
governamentais, compreendendo atos
que viabilizam agendas de inovação
em políticas ou que respondem a
demandas de grupos de interesses
(Costa, 1998, p. 7).
Na definição acima, três aspectos
merecem destaque: a) o papel do governo
na definição das políticas públicas; b) as
agendas de inovações; e c) as demandas de
grupos de interesses.
Na condição de eleito pelo povo, o
governo
tem
papel
e
autoridade
preponderantes na propositura e na
administração das políticas públicas. No
entanto, nem sempre ele age em nome de
quem o elegeu. Há, no Brasil, um jogo de
interesses em questão e os eleitos se aliam à
burguesia e ao capital industrial, visando
tirar vantagens pessoais em prejuízo do
interesse coletivo.
Não obstante, quando comparada a
mobilização social observada na Europa, a
população brasileira não tem tradição de
lutar por seus direitos. Da ditadura Vargas
ao governo militar, pouco se viu de
mobilização popular no Brasil. Em
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
63
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
contrapartida, houve notória organização do
capital industrial (aliado ao estrangeiro),
principalmente nas décadas de 1950 a 1970,
ou seja, do governo JK ao governo militar
(Costa, 1998; Nascimento, 2007).
Na luta pelos direitos, exceção foi a
mobilização popular ocorrida após o golpe
militar de 1964, quando os anseios
populares
foram
cerceados
pelo
totalitarismo do Estado. Ela guarda relação
com a luta pelas “Diretas já” e com o clima
de
redemocratização
do
processo
constituinte de 1988, mas para não fugir aos
objetivos do estudo não será aqui discutido.
Sendo assim, até então, os governantes
brasileiros
sempre
tiveram
grande
autonomia na administração do Estado,
sancionando leis e autorizando decisões que
priorizassem os interesses pessoais e/ou do
capital industrial sem encontrar verdadeiros
focos de resistência, salvo disputas internas
dos grupos que se alternaram no poder.
No que tange às agendas de inovações,
pouco se observou de mudanças na política
de saúde brasileira até a década de 1980. A
assistência médica cabia àqueles que
contribuíam com o sistema previdenciário;
os não contribuintes ficavam a cargo de
algumas poucas instituições filantrópicas,
sem a cobertura devida (Costa, 1998; Negri,
2002; Carvalho & Santos, 2006).
Nesse sentido, fazendo uso das palavras
de Costa (1998), se pode afirmar que:
A
tradição
institucional
do
corporativismo estatal, forjado na
década de 1920, possibilita explicar
que o desenvolvimento da assistência
médica foi diretamente subordinado
ao sistema previdenciário, sendo o
vínculo
contributivo
condição
indispensável para o direito à atenção
à saúde. Esta restrição básica ao
acesso dos não-contribuintes vigorou
no Brasil até a década de 1970
(Costa, 1998, p. 91).
As demandas de grupos de interesses
(médicos, indústria farmacêutica e empresas
de tecnologia hospitalar) impunham um
modelo curativo de assistência em que se
dava maior atenção à doença já instalada
que à atenção básica em saúde, conforme
preconizado pela OMS – Organização
Mundial de Saúde. Entretanto,
Não se pode discutir a saúde
independentemente de suas determinantes e
condicionantes. A concepção de saúde
como resultante de questões extra-setoriais
mais abrangentes se contrapõe à concepção
de que a doença (falta de saúde) é a causa
de distúrbios e desvios em outros setores
(Carvalho & Santos, 2006, p. 39).
A agenda de inovações no setor saúde
começa a ser ampliada com a “Abertura
Política”, verificada no final do governo
militar, pois se vivencia no país um período
de organização popular nunca antes visto.
Os partidos políticos se associam aos
setores organizados da população na busca
de interesses comuns, podendo se afirmar
que, neste momento histórico, haja a defesa
de uma agenda popular que contempla, em
parte, um novo modelo de assistência à
saúde.
Para Nascimento, foi
(...) no período de transição entre o
regime autoritário e o regime
democrático no Brasil, regime esse
que resultou em novos cenários
políticos e em cujo interior resultaram
reações e rearticulações de forças
sociais que delinearam projetos para
o setor de saúde (Nascimento, 2007,
p. 22).
64
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MOISÉS FERNANDES LEMOS
Muito se esperava de um “governo
democrático”, mas a eleição do governo
Sarney, dada sua fragilidade política, pouco
acrescentou de inovação nas políticas
públicas. No entanto, no final de seu
governo, apoiando-se na força política dos
governadores legitimados pelas urnas,
coube a este governo empreender algumas
reformas importantes, sendo as propostas de
reformas do sistema de saúde sua grande
conquista (Nascimento, 2007).
Na VIII Conferência Nacional de Saúde,
ganha corpo um grande movimento, oriundo
nas lutas dos setores organizados da
sociedade, em torno de um novo modelo de
assistência à saúde para o Brasil, que, com o
apoio de partidos políticos e de alguns
governadores, começa a construir o projeto
do Sistema Único de Saúde.
Ela é considerada um março importante
na vida política do país, pois contou com a
participação de vários segmentos sociais,
destacando a participação de representantes
de sindicatos, dos prestadores de serviços
públicos e dos profissionais vinculados ao
setor, dentre outros. (Negri, 2002;
Nascimento, 2007).
Ao discutir os antecedentes do SUS,
Negri (2002) ressalta a importância da
Constituição de 1988 e da VIII Conferência
na construção do projeto, para ele,
A atual conformação do sistema
público de saúde, universal, íntegro e
gratuito começou a ser construído
com o processo de redemocratização
do país, e antes de sua criação pela
Constituição de 1988. O evento mais
marcante dessa construção foi a 8ª
Conferência Nacional de Saúde,
realizada de 17 a 21 de março de
1986. Essa promoção, precedida por
uma série de conferências prévias
estaduais e municipais, contou com
expressiva participação da sociedade
e a conclusão tornou-se referência
pra os integrantes, balizando as
mudanças que se seguiram (Negri,
2002, p. 16).
Portanto,
os
determinantes
e
condicionantes do modelo de assistência à
saúde passam necessariamente pela garantia
de direitos conquistados na Constituição e
pela revisão das políticas públicas adotadas
no país. Seria impossível conceber um
sistema de saúde que consumisse parte
considerável do orçamento do governo,
quando se propunha um Estado mínimo,
livre das amarras da prestação de serviços e
do peso das burocracias, sem a mobilização
e a participação popular.
Desse modo, começa a se constituir
no Brasil um sistema de saúde com
tendência à cobertura universal,
mesmo antes da aprovação da Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei
Orgânica da Saúde). Isso foi
estimulado, de um lado, pela
crescente crise do financiamento do
modelo de assistência médica da
Previdência Social, e, de outro, pela
grande mobilização política dos
trabalhadores da saúde, de centros
universitários
e
de
setores
organizados da sociedade, que
constituíam o então ‘Movimento da
Reforma Sanitária’ (Souza, 2002, p.
413).
Em 19 de setembro de 1990, é
promulgada a lei 8080/90, que regula, em
todo território nacional, as ações e serviços
de
saúde
executados
isolada
ou
conjuntamente, em caráter permanente ou
eventual, por pessoas naturais ou jurídicas
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
65
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
de direito público ou privado. Conhecida
como a Lei Orgânica da Saúde (LOS).
Imediatamente após, se institui o
Sistema Único de Saúde, com comando
único em cada esfera de governo, e se
define o Ministério da Saúde como
administrador da União, por meio da Lei
8142/90. No Capítulo II – Dos Princípios e
Diretrizes, Art. 7º, ela estabelece como
primeiro princípio do SUS a “(...)
universalidade de acesso aos serviços de
saúde em todos os níveis de assistência”.
O Sistema Único de Saúde é por
definição constitucional um sistema
público, nacional e universal,
baseado na concepção de saúde como
cidadania, na noção de unicidade e, a
um só tempo, nas diretrizes
organizadoras de: descentralização,
com comando único em cada esfera
de
governo;
integridade
do
atendimento; e participação da
comunidade (Souza, 2002, p. 461).
O modelo brasileiro de assistência à
saúde tem inspiração em experiências bem
sucedidas na Itália e no Canadá,
notadamente nas diretrizes organizadoras do
modelo canadense, quais sejam: padrões
nacionais; universalidade; direito de
transferência;
acesso
econômico;
administração pública e comprehensiveness,
ou seja, extensão (France, 2002).
Considerando a cultura local e a tradição
política do Brasil, foram adotados, como
princípios do SUS, o acesso público à
saúde, nacional e universal, baseado na
concepção de saúde como cidadania. Como
diretrizes reguladoras, foram adotadas a
descentralização, com comando único em
cada esfera de governo; integridade do
atendimento; e participação da comunidade.
Para Heimann e outros (2000),
O
propósito
dessas
diretrizes
configura um sistema de saúde
formado por uma rede de serviços
públicos e privados descentralizada,
com comando único em cada esfera
de
governo,
regionalizada
e
hierarquizada, na qual o setor
privado deve ter uma participação
complementar à do setor público,
firmada por convênios e contratos,
com prioridade de participação das
instituições filantrópicas e sem fins
lucrativos (Heimann et al., 2000, p.
32).
Na definição dos papéis dos diversos
atores das políticas públicas de saúde, tem
destaque o setor privado, responsável por
uma participação complementar à do setor
público. Segundo a concepção do sistema,
os produtos e serviços não disponibilizados
pelo Estado poderiam ser contratados junto
ao setor privado, em situações especiais, em
função da necessidade do sistema público.
Visando regular a imperfeição das
relações entre um Estado mínimo,
neoliberal, as iniciativas do mercado e a
mobilização
popular
das
classes
organizadas, foram instituídas, em vários
segmentos da gestão pública, as agências
reguladoras. No segmento da assistência à
saúde, esta agência é denominada Agência
Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Para Souza (2002),
A ação reguladora da ANS é
fundamentada no pressuposto de que
o mercado da assistência à saúde é
imperfeito e não pode ser livremente
operado, demandando regras para
garantir a prevalência do interesse
público, e também para equilibrar a
relação entre os consumidores, os
66
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MOISÉS FERNANDES LEMOS
prestadores de serviço e as
operadoras (Souza, 2002, 461).
Assim, com a participação popular e a
garantia de acesso do setor privado ao
vultoso orçamento público, se resolve em
parte as antagonias entre o modelo de
Estado
e
as
demandas
sociais,
aparentemente contraditórias.
Parte da tarefa foi cumprida, mas,
depois de estabelecidos princípios e
diretrizes organizadoras, faltava ainda
colocá-las em prática, e foram muitas as
dificuldades encontradas. Para começar, há
que se ressaltar que a assistência à saúde no
Brasil não tinha caráter universal e passou a
ser um dos princípios básicos do SUS,
implicando em mudanças profundas no
modelo de assistência.
Considerando as peculiaridades do país,
apresentadas no início do presente estudo,
como garantir a implantação do sistema de
saúde em todo território nacional, com
acesso universal e isonomia de tratamento?
Segundo France (2002),
(...) para serem nacionais os padrões
não devam necessariamente depender
do governo central – isto é, que
padrões nacionais não seja o
sinônimo de padrões federais – mas
possam, ao contrário, ser negociados
entre os governos locais com a
assistência do governo central ou com
sua participação igual com a dos
outros governos (France, 2002, p.
79).
Sabendo que as leis promulgadas
estabeleceram os princípios, mas não
definiram critérios, coube ao Ministério da
Saúde, por meio das Normas Operacionais
Básicas – NOBs – expedidas nos anos de
1991, 1992, 1993 e 1996, normatizar o
sistema administrativo em seus diversos
níveis de gestão (federal, estadual e
municipal), colocando o sistema em
operação. Enfim, o modelo brasileiro de
assistência à saúde foi sendo construído à
medida que as dificuldades foram sendo
enfrentadas e a implantação de cada
princípio implicou numa batalha particular.
Tendo em vista a importância e os
percalços na implantação das diretrizes
organizadoras do SUS e os limites do
presente trabalho, a seguir serão tecidos
breves comentários sobre cada uma delas,
posto que seu detalhamento implicasse num
artigo a parte.
As diretrizes organizadoras do SUS
Retomando o tema, as diretrizes
organizadoras
do
SUS
são:
a)
descentralização, com comando único em
cada esfera de governo; b) integridade do
atendimento;
c)
participação
da
comunidade.
Talvez a descentralização tenha sido a
tarefa mais árdua, visto que ela implicou na
resistência de diversos órgãos da estrutura
do governo. Mas depois de vencidas as
resistências iniciais, ao final da década de
1990, se observou que provavelmente todos
os municípios dispunham de autonomia
jamais concedida (Negri, 2002).
Para esse autor,
A política de descentralização não é
um mero programa de transferência
de recursos do governo federal para
as outras instâncias. É antes um
processo que envolve também a
transferência
de
decisões
e
responsabilidades quanto às políticas
de saúde pública no país (Negri,
2002, p. 19).
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
67
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Consequentemente a adoção da política
de descentralização levou a uma série de
mudanças estruturais, dentre elas o
comando único em cada esfera de governo.
Os repasses de recursos federais ficaram
atrelados à adoção de agendas mínimas de
políticas públicas nos estados e municípios,
negociadas e implantadas em consonância
com as demandas locais, de tal forma que,
sem a implantação dos serviços, não haveria
o repasse das verbas federais (Souza, 2002).
Segundo Heimann e outros (2000), no
processo de implantação do SUS, o
Ministério da Saúde do Brasil foi
convidado, em 1996, pelo International
Development Research Center (IDRC), do
Canadá, a integrar o projeto multicêntrico
Macroeconomic Adjustments Policies,
Health Sector Reform and the Access to
Utilization and Quality of Healthcare,
desenvolvido em algumas distintas regiões
do mundo. O convite foi aceito e o projeto
desenvolvido com êxito, ajudando a reduzir
o impacto das mudanças estruturais do
sistema de saúde brasileiro.
Quanto à integridade do atendimento e
ao regionalismo da assistência, foram
regulamentados pelas Normas Operacionais
de Assistência à Saúde, expedidas nos anos
2001 e 2002. Estimulou-se a formação de
consórcios intermunicipais de saúde, de tal
maneira
que
as
necessidades
e
características regionais pudessem fazer jus
à integralidade do atendimento. Essa
estratégia tem sido utilizada com relativo
sucesso em todo o território nacional.
A participação da comunidade na gestão
do sistema se dá de três formas básicas: a)
fazendo uso dos serviços de saúde; e b)
participando dos conselhos de saúde
implantados em todas as esferas de poder do
governo. No entanto, na composição dos
conselhos como fóruns de importantes
debates do setor assistência à saúde, nem
sempre há representação dos diversos
segmentos sociais; e c) pela ouvidoria,
canal oficial de participação popular.
Para que esta participação não se
restrinja ao cumprimento formal de um
requisito legal, o sistema de saúde necessita
da mobilização popular, seja através da
crítica à qualidade dos serviços prestados
e/ou na composição dos referidos conselhos.
Caso contrário, a tendência é prevalecer, nas
políticas públicas brasileiras, o atendimento
às demandas do “Estado Empresário”,
reduzindo o investimento público no setor,
ou seja, prevalecendo os interesses da
economia de mercado em oposição aos
interesses populares.
Considerações finais
Concluindo, se pode afirmar que há uma
contradição entre o modelo de governo
brasileiro, notadamente de inspiração
neoliberal, e o Sistema Único de Saúde,
conquista
das
camadas
populares
organizadas, quando da aprovação da
Constituição de 1988.
Não obstante, o SUS foi sendo
gradativamente implantado com a superação
de antagonismos observados na sociedade
brasileira, e hoje o país conta com um
sistema público de saúde avançado,
democrático,
de
acesso
universal,
classificado entre os melhores do mundo,
quando considerados seus princípios. Ele
ainda apresenta consideráveis problemas
estruturais, tais como: falta de recursos
financeiros,
materiais
e
humanos,
superlotação de hospitais, desvios de
verbas, privilégios na contratação de
serviços da iniciativa privada, problemas no
68
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MOISÉS FERNANDES LEMOS
repasse de recursos financeiros entre as
esferas federal, estaduais e municipais,
dentre outros, merecendo discussão mais
aprofundada a ser empreendida em outra
oportunidade.
Os antagonismos entre o público e o
privado ficam evidentes quando se verifica
que, influenciado pela imprensa e no
interesse de algumas categorias, o grande
público prefere a assistência à saúde
oferecida pelo setor privado à assistência
disponibilizada pelo governo, acreditando
que esteja adquirindo um produto de melhor
qualidade, posto que “(...) nossa sociedade
ainda não compreendeu que a saúde é um
direito devido pelo Estado, desejando
comprar das seguradoras privadas aquilo
que deveria reivindicar do poder público por
direito” (Carvalho & Santos, 2006, p. 42).
Como garantia de direitos sociais, a
qualidade do SUS deve ser buscada a cada
dia, em cada atendimento, em cada
procedimento,
exigindo
mobilização
popular em defesa da saúde pública
preventiva, em constante contraposição aos
interesses do capital, consubstanciados na
prática da medicina curativa associada à
medicina de alta tecnologia e ao avanço da
indústria farmacêutica.
Portanto, há que se levar na devida
consideração que, em certo sentido, um
elevado grau de popularidade do serviço de
saúde o torna imune a eventuais tentativas
de mudanças drásticas. Cabe ao povo e aos
atores governamentais assegurar o acesso
universal à saúde que os representam, a
defesa e a superação dos problemas
enfrentados pelo SUS, que não são poucos,
como condições necessárias à manutenção
do direito de acesso universal à assistência à
saúde, pois o direito à saúde está
diretamente relacionado à condição cidadã,
ao direito à dignidade da vida.
Enfim, os dados pesquisados mostram
que as contradições entre o modelo de
Estado brasileiro e suas políticas públicas
são históricas. Suas antagonias são
emblemáticas, mas estão paulatinamente
sendo enfrentadas e dirimidas à medida que
se cultua a ampla defesa do contraditório, se
assegurando
espaço
para
os
posicionamentos dos diversos segmentos
envolvidos que compõem a nação.
Dessa maneira, a partir dos estudos
disponíveis sobre o tema do amor e do
ciúme, bem como pelo que ouvimos de
nossas entrevistadas, fomos, passo a passo,
construindo uma compreensão do ciúme
como um multifacetado e intrigante
fenômeno de insegurança, desamparo e
busca pelo controle da vida em comum que
parece, ao mesmo tempo, denunciar e
buscar contornar características igualmente
intrigantes e múltiplas que a experiência
amorosa apresenta em nossos dias.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
69
O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Referências
Appolinário, F. (2006). Metodologia da ciência: filosofia e prática da pesquisa. São Paulo:
Pioneira/Thonsom.
Batista, P. N. (1999). O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latinoamericanos. São Paulo: Paz e Terra.
Brasil (1988). Constituição Federal. Brasília: Diário Oficial.
Carvalho, G. I. & Santos, L. (2006). SUS – Sistema Único de Saúde: comentários à lei
orgânica da saúde – leis nº 8.80/90 e nº 8.142/90. Campinas – SP: Editora da
UNICAMP.
Carvalho, S. R. (2009). Reflexões sobre o tema da cidadania e a produção de subjetividade
no SUS. In: S. R. Carvalho, S. Ferigato & M. E. Barros. Conexões: saúde coletiva e
políticas de subjetividade (pp. 23-41). São Paulo: Hucitec.
Costa, N. R. (1998). Políticas públicas, justiça distributiva e inovação: saúde e saneamento
na agenda social. São Paulo: Hucitec.
Draibe, S. (2003). A política social no período FHC e o sistema de proteção social.
Disponível em: www.scielo.br/pdf/ts/v15n2.pdf.
France, G. (2002). Federalismo fiscal: experiências internacionais e modelo para a Itália –
estilo nacional e saúde regional. In: B. Negri & A. L. A. Viana. O sistema único de
saúde em dez anos de desafio (pp. 65-87). São Paulo: SOBRAVIME/ CEALAG.
Freeman, R. & Moran, M. (2002). A saúde na Europa. In: B. Negri & A. L. A. Viana. O
sistema único de saúde em dez anos de desafio (pp. 45-64). São Paulo: SOBRAVIME/
CEALAG.
Heimann, L. S. et. al. (2000). Antecedentes da descentralização do Sistema único de Saúde.
In: L. S. Heimann, Descentralização do sistema único de saúde: trilhando a autonomia
municipal (pp. 25-34). São Paulo: SOBRAVIME.
Lüdke, M. & André, M. E. D. A. (1986). Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: EPU.
Nascimento, V. B. (2007). SUS: pacto federativo e gestão pública. São Paulo:
Hucitec/Cesco.
Negri, B. (2002). A política de saúde no Brasil nos anos 1990: avanços e limites. In: B.
Negri & A. L. A. Viana (2002). O sistema único de saúde em dez anos de desafio (pp.
15-42). São Paulo: SOBRAVIME/ CEALAG.
Schwartzman, S. (2007). Os desafios das políticas sociais para América Latina. Disponível
em: www.schwartzman.org.br/simon/polsoc.pdf.
Severino, A. J. (2007). Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Editora Cortez.
Souza, R. R. (2002). O financiamento federal do SUS: mitos e verdades. In: B. Negri & A.
L. A. Viana (2002). O sistema único de saúde em dez anos de desafio (pp. 411-432).
São Paulo: SOBRAVIME/ CEALAG.
Souza, R. R. (2002). O sistema público de saúde brasileiro. In: B. Negri & A. L. A. Viana
(pp. 441-469). São Paulo: SOBRAVIME/ CEALAG.
O autor:
Moisés Fernandes Lemos é psicólogo clínico, especialista em Filosofia, especialista em Psicologia Clínica, mestre em
Psicologia e doutorando em Educação. Professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás. Endereço:
Rua Eduardo de Oliveira, 289, Apto 102, Bairro Lídice, Uberlândia – MG, CEP 38400-068. Endereço eletrônico:
[email protected]
70
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO
DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO
FETAL
Fábia Tunísia Alves Xavier
Luiz Carlos Avelino da Silva
(UFU – Uberlândia – MG)
Resumo
Este trabalho objetivou compreender a vivência da perda fetal e as manifestações de luto nas
gestantes. Justifica o estudo, o número alto de natimortos nos países em desenvolvimento, como o
Brasil. A metodologia utilizada foi qualitativa e fez uso entrevistas semi-dirigidas, realizadas com
quatro participantes. Após a transcrição procedeu-se a análise de discurso e chegou-se a quatro
categorias: negação, perda, expectativas e luto. Foi possível concluir que a elaboração da perda de
modo saudável e o reinvestindo em outros objetos ou pessoas somente foi possível após o sofrimento
e a superação da dor de enfrentar a morte do filho antes que ele tivesse vida.
Palavras chave: luto; natimortos; gravidez.
Abstract
Waiting Interrupted: the develonpment of loss for the mother in fetal death
This study aimed to understand the experience of fetal loss and the manifestations of grief in
pregnant women. Justifies the study, the high number of stillbirths in developing countries like
Brazil. The methodology was qualitative and made use of semi-directed interviews conducted with
four participants. After transcription proceeded to discourse analysis and came up to four categories:
denial, loss, grief and expectations. It was concluded that the development of loss in a healthy way
and reinvesting in other objects or people was possible only after the overcoming of suffering and
pain to face his son's death before he had life.
Keywords: bereavement; stillbirths; pregnancy.
Artigo Recebido em 05/04/2010 e Aprovado em 27/06/2012
Introdução
Apesar do desenvolvimento dos
diversos métodos para a avaliação e
acompanhamento da vitalidade fetal e do
grande arsenal terapêutico existente, o
óbito fetal continua sendo um evento
obstetrício comum. O óbito fetal ocorreu
em mais de quatro mil das gestações em
todo Brasil durante o ano de 2009
(MS/SVS/DASISSistema
de
Informações sobre Mortalidade- SIM,
2009). A mortalidade perinatal, que
engloba óbitos fetais e óbitos neonatais
precoces, é um indicador de saúde
materno-infantil, refletindo tanto as
condições de saúde reprodutiva da mulher,
quanto à qualidade da assistência
perinatal. Anualmente ocorrem cerca de
7,6 milhões de mortes perinatais no
mundo, das quais 98% são em países em
desenvolvimento. Nestes 57% são
representadas pelos óbitos fetais, cuja
71
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
queda de ocorrências tem sido muito lenta.
(Fonseca & Coutinho, 2004).
Em Uberlândia, Minas Gerais, foram
registrados no setor de estatística e
informações hospitalares do Hospital de
Clínicas da Universidade Federal de
Uberlândia 234 natimortos durante o
período de 01 de janeiro de 2005 a 31 de
janeiro de 2010. Além dos números, é
importante destacar o intenso sofrimento
psíquico que pode acometer as gestantes
com a perda de um filho e inclusive abrir
caminhos para estados depressivos,
caracterizados muitas vezes pelo desejo de
morrer, como meio de se unir ao objeto de
amor perdido.
Ao contrário do que o termo óbito
fetal parece sugerir, caracterizá-lo não é
tão simples assim, já que existe uma
heterogeneidade de conceitos para definilo. Nesse trabalho se seguira a definição
utilizada no Brasil, como explicitada no
CID-10:
A morte de um produto da
concepção, antes da expulsão ou de
sua extração completa do corpo
materno, independentemente da
duração da gravidez; indica o óbito
o fato de, depois da separação, o
feto não respirar nem dar nenhum
outro sinal de vida, como
batimentos do coração, pulsações
do cordão umbilical ou movimentos
efetivos dos músculos de contração
voluntária (Organização Mundial
da Saúde, 1993 V 2).
É considerado aborto espontâneo
quando há óbito de um feto por causas
naturais antes de 20º semana de gestação.
Quando o óbito ocorre após a 20º semana
de gestação e é de um feto com mais de
500 gramas, este é denominado um
natimorto, o que implica obrigatoriamente
em registro civil via as Declarações de
Óbito, que se constituem, no Brasil, na
fonte de informações relativas a esses
eventos, conforme a Resolução CFM nº
1.779 de 11de novembro de 2005.
A expressão morte fetal foi
estabelecido pelo National Center for
Health Statistics dos Estados Unidos e
deve ser empregada em óbitos ocorridos a
partir de 20 semanas completas de
gestação, critério que é utilizado pela
maioria dos autores. Classifica-se ainda o
óbito fetal de acordo com a época do
acontecimento em dois tipos: anteparto,
quando ocorre antes do início do trabalho
de parto e intraparto, quando ocorre na
realização desse.
A classificação do óbito fetal é de
grande importância, já que exibem
grandes diferenças no que diz respeito à
etiologia, complicações maternas e
assistência obstétrica. A despeito da
importância evidente da morte fetal como
um problema de saúde pública, pouca
atenção tem sido dada a esse tema,
principalmente
quanto
à
sua
epidemiologia e raramente se tem
analisado
a
mortalidade
fetal
separadamente das mortalidades perinatal
e infantil (Raymond, Cnattingius & Kiel,
1994).
A ocorrência de uma perda perinatal
tem um impacto significativo e duradouro
nas famílias que a sofrem (Bennet, 2005).
Esse é visível a nível individual, nas
manifestações de sintomatologia ansiosa e
depressiva (Bennett et al., 2005 &
Fonseca, 2008), na diminuição da
qualidade de vida física e psicológica
(Fonseca, 2008), mas também na
deterioração da relação conjugal (Glaser,
72
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
et al., 2007) e da relação com a rede de
apoio social.
Também há registro da instalação de
quadros de psicose, estados de ansiedade,
fobias, idéias obsessivas e profundas
depressões num período de dois anos em
mães que vivenciaram mortes neonatais. O
processo de luto pode durar anos, nos
quais constantemente ocorre a evocação
da sensação de perda. Quando as famílias
não fazem adequadamente o luto de suas
perdas, não conseguem seguir em frente
com as tarefas do viver (Bromberg, 2000).
Szejer e Stewart (1997) afirmam que a
sociedade
construiu
o
ideal
de
maternidade como um momento a ser
exaltado por representar alegria e
plenitude de um nascimento, no entanto o
privilégio de dar vida é acompanhado pelo
peso da história de vida familiar da
gestante, as angústias, as faltas e as perdas
que
não
foram
simbolizadas
e
permaneceram suspensas podendo emergir
na gestação, retomando o passado
vendado.
Segundo Lacan (1953), o bebê se
inscreve imaginariamente como tentativa
de restabelecer a ilusão de completude
vivenciada pela mãe. Assim, o bebê
receberá um nome, e esta imagem perfeita
criada pela mãe ganhará formas pelas
palavras, que significam e dão sentido a
essa presença como objeto de amor antes
mesmo que a criança nasça. Após o
nascimento a mãe descobre que nem todos
os seus desejos projetados foram
satisfeitos, o que torna inevitável uma
perda simbólica.
Já no óbito fetal, há uma perda real
que requer um redimensionamento do
desejo e de seu destino. Esta morte é
entendida como um descompasso na
seqüência natural do ciclo de vida pelo
qual nos orientamos: o de que os pais
morrem antes dos filhos e o de que o ser
humano nasce para depois morrer. No
caso do óbito fetal, morre-se antes de
nascer (Souza, Wottrich & Seeling 2007).
Segundo Stirtzinger e Stewart (1999),
a significação da morte de um filho pode
representar o desejo no qual ele foi
presentificado, com o número de filhos
que a mulher já tem, com a idade e estado
civil desta mãe, com o apoio social que a
mesma possui, com a atribuição da culpa
desta morte e com obstáculos decorrentes
do seu próprio psiquismo. No luto por
óbito fetal, fatores relacionados ao
diagnóstico e tratamento, motivações para
a gestação e relativos ao seu planejamento
serão determinantes no processo de
elaboração da perda. O significado da
criança para a gestante, assim como suas
expectativas em relação ao futuro dela,
sua rede de apoio social e possíveis perdas
secundárias também serão fortes fatores
de influência.
O trabalho de luto exige um esforço
psíquico para aquele que o sofreu possa
resgatar as partes perdidas de seu ego
projetadas no objeto. Segundo Freud, no
luto ocorre a perda de um objeto real e o
mundo se torna pobre e sem vida. Esta
perda
deverá
ser
elaborada
simbolicamente e na conclusão ocorre à
ligação da libido com outro objeto de
amor. Já na melancolia, se perde algo do
próprio ego, e é este que se torna morto,
vazio (Freud 1917).
O chamado curso consistente do luto
inclui uma fase inicial de choque e
descrença, na qual a pessoa tenta negar a
perda e tenta se isolar contra o choque da
realidade. A seguir, vem uma fase de
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
73
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
crescente consciência de perda, marcada
por efeitos dolorosos de tristeza, culpa,
vergonha, impotência e desesperança; há
também o choro, uma sensação de vazio,
distúrbios de alimentação e de sono, às
vezes, alguns distúrbios psicossomáticos
associados à dor física, perda de interesse
nas
companhias
ou
atividades
costumeiras, perda de qualidade na
atividade profissional. Por fim, há uma
prolongada fase de recuperação, na qual se
dá a elaboração do luto, e o trauma da
perda é superado e é restabelecido um
estado de saúde. (Freitas, 2000 p. 27).
Para a autora citada anteriormente
existem duas formas de vivência desse
luto. O primeiro tipo é caracterizado como
normal, em que o impacto da perda pode
ser diminuído em um breve espaço de
tempo, pela formação de novos vínculos
substitutivos, de investimentos produtivos
em novas atividades e da aceitação do
apoio social. O outro tipo é chamado de
luto patológico, no qual o vínculo
permanece intenso com a representação da
pessoa morta, e o que não permite a
pessoa enlutada a vitalização necessária
para a sua manutenção saudável, abrindo o
campo para reações como negação,
ambivalência, distorção e permanência no
passado, que levam ao desequilíbrio
pessoal e à doença. Segundo Bromberg
(2000). No processo de luto patológico
não existe apenas uma resposta específica,
mas sim uma alteração de estado, em que
a depressão clínica pode ser considerada
um tipo de reação patológica.
É importante destacar que, apesar de
neste trabalho se fazer uso da expressão
luto patológico, pelo fato de ser mais
divulgada e conhecida, que o psiquiatra
britânico Colin Parkes (1998), denomina
de luto atípico a experiência de pessoas
que desmontam após uma perda e são
encaminhadas
para
atendimento
psiquiátrico, reconhecendo nesse as
formas do luto adiado, os ataques de
ansiedade e de pânico, as auto-acusações,
e o surgimento de sintomas somáticos
Bowlby (1985) especifica o
processo de luto por algumas fases, que
não são consideradas definitivas e
classificatórias,
devido
às
muitas
diferenças individuais, mas que devem ser
considerada no propósito de diagnosticar o
que se considera luto normal e luto
patológico. As fases consideradas
regulares parecem refletir o curso
geralmente tomado pelo luto sem
complicações.
As
fases
são:
entorpecimento, anseio ou protesto,
desespero e recuperação e restituição e são
descritas na obra de Bromberg (2000).
A despeito de suas possíveis
complicações o processo de luto é
essencial para que se possa superar uma
perda importante. A vivência de um
momento como esse se constitui como
uma crise na vida do sujeito. Cada um irá
reagir e se expressar de acordo com suas
próprias características. No entanto,
existem alguns sentimentos e reações que
são comuns entre as pessoas, e por isso,
no processo de luto é normal à ocorrência
de um período de tristeza (Fonseca, 2008).
Pesquisas recentes sobre o tema têm
sido realizadas tanto por enfermeiros
como psicólogos. Rodrigues (2009),
trabalhando com a teoria do luto e como
referencial
metodológico,
o
interacionismo interpretativo, analisou as
narrativas de nove mães que passaram
pela experiência de ter um filho natimorto
e investigou a surpresa causada pela má
74
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
notícia, a experiência de um parto sem
sentido do qual se saiu de mãos vazias e o
enfrentamento do luto social.
Segundo as conclusões da autora, a
morte do bebê no final da gestação,
quando caracterizado como natimorto, é
incompreensível para a mãe, ela sofre uma
profunda dor emocional, acompanhada de
um sentimento de vulnerabilidade que a
impede de pensar no futuro ou na
possibilidade de uma nova gestação.
Indica ainda a delicadeza do momento de
ver o filho natimorto, desejo que nem
sempre as mães conseguem verbalizar e
que o processo de luto é vivido de maneira
solitária, porque sua tristeza não é
compartilhada com a família e amigos,
havendo uma preferência para o
isolamento devido ao sentimento de
vergonha por não ter conseguido gerar um
filho sadio e por chorar o tempo inteiro.
(Rodrigues, 2009).
Machado (2010), considerando que a
interrupção voluntária da gravidez por
malformações fetais é um acontecimento
doloroso e terrível que gera inúmeros
sentimentos e comporta mudanças e
reajustamentos na vida de quem o
vivencia, realizou um estudo de natureza
qualitativa e abordagem fenomenológica
hermenêutica. Em seu estudo Machado
entrevistou onze mulheres ao longo do
período de maio a setembro de 2008, que
realizaram a interrupção voluntária de
gravidez de fetos com má formação no
Centro Hospitalar do Porto – Unidade
Hospital Santo António no Serviço de
Obstetrícia/Ginecologia, em Portugal. Nas
entrevistas as participantes desenvolveram
um discurso livre, falando da sua
experiência, durante o primeiro mês após
a realização da interrupção da gravidez.
Seus resultados demonstram que cada
mulher vivencia a interrupção voluntária
da gravidez por malformações fetais de
forma diferente. No entanto, a maioria
manifestou dúvidas durante todo o
processo e todas, de forma geral,
consideram que é algo difícil de suportar,
que
gera
inúmeros
sentimentos,
dificuldades no regresso a casa e na
reorganização das suas vidas.
Ximenes Neto et all (2011)
procuraram descrever a percepção de
mulheres atendidas em uma unidade
hospitalar acerca da vivência de uma
gravidez interrompida por diagnóstico de
abortamento, em um estudo qualitativo
realizado em um centro obstétrico na
cidade de Sobral, no Ceará, no qual
entrevistaram
treze
mulheres
que
procuraram assistência no período. Suas
conclusões apontam que a gravidez
interrompida aflora atitudes distintas em
cada mulher, e que essas são afetadas
pelas
condições
econômicas
e
sociodemográficas das gestantes.
Este trabalho teve preocupações
parecidas com os referenciados acima,
buscando dar conta da experiência de
mulheres que sofreram a interrupção da
gravidez e cujo parto foi o de um
natimorto, atendidas em uma Unidade de
Saúde, de cuja equipe fazíamos parte
como membros de um programa de
residência multidisciplinar.
Ele teve como objetivo geral
compreender a vivência da perda fetal e as
manifestações de luto nas gestantes; o que
nos levou a delinear outros auxiliares,
como investigar os sentidos da perda fetal
para as mães que vivenciaram essa
experiência, identificar as principais
emoções presentes nas mães geradas pela
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
75
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
perda de um filho e por fim, a ocorrência
de luto normal ou complicado.
Método
O presente trabalho é um estudo
qualitativo, de caráter exploratório e foi
aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade Federal de Uberlândia. Foi
realizado no Hospital de Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia. Do
levantamento realizado no Setor de
Informações
hospitalares,
foram
identificados 63 prontuários de mulheres
com quadro clínico de óbito fetal no
período de janeiro de 2009 a janeiro de
2010. Dessas, apenas quatro aceitaram
participar do estudo.
As colaboradoras
Quatro gestantes, contatadas via busca
ativa após consulta aos prontuários
constituíram o grupo de colaboradoras
deste estudo, pois se encaixaram nos
critérios de inclusão, ou seja, há
aproximadamente
um
ano
atrás
apresentaram um quadro clínico de óbito
fetal. Elas foram apelidadas com o nome
de pedras preciosas, com o intuito de
preservar suas identidades. São elas:
Ágata, de 26 anos, cujo bebê tinha 31
semanas de idade gestacional e mantinha
uma relação homoafetiva, apresentando
dois casos de filhos natimortos. Cristal, de
44 anos, perdeu seu bebê de 21 semanas,
que seria seu segundo filho. Mantém um
relacionamento estável. Rubi, de 19 anos,
perdeu seu primeiro bebê com 34 semanas
de gestação e é solteira. E por último,
Safira, de 27 anos e que perdeu seu bebê
de 39 semanas de gestação. É casada e
tem dois filhos vivos. As participantes
tinham em média 30 semanas de idade
gestacional , 2,25 gestações e 0,75 partos
de nascidos vivos.
Procedimento para coleta de dados e
Instrumento
O método de coleta de dados foi
dividido em três etapas.
A primeira
consistiu no levantamento documental e
estatístico de mulheres em idade
reprodutiva que passaram pelo hospital há
aproximadamente um ano com quadro
clínico de óbito fetal; A segunda etapa foi
o contato por telefone com aquelas
selecionadas por meio dos prontuários; e
terceira etapa consistiu em entrevistas das
colaboradoras que aceitaram participar.
A escolha das entrevistas deu-se pelo
fato de elas serem um instrumento de
investigação científica de largo uso em
pesquisas sociais, psicológicas e em
educação. Elas tiveram duração em torno
de uma hora, foram semi-estruturadas com
base em um roteiro que incluiu os temas:
vivência da situação, sentimentos,
expectativas em relação ao filho,
mudanças produzidas na vida e situação
de saúde após a perda, atribuição de causa
sobre a perda e a procura de auxílio
profissional a após a perda e aconteceram
em um consultório do hospital de clínicas
e na residência da participante
Procedimento de análise das
entrevistas
A análise das entrevistas foi feita
pelos autores. No processo foram
transcritas, submetidas à leitura intensiva
para assimilação e apropriação do discurso
76
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
realizado e a identificação de frases e
conteúdos que pudessem nos levar às
categorias, as quais foram propostas após
o aglutinamento de trechos a partir da
semelhança e repetição de frases e/ou
conteúdos, o que nos levou a inferir um
determinado tema catalisador e a defini-lo.
Nesse processo utilizaram-se tabelas no
Microsoft Word, com uso de três colunas,
sendo que na primeira alocava-se o texto
original da entrevista, na segunda o
fragmento selecionado e na terceira as
observações dos pesquisadores, ligadas ao
tema identificado, sua relação com os
objetivos da pesquisa e observações
relativas à literatura. O discurso das
entrevistadas foi editado, sem alteração de
seu conteúdo, para tornar compreensível
na escrita, algo que foi proferido
oralmente.
Foi utilizada nesse processo a análise
de discurso, em uma apropriação própria
dos autores, na qual se buscou nas
afirmações os recursos subjetivos para
lidar com a perda e os sentidos
inconscientes desses, ou seja, a partir das
respostas
das
entrevistadas
foram
identificados os fatores presentes na
elaboração da perda do natimorto. Nesse
procedimento,
orientou-se
pelas
construções da teoria psicanalítica.
Apresentação, Análise e Discussão
dos e Resultados
A Análise das entrevistas permitiu a
construção de quatro categorias: Negação,
Perda, com as subcategorias perda física,
perda o ideal de maternidade, perda da
possibilidade de satisfazer o outro e
sofrimento com a perda; Representações,
expectativas e idealizações e Elaboração
da Perda. Uma breve descrição das
categorias e subcategorias é apresentada
antes do material analisado.
Negação
A categoria negação remete ao
mecanismo de defesa utilizado para
preservação do ego diante de um evento
traumático. A negação foi encontrada nas
falas das participantes a partir de
sentenças que mostram a recusa em
abordar o assunto, que é o recurso
encontrado para não sofrer e também para
não tornar público o sofrimento.
A negação, segundo Freud (1916) é
um
processo
pelo
qual
o
inconscientemente não quer tomar
conhecimento de algum desejo, fantasia,
pensamento ou sentimento. Ele pode se
manifestar de formas diferentes para
finalidades especifica para o sujeito. No
caso das mulheres que vivenciaram o
óbito fetal, o processo tem o sentido de
evitar os sentimentos gerados pela perda.
Entretanto, no chamado curso consistente
do luto, há uma fase inicial de choque e
descrença, na qual a pessoa tenta negar a
perda e tenta se isolar contra o choque da
realidade, como se observa em Safira:
“Ela falou que a neném estava morta, mas
para mim ela estava enganada, porque eu
sentia a bebê mexer, mas não era a bebê,
era o meu corpo que a estava expulsando.
Eu fiquei surpresa e vendo que ela não
estava enganada, para mim o neném
estava vivo” (Safira).
Em Safira a negação se dá pela recusa
do diagnóstico médico, ao que ela
contrapõe os movimentos que observa em
seu corpo, atribuindo-os a movimentação
normal dos bebês. Aceitar a realidade
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
77
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
apresentada pelo profissional que a assiste,
é obrigar-se a reconhecer uma perda,
naquele momento intolerável. No caso de
Rubi, a negação se processa com a fuga do
estado de vigília, no qual a ausência real a
impede de negar a perda. Ela afirmou:
“Durmo muito para não ver o que estou
vivendo, prefiro guardar comigo” (Rubi).
A negação faz parte do processo de perda.
A elaboração a admite em um primeiro
momento, mas quando essa negação é
exacerbada, com duração muito longa e
características obsessivas, como parece ser
o caso de Rubi, sugere um processo
patológico com luto do tipo complicado.
Quando consideramos as discussões da
Psicanálise a propósito dos mecanismos
de defesa, entendemos o uso da negação
não suprime a angústia suscitada pela
perda, ainda que aparentemente garanta
algum bem estar, em um primeiro e
inevitável momento. No caso de Rubi,
percebe-se que essa forma de se defender
vai delineando um processo de luto que
caminha para além do esperado.
Aparentemente Safira assimilou melhor a
perda.
Perda
A categoria denominada “Perda”
remete a vários tipos de perdas.
Distinguimos dois tipos de perda: as reais
e subjetivas. Desse modo essa categoria
expõe a singularidade e particularidade de
cada participante diante do óbito fetal, o
que implicou em quatro subcategorias as
quais denominamos: a) perda física, b)
perda do ideal de maternidade, c) perda da
possibilidade de satisfazer o outro e d)
reações a perda.
a) Perda Física
Essa subcategoria trata da perda
concreta do bebê em gestação, do útero,
da saúde física etc. A perda concreta do
bebe foi encontrado em todas as
participantes do estudo, uma vez que o
feto morreu.
A perda do útero foi
encontrada em Rubi com quem houve
complicações no parto e foi necessário
realizar uma histerectomia total. Já a perda
da saúde foi encontrada em Cristal que,
decorridos dois anos, ainda apresenta
complicações no útero. Além disso, todas
apresentaram uma infecção urinária após a
perda. As falas de Cristal: “O método que
eles usaram, eles acabaram com meu
útero” e a de Rubi: “Acabou tudo, mais
pela perda dela do que do útero, eu queria
muito ela.” são elucidativas e mesmo que
Rubi hierarquize, o fato é que teve duas
perdas físicas.
b) Perda do ideal de maternidade
Essa subcategoria remete ao ideal de
maternidade que a sociedade atribui às
mulheres.
No
caso
de
nossas
colaboradoras isso foi interrompido de
forma abrupta junto com a gravidez, sendo
um golpe para auto-estima de cada uma,
marcada desde então por sentimentos de
fracasso, incapacidade e inferioridade e
pelo abalo em sua feminilidade. A perda
constatada é a impossibilidade de
construírem mulher sendo mães.
A contenção química não suprimiu
esse sentimento em Safira: “Me deram um
relaxante e eu fiquei bem calma. “O que
me marcou é que eu ouvia um bebê
chorando com fome e meu peito estava
cheio para o meu bebê que havia
morrido” (Safira). Ela constata a
78
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
inutilidade do leite gerado em seu peito
durante a gravidez, e com isso, seu não
lugar de mãe. Com Ágata, o que rui são
suas fantasias de uma mãe idealizada: “ah
eu pensava em ser a melhor mãe;, em
mandar ele passar férias na avó dele.
“Em sete meses eu fiz ultrassom umas 15
vezes para vê-l..., minha mãe ligava todo
dia para saber como ele estava” (Ágata).
A representação de mãe que cada uma
das colaboradas têm aparece em
sentimentos ligados a ações agora
impossíveis: alimentar o filho no peito,
propiciar bem estar e felicidade,
compartilhada
com
a
família,
provavelmente da qual se esperava um
reconhecimento
pela
completude
alcançada na maternidade. Pensando com
Bartilotti
(1998),
as
repercussões
emocionais pelo óbito do bebê são
agravadas por uma sobreposição de
perdas, que atingem a própria mulher,
privada do lugar de mãe.
c) Perda da possibilidade de
satisfazer o outro
Nesta categoria foi constatado que
algumas participantes atribuíam à gravidez
a função principal de atender a alguma
demanda de outro. A criança natimorto era
considerada pelas mães como um meio de
trazer ou assegurar a presença de um
parceiro amoroso, sendo que a sua
principal significação não era a de um
filho, mas a garantia que oferecia de um
relacionamento. Essa perda subjetiva, da
condição de satisfazer o outro ou a
suposição dela, é causa principal do
sofrimento. Observa-se aqui, a partir das
considerações de Lacan (1953), que a
preciosidade do bebê natimorto ia além de
seu significado humano, atingindo a
condição de objeto de barganha, uma
espécie de dote em um enovelamento
afetivo.
Particularmente no caso de
Ágata, envolvida em relacionamento
homoafetivo, e que havia prometido a sua
parceira o filho perdido; projeto do qual
não declinou nem diante da morte do
bebê, como se percebe na sua afirmação:
“Hoje mesmo a menina esta lá esperando,
eu falei que depois que eu viesse aqui
conversar com você daria a resposta a ela
se teria um filho ou não” (Ágata).
Esse tipo de perda também acontece
com Cristal que tinha um relacionamento
estável e via no bebê a possibilidade de ter
um relacionamento mais formal com seu
companheiro, uma vez que com o
nascimento eles iriam morar na mesma
casa, consumando o casamento. Com a
perda, ela não pode mais realizar esse
desejo como se percebe em sua fala: “No
dia em descobriu que ela tinha problema
ele falou para mim que não queria; ai que
ela não mexeu mais mesmo. Não tive
felicidade porque ele não queria (Cristal).
No caso de Safira, mãe de um filho de
outro relacionamento e com uma relação
conjugal cheia de conflitos, o desejo era
presentear o atual marido com um filho do
sexo masculino e um dos sentidos da
perda foi a impossibilidade de realizar
isso: “Eu sabia que ele queria ter outro
filho, a gente ia tentar um menino, ai eu
tava sem tomar remédio e engravidei, foi
uma gravidez muito triste, a gente até
pensava em separar, teve alguns atritos
sabe, daí foi uma coisa que uniu a gente
mais” (Safira).
Há que se destacar que no caso de
Safira atribuía-se ao bebê uma
responsabilidade que ela por si não dava
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
79
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
conta de realizar: a manutenção de um
relacionamento e a sua morte além de
frustrar essa expectativa, colocava os
conflitos matrimoniais em primeiro plano,
ao mesmo tempo a desvalorizando como
mulher capaz de geral um menino.
Nos três casos, o papel das crianças é
de moeda de troca, investida de um valor
que as extrapola e expõe um dos sentidos
que elas têm para suas genitoras. A se
considerar Lacan (1953), a inscrição
imaginária desses bebês natimorto negavalhe, no mínimo, uma mãe suficientemente
boa, segundo a expressão clássica de
Winnicott (1948), e reserva-lhes o lugar
de objeto fálico que deveria suprir de
faltas de seus pais, que jamais
preencheriam, obviamente, com grandes
possibilidades
de
comprometimento
subjetivo caso nascidos vivos.
d) Reações a perda
Nesta subcategoria são apresentadas
algumas das reações à perda de nossas
entrevistadas diante do óbito fetal e os
sentimentos que isso desencadeou: culpa,
baixa estima, impotência, tristeza e
processos de adoecimento. Expressam
sentimentos e reações confusas, que de
certa forma marcam o momento em que se
toma consciência do que aconteceu, ou
como se diz popularmente, em que se cai a
ficha.
Em Rubi, o sofrimento pela perda do
filho se potencializa com a descoberta e
constatação de que não poderá gerar outro
filho novamente: “Minha reação foi dois
dias depois, quando me dei conta de que
não poderia ter mais filho por ter retirado
o útero. Na hora eu quis morrer” (Rubi).
A reação de Cristal evoca a própria morte
e o sentimento de ser culpada pelo
acontecido. “A primeira coisa que quis
foi me enfiar na frente de um carro. Eu saí
de lá desesperada, chorava demais”. Ou
como mostra esse outro trecho de sua
entrevista, rememorando a visão da filha
morta: “Eu me lembro de me mostrarem
ela em uma toalha, pequenininha, olhando
em mim com um olhinho triste como se ela
tivesse me condenando sabe? Ai eu
pensei, será que foi alguma coisa minha
que fez ela morrer” (Cristal).
Cabe observar que a reação das mães
tem obviamente relação com a própria
subjetividade de cada uma, com os
recursos que adquiriram ao longo de sua
vida para lidar com as perdas, como
aponta Kovács (1997), mas é inegável que
o sentido atribuído à criança e às
consequências que tem a perda, tanto a
subjetivamente como objetivamente,
afetam a qualidade e intensidade da
reação. Cremos que há muito mais coisas
em questão além da perda do filho.
Representação, expectativas e
idealizações
Esta categoria alude às representações,
expectativas e idealizações que as mães
fazem dos seus filhos. Como mostra a
Psicanálise, o bebê se inscreve
imaginariamente como tentativa de
restabelecer a ilusão de completude
vivenciada pela mãe. O bebê tem um
nome, na fantasia da mãe sua imagem é
perfeita e ganhará formas pelas palavras,
que significam e dão sentido à sua
presença como objeto de amor antes
mesmo de nascer. Essa existência
simbólica antes do nascimento é prenha de
significações e produz efeitos sobre a mãe.
80
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
Além disso, pode-se perceber investido na
criança o desejo de que ela seja o que a
mãe foi, ou mesmo de continuidade de sua
existência. Os filhos natimortos de nossas
colaboradoras também eram assim.
Cristal dava a filha natimorta um
sentido infantil, quase como o de um
brinquedo natalino: “Ela seria uma
arvorezinha de natal, ela seria minha
parceirinha. Eu fico pensando nela
ruivinha, olhinhos azuis, branquinha. Ia
ser uma bonequinha que eu sempre
quis...” Rubi advoga para si o lugar de
cuidadora, o que de certa forma a
promoveria como mãe amorosa, pelos
cuidados antecipados preparados para a
filha: “Eu já tinha berço, carrinho,
cotonete, perfume, fralda, tudo que uma
criança precisa e o que mais tinha era
amor” (Rubi).
Elaboração da Perda
Essa categoria foi denominada
elaboração da perda porque, se o estado de
luto se dá de forma saudável, a perda esta
sendo elaborada. Ao contrário, quando se
trata de luto patológico as reações
exacerbadas estão presentes na mulher.
Relembramos, com Freitas (2000), que o
luto que segue um curso denominado
normal é quanto o impacto da perda pode
ser diminuído em um breve espaço de
tempo, pela formação de novos vínculos
substitutivos, de investimentos produtivos
em novas atividades e da aceitação do
apoio social. Já no patológico, o vínculo
permanece intenso com uma pessoa que,
não estando mais viva, não permitirá à
pessoa enlutada a vitalização necessária
para a sua manutenção saudável, abrindo
campo para reações como negação,
ambivalência, distorção e permanência no
passado, que levam ao desequilíbrio
pessoal e à doença. Segundo Freud (1916),
essa perda deverá ser elaborada num nível
simbólico e no desfecho, ocorrerá a
ligação do afeto do sujeito a outro objeto
de amor.
Ágata, segundo seu relato, retomou a
vida e projetos antigos: “Sou apaixonada
em moto, se Deus quiser no final do ano
eu vou adquirir a minha. Assim eu
continuo, quero uma casa nessa cidade,
eu odeio essa cidade, mas eu quero uma
casa e ter um filho aqui”. Cristal, por sua
vez, absorveu a perda valorizando o que
tinha e dirigindo sua energia para sua filha
viva: “Deus tirou uma, mas já tinha outro
que precisava de mim”. Por outro lado,
sem negar o sofrimento, vai deixando-se
afetar pela dor que a perda causa,
mostrando a compreensão de que se trata
de um processo normal: “Não senti
necessidade de falar, sofri algumas vezes,
chorei, mas acho que foi sofrimento
normal de um ser humano qualquer, eu
não consigo chorar, fica um choro assim
entalado...”
Segundo Freitas (2000) existem no
processo de elaboração do luto reações
consideradas
normais,
como
os
sentimentos de tristeza, inibição e falta de
interesse. Mas essa inibição e falta de
interesse explica-se em razão do trabalho
psíquico que o luto exige ao ego. Nas
entrevistas com Safira, Cristal e Ágata
encontramos momentos de inibição e falta
de interesse, mas também foi possível
identificar aspectos saudáveis do luto, uma
vez que elas demonstram que estão
conseguindo investir afetivamente em
outros aspectos da vida.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
81
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
A experiência de Rubi se deu por
outras vias. Ela assumiu uma postura
equivocamente
heróica,
de
quem
considera que superar é não tocar no tema,
mas dar conta do sofrimento sozinha,
como se isso demonstrasse força e no que
exclui o outro como interlocutor para
elaborar a dor: “Eu prefiro não falar,
prefiro guardar tudo pra mim. Pergunta
para minha mãe, eu gosto de só eu
carregar isso”. Obviamente, como
demonstra a literatura, isso tem um preço
que é cobrado em mal estar psíquico, em
um estado que sugere um humor
rebaixado, quase deprimido: “Depois que
eu a perdi não tenho animo pra mais
nada, eu saio de vez em quando, vou para
as festas, mas não era como antes, a
minha vontade é só dormir”.
Sem a pretensão de qualificar o luto de
Rubi de complicado, lembramos que
nesse, já chamado de melancolia por
Freud, o próprio ego é descrito como
indigno de estima, incapaz de produzir, e
moralmente condenado pelo doente, como
lembra Freitas (2000). Observa-se no
caso de Rubi algumas características do
luto patológico, já que as reações do luto
normal estão presentes, porém de forma
intensa durante muito tempo, gerando
características
obsessivas
e
o
aparecimento de doenças.
No caso de Rubi essas características
acentuam-se pela presença de sua mãe,
também envolvida emocionalmente na
gravidez e enlutada, de tal forma que cabe
questionar se o luto de Rubi não toma um
curso normal em função de sua mãe que
não lhe permite um espaço psicológico
para elaborar a sua perda, real ou
subjetiva, cobrando-lhe um sofrimento
além daquele causado pela perda.
Provavelmente isso pode ser uma das
causas de sua recusa a comentar a própria
dor. Sua mãe, segundo seu relato, faz
questão de ampliar a dimensão da perda,
atribuindo esse sentimento inclusive a
outras pessoas.
Assim, afirmar que o luto de Rubi é
complicado é temerário, apesar de ser
necessário chamar atenção para a presença
de outro que insiste no sofrimento,
apropriando-se
dele
e
exigindo
reciprocidade de quem teve a perda real
do feto, como se isso mantivesse a
existência da criança perdida e como se
isso fizesse a mãe ‘fracassada’ repará-la
pela perda. Parece-nos, pelo relato de
Rubi, que sustentar esse estado significa
para a sua mãe puni-la por fracassar na
geração do neto.
Essa constatação nos parece bastante
relevante, na medida em que amplia a
dimensão do luto, que mais que as pessoas
diretamente afetadas pela perda atinge
também outras pessoas, implicadas em
complexa rede de relações que aumenta a
dimensão social da questão. Obviamente,
os serviços de saúde devem se preocupar
com essas pessoas também.
Conclusões
Uma primeira constatação merece
primazia: apesar do grande arsenal para o
cuidado do feto percebe-se que o número
de óbitos fetais no local investigado, 234
casos no espaço de cinco anos, ainda é
grande, o que implica na necessidade de
considerar as condições psicológicas da
gestante na gravidez interrompida nos
programas voltados à saúde maternoinfantil. Mesmo diante da impossibilidade
de generalizar os dados de um estudo
82
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
exploratórios, com quatro casos, cabe
apontar que todas nossas colaboradoras,
de alguma forma, demonstraram um
afetar-se pela perda, que mais que elas
próprias repercutiram em suas vidas
familiares.
Em relação ao nosso objetivo
principal, entendemos que a experiência
de cada uma das mães que entrevistamos,
no processo de elaboração do luto pela
perda fetal assume aspectos singulares,
que mais que o sofrimento pela perda do
filho, afeta a vida como um todo, o que
inclui a própria saúde, projetos e outras
pessoas ligadas à rede afetiva das
gestantes. Assim, a experiência de cada
uma das mães perpassa o sentido que tinha
a criança morta, para a mãe, para esse
entorno social e a função e papel
simbólicos a ela atribuídos ainda antes do
nascimento.
As reações incluem
alterações
emocionais,
como
o
constristamento, esperadas em qualquer
processo de luto, mas que de modo geral
coadunam com a experiência anterior de
cada uma das colaboradoras, o que dá ao
luto de cada uma um sentido próximo ao
esperado em seu entorno social.
Assim, consideramos que o sentido da
perda somente pode ser levado em conta
partir dos significados e desejo presentes
no processo de gestação da criança. Em
outras palavras, se há um ideal de
maternidade presente, ele não se
manifestou em nossas entrevistadas senão
a partir de significações bem objetivas
atribuídas por elas a esses filhos:
completar-se como mulher, sustentar
relações conjugais comprometidas e
provar a possibilidade de ser mãe. Enfim,
nenhuma delas cumpria cegamente o
propósito de maternidade, mas atribuíam a
esse filho perdido um lugar concreto, de
alguém que vai se inserir na vida tal como
ela transcorre, ainda quando considerados
um objeto de barganha.
Nas mães que vivenciaram essa
experiência e foram por nós entrevistadas,
nota-se que a perda subjetiva predomina,
mesmo diante de perdas concretas, como
as físicas. No caso da perda do útero, essa
se insere no realce ou estabelecimento do
sentimento de incompletude das mulheres.
Assim há uma significativa perda
subjetiva e essa altera o rumo da história
de vida da mulher. A morte abrupta de um
filho ‘esperado’ interrompeu não somente
uma gestação, mas todo investimento que
a mãe – e porque não dizer, o seu
companheiro/companheira – tinham nesse
bebê; como solução de seus problemas,
alívio de suas angústias, faltas e perdas
que não foram simbolizadas e desejos..
Característica do luto normal, as mães
conseguiram investir sua libido em outros
objetos após a perda, apesar da
predominância da tristeza como ressalta
Fonseca (2008). Apenas uma das
entrevistadas
permaneceu
ligada
subjetivamente ao bebê morto, como
forma de manutenção do vínculo com sua
mãe, o que confirma a literatura sobre o
tema, que mostra que os processos de
elaboração do luto seguem contornos
particulares, como apontado por Ximenes
Neto et all (2011). Não é possível, com os
dados que dispomos, sustentar que esse
caso aparentado a luto complicado se
daria, não fora a idade da gestante e a
presença da avó cobrando sofrimento.
Sobre as emoções presentes nas
colaboradoras, foi possível encontrar-las
encobertas defensivamente pela negação e
sob a forma que a perda foi representada.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
83
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
Com a possibilidade de identificação dos
sentimentos, repercussões na saúde,
qualidade de vida e estado psíquico da
mãe, foi possível identificar meios para
elaboração do luto saudável e mais
adaptativo visando à saúde reprodutiva e
psíquica da mulher.
Quanto ao nosso último objetivo,
identificar o tipo de luto que ocorre,
afirmar que a perda de um filho natimorto
gera luto normal ou complicado diante da
análise de quatro casos é uma temeridade.
Sem dados para afirmar, indicamos sob a
forma de hipótese, que o filho natimorto
pode gerar lutos de diferentes tipos e que
esses, mais que o motivo que o causou,
dependerá das condições psicossociais de
que o sofre. Com nossas colaboradoras
foi possível reconhecer fatores que
sugerem a ocorrência de um caso de luto
complicado, justamente na colaboradora
mais jovem, de 19 anos e três processos
normais.
Obviamente, essa questão
demandará mais pesquisas, sendo às
respostas a que chegamos insatisfatória.
Cabe, no entanto, chamar atenção para a
relação da idade, e a experiência de vida
que se tem, com o tipo de luto que se
desenvolve.
Por fim, é importante ressaltar que
nessa inversão no ciclo natural da vida,
morrer antes de nascer, que se dá com a
morte fetal, morre-se a possibilidade de
viver, como continuação da existência.
Interrompe-se também o curso seguido até
então por uma vida, a da mãe. Não
somente uma espera ou desejo, mas uma
vida psíquica que se desorganiza diante
das perdas. Pensando com Bartilotti
(1998), quando afirma a morte da mãe,
diante da perda de seu filho: se a criança
que perde a mãe é chamada de órfão, e
isso demonstra linguisticamente seu
sofrimento, perguntamos: a mãe que perde
um filho deve ser chamada de que?
84
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A ESPERA INTERROMPIDA: A ELABORAÇÃO DA PERDA PELA MÃE DIANTE DO ÓBITO FETAL
Referências
Bartilotti, M. R. M. B. (1998). Obstetrícia e Ginecologia: Urgências Psicológicas. Em:
Angerami-Camon (org), V. A. Urgências psicológicas no Hospital. São Paulo:
Pioneira.
Bennett, S. (2005). The scope and impact of perinatal loss: current status and future
direction. Professional Psychology, Research and Practice. 36 (2), 180-187.
Bowlby, J. Perda (1985). Tristeza e Depressão. São Paulo: Martins Fontes.
Bromberg, M. (2000). A psicoterapia em situações de perdas e luto. São Paulo: Livro Pleno.
DATASUS. (2009). Sistema de Informações sobre mortalidade-SIM. Consórcio de
componentes de software para sistemas de informação em saúde [online] disponível
em: www.datasus.gov.br
Fonseca S. C., & Coutinho E. S. F.(2004). Pesquisa sobre mortalidade perinatal no Brasil:
revisão da metodologia e dos resultados. Cad. Saúde Pública. 20(1) S7-S19
Fonseca, A. (2008). Contributo para o estudo do impacto das perdas perinatais na
adaptação e no crescimento pós-traumático materno: determinantes individuais,
interpessoais e a intervenção psicológica. Tese de mestrado, Universidade de
Coimbra, Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação. Coimbra
Freitas, N. K, (2000). Luto materno e psicoterapia breve. São Paulo: Summus.
Freud, S. (1969). Luto e Melancolia. Obras Completas de Sigmund Freud vol. XIV. Rio de
Janeiro: Imago. (publicado originalmente em 1917).
Glaser, A. (2007). Loss of preterm infant: psychological aspects in parents. Swiss Medical
Weekly. 137 p. 392-401.
Kovács, M.J.(1997). Deficiência Adquirida e qualidade de vida – possibilidades de
intervenção psicológica. In: Becker, E. et al. Deficiências: alternativas de intervenção.
PP. 95-128. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar.
Machado, C.M. B. (2010). Vivências da mulher em situação de interrupção voluntária da
gravidez por malformações fetais (Dissertação de mestrado- orientador: António
Couto). Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar - Universidade do Porto,
Portugal.
Morin, E. (1970). O homem e a morte. Lisboa: Publicações Europa-América.
Organização Mundial de Saúde (1993). Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde. Décima Revisão. Volume 2, Manual de Instrução.
São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em
Português/Edusp.
Parkes, C.M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus
Editorial.
Raymond E.G., Cnattingius S. & Kiely J.L. (1994). Obstet Gynaecol. 101(4): 301.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
85
LUIZ CARLOS AVELINO DA SÍLVA, FÁBIA TUNÍSIA ALVES XAVIER A
Resolução CFM nº 1.779 de 11 de novembro de 2005 (2005). Regulamenta a
responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito. Revoga a
Resolução CFM n. 1601/2000. Brasília, DF.
Resolução CNS n 196 de outubro de 1996 (1996). Aprova diretrizes e normas
regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF.
Rodrigues Coelho, M. M. (2009). A experiência da mãe por ter um filho natimorto
(dissertação de Mestrado – orientador Bousso, Regina Szylit). Escola de Enfermagem
– USP. São Paulo.
Souza, A. L., Wottrich, S. H. & Seelig, C. (2007). O acompanhamento psicológico a óbitos
em unidade pediátrica. Rev. SBPH. 10 (1)151-160. Recuperado dia 19 de agosto de
2010
http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151608582007000100011&lng=pt&nrm=iso
Stirtzinger, R. M., Robinson G. E, Stewart, D.E. & Ralevski, E. (1999). Parameters of
grieving in spontaneous abortion. Int J Psychiatry Med. 29(2):235-49.
Szejer, M. & Stewart, R. (1997). Nove meses na vida da mulher: uma aproximação
psicanalítica da gravidez e do nascimento. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Ximenes Neto F.R.; França, I.A.; Silva, R.C.C.; & Albuquerque. I.M.N. (2011). Percepção
feminina diante da gravidez interrompida: análise da experiência vivenciada por
mulheres com Diagnóstico de abortamento. Ciencia Y Enfermeria XVII (1): 95-103.
Winnicott, D.W. (1978) “Da Pediatria à Psiquiatria”, em Textos selecionados da Pediatria à
Psicanálise, Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, (publicado originalmene em
1948).
Os autores:
Luiz Carlos Avelino da Sílva é psicólogo, mestre em Psicologia pela UnB, doutor em Psicologia pela USP e professor
adjunto da Universidade Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720, Bairro Umuarama, CEP 38405-320 – Uberlândia –
MG. E. mail: [email protected]
Fábia Tunísia Alves Xavier é psicóloga graduada pela Universidade Federal de Uberlândia, com Residência
Multiprofissional em Atenção em Urgência e Emergência e cursa Especialização em Psicoterapia Clínica. Rua
Venôngero Cabral de Melo, 65. Roosevelt. CEP 38401-230, Uberlândia –MG
86
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA
RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO
HUMANISTA A PARTIR DE CARL ROGERS
Pedro Gonçalves de Lima
Adriano Furtado Holanda
(UFPR – Curitiba - PR)
Resumo
A autenticidade, uma das condições necessárias e suficientes apresentada por Carl Rogers, quando
presente na relação entre terapeuta e cliente, faz com que exista um caráter facilitador do crescimento
pessoal. A autenticidade como característica tanto do terapeuta como também do cliente, permite um
desenrolar da terapia muito mais verdadeiro. A relação entre autenticidade e o relacionamento
psicoterapêutico é bastante intrínseca e quando presente faz com que o processo terapêutico siga o
caminho do desenvolvimento. Na relação que se estabelece entre cliente e terapeuta, as atitudes são
as principais responsáveis pela modificação terapêutica, entendendo que são mais importantes que a
própria orientação teórica do terapeuta.
Palavras-chave: autenticidade; relação terapêutica; Carl Rogers
Abstract
The Question of Autenticity in the Therapeutic Relationship of Humanist Orientation from
Carl Rogers
The authenticity, one of the necessary and sufficient conditions presented by Carl Rogers, when
present in the relationship between therapist and client, provides a facilitation of personal growth.
The authenticity, as a characteristic of both the therapist and client, also allows a course of therapy
much more real. The relation between authenticity and the psychotherapeutic relationship is very
intrinsic and when present makes the therapeutic process follow the path of development. On the
relation established between client and therapist, the attitudes are the main reasons for treatment
modification, understanding that are more important than the very theoretical orientation of the
therapist.
Keywords: authenticity; relationship therapy; Carl Rogers.
Artigo Recebido em 04/10/2011 e Aprovado em 30/05/2012
Introdução
A relação terapêutica pode ser
compreendida de diversas maneiras,
justamente por haver diversas abordagens
teóricas no campo da Psicologia que se
dispõem a estudá-la. A opção deste trabalho
foi por estudar a relação terapêutica pelo
viés da abordagem humanista, a partir do
pensamento de Carl Rogers, por se entender
que se trata de uma abordagem que
se fundamenta numa preocupação
com o homem, no sentido de valorizar
87
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
sua existência e buscar sua essência
naquilo que ele possui de mais intímo
e particular: sua experiência, sua
vivência (Holanda, 1998, p.41).
Costuma-se denominar de abordagem
“humanista” os modelos teóricos e técnicos
surgidos entre os anos 1940 e 1960, nos
Estados Unidos, e ligados a nomes tais
como Abraham Maslow, Carl Rogers,
dentre outros (Holanda, 1998; Oro, 1993;
Schutz, 1969). Por ser um movimento cuja
identidade
se
expressa
por
um
“rompimento” em relação às duas grandes
tendências da Psicologia de época – o
Behaviorismo e a Psicanálise – passou a ser
conhecido como “terceira força”, fazendo
frente ao que julgava ser uma
desumanização determinista da imagem do
ser humano, derivada dessas abordagens
(Castanõn, 2007).
Mas esse movimento possui raízes no
pensamento europeu,
O movimento humanista começou
com a chegada aos Estados Unidos de
emigrados da Europa por causa da
Segunda Guerra Mundial, que
levaram
às
Universidades
o
pensamento de filósofos e psiquiatras,
em geral alemães, conhecedores dos
pensamentos
de
Husserl
e
Kierkegaard (...). (Oro, 1993, p.119120).
A abordagem humanista da Psicologia
surgiu da necessidade de ampliação da visão
de homem que se tinha a partir da atuação
da Psicanálise e do Behaviorismo, que – na
visão da maioria dos autores do movimento
– privilegiavam aspectos particulares em
detrimento do todo ou, em outras palavras,
tratavam de partes de um todo e não
conseguiam alcançar uma visão de ser
humano que o considerasse em sua
totalidade. O foco da abordagem humanista
é o próprio indivíduo e a sua existência e é
na relação terapêutica que se pode estudar e
observar mais consideravelmente o ser
humano, sua existência e seu processo de
tornar-se, entendendo-o em sua totalidade e
não através de pressupostos mecanicistas,
reducionistas e deterministas (Holanda,
1998).
Carl Rogers levou esta filosofia
humanista a fundo, aplicando-a à
psicoterapia, redefinindo o papel do
terapeuta na relação (...). Ao
reposicionar o terapeuta na relação
com seu cliente, Rogers redimensiona
o valor e o papel do ser humano nas
relações humanas e na sociedade
(Holanda, 1998, p. 47).
Partindo-se do pensamento de Carl
Rogers, entende-se que uma das questões
mais importantes ao se pensar a relação
terapêutica é a autenticidade, caracterizada
pela
expressão tirada de Kierkegaard: ‘ser
o que realmente se é’. Trata-se de um
estado de integração da pessoa, no
qual, somente seu potencial se
encontra mais plenamente liberado
para atuar (Amatuzzi, 1989, p. 96).
O termo autenticidade aparece ao longo
de toda a obra de Rogers, como uma
condição da terapia, ou seja, como elemento
“necessário e suficiente” para a mudança da
personalidade e crescimento do cliente e
como elemento constitutivo do próprio
desenvolvimento do sujeito, de maneira que
crescimento e desenvolvimento ocorrem a
partir de um modo autêntico de ser (Rogers,
1974, 1985; Rogers & Kinget, 1975). A
autenticidade aponta para algo que está
além de uma fachada, além daquilo que a
pessoa deve ser ou daquilo que os outros
88
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO HUMANISTA A PARTIR
DE CARL ROGERS
esperam, e além daquilo que simplesmente
agrada aos outros. É um ser não
determinado pelas expectativas de papel
ligadas a uma situação concreta, expectativa
geralmente anônima e despersonalizante
(Amatuzzi, 1989).
Para tratarmos especificamente do tema
“autenticidade” na relação terapêutica de
orientação humanista, estaremos nos
centrando na perspectiva de Carl Rogers,
lançando mão ainda de comentadores como
Amatuzzi (1989), Castanõn (2007), Gobbi,
Holanda, Justo e Missel, (2005), Holanda
(1998), Messias e Cury (2006), Oro (1993),
Schultz (1969) e Yalom (2002, 2007). A
escolha desses autores se deu pelo fato de
possuírem pensamentos que contribuem
com o objetivo do trabalho e que vão ao
encontro das idéias de Rogers acerca da
relação terapêutica e da autenticidade, sendo
utilizados, ao longo do trabalho, de maneira
a complementar as idéias desenvolvidas.
A intenção desse trabalho foi a de
realizar uma reflexão deste tema tão
importante para a prática do psicólogo,
tanto na atuação clínica individual, como
com grupos terapêuticos e oferecer uma
reflexão teórica para estudantes de
psicologia.
A relação terapêutica para Carl Rogers
Em
qualquer
orientação
psicoterapêutica, segundo Rogers (1974),
presta-se ajuda aos indivíduos, o que gera
mudanças:
O comportamento modifica-se, muitas
vezes na linha de uma mais perfeita
adaptação. A personalidade parece
diferente tanto para os próprios como
para quem os conhece (p.137).
Rogers e Kinget (1975) enunciam
características da relação terapêutica e
destacam que o terapeuta deve ser capaz de
se
empenhar
em
uma
relação
profundamente pessoal com o cliente; que o
cliente seja tratado como um ser portador de
valor incondicional qualquer que seja o
estado, o comportamento ou as atitudes
dele; que o terapeuta esteja e se mostre
disponível ao cliente; que nenhum obstáculo
interior impeça o terapeuta de participar das
experiências do cliente; que o terapeuta seja
capaz de confiar plenamente nas forças de
crescimento do cliente, que tenha confiança
nessas forças mesmo sem poder prever as
direções que elas seguem, contentando-se
em criar um clima suscetível para que elas
se manifestem, permitindo ao cliente ser ele
mesmo.
Por mais diferentes e singulares que
possam ser as relações interpessoais, elas
partilham de certos aspectos fundamentais
que formam uma estrutura característica e
apresentam certas qualidades afetivas
específicas, cuja variedade dá à relação sua
singularidade. A estrutura define a relação
em termos de seu objeto e de sua finalidade
e também os papéis das partes envolvidas.
Por mais que, a princípio, a estrutura da
relação seja vista como independente das
qualidades que a compõem, existem
relações em que seu estabelecimento e sua
continuação dependem da natureza dessas
qualidades, onde, por mais adequada que
seja a estrutura, se a qualidade não for
sentida como positiva a relação deixa de
existir (Rogers & Kinget, 1975). Rogers e
Kinget (1975) entendem que a relação
terapêutica se encontra nessa categoria,
sendo
um tipo de relação em que a
significação e os efeitos são
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
89
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
determinados por certas qualidades,
ou verdadeiramente terapêuticas, ou
simplesmente
sentidas
como
agradáveis e estimulantes (p. 120).
As qualidades são atributos essenciais
da relação terapêutica, tal como a entende o
“rogeriano”, sendo possível identificar
quatro principais: respeito, tolerância,
compreensão e aceitação. O respeito se
apresenta como gratuito e incondicional, e
se fundamenta sobre o fato de que o cliente
é um ser único, portador de uma experiência
única, e pelo fato de que o cliente se
apresenta comprometido com o processo de
melhora e cuidado do eu, revelando-se
como alguém que escolhe verdadeiramente
superar seu estado atual. A tolerância
também é incondicional, no sentido que se
estende a tudo que o cliente acredita ser
necessário falar, podendo se tratar de
confidências
importantes
ou
coisas
aparentemente banais. Quando o cliente
descobre que pode se mostrar da maneira
que sente sem que o terapeuta manifeste um
tipo de julgamento, ele tem condições de se
sentir mais à vontade na relação. A
compreensão,
mais
delimitadamente
chamada de compreensão empática, é de um
esforço por compreender os dados
fornecidos pelo cliente da maneira como o
próprio cliente os compreende. A
compreensão proporciona ao cliente um
aprendizado sobre a verificação de suas
percepções e possíveis correções destas. A
aceitação pode ser entendida como uma
atitude de acolhimento, onde o terapeuta
considera não somente o material positivo e
negativo, como também a configuração
particular que este material apresenta no
momento (Rogers & Kinget, 1975).
Há uma tendência do paciente a iniciar a
terapia olhando para si de maneira mais
crítica e julgando-se segundo padrões
estabelecidos por outras pessoas. O paciente
toma para si um ideal, mas considera-o
muito diferente do que sente que é. De um
ponto de vista emocional, o equilíbrio dos
sentimentos pende para o lado negativo.
Com a continuação da terapia, vivencia
muitas vezes contradições em relação a si
mesmo e à medida que as explora, torna-se
mais realista na percepção de si e mais
capaz de se aceitar. À medida que estas
alterações ocorrem, o paciente sente-se mais
espontâneo e faz a experiência de si como
de uma pessoa mais real e mais unificada
(Rogers, 1974).
Segundo Rogers (2009), quando o
processo terapêutico segue uma linha de
crescimento e desenvolvimento é possível
notar que as pessoas têm uma orientação
positiva, que as pessoas trazem dentro de si
a capacidade e a tendência para caminhar
rumo a essa direção, descrita como positiva
e construtiva, tendente à auto-realização e
ao crescimento, progredindo para a
maturidade. É uma tendência da qual toda
psicoterapia depende, se constituindo como
“mola principal da vida” (p. 40).
Quanto à qualidade afetiva da relação, o
bom resultado em psicoterapia está ligado à
simpatia e ao respeito crescente entre cliente
e terapeuta. As atitudes e sentimentos do
terapeuta são mais importantes do que a sua
orientação teórica, do que os procedimentos
e técnicas que utiliza, e são as principais
responsáveis pela mudança terapêutica
(Rogers, 2009).
Em sua atuação como terapeuta, Rogers
centrava-se mais na vivência das duas
pessoas ao interagirem na relação
terapêutica do que no conteúdo verbal
discutido, vivência que ocorre num presente
imediato, num aqui e agora. O
90
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO HUMANISTA A PARTIR
DE CARL ROGERS
questionamento se dá no como ele
experiencia. Sentimentos passados, fatos,
vivências, idéias, situações, ou seja,
qualquer coisa que o cliente venha a referir
como conteúdo, tem pouca importância
diante da experienciação presente, imediata.
Focaliza-se o processo intersubjetivo e não
a problemática discutida (Messias & Cury,
2006). Quando se aceita o cliente como algo
definido, já diagnosticado e classificado,
contribui-se para confirmar uma hipótese
limitada, porém quando se aceita o outro
como num processo de tornar-se quem
realmente é está se contribuindo para
confirmar ou tornar reais as potencialidades
dele (Rogers, 2009).
As condições para o processo terapêutico
Rogers parte de alguns pressupostos
importantes para destacar o processo
psicoterapêutico. Preliminarmente, parte da
idéia que o cliente é fundamentalmente
responsável por si mesmo, além de uma
confiança
numa
tendência
ao
desenvolvimento, o que delimita a
necessidade de se criar um “clima” ou
“atmosfera” facilitadores que permita ao
paciente a vivência e expressão de si
próprio (Rogers, 1946). Rogers parte da
idéia que, se o cliente experienciar essas
condições, ele poderá expressar atitudes,
pensamentos, reações e sentimentos de
forma mais plena, de modo mais consciente
e mais responsável, adquirindo condições de
apreensão mais clara de sua própria
realidade, e terá mais condições de traçar
metas e objetivos (Rogers, 1946).
Basicamente,
a
razão
para
a
previsibilidade do processo terapêutico está
na descoberta – e uso esta palavra
intencionalmente – de que no interior do
cliente residem forças construtivas cujo
poder e uniformidade não têm sido
reconhecidos inteiramente, como também
têm sido bastante subestimados. É a nítida e
disciplinada confiança do terapeuta nessas
forças internas do cliente que parece
explicar a ordenação do processo
terapêutico, bem como sua consistência de
um cliente para outro (Rogers, 1946, p.
417).
Para Rogers (2007), as pessoas possuem
dentro de si vastos recursos para a
autocompreensão e para modificação de
conceitos, atitudes e comportamentos
próprios. Esses recursos podem ser ativados
dentro do processo terapêutico se houver
um clima de atitudes psicológicas
facilitadoras por parte do terapeuta. Há três
condições que devem estar presentes para
que se crie um clima facilitador de
crescimento.
A primeira condição é a presença da
“autenticidade”. Quanto mais o terapeuta
for ele mesmo na relação com o outro,
removendo barreiras profissionais e
pessoais,
vivendo
abertamente
os
sentimentos e atitudes que fluem nele no
momento, maior será a probabilidade de que
o cliente mude e cresça de maneira
construtiva. O cliente tem condições de ver
claramente o que o terapeuta é na relação e
não se defronta com qualquer resistência
por parte dele (Rogers, 2007). É uma
condição que envolve disposição para ser e
expressar nas próprias palavras e
comportamentos os vários sentimentos e
atitudes que existem em si, sendo
extremamente importante ser real (Rogers,
2009). Nas palavras de Rogers, a
autenticidade – que também aparece em sua
obra como “congruência” ou como “acordo
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
91
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
interno” – seria uma condição que
estabeleceria como:
(...) o terapeuta deveria ser, nos
limites desta relação, uma pessoa
integrada, genuína e congruente. Isto
significa que, na relação, ele está
sendo livre e profundamente ele
mesmo, com sua experiência real
precisamente representada em sua
conscientização de si mesmo. É o
oposto de apresentar uma ‘fachada’,
quer ele tenha ou não conhecimento
disto (Rogers, 1957, p. 161).
A segunda condição é o que Rogers
chama
de
“consideração
positiva
incondicional”. Ela ocorre quando o
terapeuta tem uma atitude positiva em
relação ao que quer que o cliente seja no
momento.
O
terapeuta
tem
uma
consideração integral, positiva e não
condicional pelo cliente (Rogers, 2007):
[o terapeuta] deseja que o cliente
expresse o sentimento que está
ocorrendo no momento, qualquer que
ele seja – confusão, ressentimento,
medo, raiva, coragem, amor ou
orgulho (...). O terapeuta tem uma
consideração
integral
e
não
condicional pelo cliente (p. 39).
A terceira condição é uma
“compreensão empática”. Com ela, o
terapeuta capta com precisão os
sentimentos e significados pessoais da
vivência do cliente e comunica a ele
essa compreensão. O terapeuta pode
ser capaz de esclarecer tanto aquilo
que está consciente como também
aquilo que se encontra abaixo do nível
da consciência. (Rogers, 2007). É a
capacidade de se imergir no mundo
subjetivo do outro e de participar da
sua experiência, na extensão em que a
comunicação verbal ou não-verbal o
permite. É a capacidade de se colocar
verdadeiramente no lugar do outro,
de ver o mundo como ele o vê (Rogers
& Kinget, 1975, p. 104).
O clima sustentado por essas três
condições desenvolve uma atitude de maior
consideração das pessoas em relação a si
mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de
modo empático, são capazes de um ouvir
mais cuidadoso do fluxo das próprias
experiências internas. E à medida que uma
pessoa compreende e considera o seu eu, ela
cria condições de lidar com suas próprias
experiências de modo mais autêntico,
tornando-se uma pessoa mais verdadeira
(Rogers, 1983). Como aponta Rogers
(2009):
Quanto mais o cliente percebe o
terapeuta
como
uma
pessoa
verdadeira e autêntica, capaz de
empatia, tendo para com ele uma
consideração incondicional, mais ele
se afastará de um modo de
funcionamento
estático,
fixo,
insensível e impessoal, e se
encaminhará no sentido de um
funcionamento marcado por uma
experiência fluida, em mudança e
plenamente receptiva dos sentimentos
pessoais
diferenciados.
A
consequência desse movimento é uma
alteração na personalidade e no
comportamento no sentido da saúde e
da maturidade psíquicas e de relações
mais realistas para com o eu, os
outros e o mundo circundante (p.77).
Mesmo entendendo que as três
condições são de extrema importância e que
muito ainda pode ser discutido sobre elas, o
presente trabalho tem como foco o primeiro
aspecto: a autenticidade. Entende-se que os
92
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO HUMANISTA A PARTIR
DE CARL ROGERS
outros dois elementos são permeados por
este e que não é por acaso que Rogers
enuncia em suas obras a autenticidade antes
das outras condições. A aceitação
incondicional e a compreensão empática são
permeadas pela autenticidade pelo fato de
precisarem ser vivenciadas e transmitidas ao
cliente, o que, se for feito de modo não
autêntico, poderá prejudicar o processo
terapêutico.
Mesmo sendo apresentadas as condições
terapêuticas de maneira generalizada,
entendemos que cada cliente vivencia a
relação de modo singular, tornando
desnecessário e inútil uma manipulação das
condições e da relação a fim de adaptá-las a
diferentes indivíduos, o que somente
prejudica o caráter autêntico da relação.
O caráter mais importante e precioso
da relação é que ela representa uma
relação autêntica entre duas pessoas,
em que cada uma se esforça, do
melhor modo possível, em ser ‘ela
mesma’ em sua interação com a outra
(Rogers & Kinget, 1975, p. 183).
É sobre o cliente que recai a tarefa de
dirigir a exploração do eu e de propor as
interpretações dos materiais descobertos, de
modo que a significação da experiência
acontece com freqüência no decorrer do
processo, podendo o cliente modificar
muitas vezes sua interpretação de dada
experiência (Rogers e Kinget, 1975).
É o próprio cliente que sabe aquilo de
que sofre, qual a direção a tomar e quais
problemas são cruciais, portanto, o melhor é
deixar ao cliente a direção do movimento do
processo terapêutico (Rogers, 2009). Na
realidade, uma das principais contribuições
de Rogers ao campo da psicoterapia, foi o
fato de ter empoderado (ou re-empoderado)
o cliente no processo, recolocando-o numa
posição de autonomia e responsabilidade na
condução de sua própria vida (Holanda,
1998).
A autenticidade na relação terapêutica
Yalom (2002) afirma que a psicoterapia
é um processo criativo e espontâneo
moldado pelo estilo único de cada teoria e
que é personalizado para cada paciente.
Apropriamos-nos de alguns textos de Irvin
Yalom, tanto por suas contribuições em
relação ao tema aqui tratado, quanto pelo
fato do próprio Rogers ser citado em
algumas de suas obras, quando fala da
preocupação com o paciente e com a
relação terapêutica. Rogers (1985/2009)
aponta que
a transformação pessoal é facilitada
quando o psicoterapeuta é aquilo que
é, quando as suas relações com o
cliente são autênticas e sem máscara
nem fachada, exprimindo abertamente
os sentimentos e atitudes que nesse
momento fluem nele (p. 71).
Quando as relações com o cliente são
autênticas, o terapeuta pode viver os
sentimentos e atitudes que o preenchem,
assumi-los e comunicá-los ao cliente se for
o caso (Rogers, 2009). É importante que o
terapeuta seja plenamente ele mesmo em
sua interação com o cliente, sejam quais
forem os sentimentos e pensamentos que
experimente, e se o terapeuta verifica que
seus sentimentos o preocupam ao ponto de
se sentir incapaz de se concentrar no cliente,
se faz importante a expressão destes
sentimentos (Rogers & Kinget, 1975).
Ser o que realmente se é” é poder
ouvir a si mesmo e aceitar-se e é essa
aceitação de si mesmo que torna as
relações mais reais e mais autênticas.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
93
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
Poder aceitar um sentimento ou um
pensamento próprio torna mais
plausível
a
aceitação
dos
pensamentos e sentimentos do outro,
favorecendo o estabelecimento de
relações autênticas. “É unicamente
quando aceito essas atitudes como um
fato, como uma parte de mim, que as
minhas relações com as outras
pessoas se tornam o que são e podem
crescer e transformar-se com maior
facilidade (Rogers, 2009, p. 21).
Segundo Amatuzzi (1989), o ser
humano
surpreende-se
sendo
mais
verdadeiro do que em um momento anterior
ou, outras vezes, ‘sendo menos’ do que
aquilo que realmente é. Rogers – em
diálogo com Buber – afirma: “A pessoa
pode estar expressando algo e de repente ser
tocada por um significado de algo que vem
de um lugar nele mesmo, o qual não
reconhece. Em outras palavras, ele
realmente é surpreendido por si próprio”
(Rogers & Buber, 2008, p. 240). Rogers
ainda aponta que quando uma mudança real
ocorre na terapia em algum momento,
ocorre porque houve um encontro real de
pessoas no qual o momento foi
experienciado da mesma forma dos dois
lados (Rogers & Buber, 2008).
Yalom (2007) comenta que quando se
está com dificuldade de responder a um
paciente, quando se está preso entre duas ou
mais deliberações, dificilmente se estará
cometendo um erro se expressar
abertamente esse dilema com o paciente.
Quanto mais autêntico for o terapeuta em
uma relação, maior é a possibilidade de
haver mudanças na personalidade do
cliente. O que realmente se é e o que se
sente servem de base para a relação
terapêutica, para que então, como
consequência, o cliente possa vir a ser
aquilo que é, mais abertamente e sem
receio. É na relação com o outro que o
cliente aprende a perceber quando vivencia
seus comportamentos e sentimentos de um
modo não autêntico, como sendo algo que
não flui autenticamente, mas que na verdade
constitui uma fachada, uma máscara, atrás
da qual está se escondendo (Rogers, 2009).
Um pensamento habitual sobre o modo
autêntico de ser é de acreditar que ser o que
realmente se é “significa ser mau,
descontrolado e destrutivo” (Rogers, 2009,
p. 201), sendo essa a concepção de quase
todos os clientes recém chegados à
psicoterapia. Porém, a vivência da relação
terapêutica contraria esses receios e quanto
mais o cliente for capaz de permitir que seus
sentimentos fluam e existam nele, melhor
estes se harmonizam (Rogers, 2009).
A expressão ‘ser o que realmente se é’
também pode passar a impressão de que
existe algo pronto e definido para se buscar
e que aquilo que realmente se é precisa ser
descoberto e não criado dentro de um novo
modo de ser. Não se trata, porém, de uma
identidade escondida que deve ser
encontrada, mas sim de um outro modo de
ser e de se relacionar, de um outro tipo de
integração onde os elementos se relacionam
de forma totalmente diferente (Amatuzzi,
1989).
Rogers (2009) esboça algumas das
tendências e direções tomadas pelos seus
clientes no processo terapêutico. Observa
em primeiro lugar que, de forma
característica, o cliente demonstra uma
tendência para se afastar do que ele não é,
mesmo que não saiba para onde se
encaminha, identificando fachadas com as
quais ele esconde quem de fato ele é. Outra
tendência do mesmo gênero apresentada
94
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO HUMANISTA A PARTIR
DE CARL ROGERS
pelo cliente é a de que ele se desvia de uma
imagem que ele devia ser, construída de
acordo com os outros e com aquilo que a
cultura espera que ele seja, agindo de modo
a se afastar daquilo que é esperado que ele
faça e além do agradar os outros.
De acordo com Yalom (2002), para o
estabelecimento de uma relação autêntica
entre terapeuta e cliente é essencial a
revelação dos sentimentos do terapeuta para
com o cliente no presente imediato. Porém,
essa revelação não deve ser feita de modo
indiscriminado, deve ser feita de acordo
com o melhor interesse do cliente. É
necessário descobrir uma maneira de
transformar a percepção dos sentimentos em
vantagem terapêutica. Qualquer atitude ou
sentimento que se estiver vivenciando deve
vir acompanhado por uma consciência desta
atitude. Nesse momento se está sendo o que
realmente se é e uma confiança é
proporcionada aos outros a partir desse
fator. Quando não ocorre essa vivência
acompanhada da consciência da mesma, a
comunicação se torna contraditória e
confusa (Rogers, 2009).
Quanto mais se conseguir ser autêntico
na relação, mais útil esta será. Para isso
deve-se estar consciente dos próprios
sentimentos e não apresentar uma imagem
externa que não condiga com o que
realmente se pensa e acredita. Faz parte do
ser autêntico uma disposição para ser e
expressar, nas próprias palavras e nos
comportamentos, os vários sentimentos e
atitudes que existem dentro de si.
Apresentando a realidade autêntica que está
dentro de si, a outra pessoa pode então
procurar pela sua própria realidade com
êxito (Rogers, 2009). A proximidade no
relacionamento terapêutico proporciona um
porto seguro para os pacientes revelarem-se
a si próprios o mais inteiramente possível
(Yalom, 2002).
Segundo Rogers (2009), um princípio
fundamental é poder confiar na própria
experiência. É com essa “confiança no
próprio organismo” (p. 133), que a pessoa
descobre cada vez mais que pode confiar
em si própria e que pode utilizar deste para,
de
modo
autêntico,
descobrir
o
comportamento mais satisfatório em
determinada situação imediata. Entendemos
a confiança na experiência como uma forma
de experienciação, isto é, uma forma do
indivíduo se relacionar com a própria
experiência. Essa relação pode ser da maior
qualidade (quando há confiança na
experiência) ou de menor qualidade
(quando não se confia na experiência) e de
acordo com Messias e Cury (2006),
quanto mais baixo o grau de
experienciação, mais pobre é o
contato da pessoa com a própria
experiência subjetiva; quanto mais
alto grau, maior a acessibilidade e
capacidade de novas configurações
(p. 357).
Segundo Amatuzzi (1989), Rogers
distingue uma experienciação plena e livre,
que corresponde à autenticidade, de uma
experienciação limitada e impedida de fluir.
Essa experienciação não pode ser plena se
não estiver assumida na totalidade integrada
da pessoa, não pode ser total se o indivíduo
não estiver desimpedido e sem barreiras
para assumi-la.
A autenticidade seria uma proximidade
com “o que se passa dentro da pessoa”,
como uma proximidade à experiência,
sendo que experiência se refere a tudo que
se passa com a pessoa em algum momento e
que está potencialmente disponível à
consciência. Porém, esse acesso à própria
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
95
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
experiência não é simples e uma vez
começado o processo, que é o próprio
processo de busca da autenticidade, ele vai
se revelando com uma inesperada e até
inesgotável riqueza, mas que pode se
apresentar como ameaçadora. Saber o que
se passa dentro de si é uma tarefa para toda
a vida e ninguém jamais está totalmente
apto a entrar em contato sem dificuldade
com o que acontece no cerne da própria
experiência.
Quando
essa
aproximação
desencadeante da experiência se
torna o modo de ser da pessoa,
podemos dizer que ela passa a ser sua
própria experiência, passa a ser
aquilo que se passa com ela
(Amatuzzi, 1989, p. 105).
Outro princípio fundamental ao se
pensar em relação terapêutica autêntica é a
“abertura à experiência” (Rogers, 2009,
p.130), que permite que o indivíduo se torne
mais consciente de seus próprios
sentimentos e atitudes, podendo vivê-los
mais plenamente ao invés de tentar evitar
que sejam percebidos ou disfarçá-los. O
indivíduo, progressivamente, torna-se mais
capaz de ouvir a si mesmo e de vivenciar o
que se passa consigo, encontra-se mais
aberto aos sentimentos como existem nele e
é livre para tomar consciência deles. Tornase mais capaz de viver plenamente a
experiência do seu organismo, ao invés de
recusar-se a permitir que sejam percebidas.
O indivíduo aberto à experiência,
desprovido de atitudes defensivas, viveria
cada momento da sua vida como novo, em
uma tendênca crescente para viver
plenamente cada momento.
Ser o que verdadeiramente se é implica
em uma tendência do cliente para viver
numa relação aberta e amigável com sua
própria experiência, o que desemboca numa
abertura e aceitação das outras pessoas. Na
medida em que um cliente “se torna capaz
de assumir sua própria experiência, caminha
em direção à aceitação da experiência dos
outros” (Rogers, 2009, p. 198). A busca da
autenticidade é uma busca existencial, no
sentido que envolve o ser todo e não uma
parte dele apenas (Amatuzzi, 1989).
Considerações finais
Uma relação terapêutica autêntica viria
a ser aquela em que – tanto o terapeuta
quanto o cliente – buscam ser
verdadeiramente aquela experiência que tem
de si mesmos. Ambos estariam presentes no
momento e dispostos a se relacionar da
maneira
mais
verdadeira
possível.
Sentimentos de raiva ou de inveja, por
exemplo, presentes na relação seriam
abordados na própria relação de modo que o
trabalho com essas questões contribui com o
caráter autêntico da relação. A autenticidade
como caráter da relação terapêutica aparece
quando não há manipulação de fatores,
informações ou sentimentos presentes na
relação.
Deve-se procurar ser o mais autêntico
possível na relação, tanto o terapeuta quanto
o cliente, tendo-se como intenção o
crescimento pessoal e terapêutico. Para o
terapeuta, o interesse do cliente tem de ser
levado em conta na revelação dos seus
sentimentos no momento imediato não
devendo ser feita de maneira indiscriminada
e sim de acordo com o melhor interesse do
cliente.
Essa relação terapêutica autêntica se
caracteriza por desempenhar um papel
importante
no
desenvolvimento
e
crescimento pessoal, “na libertação e no
96
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
A QUESTÃO DA AUTENTICIDADE NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA DE ORIENTAÇÃO HUMANISTA A PARTIR
DE CARL ROGERS
processo de facilitação da tendência do
organismo para um desenvolvimento
psicológico ou para sua maturidade”
(Rogers, 2009, p.70). Se, em uma dada
relação, se é suficientemente autêntico; se
não há sentimento velados na relação, podese considerar que se trata de uma relação
construtiva (Rogers, 2009).
Para que se possa estabelecer uma
relação terapêutica autêntica, é importante
que as pessoas envolvidas sejam autênticas
consigo mesmas, possam aceitar sua
espontaneidade e suas intuições e confiar
nelas; é ainda preciso estar confortável
consigo mesmo para poder falar e exprimir
sentimentos, pensamentos, vontades e
desejos. Questões como preocupações,
receios, preconceitos e cautelas limitam a
autenticidade e as possibilidades de
crescimento na relação. A existência dessas
questões impede uma maneira autêntica de
ser, por estabelecer uma influência negativa
no foco desejado. Evitar ou não abordar
uma determinada questão importante faz
com que outras questões não sejam
abordadas plenamente. Poder falar de
questões desta natureza ajuda a superar
limitações de relacionamento.
Assim como afirma Yalom (2007), se
algo importante na relação terapêutica não é
falado, tanto pelo terapeuta como pelo
paciente, nada mais de importante será
discutido. Semelhante à clássica epígrafe de
Lacan, quando diz que o que não é falado
vira sintoma. Ao discutir a mudança na
relação terapêutica, Rogers (1974) aponta
que:
(...) a alteração faz-se no sentido de
uma maior unificação e integração da
personalidade; um menor grau de
tendências
neuróticas;
uma
diminuição da ansiedade; um maior
grau de aceitação de si e da
emotividade como parte de si; uma
maior objetividade ao lidar com a
realidade (...) (p. 181).
Todo esse movimento observado é
facilitado pela autenticidade no processo
terapêutico. É a partir de uma relação
autêntica entre terapeuta e cliente que o
crescimento e o desenvolvimento pessoal
ocorrem.
A intenção deste trabalho não foi de
concluir uma discussão e as idéias e
reflexões levantadas não visam um
fechamento, mas seguramente estas abrem
caminho para novas discussões que possam
desvelar sentidos para o processo
psicoterapêutico.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
97
PEDRO GONÇALVES DE LIMA, ADRIANO FURTADO HOLANDA
Referências
Amatuzzi, M. M. (1989). O resgate da fala autêntica. Campinas: Papirus.
Castanõn, G. A. (2007). Psicologia humanista: a história de um dilema epistemológico.
Memorandum, 12, 105-124. Recuperado em 15 out. 2010, da World Wide Web:
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a12/castanon01.pdf
Gobbi, S.L.; Holanda, A.F.; Justo, H. & Missel, S.T., (2005). Vocabulário e noções básicas
da abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Vetor Editora.
Holanda, A. F. (1998). Diálogo e psicoterapia: correlações entre Carl Rogers e Martin
Buber. São Paulo: Lemos Editorial.
Messias, J. C. C. & Cury, V. E. (2006). Psicoterapia centrada na pessoa e o impacto no
conceito de experienciação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19 (3): 355-361.
Oro, O.R. (1993). Psicología de la personalidad. Distintos enfoques a partir de una visión
de conjunto, Buenos Aires: Ediciones Fundación Argentina de Logoterapia ‘Viktor
E.Frankl’.
Rogers, C.R. (1946). Significant Aspects of Client-Centered Therapy, American
Psychologist, 1(10): 415-422.
Rogers, C.R. (1957). The Necessary and Sufficient Conditions of Therapeutic Personality
Change, Journal of Consulting Psychology, 21 (2): 95-103.
Rogers, C. R. (1974). Terapia centrada no cliente. São Paulo: Martins Fontes
Rogers, C. R. (2007). Um jeito de ser. São Paulo: EPU. (Trabalho original publicado em
1983)
Rogers, C. R. (2009). Tornar-se pessoa. São Paulo: WMF Martins Fontes. (Trabalho
original publicado em 1985).
Rogers, C. R. & Buber, M. (2008). Diálogo entre Carl Rogers e Martin Buber. Revista da
Abordagem Gestáltica. 14 (2): 233-243.
Rogers, C. R. & Kinget. G. M. (1975). Psicoterapia e relações humanas. Belo Horizonte:
Interlivros.
Schultz, D.P. (1969). A History of modern psychology, New York: Academic Press.
Yalom, I. D. (2002). Os desafios da terapia. Rio de Janeiro: Ediouro.
Yalom, I. D. (2007). O carrasco do amor. Rio de Janeiro: Ediouro.
Os autores:
Pedro Gonçalves de Lima é graduando da Universidade Federal do Paraná. Rua Palmeiras, 714, apto. 31, Água Verde,
CEP 80620-110 - Curitiba-PR Tel.: (41)3244-3200/(41)9651-1127 Email: [email protected]
Adriano Furtado Holanda é Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná, Departamento de Psicologia /
Universidade Federal do Paraná, Praça Santos Andrade, 50 – Sala 215 (Ala Alfredo Buffren) CEP 80060.240 –
Curitiba / PR – BRASIL Tel.: + 55 41 9244.2460 Email: [email protected]
98
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
UM ESTUDO DE CASO SOBRE A ADAPTAÇÃO
DE TÉCNICAS TERAPÊUTICAS COGNITIVOCOMPORTAMENTAIS INFANTIS1
Maura Ribeiro Alves
(UFG – Catalão - GO)
Resumo
A proposta deste artigo é apresentar uma intervenção psicoterapêutica infantil sob a luz da terapia
cognitivo-comportamental. Inicialmente são apresentados os aspectos teóricos que fundamentam essa
modalidade terapêutica e, posteriormente será apresentado um estudo de caso com a adaptação de
técnicas infantis usadas por pesquisadores dessa linha teórica. Essas técnicas foram utilizadas durante
o atendimento terapêutico visando mudanças de contingências, modificações de repertórios
comportamentais e treinamento de habilidades específicas. Os resultados alcançados no processo de
intervenção, através da aplicação das técnicas, foram significativos e os objetivos terapêuticos
traçados inicialmente foram alcançados com êxito.
Palavras-chave: terapia cognitivo-comportamental; técnicas infantis; estudo de caso.
Abstract
A case study on the adaptation of therapeutic techniques cognitive-behavioral child.
The purpose of this paper is to present a child psychotherapeutic intervention in light of cognitivebehavioral therapy (CBT). Initially we present the theoretical aspects underlying this therapeutic
approach and subsequently present a case study with techniques adapted for children, used
by researchers in CBT. These techniques were conducted during therapeutic intervention aiming
to change contingencies, change behavioral repertoires and train specific skills. The results
achieved in the intervention process, by applying the techniques were significant and the therapeutic
goals initially outlined were met with success.
Keywords: cognitive-behavioral therapy; techniques for children, case study.
Artigo Recebido em 20/11/2011 e Aprovado em 16/06/2012
Introdução
A terapia cognitivo-comportamental tem
sido extensamente estudada desde sua
criação. Sua aplicabilidade, com resultados
positivos, em vários tipos de transtornos
psicológicos e em diferentes populações
tem demonstrado um êxito significativo
com relação ao tratamento psicoterapêutico.
Essa
modalidade
terapêutica
foi
inicialmente construída para o tratamento de
síndromes psicológicas em adultos e os
modelos de intervenção foram estruturados
levando em consideração as especificidades
dessa população, (Friedberg, R.D., McClure
& J.M, 2001). Entretanto, uma das
populações que tem sido foco de pesquisas
nas últimas décadas é a criança, sendo que
foi necessário à adequação e adaptação
teórica e metodológica para utilização da
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
99
MAURA RIBEIRO ALVES
terapia cognitivo-comportamental nessa
faixa etária. Critérios como, idade,
desenvolvimento
cognitivo,
afetivo,
comportamental
e
contexto
interpessoal/ambiental passaram a ter uma
importância fundamental nas intervenções
clínicas infantis, (Ronen, T., 1997).
A terapia cognitiva de Aaron Beck
derivou de seus esforços para testar os
pressupostos de Freud que pregava a
essência da depressão como uma raiva
voltada contra o self. Beck observou que
esses pacientes tinham repetidamente
sentimentos de fracasso associados a um
viés para a negatividade, o que contrapunha
a teoria freudiana. Com base nesses
estudos, Beck concluiu que a depressão é
produto de interpretações negativas de si, do
ambiente e do futuro. Esses achados foram
os alicerces para o desenvolvimento de sua
teoria cognitiva mais geral dos transtornos
emocionais a qual explica que mudanças no
processamento da informação são essenciais
à psicopatologia, (McGinn, L.K.; Young,
J.E. apud Salkovskis, P.M., 2005). Após
esses postulados Beck estabeleceu a idéia
fundamental do modelo cognitivo: as
emoções experimentadas pelos indivíduos
são produtos do modo pelo qual os eventos
são interpretados. Assim, é o significado
dos eventos que desencadeia as emoções e
não as emoções em si, ou seja, a maneira
como os indivíduos se sentem
está
associada ao modo como eles interpretam e
pensam sobre os eventos, (Beck, J.S., 1997).
Os fundamentos epistemológicos da
terapia cognitiva descrevem três tipos de
pensamento:
pensamento
automático,
crenças intermediárias e crenças centrais.
Pensamentos automáticos são espontâneos e
aparecem em nossa mente a partir dos
acontecimentos do dia-a-dia. Eles não são,
geralmente, acessíveis à consciência, porém
podem ser identificados após um
treinamento adequado.
Pessoas com
transtornos
psicológicos
interpretam
erroneamente situações neutras ou até
mesmo positivas, sendo assim, seus
pensamentos automáticos são tendenciosos.
Pensamentos automáticos disfuncionais são
quase sempre negativos e usualmente
breves, o cliente está mais ciente da
emoção que sente em decorrência do
pensamento do que do próprio pensamento.
Está emoção geralmente está conectada ao
conteúdo do pensamento automático, (Beck,
J., 1997). As crenças secundárias ou
intermediárias
refletem
idéias
mais
profundas e resistentes a mudanças do que
os pensamentos automáticos. Elas não são
diretamente relacionadas às situações e
ocorrem sob a forma de suposições ou
regras. Essas suposições caracterizam-se
por um estilo de pensamento condicional do
tipo “Se...então”. As regras geralmente
incluem declarações associadas a “dever”.
Esse tipo de crença constitui uma forma
que o cliente encontra para diminuir o
sofrimento provocado pelas crenças
centrais, (Rangé, 2001). Já as crenças
centrais são consideradas o nível mais
profundo da estrutura cognitiva e são
constituídas por idéias absolutistas, rígidas e
globais que os sujeitos tem sobre si, os
outros e o mundo que o cerca. Essas crenças
são desenvolvidas na infância, através dos
contatos interpessoais, circunstâncias muito
traumáticas ou experiências freqüentes que
se tornam convincentes na vida adulta,
mesmo diante de evidências contrárias.
Essas crenças tornam-se o conteúdo dos
esquemas que são definidos como estruturas
cognitivas que direcionam a pessoa para
lidar com as situações auxiliando-a a
100
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
COMPORTAMENTAIS INFANTIS
A
ADAPTAÇÃO
selecionar detalhes do ambiente e recordar
questões relevantes, (Rangé, 2001). A
partir desses conceitos fundamentais, a
terapia cognitiva tem como proposta
terapêutica auxiliar o cliente a construir
mudanças cognitivas que viabilizem
modificações no pensamento e no sistema
de crenças visando promover mudança
emocional e comportamental duradoura.
Beck não só modelou a pesquisa e
tratamento em relação à psicopatologia
adulta, mas teve grande influência sobre a
pesquisa em transtornos psicológicos
infantis, (Kendall, P.C.; Warman, M.J. apud
Salkovskis, P.M., 2005). Vários princípios
da teoria cognitiva com adultos são
aplicados à psicoterapia infantil, como o
empirismo colaborativo, a descoberta
guiada e a sessão estruturada com o
estabelecimento da agenda e evocação de
feedback. A tarefa de casa é também um
elemento central que permite a criança
praticar as novas habilidades aprendidas
durante a terapia. Outra semelhança é que a
terapia com crianças continua focalizada no
problema, ativa e orientada a metas.
Entretanto, existem diferenças significativas
que norteiam a terapia cognitiva infantil.
Uma delas é que as crianças vêm à terapia
trazidas pelos responsáveis, e muitas vezes
não reconhecem os próprios problemas.
Além disso, muitas são levadas à terapia
devido às dificuldades que geram em alguns
ambientes que fazem parte como, escola e
convívio familiar. Elas também raramente
exercem controle em algum processo da
terapia, pois não podem escolher quando
iniciar ou terminar o tratamento,
(Friedberg, R.D.; McClure, J.M., 2001).
Outra característica da terapia cognitiva
infantil é que é empírica e focaliza os
problemas cotidianos atuais e em fluxo que
DE
TÉCNICAS
TERAPÊUTICAS
COGNITIVO-
a criança está vivenciando. Assim, os
terapeutas infantis devem analisar as
questões existentes no âmbito familiar,
escolar e outros grupos específicos que a
criança tem contato. Essa investigação é
importante, pois esses ambientes podem
reforçar ou extinguir habilidades adaptativas
que tenham função de controle e
modelagem dos comportamentos da criança.
É
também
necessário
considerar
cuidadosamente a idade da criança, a
capacidade de linguagem, assim como suas
habilidades sociocognitivas. A investigação
dessas variáveis servirá como orientação
para o estabelecimento do plano de ação
terapêutico e o uso de técnicas cognitivocomportamentais durante o período de
intervenção, (Friedberg, R.D., McClure,
J.M., 2001).
O grande desafio da terapia cognitivocomportamental infantil é conciliar as
técnicas utilizadas no tratamento com o
nível cognitivo da criança, além de ser
fundamental considerar o desenvolvimento
em relação aos esquemas afetivo,
motivacional, cognitivo, comportamental e
de controle da criança. Sendo assim, o
terapeuta infantil deve ter um bom
conhecimento sobre psicopatologia infantil
e teorias de desenvolvimento cognitivo,
emocional e físico voltadas à criança. Para
se ter êxito na construção de técnicas
interventivas infantis na terapia cognitivocomportamental é necessário considerar os
aspectos evolutivos do desenvolvimento
cognitivo. Outro ponto importante é
desenvolver as técnicas considerando o
objetivo a ser alcançado durante o
tratamento, (Lopes, R.F.F., Santos, S.A., et
al, 2003).
Os objetivos principais desse estudo é
apresentar a adaptação e utilização de
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
101
MAURA RIBEIRO ALVES
técnicas cognitivo-comportamentais infantis
em um estudo de caso com o propósito de
avaliar suas funcionalidades e propor um
modelo de intervenção para casos clínicos
semelhantes. Os atendimentos foram
realizados com a criança e o cuidador no
período de março a setembro de 2007,
totalizando 16 sessões com a criança e 16
sessões com o cuidador.
As sessões
ocorreram semanalmente e com duração de
cinqüenta minutos e possibilitaram a
aplicação das técnicas adaptadas assim
como sua avaliação em termos de
funcionalidade para o caso específico.
Nesse artigo são apresentadas somente as
sessões realizadas com a criança, uma vez
que os objetivos são as demonstrações das
técnicas adaptadas no atendimento infantil.
Método
O delineamento dessa pesquisa foi
estruturado de forma descritiva e em
formato de estudo de caso, conforme
proposta de classificação de pesquisas em
Gil (2002). A pesquisa descritiva é um
estudo, análise, registro e interpretação dos
fatos do mundo físico sem a interferência do
pesquisador. Ela é, para Galliano (1986),
apresentar por meios de palavras um objeto,
um procedimento, uma experiência, da
maneira mais objetiva possível e mediante a
exposição de seus aspectos mais
característicos. Assim, ao descrever é
necessário evidenciarem-se os pormenores
que distinguem a especificidade da coisa
descrita possibilitando ao leitor configurar
com maior exatidão o que está sendo
escrito.
Participante
A criança que participou desse estudo de
caso é descrita pela letra L por motivo de
sigilo. É do sexo feminino e tem cinco anos
de idade e cursa a pré-escola. L nasceu de
uma relação esporádica entre seu pai (D) e
uma garota de programa (J). Após seu
nascimento, ela e a mãe foram morar com a
familia materna (mãe de J, a irmã e o
padrasto). Segundo o relato da avó paterna
(M), a mãe da criança sempre foi displicente
em relação aos cuidados com a criança. Por
esse motivo M levou-a para morar com ela e
seu pai. Eventualmente a mãe entrava em
contato com L, embora passasse até dois
meses sem procurar a filha. Às vezes ela
buscava a criança para passar o final de
semana com a família materna e sempre que
a menina voltava do convívio com a mãe
apresentava comportamentos agitados,
inquietos, desobedecendo às ordens de M e
“dando mais trabalho que o habitual”.
Atualmente a guarda da criança está com a
mãe e fez-se um acordo informal entre os
cuidadores para ela morar com o pai.
Queixas principais
A avó paterna procurou atendimento
psicológico devido a comportamentos
inadequados de L (impulsividade, agitação,
inquietação, falta de limites, contar
mentiras, desobediência a ordens). Esses
são expressos em todos os ambientes de
convívio da criança. Até o momento do
atendimento psicológico, L não apresentou
problemas
escolares
relativos
à
aprendizagem, entretanto a avó foi chamada
a escola diversas vezes devido às
reclamações de maus comportamentos,
como briga com os colegas, desobediência à
professora, agitação durante as aulas e
contar mentiras.
102
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
COMPORTAMENTAIS INFANTIS
A
ADAPTAÇÃO
Conceitualização do caso
Segundo os critérios de diagnóstico do
DSM IV (0000), esse estudo de caso pode
ser assim categorizado:
Eixo I: nenhum diagnóstico
Eixo II: nenhum diagnóstico
Eixo III: anemia
Eixo IV: Problemas com o grupo de apoio
primário: desde os dois anos de idade a
criança mora com a avó paterna e o pai,
anteriormente ela morava com a mãe e sua
família. A avó tem muitos problemas de
saúde impossibilitando-a de participar e
compartilhar das atividades e brincadeiras
com a neta. O seu modo de disciplinar L é
autoritário, crítico e sem afeto. O pai não
tem uma parceira fixa e já saiu de casa para
ir morar com outras mulheres, deixando a
filha aos cuidados da avó. A avó descreve
que está muito cansada e insatisfeita com os
problemas de comportamento apresentados
pela criança, pensando inclusive em
devolvê-la para a mãe.
Eixo V: AGF: 55. A criança apresenta
dificuldade moderada no funcionamento
familiar, escolar e social.
Instrumentos:
Para as sessões com a criança foram
utilizados materiais de papelaria (cartolina,
lápis de cor, giz de cera, tintas, entre
outros), brinquedos e a sala de atendimento
do CENPS/UFU.
Procedimentos
Os atendimentos foram realizados por
duas psicólogas: MRA responsável pelo
atendimento da criança e SSS responsável
pelo atendimento do cuidador.
DE
TÉCNICAS
TERAPÊUTICAS
COGNITIVO-
As sessões com a criança e cuidador
foram realizadas semanalmente, com
duração de aproximadamente 50 minutos no
período de março a setembro de 2007.
As sessões foram estruturadas da
seguinte forma:
- 1ª a 5ª sessões: avaliação inicial
Procedimentos:
Agenda;
aliança
terapêutica; obtenção de dados; apresentação do
processo terapêutico; identificação do problema;
introdução do relaxamento.
- 6ª a 15ª sessões: intervenção
Procedimentos: Técnicas visando mudança
de contingência e modificação do repertório
comportamental da criança; treinamento de
habilidades específicas.
- 16ª sessão: finalização
Procedimento: Feedback do tratamento
enfatizando os pontos principais e pontuando
mudanças obtidas com a intervenção.
Na fase de avaliação inicial, entre a
primeira e a quinta sessão os objetivos
principais foram fornecer um conhecimento
acerca do processo terapêutico; explicar o
que faz o psicólogo e porque algumas
crianças precisam fazer psicoterapia;
explicar sobre o sigilo; identificar as
emoções para que a criança seja capaz de
discernir os sentimentos experimentados de
acordo com cada situação; treinar o
relaxamento; ensinar o conceito de mudança
das coisas e do ambiente enfatizando que
ela pode mudar seus problemas com alguma
ajuda.
Para esses objetivos foram adaptadas às
técnicas seguintes:
Técnica da Metáfora “Luz do Coração”: O
objetivo principal desta técnica foi ensinar o
processo terapêutico explicando que a
criança vai ao terapeuta quando está com a
luz do coração apagada e este vai ajudá-la a
acender novamente. Outro objetivo é
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
103
MAURA RIBEIRO ALVES
auxiliar a identificar os problemas
apresentados pela criança, perguntando a ela
o que faz com que a luz de seu coração
fique apagada. Essa técnica foi utilizada no
primeiro contato do psicólogo com a
criança, embora ela possa ser usada em
qualquer momento do processo terapêutico.
Ela auxilia na identificação dos problemas
enfrentados pela criança e na construção de
metas e planos de ação, assim como na
reformulação de novas metas para o
tratamento psicoterápico.
Técnica da Vela e da Flor: o objetivo
central dessa técnica foi ensinar o
relaxamento à criança através da respiração
adequada. Para isso desenhou-se uma vela e
uma flor e pediu a ela para cheirar a flor
enquanto inspirava e soprar a vela no
momento da expiração. A técnica foi
apresentada e praticada durante a sessão e
instruiu-se a criança a realizá-la fora da
sessão,
(Austin,
L.,
1991).
Esse
procedimento técnico foi adotado devido às
queixas de agitação e impulsividade
apresentadas pela avó e percebidas pela
psicóloga durante os atendimentos; foi
introduzida na segunda sessão e exercitada
com a criança nas sessões posteriores. Essa
técnica também pode ser utilizada para
pacientes que apresentam queixas de
ansiedade e em crianças de qualquer faixa
etária.
Trabalhando Com as Emoções: O modelo
cognitivo pressupõe que o pensamento ativa
sentimentos, comportamentos e alterações
fisiológicas congruentes com a atribuição de
significado que está sendo dada para a
realidade presente. As crianças entendem
bem o que são as emoções, embora nem
sempre consigam conceituá-las ou descrevêlas de maneira adequada. Essa dificuldade
pode gerar falta de compreensão da
comunicação da criança pelo adultocuidador e consequentemente dificultar a
relação entre ambos. Por isso optou-se por
trabalhar os sentimentos, especificamente
seus conceitos, em que situações ocorreram
e com que frequência. A técnica usada para
esses objetivos foi a seguinte:
Livrinho dos Sentimentos: esta técnica foi
realizada na quinta sessão e consistiu em
ensinar os vários sentimentos e seus
significados à criança partindo do
conhecimento que ela já possuía. Usaramse faces de rosto indicando emoções como,
tristeza, raiva, medo e alegria. Conceituouse cada emoção com a criança e pediu a ela
para revelar uma situação em que a sentiu.
Como ela ainda não era alfabetizada usou-se
desenhos, colagens e figuras recortadas de
revistas para identificar os contextos em que
sentiu determinada emoção. Para crianças
maiores e alfabetizadas pode-se pedir a ela
que escreva a situação que precipita o
sentimento.
Na fase de intervenção do processo
terapêutico as técnicas adaptadas tiveram o
objetivo principal de promover mudança de
contingência,
aumentando
os
comportamentos adequados, como controle
do impulso, percepção de limite e virtudes
como obediência, paciência, respeito e
amor, através de reforço positivo.
Para esses objetivos foram adaptadas as
seguintes técnicas:
Técnica Quadro de Rotina: nesta técnica
construiu-se um quadro onde se colocou os
dias da semana, os períodos do dia (manhã,
tarde e noite) e as atividades que a criança
deveria executar em cada período. Essas
atividades e a definição dos horários que
elas seriam realizadas foram estabelecidas
com o cuidador e a criança em uma sessão
em conjunto. O quadro foi levado para a
104
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
COMPORTAMENTAIS INFANTIS
A
ADAPTAÇÃO
casa da criança e a avó foi a responsável por
monitorar se as tarefas estavam sendo feitas.
Se a criança executasse a maior parte das
atividades estipuladas para o dia, o cuidador
pregaria uma flor na folha de monitoração e
seria dada semanalmente uma premiação
durante as sessões, caso a criança tivesse
acima de cinco flores registradas. Essa
premiação foi brinquedos, balas, chocolates
e outros objetos significativos para a
criança, (Friedberg, R.D., McClure, J.M.,
2001). Essa técnica foi introduzida na sexta
sessão e foi praticada até o final dos
atendimentos. Mesmo após o término do
tratamento a terapeuta orientou para que a
cuidadora continuasse a usar o quadro de
rotinas.
Técnica Jardim das Virtudes: essa técnica
teve como objetivo trabalhar habilidades
afetivo/cognitivo/comportamentais como:
paciência, obediência, respeito e amor com
o intuito de promover mudança de
comportamento frente às situações que
precipitavam
ações
impulsivas
e
desobediência como, ficar mais tranqüila
durante os eventos da igreja, obedecer aos
pedidos da avó, obedecer à professora, entre
outros. A primeira etapa desta técnica foi
ensinar o significado de cada virtude à
criança, enfatizando os comportamentos
correspondentes.
Cada
virtude
foi
simbolizada por uma flor a qual foi possível
para a criança pregá-la no jardim construído
em um isopor. Em seguida ensinou-se que
as flores só poderiam ser plantadas no
jardim se os comportamentos referentes à
virtude estivessem sendo executados pela
criança. A monitoração foi feita pelo
cuidador e apresentada à terapeuta nas
sessões, (Said, S., 2002). O importante
nesse tipo de técnica é utilizar situações que
são cotidianas para a criança e que fazem
DE
TÉCNICAS
TERAPÊUTICAS
COGNITIVO-
parte de seu repertório. Essa técnica foi
introduzida no nono atendimento e também
foi praticada até o findar das sessões de
psicoterapia.
Técnica Conhecendo o Pequeno e o Grande
Eu: esta técnica teve como finalidade
proporcionar à criança a percepção de
comportamentos funcionais e disfuncionais,
assim como as conseqüências que cada um
pode ter e o que fazer para não se comportar
de forma a não produzir contingências
aversivas. Para a execução da técnica
desenhou-se
um
menino
pequeno
representando o pequeno eu e um menino
grande representando o grande eu. Em
seguida utilizou-se um fantoche para contar
a estória dos eus: temos dois eus dentro de
nós: um pequeno e outro grande, o pequeno
eu é sozinho, pois se comporta muito mal
diante das pessoas (nesse momento
relataram-se os próprios comportamentos
disfuncionais da criança); o grande eu é
feliz, tem vários amigos (descreveu-se quais
comportamentos são característicos do
grande eu e aqueles que a criança devia
realizar, enfatizando a recompensa que
ganhará caso reagisse como o grande eu),
Austin, L., 1991. Todos os comportamentos
relatados na estória do “Pequeno e o Grande
Eu” eram retirados da história de vida da
criança, assim como a própria consequência
que eles ocasionavam no ambiente da
mesma. Essa técnica foi realizada durante a
décima segunda sessão com a criança.
Técnica Jogo do Elogio: esta técnica foi
adaptada para propiciar um vínculo afetuoso
entre a avó e a criança. O objetivo era
introduzir um contato mais prazeroso e
afetivo entre as duas e desenvolver a
capacidade de elogiar uma a outra.
Construiu-se um jogo de tabuleiro simples,
composto de 20 casas em que o jogador ia
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
105
MAURA RIBEIRO ALVES
caminhando pelas casas de acordo com a
quantidade de números definidos em um
dado. Algumas casas tinham marcações
diferenciadas e quando o jogador parasse
nessas casas teria que pegar uma ficha e
executar o comportamento descrito. As
ações executadas pela avó e a neta foram:
dar um beijo, dar um abraço, dizer que ama
a pessoa com quem está jogando, dizer que
a pessoa com quem está jogando é especial,
entre outros comportamentos. A técnica foi
feita durante a décima quinta sessão com a
criança e o cuidador juntos.
Na fase de finalização o objetivo das
sessões foi promover um feedback dos
atendimentos realizados enfatizando os
pontos principais trabalhados e os objetivos
alcançados durante o processo terapêutico.
Para esses objetivos foram adaptadas as
seguintes técnicas:
Técnica Livrinho da Terapia: nessa técnica
foi construído, pela terapeuta, um livro que
ilustravam situações que acendiam a luz no
coração, como brincadeiras em grupo,
momentos prazerosos com a avó, elogios da
professora, entre outros. Também trazia, em
desenhos, as virtudes que foram trabalhadas
e as possíveis consequências que essas
geravam para a criança, por exemplo, “ao
obedecer minha avó e minha professora elas
vão me elogiar e isso me deixará feliz”.
Para finalizar foi ilustrada também no
livrinho a técnica Pequeno Eu e Grande Eu
através de desenhos explicativos que tinham
a pretensão de registrar os comportamentos
funcionais e disfuncionais da criança e suas
consequências no seu ambiente. À medida
que foi revisto cada ponto do livro com a
criança, a terapeuta fazia perguntas a ela a
respeito
das
mudanças
afetivo/cognitivo/comportamentais obtidas
durante os atendimentos. O livrinho foi
entregue a criança para que levasse para
casa como uma recordação desse momento
de importantes aprendizagens.
Resultados
Os resultados alcançados no estudo de
caso foram significativos e demonstraram a
funcionalidade das técnicas utilizadas
durante o processo terapêutico. Eles foram
avaliados pela terapeuta através das
mudanças
afetivo/cognitivo/comportamentais
observadas nas sessões de atendimento com
a criança e nos relatos da avó e da sua
professora.
A técnica metáfora do coração foi muito
importante no processo de comunicação da
terapeuta com a criança, uma vez que ela
passou a contar a esta questões que a
incomodavam, deixavam-na triste, feliz,
com raiva ou medo. A criança disse várias
vezes durante as sessões que precisava dizer
algo à psicóloga que tinha apagado ou
acendido a luz de seu coração.
Outra técnica que teve resultados
efetivos foi o treino do relaxamento, este
procedimento foi fundamental para que a
criança
controlasse
sua
agitação,
impulsividade e dificuldade de focalizar a
atenção os quais eram visíveis inclusive no
contexto clínico. Antes do exercício do
relaxamento
a
criança
apresentava
comportamentos como, falar várias coisas
num curto espaço de tempo e sem a espera
da resposta da terapeuta, pegar brinquedos e
objetos sem envolver-se realmente com
estes trocando-os de forma repentina e
frequente. Após o treino percebeu-se uma
melhora por parte da criança da função
atencional que se apresentou mais dirigida e
focalizada; esta prestou maior atenção nas
106
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
COMPORTAMENTAIS INFANTIS
A
ADAPTAÇÃO
falas da terapeuta, esperava a sua vez para
falar, conversava de forma mais pausada e
pontual sem mudar de assunto antes de ter
terminado o primeiro e se envolveu mais
com as brincadeiras. O relaxamento foi
realizado tanto nas sessões quanto em
outros contextos, como casa e escola.
Esse êxito também foi observado com a
técnica Quadro de Rotinas, uma vez que ele
contribuiu para que a criança começasse a
seguir regras e tivesse uma rotina diária
mais definida e capaz de deixá-la menos
agitada, inquieta e sem orientação. O quadro
também era utilizado durante a sessão de
terapia. Em todas as sessões a terapeuta
apresentava à criança as atividades que
seriam feitas naquele atendimento e o tempo
que cada uma teria de duração. Isso
possibilitou um melhor manejo dos
comportamentos impulsivos da criança e na
sua dificuldade atencional. Assim, a própria
sessão era uma contingência modeladora
para a criança no sentido de que esta
apresentava uma sequência e ordem
estabelecidas previamente e que deveriam
ser cumpridas. Ao final de casa sessão,
todas as vezes que as atividades previstas
eram cumpridas com êxito a criança poderia
escolher uma atividade que quisesse fazer e
na maioria das vezes ela escolhia o desenho
ou brincar com a casa de bonecos.
As técnicas utilizadas posteriormente
foram fundamentais para que a criança
identificasse seus próprios comportamentos
disfuncionais e com isso foi possível
construir um repertório comportamental
com o intuito de modificar as contingências
atuais vigentes, como: relacionamento ruim
com a avó e a professora, brigar com
colegas da escola, contar mentiras para
conseguir aquilo que quer, entre outras.
Com a técnica Jardim das Virtudes, a
DE
TÉCNICAS
TERAPÊUTICAS
COGNITIVO-
criança aprendeu o significado de virtudes
como: paciência, obediência, respeito e
amor. Essas virtudes foram escolhidas
mediante o relato da cuidadora, como: “é
uma menina muito agitada, não para quieta,
não obedece quando eu peço alguma coisa a
ela e me desrespeita demais”; relatos da
professora: “ela não me obedece quando
peço alguma coisa”, “tira a atenção dos
colegas durante as atividades”, “é muito
agitada”, “conta muitas mentiras”. O
treinamento dessas habilidades possibilitou
à criança conhecer os comportamentos
expressados por alguém amoroso, paciente,
obediente e que tenha respeito ao próximo,
enfatizando sempre as conseqüências que se
tem comportando dessa maneira, como: ter
amigos, ter um relacionamento saudável
com a avó e/ou ser elogiada pela professora.
Para avaliar a efetividade dessa técnica, a
terapeuta fez encenações representando
situações de conflito entre a criança, a avó,
os coleguinhas da escola e sua professora e
perguntava a ela o que poderia ser feito para
resolver o problema. Outra forma foi
utilizar histórias nas quais o personagem
emitia
comportamentos
inadequados
semelhantes aos da criança e pedia-se a ela
para identificar se eram adequados ou não.
A criança respondeu assertivamente a todas
as questões apontadas, demonstrando
claramente que tinha percepção dos seus
próprios comportamentos disfuncionais e as
possíveis consequências que eles lhe
causavam, como: a avó ficar nervosa com
ela, a professora colocá-la de castigo, os
colegas não brincarem com ela, entre
outros. Esses resultados também puderam
ser observados com a técnica Grande Eu
Pequeno Eu, na qual também se pode
trabalhar com a criança as conseqüências
negativas
de
seu
comportamento
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
107
MAURA RIBEIRO ALVES
inadequado e como ela poderia agir para
obter consequências mais prazerosas. Outra
técnica utilizada com o intuito de treinar
habilidades foi o Jogo do Elogio. Através
desse jogo, a criança e a avó puderam
expressar comportamentos mais afetuosos
uma com a outra e isso estimulou maior
vínculo e contato físico entre as duas como:
beijar, abraçar, fazer carinho. Essa técnica
foi bem interessante, pois possibilitou à
terapeuta avaliar inicialmente o quanto era
difícil para as duas envolverem-se em
comportamentos afetuosos, mas que no
decorrer do jogo os abraços e beijos
começaram a ser mais espontâneos e sem
muitas resistências.
Para
finalizar
os
atendimentos
construiu-se um livro ilustrativo contendo
as questões mais importantes trabalhadas
durante todo o processo terapêutico. Na
apresentação do livro à criança, a terapeuta
fez perguntas como: “o que fazer para que o
pequeno eu se transforme no grande eu?”, e
a criança respondeu: “arrumar os
brinquedos; não bater nos meus coleguinhas
porque eles não vão querer brincar comigo e
isso vai me deixar triste; ajudar minha avó
nas tarefas de casa, pois ela está doente;
obedecer a minha professora e não fazer
bagunça na aula”; “não contar mentiras para
minha avó nem para minha professora
porque elas não vão acreditar mais em
mim”. Essas colocações feitas pela criança
sinalizaram
alterações
nos
níveis
afetivo/cognitivos. Mudanças mais amplas e
contextuais também foram relatadas pela
avó como, “ela me obedece mais agora”, “a
professora disse que ela está mais calma e
atenta”.
Os resultados apontados parecem
indicar uma mudança substancial no que
tange às queixas iniciais trazidas pelo
cuidador e pela própria criança. Isso
viabiliza concluir que as técnicas adaptadas
e utilizadas nesse caso puderam contribuir
para a melhora nas relações dos principais
contextos sociais da criança (família e
escola) e também na funcionalidade
cognitiva da atenção que estava prejudicada
em função de manejos inadequados ou
mesmo desconhecimento da influência que
as contingências vigentes estavam causando
nos processos atencionais da criança.
Considerações finais
A terapia cognitivo-comportamental é
frequentemente utilizada com crianças
pequenas. Segundo Stallard (2004), foi feito
uma revisão de 101 estudos de intervenções
utilizando a terapia, na qual se descobriu
que 79% incluíam crianças menores de 10
anos com problemas como, encoprese,
enurese, rejeição a escola, dor abdominal,
transtornos de ansiedade generalizada,
fobias, abuso sexual e problemas
comportamentais pré-escolares. Entretanto,
apesar da aplicabilidade, o desafio do
atendimento infantil é traduzir conceitos
abstratos em exemplos lúdicos e metáforas
simples, concretas e compreensíveis que
representem o cotidiano da criança. Além
disso, outro ponto relevante e extremamente
contundente para o êxito do processo
terapêutico é adaptar técnicas condizentes
com
o
desenvolvimento
cognitivo,
emocional, físico e sócio-ambiental da
criança.
O estudo de caso apresentado
demonstrou resultados significativos com a
aplicação
das
técnicas
cognitivocomportamentais adaptadas. Essas técnicas
contribuíram, em especifico, para uma
maior compreensão das contingências
108
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
UM ESTUDO DE CASO SOBRE
COMPORTAMENTAIS INFANTIS
A
ADAPTAÇÃO
vigentes (idade da cuidadora e seus
problemas de saúde, manejo parental muitas
vezes disfuncional que provavelmente
influenciaram no desenvolvimento e
manutenção
dos
comportamentos
inadequados da criança) e possibilitou criar
repertórios
afetivo/cognitivo/comportamentais
mais
DE
TÉCNICAS
TERAPÊUTICAS
COGNITIVO-
funcionais e menos prejudiciais para a
criança.
Apesar dos resultados positivos dessa
pesquisa
são
necessários
maiores
investigações sobre a utilização das técnicas
que foram adaptadas nesse estudo em casos
com queixas semelhantes para averiguar e
comparar outros resultados.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
109
MAURA RIBEIRO ALVES
Referências
Austin, L. (1991). O pequeno eu o Grande eu, Os 7 segredos. São Paulo: Texto novo.
Beck, J. (1997). Terapia Cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.
Caballo, V. E. & Simon, M. A. (2004). Manual de psicologia clínica infantil e do
adolescente: transtornos gerais. São Paulo: Editora Santos.
Friedberg, R.D. & Mcclure, J.M. (2001). A prática clínica de terapia cognitiva com crianças
e adolescentes. Porto Alegre: Artmed.
Galliano, G. A. (1986). O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harbra.
Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisas. São Paulo: Atlas.
Lopes, R.F.F., Santos, S.A., Souza, R.B., Mendes, L.R., Florêncio, E. & Faria, C.A. (2003).
O Desenvolvimento e a Adaptação de Técnicas Para a Terapia Cognitiva Com
Crianças. Revista da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro, 7 (1 e 2) Jan./Jun.
e Jul./Dez.
Moura, C.B. & Venturelli, M.B. (2004). Direcionamento Para a Condução do Processo
Terapêutico Comportamental Com Crianças. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental Cognitiva, 6, (1).
Papalia, D. E. & Olds, S.W. (2000). Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. 7
ed. Porto Alegre: Artmed.
Rangé, B. (2001). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria.
Porto Alegre: Artmed.
Ronen, T. (1997). Cognitive developmental therapy for children. New York: Wiley.
Said, S. (2002). Meu coração perguntou II. O poder secreto das virtudes. Petrópolis: Vozes.
Salkovskis, P. M. (2005). Fronteiras da terapia cognitiva. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Stallard, P. (2004). Bons pensamentos bons sentimentos: manual de terapia cognitivocomportamental para crianças e adolescentes. São Paulo Artmed.
1
Esse artigo é produto da monografia realizada para conclusão do Curso de Especialização
em Terapia Cognitivo-Comportamental na Universidade Federal de Uberlândia em 2007. Os
atendimentos foram realizados na clínica escola da referida instituição de ensino e os
pacientes foram comunicados sobre o uso do caso clínico para pesquisa e sua publicação em
periódicos científicos.
A autora:
Maura Ribeiro Alves formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia em 2005. É Especialista em
Terapia Cognitiva Comportamental pela Universidade Federal de Uberlândia e Mestre em Processos Cognitivos pela
Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é professora da Universidade Federal de Góias/Catalão. Endreço: Av.
Dr. Lamartine Pinto de Avelar nº 1120, Setor Universitário, Fones (64) 3441-5300 ou 3441-5323 CEP: 75.704-020 CATALÃO – GO. E.mail: [email protected].
110
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA
(MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO,
FAIXA ETÁRIA E FORMAS DE SUICÍDIO
Cristiana Nelise de Paula Araújo
Maria Lúcia Castilho Romera
Paulo Roberto de Oliveira
Pedro Henrique de Oliveira Viadanna
(UFU – Uberlândia - MG)
Resumo
Trata-se de um estudo descritivo e qualitativo, com objetivo de realizar análises epidemiológicas e
psicanalíticas de mortes por suicídio em Uberlândia-MG, entre 2004-2008, com ênfase em gênero,
faixa etária e métodos. Foram investigadas fichas de autópsia de pacientes que cometeram suicídio
nesse período. Resultados mostraram que, pela classificação internacional de suicídio (OMS),
Uberlândia apresentou média taxa de mortalidade por lesões autoprovocadas. A maioria dos casos
correspondia ao sexo masculino e a faixa etária 13-36 anos mostrou índices crescentes. O método
mais utilizado nos suicídios foi o enforcamento, para ambos os sexos, principalmente pelos homens.
Percebe-se que estas taxas revelam não só aumento de mortes por suicídio, mas que no mundo
contemporâneo cada vez o espaço é menor para a expressão da dor e da falta, condições inerentes e
fundamentais do humano ou da humanidade. Ocorrendo a valorização do parecer, de relações
impessoais e virtuais, da tecnologia e competitividade. Para esta sociedade não basta viver a vida é
preciso testar os limites desta, muitas vezes, por meio do suicídio e/ou comportamentos
autodestrutivos. Frente esses achados, os autores destacam necessidade de pesquisas continuadas
sobre o tema e preparação de profissionais para assistir populações que apresentam maior risco de
suicídio.
Palavras chave: autodestruição; epidemiologia; psicanálise; suicídio; Uberlândia.
Abstract
Suicide mortality in Uberlândia – MG: ways, age and gender aspects of suicide
This is a descriptive and qualitative research, that aims epidemiological and psychoanalytic studies of
suicide deaths in Uberlândia, Minas Gerais, between 2004-2008, with emphasis on gender, age and
methods. We investigated autopsy records of patients who committed suicide during these periods.
Results showed that, for the international classification of suicide (WHO), Uberlândia presented an
average mortality rate for intentional self-harm. Most cases were males and aged between 13-36
years showed increasing rates. The method most often used in suicide was hanging for both sexes,
especially by men. It is observed that these rates have shown not only increased deaths from suicide,
but that in the contemporary world there is almost no space for the expression of pain and lack,
inherent and fundamental conditions of humanity, leading to enhancement of impersonal and virtual
relationships, technology and competitiveness. For this society is not enough to live life, you need to
test the limits of it, often through suicide and / or self-destructive behaviors. Facing these findings,
the authors highlight the need for continued research of the topic and preparing professionals to assist
populations at greatest risk of suicide.
Keywords: epidemiology; psychoanalysis; self-destruction; suicide; Uberlândia.
Artigo Recebido em 26/11/2009 e Aprovado em 04/04/2010
111
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
CRISTIANA NELISE DE PAULA ARAÚJO, MARIA LÚCIA CASTILHO ROMERA, PAULO ROBERTO DE
OLIVEIRA, PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA VIADANNA
Introdução
Suicídio é o ato deliberado de se matar,
sendo assim, entende-se comportamento
suicida como toda ação pela qual o sujeito
inflige lesão a si mesmo, considerando os
diversos graus de intenção fatal e de
consciência da verdadeira razão dessa ação.
Esta
noção
permite
conceber
o
comportamento suicida como um continuum
que
inicia
com
pensamentos
de
autodestruição, passa das ameaças e gestos
às tentativas de suicídio e, finalmente,
consuma o ato suicida (Werlang & Botega,
2004).
Herrmann (1976) considerou a tentativa
de suicídio como um gesto que tanto remete
à manifestação da liberdade humana em seu
limite
extremo
como
a
uma
autodestrutividade. Podemos efetivar a
conjugação destes dois sentidos para pensar
que tal ato dentre outros significados,
personifica no suicida o limite extremo da
destrutividade humana da sociedade. Para o
autor anteriormente referido o suicídio é
uma decisão e um sintoma.
Estamos, portanto em um universo com
limites tênues entre a vida e a morte. Tanto
uma como a outra podem nos dizer muito
acerca da humanidade, assim como o
suicídio. É neste sentido que pretendemos
ou pretende-se que este estudo, para além da
epidemiologia, seja tratado em uma
perspectiva psicológica. Ou seja, pretendese um estudo das representações suscitadas
pelo levantamento estatístico próprio a
abordagem epidemiológica.
O ato suicida como forma de manejar as
dificuldades
propicia
repercussões
preocupantes, à medida que, segundo
(Kalina & Kovadloff, 1983), quando um
sujeito comete o suicídio, padecem com ele
a proposta da sua família, de um grupo, de
uma comunidade e de uma sociedade. O
ambiente do qual fazia parte a pessoa
suicida, passa a conviver com o significado
que pode ser dado a este ato na direção de
falência, incompetência, inabilidade e
outros. Isto aponta a existência de uma
profunda relação entre o sujeito que comete
suicídio, a família deste e, por conseguinte a
sociedade na qual estava inserido. Assim, é
possível reconhecer que a sociedade pode
contribuir para o aumento do suicídio e das
categorias
de
comportamentos
nele
implícitas. Uma sociedade altamente
competitiva, onde o que importa é vencer,
contribui para sentimentos onipotentes e seu
contra-ponto, a menor valia.
Na contemporaneidade, identificar
fatores de risco ganha ênfase como questões
relacionadas à autodestruição (Fensterseifer
& Werlang, 2006). Tais como: depressão, a
desesperança, o uso e o abuso de
substâncias, tais como álcool e drogas
(dependência química), pânico, agressão,
terrorismo, corrupção, a presença de uma
dor psicológica insuportável, caracterizada
por Shneidman (2004) como emoções
negativas, podem conduzir o indivíduo ao
suicídio.
O suicídio é avaliado pela OMS (2002)
como problema de saúde pública, pois,
estimou-se
que
no
ano
2000
aproximadamente um milhão de pessoas
cometeram suicídio no mundo. A cada 40
segundos uma pessoa comete suicídio no
mundo e a cada 3 segundos ocorre uma
tentativa de suicídio. O suicídio é uma das
dez causas de morte mais freqüentes em
todas as idades e em todos os países,
estando entre as três principais causas de
morte entre pessoas com faixa etária entre
15-35 anos, perdendo apenas para os
112
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA (MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO, FAIXA ETÁRIA E
FORMAS DE SUICÍDIO
acidentes de trânsito e homicídios. Segundo
Mello (2000), estimativas revelaram que
para cada suicídio, ocorreram pelo menos
dez tentativas relevantes, que necessitavam
de atenção médica e de cada tentativa de
suicídio registrada, existiram pelo menos
quatro não conhecidas.
Segundo Cassorla (1994), a mortalidade
por suicídio no país é sabidamente
subestimada, devido às inúmeras causas que
levam uma pessoa ao ato suicida, pode ser
consciente ou inconsciente, e assim, fazem
com que as pessoas se matem de maneira
que podem ser interpretadas nos exames
pós-mortem como assassinatos, causas
naturais, acidentais, e não propriamente
como um comportamento autodestrutivo
intencional.
No Brasil, o problema também é
preocupante, conforme Souza, Minayo e
Malaquias (2002) observaram um aumento
de 35,5% na taxa de mortalidade por
suicídio entre jovens de 15 a 24 anos nas
principais capitais brasileiras nos anos de
1979 e 1998.
Sendo que, segundo o sistema de dados
do Ministério da Saúde (D‘Oliveira, 2005),
em 1996 a 2002, a região sudeste apresenta
taxa aproximada de mortalidade por
suicídio igual a 4,5/100.000 habitantes,
percentual semelhante ao que caracteriza o
país.
Em relação ao sexo, na maioria dos
países, os homens apresentam uma
freqüência de suicídio três vezes maior do
que as mulheres. Sendo que esta relação é
constante nas diferentes faixas etárias
(Werlang & Botega, 2004).
De acordo como o sistema de dados do
Ministério da Saúde (D‘Oliveira, 2005), o
percentual dos óbitos por suicídios
relacionados ao gênero e as formas
utilizadas no Brasil e regiões, de 1996 a
2002, foram de 43.8% por arma de fogo,
34,1% por enforcamento e 15,2% por
medicamentos e substâncias biológicas
entre o sexo masculino, e entre o sexo
feminino, 41% por enforcamento e
estrangulamento, 19% pesticidas e produtos
químicos e 14% por armas de fogo. Dessa
maneira pode-se perceber que o gênero
masculino procura métodos mais letais de
suicídio que o gênero feminino.
A Portaria N°1.876, de 14 de agosto de
2006, do Ministério da Saúde, instituiu
diretrizes nacionais para a prevenção do
suicídio, por: considerar o fenômeno do
suicídio um grave problema de saúde
pública, que afeta toda a sociedade e que
pode ser prevenido; avaliar a importância
epidemiológica do registro das mortes e
tentativas de suicídio e reconhecer a
necessidade de promoção de estudos e
pesquisas na área de prevenção do suicídio.
Pesquisas mostraram que a prevenção
do suicídio é uma atividade possível, mas
apresenta resultados a longo prazo e
envolve uma série de atividades. As ações
variam desde a melhoria das condições de
vida para a criação das crianças e dos
jovens, tratamento mais efetivo dos
transtornos mentais, capacitação de
profissionais para assistir os diferentes
grupos etários indo dos aspectos curativos e
da organização de assistência efetiva, até o
controle dos fatores de risco ambientais. A
divulgação adequada da informação e a
conscientização são princípios fundamentais
para o sucesso de programas de prevenção
do suicídio (OMS, 2003).
Neste contexto complexo é que
encontramos justificativa para nossa
pesquisa: por representar um sério problema
de saúde pública devido aos altos índices de
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
113
CRISTIANA NELISE DE PAULA ARAÚJO, MARIA LÚCIA CASTILHO ROMERA, PAULO ROBERTO DE
OLIVEIRA, PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA VIADANNA
incidência mundial, o suicídio exige
atenção, mas sua prevenção e controle,
infelizmente, são tarefas difíceis de serem
alcançadas. Ressaltando que, até o
momento, inexistem estudos sobre o tema
no
município
Uberlândia-MG,
que
ofereçam subsídios visando medidas
principalmente preventivas e também
remediativas no sentido de atenção à família
do suicida.
O objetivo deste trabalho foi descrever,
em uma perspectiva interdisciplinar, os
aspectos epidemiológicos dos casos de
morte por suicídio entre 2004 a 2008,
ocorridos em Uberlândia – MG, com ênfase
nas diferenças entre gênero, faixa etária e
formas de suicídio. A partir disso,
promoveu-se uma compreensão das
condições de possibilidade dos atos suicidas
e analisou-se psicanaliticamente a lógica
destas mesmas condições.
Metodologia
Em sintonia com a busca de atingir as
metas almejadas por estas diretrizes, nosso
trabalho se projetou com uma metodologia
típica
das
pesquisas
quantitativas
epidemiológicas, mas procurando alçar os
sentidos advindos dos levantamentos feitos
e dos contextos onde o fenômeno suicídio
se configurava. Por meio da interpretação
psicanalítica colocou-se em diálogo a
pesquisa quantitativa e a qualitativa.
Para a realização desta pesquisa, foram
utilizadas fichas de autópsia do Instituto
Médico Legal de Uberlândia-MG de
pacientes residentes da mesma cidade que
cometeram suicídio entre os anos de 2004 a
2008. Para realização do estudo longitudinal
foi criado um formulário epidemiológico
onde constaram os seguintes itens: idade,
gênero, procedência e forma de suicídio, a
ser preenchido conforme a descrição das
fichas de autópsia do paciente. Sendo que a
pesquisa foi devidamente aprovada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa protocolo
registro CEP/UFU 150/09.
Tal estudo foi realizado no município de
Uberlândia, localizado na região do
Triângulo Mineiro, na porção sudoeste do
Estado de Minas Gerais. Possui área total de
4.115,09 km2, sendo que 219,00 km2 são
ocupados pela zona urbana e 3.896,09 km2
pela zona rural. Com uma população de
mais de 600 mil habitantes é a maior cidade
do interior mineiro (Silva, 2003).
Para classificação dos suicídios foi
utilizada a Décima Revisão da Classificação
Internacional de Doenças (CID-10) na qual
o suicídio encontra-se no capítulo de causas
externas de morbidade e mortalidade, com a
denominação de “lesões autoprovocadas
voluntariamente” sob os códigos X60 e X
84.
A partir da análise estatística, foi
calculado o
coeficiente anual
de
mortalidade para classificação do suicídio
na cidade entre faixas previamente definidas
pela OMS (baixa, média e alta). Para
cálculo das taxas populacionais, utilizou-se
a população extraída do censo e projeções
intercensitárias do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2009). Um
mapeamento da lógica de produção das
ações suicidas foi delineado durante o
percurso
investigativo,
dentro
da
perspectiva psicanalítica-interpretativa.
Resultados e Discussões
A população total da cidade variou de
570.042 a 622.441 habitantes para o período
de 2004 a 2008. É uma população em
114
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA (MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO, FAIXA ETÁRIA E
FORMAS DE SUICÍDIO
Figura I. Mortalidade por suicídio em Uberlândia,
de 2004 a 2008.
suicidio para cada 100.000 habitantes
8
7
6
5
4
3
2
1
0
suicidio para cada
100.000 hab
Linear (suicidio para cada
100.000 hab)
2004
2005
2006
2007
2008
Segundo OMS (2003) a classificação da
mortalidade por suicídio os coeficientes
inferiores a 5/100.000 são considerados
baixos, entre 5/100.000 e 15/100.000 são
médios, entre 15/100.000 e 30/100.000 são
altos e acima de 30/100.000 são muito altos.
Baseando nesse critério de classificação a
mortalidade por suicídio em Uberlândia, nos
anos de 2004 e 2006, encontra-se com
índices inferiores a 5/100.000 considerados
baixos. E nos anos de 2005, 2007 e 2008 os
índices foram considerados médios, com
valores situados entre 5/100.000 e
15/100.000. Sendo que a média dos índices
de suicídio encontrados no período de 2004
a 2008 foi um índice médio, 5,12º/0000.
Em Uberaba, cidade localizada também
no Triângulo Mineiro, Silveira (2010)
encontrou índices médios para o suicídio
entre os anos de 1996 e 2006. No Rio
Grande do Sul, índices semelhantes foram
obtidos por Meneghel, Victora, Faria,
Carvalho e Falk (2004) para o período de
1980 a 1999 (média de 10,2º/0000), o que
apontou o este estado como o de maior
incidência no país. Assim, a média dos
índices de suicídio encontrados em
Uberlândia deve ser considerada relevante e
preocupante por estar no mesmo intervalo
do estado que possui os índices mais altos
do Brasil.
Em Uberlândia-MG o número total de
mortes por suicídio foi de 164, das quais
74% eram do sexo masculino e 26% do
feminino.
Sendo
que,
a
razão
homem:mulher foi em 2,8:1. As retas de
tendência construídas com os coeficientes
de
mortalidade
revelam
tendências
ascendentes, com
média correlação
(R²=0.495) para o suicídio entre homens e
levemente descendentes para o suicídio
entre mulheres (R²=0,251) Figura II).
Figura II. Taxa de mortalidade por lesões
autoprovocadas, segundo sexo. Uberlândia-MG,
2004-2008.
6
óbitos /100 m il hab.
crescimento, que tem apresentado taxas
crescentes de suicídio (Figura I), servindo
como alerta para a sociedade no sentido da
aplicação de políticas de prevenção dessa
forma de violência. Tal resultado pode estar
relacionado ao fato desta cidade estar em
crescimento populacional devido ao seu alto
índice de industrialização regional, contudo
não está preparada quanto à infraestrutura
de saúde e moradia.
5
4
feminino
3
mas c ulino
2
L inear (feminino)
1
L inear (mas c ulino)
0
2004
2005
2006
2007
2008
a nos
Tais índices estão de acordo com os
dados obtidos pela OMS (2002) acerca da
epidemiologia do suicídio quanto a relação
homem:mulher equivalente a 3:1 para quase
todos os países que possuem dados
disponíveis. O Ministério da Saúde (2007),
em sua análise de 2007, sobre a situação da
saúde no Brasil, encontrou prevalência das
mortes por suicídio entre os homens, que
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
115
CRISTIANA NELISE DE PAULA ARAÚJO, MARIA LÚCIA CASTILHO ROMERA, PAULO ROBERTO DE
OLIVEIRA, PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA VIADANNA
Figura III. Taxa de mortalidade por autoextermínio, segundo idade e ano. Uberlândia-MG,
2004-2008.
3
13-24
2,5
25-36
37-48
óbitos/100 mil hab.
correspondeu a 79% do total dos óbitos de
2005. Isso caracterizaria o Brasil com uma
razão homem:mulher de 3,7:1. Em Belo
Horizonte, capital de Minas Gerais, no
período de 2004 a 2006, foi encontrado
resultado semelhante, os casos de suicídio
foram maiores entre os homens com taxa de
77,23% (Rocha, Sousa, Paulino, Castro &
Correa, 2007).
No entanto, a literatura consultada relata
que as mulheres cometem tentativas de
suicídio três a quatro vezes mais do que os
homens (Werlang & Botega, 2004).
Segundo Monteiro (1985), embora entre as
mulheres se registre maiores taxas de
tentativas de suicídio, entre os homens
predominam maiores taxas de sucesso nas
tentativas, por utilizarem métodos mais
fatais do que as mulheres. Essa incidência
pode variar de entre países, por exemplo,
nos Estados Unidos, a taxa de suicídio entre
mulheres diminuiu à medida que as
condições econômicas e sociais melhoraram
(Serrano, 2003). A China é um dos poucos
países onde a taxa de suicídios femininos
ultrapassam a taxa de suicídios masculinos
(OMS, 2000).
Na Figura III, pode-se observar que a
faixa etária mais prevalente foi 37-48 anos,
seguida de 25-36, 13-24, 49-60, 61-72, 7384, e 85-89 para os anos 2004, 2005, 2006,
2007 e 2008, respectivamente. No entanto,
as retas de tendência da faixa etária 37-48
anos apresentam caráter descendente. As
retas de tendência das faixas etárias 13-24 e
25-36
apresentam
características
ascendentes, e as demais faixas etárias
mostram retas tendencionando para
estabilidade
49-60
2
61-72
73-84
1,5
85-89
Não relatada
1
L inear (13-24)
L inear (25-36)
L inear (37-48)
0,5
L inear (49-60)
L inear (61-72)
0
Nº
Nº
Nº
Nº
Nº
L inear (73-84)
2004
2005
2006
2007
2008
L inear (85-89)
a nos
Em
Uberlândia-MG
os
maiores
coeficientes de mortalidade segundo grupo
etário ocorrem entre população adulta de
meia idade (37-48 anos), corroborando com
a média de idade de ocorrência de óbito por
suicídio do Brasil, no ano de 2005,
encontrada pelo Ministério da Saúde (2007),
de 40,5 anos para ambos os sexos. Em
Campinas-SP, a taxa prevalente de suicídio
foi para os adultos de 35-54 anos, no
período 1997-2001 (Marín-León & Barros,
2003). Em Belo Horizonte, no período de
2004 a 2006, a população mais atingida foi
a de até 40 anos para ambos os sexos,
representando 58,05% (Rocha et al., 2007).
Porém estamos assistindo um aumento
simultâneo de violência heteroinflingida
(homicídio) e autoinflingida (suicídio) nas
pessoas com idade entre 15 e 39 anos.
Sendo que os jovens (15-30 anos) são
considerados pela OMS (2002), como grupo
etário de alto risco para suicídio. Observa-se
que a tendência ascendente de suicídio para
pessoas dos 13 aos 36 anos, em
Uberlândia—MG, tem acompanhado outros
países como Canadá, Sri Lanka, Áustria,
Finlândia e Suíça onde o suicídio em
adolescentes e adultos jovens está formando
um padrão epidêmico (Diekstra & Gulbinat,
1993).
Evidenciando uma sociedade em que
existem escassas perspectivas para a
116
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA (MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO, FAIXA ETÁRIA E
FORMAS DE SUICÍDIO
da Saúde (2007), no Brasil em 2005, a
forma mais utilizada para se cometer
suicídio foi o enforcamento entre os homens
(60,1%) e entre as mulheres (42,6%). No
Rio Grande do Sul, entre1980 e 1999, as
taxas de suicídio por enforcamento foram as
mais altas para os dois sexos (Meneghel et
al., 2004). No extremo oeste do estado de
Santa Catarina, no período 1980-2005,
encontrou-se resultado semelhante a forma
de suicídio prevalente, tanto para o sexo
masculino como para o feminino, foi o
enforcamento (Schmitt, Lang, Quevedo &
Colombo, 2008).
É importante ressaltar que Brasil é um
país de tamanho continental, onde
peculiaridades regionais podem mostrar
realidades diferentes, como no caso do Rio
Grande do Sul e no extremo oeste de Santa
Catarina,
onde
houve
prevalência
semelhante de enforcamento tanto pelo sexo
feminino, quanto masculino (76% para
homens e 73% para mulheres no extremo
oeste de SC e 62% de média geral no RS).
Portanto, é provável que aspectos culturais e
antropológicos estejam envolvidos na forma
preferencial de suicídio (Schmitt et al.,
2008).
Figura IV. Método de auto-extermínio utilizado
pelos pacientes autopsiados pelo Posto Médico Legal
de Uberlândia-MG, entre 2004-2008.
F E MININO Nº
MA S C UL INO Nº
L inear (F E MININO
Nº)
L inear
(MA S C UL INO Nº)
ge
st
ão
de
En
fo
pr rc a
od
m
en
ut
to
o
q
A r uí m
m
ic o
a
de
Q
ue fo g
im o
ad
ur
a
Q
Ar
ue
m
da
a
Nã
br
an
o
ca
in
fo
rm
ad
o
óbitos
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
-10
-20
In
população mais jovem, na qual vigora a
cultura cada vez mais valorativa da
simulação onde o que importa é a aparência
e, às vezes nem mesmo isso, mas o parecer
resulta em relações des-substancializadas, e
que não facultam sustentações sólidas para
o enfrentamento dos momentos difíceis
na/da vida.
Isso nos remete ao fato de que a
sociedade contemporânea tem vivido a
recusa dos valores, da angústia substantiva,
da dependência dos outros, dos limites
humanos e da incompletude humana. Sob o
disfarce de um Eu único e absoluto capaz de
suprir todas as suas próprias necessidades.
As pessoas vivem, hoje, uma verdadeira
alienação da incompletude humana, e em
meio a extrema violência, ganham forças as
tecnologias, as drogas, as relações virtuais e
os comportamentos autodestrutivos em
geral como negação da fragilidade psíquica
que constitui o homem. E para fugir da
dependência substantiva do ser humano,
este recorre a dependência do trabalho, do
dinheiro, da pornografia e da química. Tal
dependência tem tido como desdobramento
os comportamentos autodestrutivos e
suicidas (Romera & Torrecillas, 2000).
A Figura IV mostra que, em relação ao
método, o enforcamento (64,2% e 50,0%
para homens e mulheres) foi o mais
utilizado
por
ambos
os
sexos,
principalmente pelos homens que optaram
quase quatro vezes mais por esse meio que
as mulheres. A ingestão de produto químico
e medicamentos foram responsáveis por
17,5% das mortes em homens e 27,3% em
mulheres. Seguido do uso de arma de fogo
para os homens (11,7%) e ateamento de
fogo ao corpo pelas mulheres (2,3%).
Estes achados estão em consonância
com os resultados obtidos pelo Ministério
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
117
CRISTIANA NELISE DE PAULA ARAÚJO, MARIA LÚCIA CASTILHO ROMERA, PAULO ROBERTO DE
OLIVEIRA, PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA VIADANNA
Na pesquisa sobre suicídio em
Uberlândia descobrimos quão complexa é
esta definição e como gestos e intenções
suicidas podem ficar mascaradas, por assim
dizer, diminuindo, por certo o número de
registros de mortes por suicídio.
Constatamos que vivemos em um regime de
relações que poderia ser caracterizado como
o de “morte suicida”. As relações se
estruturam em moldes precários gerando
desconfiança e sentimentos paranóides
alucinatórios. Vínculos efêmeros e que
podem desaparecer quase instantaneamente.
Importa notar que há um corpo social que se
expressa
nestes
atos
inicialmente
considerados individuais.
Para Hillman (1993) citado por
Meneghel et al. (2004) este subregistro está
relacionado aos valores sócio-culturais de
cada sociedade. Talvez isto possa estar
relacionado ao estigma presente no ato
suicida, pois, muitas pessoas tendem a
recusar a ocorrência de um gesto que vai à
contramão do sentido natural da vida. O que
contribui para o registro de mortes por
suicídio como causa externa do tipo
ignorado, aumentando a subnotificação das
estatísticas.
Segundo Rocha et al. (2007) um dos
motivos que interfere na fidedignidade do
mapeamento dos dados de mortes por causa
externa são o grande volume de laudos
preenchidos inapropriadamente. Pois se tem
conhecimento de que os óbitos por suicídio
notificados são duas a três vezes menores
que os verdadeiros (Meneghel et al., 2004).
Acredita-se que em meados da década de
90, aproximadamente 10% dos casos de
morte por causas externas no Brasil não
continham informações suficientes para
classificá-las
como
decorrentes
de
homicídio, suicídio ou acidente (Miller,
2003).
Considerações finais
O presente estudo aponta que, pelos
critérios internacionais, Uberlândia-MG
apresentou média taxa de mortalidade por
lesões autoprovocadas voluntariamente
entre sua população, no período de 2004 a
2008. A cidade reproduziu a realidade de
muitos países e estados brasileiros quanto
ao número de suicídios. As taxas de suicídio
foram mais altas entre os homens, com um
índice
de
mortalidade
médio
aproximadamente duas vezes maior que o
sexo feminino.
Os nossos resultados mostram que os
jovens (13-36 anos) apresentam índices
crescentes de morte ao longo dos anos. O
principal meio utilizado para o suicídio,
tanto por homens quanto por mulheres, foi o
enforcamento, seguido pela ingestão de
medicamento ou substâncias tóxicas e uso
de arma de fogo pelos homens e ateamento
de fogo pelas mulheres.
O aumento das mortes violentas entre a
população, dentre elas o suicídio, é um dos
problemas que ocorre no mundo
contemporâneo e inclusive no Brasil. Na
contemporaneidade é banal estarmos
expostos a toda a forma de violência. Somos
massacrados pela indústria da beleza, do
consumo, do ter e do prazer. Nunca se quis
tanto em troca de tão pouco. Convivemos
com a ameaça da violência 24 horas por dia.
Nossa principal defesa vem sendo o
anestesiamento pelo medo da violência
auto-inflingida e hetero-inflingida, violência
social, política e econômica.
Ainda sim sabe-se que as taxas de
suicídio são subestimadas. Por isso a
118
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA (MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO, FAIXA ETÁRIA E
FORMAS DE SUICÍDIO
necessidade de treinamento adequado para
os profissionais da área de saúde e pesquisa
continuada sobre o assunto.
É preciso que profissionais da saúde,
psicólogos,
médicos,
enfermeiros
e
auxiliares de enfermagem, e da educação
exerçam um trabalho multidisciplinar. Indo
além dos sentidos curativos e individuais, e
buscando novos sentidos contribuindo para
a prevenção. Capacitação de profissionais
que busquem fazer frente a realidade da
sociedade contemporânea e assim oferecer
assistência efetiva a população.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
119
CRISTIANA NELISE DE PAULA ARAÚJO, MARIA LÚCIA CASTILHO ROMERA, PAULO ROBERTO DE
OLIVEIRA, PEDRO HENRIQUE DE OLIVEIRA VIADANNA
Referências
Cassorla, R. M. S. (1994). Autodestruição humana. Caderno de Saúde Pública, 10(1), 61-73.
Diekstra, R. F.W. & Gulbinat, W. (1993). The epidemiology of suicidal behaviour: a review
of three continents. World Health Stat Q, 46, 52-68.
D‘Oliveira, C. F. A. (2005). Perfil epidemiológico dos suicídios. Brasil e regiões, 1996 a
2002. Brasília. Ministério da Saúde. Consultado em 20 de Janeiro de 2011 através de
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Suicidios.pdf
Fensterseifer, L. & Werlang, B. S. G. (2006). Comportamentos autodestrutivos, subprodutos
da pós-modernidade? Revista Psicologia e Argumento, 24 (47), 35-44.
Herrmann F. (1976). O gesto autodestrutivo. Tese de Doutorado, Faculdade de Ciências
Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2009) Banco de dados por estado.
Consultado em 10 de Fevereiro de 2011 através de www.ibge.gov.br
Kalina, E. & Kovadloff, S. (1983). As cerimônias da destruição. Rio de Janeiro: Francisco
Alves.
Marín-León, L. & Barros, M. B. (2003). A. Mortes por suicídio: diferenças de gênero e nível
socioeconômico. Revista de Saúde Pública, 37(3), 357-63.
Mello, M. F. (2000). O Suicídio e suas relações com a psicopatologia: análise qualitativa de
seis casos de suicídio racional. Caderno de Saúde Pública, 16 (1), 163-70.
Meneghel, S. N., Victora, C. G., Faria, N. M. X., Carvalho, L. A. & Falk, J. W. (2004).
Características epidemiológicas do suicídio no Rio Grande do Sul, Brasil. Revista de
Saúde pública, 38(6), 804-10.
Miller, J. A. (2003). O livro de referência para a depressão infantil. São Paulo: M. Books do
Brasil.
Ministério da Saúde. (2007). Saúde Brasil 2007: uma análise da situação de saúde. Brasília:
Ministério da Saúde.
Monteiro, L. F. (1985). Tentativas de suicídio em adolescentes. Jornal de Pediatria, 58, 324.
Organização Mundial de Saúde. (2000). Departamento de saúde mental. Prevenção do
suicídio: um manual para profissionais da saúde em atenção primária, Genebra.
Consultado
em
16
de
Janeiro
de
2011
através
de
http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_phc_port.pdf
Portaria n° 1.876, de 14 de agosto de 2006. (2006). Diário Oficial da União; 15 ago.
Rocha, F. F., Sousa, K. C. A., Paulino, N., Castro, J. O. & Correa, H. (2007). Suicídio em
Belo Horizonte entre 2004 e 2006. Revista Brasileira de Psiquiatria, 29(2), 188-99.
Romera, M. L. & Torrecillas, F. (2000). Bloco da solidão: angústia no desamparo. Alter –
Jornal de Estudos Psicodinâmicos, 19(2), 337-44.
Schmitt, R., Lang, M. G., Quevedo, J. & Colombo, T. (2008). Perfil epidemiológico do
suicídio no extremo oeste do estado de Santa Catarina, Brasil. Revista de Psiquiatria
RS, 30(2), 115-23.
Serrano, A. I. (2003). Impactos da modernidade sobre as pulsões autodestrutivas: ciências
sociais e intervenção psiquiátrica. Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, SC.
120
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
MORTES POR SUICÍDIO EM UBERLÂNDIA (MG): CARACTERÍSTICAS DE GÊNERO, FAIXA ETÁRIA E
FORMAS DE SUICÍDIO
Shneidman, E. S. (2004). Autopsy of a suicidal mind. New York: Oxford University.
Silva, E. M. (2003). O clima na cidade de Uberlândia. Monografia, Instituto de Geografia,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.
Souza, E. R., Minayo, M. C. S. & Malaquias, J. V. (2002). Suicide among young people in
selected Brazilian State Capitals. Caderno de Saúde Pública, 18 (3), 673-83.
Werlang, B. G. & Botega, N. J. (2004). Comportamento suicida. Porto Alegre: Artmed.
World Health Organization. (2002). Multisite intervetion study on suicidal behaviours.
Geneva.
Consultado
em
16
de
Janeiro
de
2011
através
de
http://www.who.int/mental_health/media/en/254.pdf
World Health Organization. (2003). Geneva. Consultado em 10 de Janeiro de 2011 através
de http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suiciderates/en/
Os autores:
Cristiana Nelise de Paula Araújo é aluna do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, endereço: Av.
Brasil, n° 4477, apto 2, bairro Umuarama, Uberlândia – MG - CEP 38405-305, endereço eletrônico:
[email protected]
Maria Lúcia Castilho Romera é docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, endereço: Av.
Pará, 1720 / Campus Umuarama - Bloco 2C - Uberlândia – MG - CEP 38400-902, endereço eletrônico:
[email protected]
Paulo Roberto de Oliveira é docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia,
endereço: Av. Pará, 1720 / Campus Umuarama - Bloco 2T - Uberlândia – MG - CEP 38400-902, endereço eletrônico:
[email protected]
Pedro Henrique de Oliveira Viadanna é mestrando em Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, endereço: Av. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade
Universitária, São Paulo/SP – CEP: 05508-270, endereço eletrônico: [email protected]
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
121
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
GRUPOS DE ENCONTRO COM MORADORES
DE RUA DA CIDADE DE JATAÍ-GO: UMA
EXPERIÊNCIA PSICODRAMÁTICA
Érico Douglas Vieira
Bárbara Maria Oliveira Assis
Denice Resende Silva
Fernanda Silva de Meira
João Victor Bueno Lopes
Maykon Richard Miranda de Moura
Zélia Borges Souza Rocha
(UFG – Jataí – GO)
Resumo
O trabalho descreve a promoção de grupos de encontro semanais realizados durante um ano com
público alvo de moradores de rua e pessoas em situação de risco social da cidade de Jataí-GO. Os
encontros foram planejados adotando-se a metodologia do Psicodrama que permitiu a leitura do
processo grupal bem como ferramentas técnicas para as intervenções. O foco adotado foi a criação de
um espaço para reflexão e trocas de experiências com o foco na promoção da autonomia da
população atendida. Observamos uma transformação do grupo que, no início se comportava de modo
fechado e resistente. Um crescente processo de responsabilização pela própria vida foi um resultado
importante observado entre os membros do grupo.
Palavras-chave: moradores de rua; psicodrama; autonomia.
Abstract
Groups meeting with homeless people of Jataí (GO): an experience psychodramatic
The paper describes the promotion of group meetings held weekly for one year with the target
audience of homeless people and social risk in the city of Jataí-GO. The meetings were designed by
adopting the methodology of psychodrama that allowed the reading of the group process and tools
and techniques for intervention. Another focus was to create a space for reflection and sharing
experiences with a focus on promoting the autonomy of the population served. We observed a
transformation of the group that at first he behaved so close and resistant. A growing process of
accountability for their lives was an important result observed among group members.
Keywords: homeless; psychodrama; autonomy.
Artigo Recebido em 08/10/2011 e Aprovado em 30/05/2012
Introdução
“Eu sustento que a finalidade da ciência
é aliviar a miséria humana”.
B. Brecht
O presente artigo consiste em um relato
de experiência sobre um trabalho de
natureza interventiva cujo público alvo
consiste de população de rua e pessoas em
situação de risco social da cidade de Jataí GO. Realizaram-se intervenções com
122
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ÉRICO DOUGLAS VIEIRA, BÁRBARA MARIA OLIVEIRA ASSIS, DENICE RESENDE SILVA, FERNANDA
SILVA DE MEIRA, JOÃO VICTOR BUENO LOPES, MAYKON RICHARD MIRANDA DE MOURA, ZÉLIA
BORGES SOUZA ROCHA
encontros semanais em grupo coordenados
e planejados pelo docente e discentes que
integram a equipe. Representa um trabalho
de extensão com vistas a cumprir o objetivo
da Universidade de servir e se aproximar da
comunidade. Como objetivo principal,
temos a promoção da autonomia dos
usuários através do trabalho de grupo.
Ainda buscamos oferecer um espaço para
reflexão sobre o projeto de vida bem como
facilitar a troca de experiências de maneira
que um possa ser agente terapêutico do
outro
(Moreno,
1959).
Finalmente,
pretende-se a promoção de um espaço para
a emergência de um processo de
responsabilização pela própria vida. O
nosso marco teórico e técnico de referência
é o Psicodrama, especialmente o conceito
de espontaneidade e a metodologia de
trabalho em grupo.
O presente trabalho cumpre com a
expectativa de que haja uma aproximação
da Universidade Federal de Goiás com a
comunidade através dos projetos de
extensão. Visa levar a Universidade para
além de suas fronteiras, no intuito de entrar
em contato com a realidade concreta e
integrar a teoria com a prática. Reveste-se
de importância, ainda, na medida em que
coloca os estudantes frente a uma população
excluída e pauperizada, na tentativa de
sensibilizar os futuros profissionais para a
atuação com setores da população em
situações precárias.
O projeto propõe intervenções de caráter
emancipatório com uma população que não
recebe nenhum atendimento por parte do
poder público de Jataí - GO. Não existem
políticas públicas na cidade para atender a
população de rua. As únicas intervenções
são de caráter assistencialista de iniciativa
da sociedade civil. Portanto, é importante a
realização de um trabalho que almeje
resgatar a autonomia de uma população
excluída
e
assistida
de
maneira
assistencialista.
Ainda constata-se a relevância teórica
do projeto, pois existem escassos trabalhos
que descrevem e promovem uma reflexão
sobre a população de rua de pequenas
cidades.
Geralmente
encontram-se
pesquisas realizadas com moradores de rua
de grandes metrópoles (Varanda, 2004;
Alvarez, 2004; Brito, 2006). Como
resultado, teremos um panorama das
especificidades dos moradores de rua de
uma cidade pequena de aproximadamente
87 mil habitantes, material inexistente na
literatura especializada.
O objetivo principal seria a criação de
um espaço para reflexão e trocas de
experiências com o foco na promoção da
autonomia da população atendida. O
público-alvo freqüenta a instituição Nosso
Lar – Casa de Apoio e nesta recebe
diariamente alimentação, cuidados básicos
de higiene e saúde (corte de cabelo, banho,
curativos, etc.). Além disso, existe um
espaço de oração e amparo religioso. A
instituição é coordenada por Maides Abadia
Nogueira que também é sua fundadora. O
Nosso Lar conta com auxílio financeiro da
Prefeitura Municipal de Jataí, doações e
trabalho voluntário. No momento, doze
voluntárias trabalham no Nosso Lar no
preparo das refeições que são servidas
diariamente de segunda à sexta-feira. A
maioria dos usuários é do sexo masculino,
alguns moram nas ruas, outros são os
chamados “trecheiros” que percorrem
trechos de uma cidade a outra em busca de
oportunidades. Há ainda os que possuem
casa, mas vivem em situação sócio-
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
123
GRUPOS DE ENCONTRO COM MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JATAÍ-GO: UMA EXPERIÊNCIA
PSICODRAMÁTICA
econômica precária. Em média, sessenta
pessoas são atendidas diariamente.
O nosso lar
Após esta breve introdução, passemos a
descrever a história da instituição Nosso Lar
– Casa de Apoio. A idealizadora e atual
dirigente da instituição é dona Maides que
nos relata como teve início o seu trabalho.
Ela mora em frente a uma praça localizada
no centro da cidade, que é freqüentada por
muitos moradores de rua. Dona Maides
começou a sensibilizar-se com a situação
precária em que se encontravam e passou
fazer marmitas e oferecer aos moradores de
rua. Durante dois anos ela obteve auxílio
por meio de doações de supermercados e
voluntários. Aos poucos o número de
atendidos aumentou, fato que fez com os
vizinhos queixassem à Prefeitura de Jataí.
Dona Maides, então, pediu apoio à
Prefeitura para preparar e fornecer as
refeições em outro local. Uma casa foi
alugada pela Prefeitura no início de 2009,
necessitando de reparos e melhorias que
foram feitos com o auxílio dos usuários e
voluntários.
Atualmente
o
compromisso
da
Prefeitura é o pagamento do aluguel, todo o
restante é obtido por meio de doações.
Segundo depoimento de Dona Maides,
algumas voluntárias procuram o trabalho
como forma de combate à própria
depressão.
Os moradores de rua
Passemos a descrever e caracterizar os
usuários da instituição. Os moradores de rua
geralmente são pessoas que não têm mais
documentos, não possuem trabalhos formais
nem moradia fixa e também se encontram
com vínculos familiares e sociais rompidos.
Estas rupturas conduzem esta população a
um estado de crescente degradação e
vulnerabilização. Podemos entender como
população de rua aquela que supre
necessidades de alimentação, sono e outras
na rua. Adotamos a definição de Martins et
al. (2006) que caracterizam os moradores de
rua como aqueles que não possuem
moradia, que moram nas ruas e também
aqueles que vivem em albergues, abrigos e
ainda os que vivem em lugares inseguros e
precários. Esta definição é semelhante à
adotada pelas Organizações das Nações
Unidas (ONU) e retrata adequadamente o
público com o qual trabalhamos.
A situação de vulnerabilidade em que se
encontra a população de rua é agravada
pelas atuais polarizações econômicas, a
reestruturação demográfica e pelas novas
dinâmicas do trabalho que criam uma
situação propícia para a concentração de
riqueza no mundo e particularmente no
Brasil, deixando graves seqüelas sociais
sem a contrapartida do Estado diante da
miserabilidade crônica da população.
Mesmo que no Brasil existam soluções
informais e às vezes ilícitas para se
enfrentar os problemas da moradia – através
da ocupação de áreas de mananciais e
ocupação de prédios públicos, ou ainda para
enfrentar o desemprego – através do
trabalho informal, como é o caso dos
ambulantes, um grande número de pessoas
acaba nas ruas com a ausência de políticas
públicas de apoio (Varanda, 2004).
Agora
passemos
a
discutir
a
terminologia da população de rua, segundo
Varanda (2004). Geralmente, estes termos
são utilizados pela própria população de
rua. Os maloqueiros são aqueles que
124
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ÉRICO DOUGLAS VIEIRA, BÁRBARA MARIA OLIVEIRA ASSIS, DENICE RESENDE SILVA, FERNANDA
SILVA DE MEIRA, JOÃO VICTOR BUENO LOPES, MAYKON RICHARD MIRANDA DE MOURA, ZÉLIA
BORGES SOUZA ROCHA
dormem nas ruas, nas chamadas malocas,
isto é, locais onde pequenos grupos ficam
durante o dia ou na noite que são compostos
por colchões velhos, algum canto reservado
para os pertences pessoais (roupas e
documentos) e, às vezes, utensílios de
cozinha. O usuário de albergue ou
albergado é quem se refugia em albergues.
"Trecheiro" ou andarilho é o termo vindo
dos trabalhadores que transitavam de uma
cidade para outra a procura de trabalho, e
que continua sendo usado pejorativamente
por uns e naturalmente por quem já teve a
experiência de trecho. Em geral, as viagens
são tipicamente padronizadas e não
aleatórias. "Pardais" são os moradores de
rua que se fixam e não trabalham. Os
usuários de álcool são denominados de
bêbado, alcoólatras ou bebuns. Na visão
destes, as outras pessoas que utilizam outras
drogas, como a maconha, o crack e a
cocaína são os “nóias”, especificadamente
os que usam crack são conhecidos pelo
nome de "pedreiros". Há também os doentes
mentais que sobrevivem principalmente
aceitando doações, catando comida no lixo
e mendigando. Na sua rotina de vida não
incluem o uso de álcool e droga, são os mais
reclusos e socialmente isolados até pelos
próprios “vizinhos” de calçada.
É importante ressaltar que atualmente a
população de rua não mais se restringe à
figura do mendigo, tendo seu perfil se
tornado mais variado. Percebem-se nas ruas,
desempregados, doentes mentais, idosos,
dependentes químicos, migrantes, dentre
outros (Martins e colaboradores, 2006). Esta
população encontra-se entregue às drogas,
ao consumo excessivo de álcool, à violência
e criminalidade.
Alvarez (2004) aponta as situações
existenciais extremas a que estão
submetidos os moradores de rua. Estes
vivem sem proteção para os próprios
corpos, expostos a violências, mendicância
e embriaguez. Em um estudo realizado pela
autora, com um grupo da cidade de São
Paulo, percebe-se o sentimento de vergonha
em face da situação em que viviam. Outro
sentimento preponderante é a desconfiança
na sociedade e na própria capacidade para
enfrentar necessidades urgentes. A cidade
possui, de um lado, o segmento dos
integrados, com melhores e mais justas
oportunidades. Do outro lado, os que
sobrevivem às sobras do banquete dos
eleitos. Estes excluídos colecionam perdas
que podem os levar à criminalidade ou à
drogadicção, como aponta a autora:
Muitos dos moradores de rua, os
caídos pertencentes a esse segmento
social de excluídos, perderam-se de si
mesmos. Junto às perdas de
endereços, certidões de nascimento,
carteiras de identidades – símbolos de
cidadania – entrecruzam-se as perdas
de esperança, do sentido da vida, da
vontade de viver (Alvarez, 2004, p.
50)
Em decorrência desta situação os
moradores de rua podem se envolver com a
criminalidade, fato que os retira de uma
situação de invisibilidade. A violência se
apresenta como resposta à falta de
reconhecimento social. Desta forma, passam
a ser vistos na categoria de “bandido” que
deve ser banido da sociedade para as
prisões. Outra forma de lidar com a falta de
sentido seria o consumo de álcool e drogas
que representa uma busca de anestesiar a
dor psíquica, mas que termina por afundar o
usuário em desespero e vergonha.
Brito (2006) por outro lado, faz uma
análise de que a rua não representa um
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
125
GRUPOS DE ENCONTRO COM MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JATAÍ-GO: UMA EXPERIÊNCIA
PSICODRAMÁTICA
espaço de solidão, sendo um espaço de
organização de uma rede de camaradagem e
convivência. As pessoas e grupos
profundamente empobrecidos, lesados em
sua dignidade e autonomia, sem os recursos
básicos necessários à subsistência, utilizam
a rua como espaço simbólico como afirma a
autora:
A apropriação do espaço público por
esses “noveaux pauvres” para o
desenvolvimento de atividades de
mendicância, mercantil, criativa ou
moradia se fundamenta em um
sistema de classificação que acaba
por delimitar “arenas” cujas regras
de convivência estão constantemente
abertas ao debate entre eles e os
concorrentes usuários desses espaços,
que são os donos e trabalhadores de
empresas, residentes e cidadãos que
por aí transitam no cotidiano. A
coexistência de usos, de interesses e
atividades diversas no espaço público
torna-se
possível
através
de
negociações
recorrentes,
que
objetivam a construção de acordos ou
consentimentos forçados (Brito, 2006,
p.322).
A vida nas ruas depende de negociações
que geram regras de convivência nas quais é
preciso fazer uso da força física e da
criatividade para a sobrevivência.
Em relação à maneira como são vistos
pela sociedade, observam-se duas reações
que vão da piedade ao temor (Mendes &
Machado, 2004). Os vizinhos e transeuntes
que convivem com os moradores de rua ora
enxergam estes como vítimas, que sofrem e
precisam da misericórdia alheia. Neste
ponto,
podem
originar-se
ações
assistencialistas em direção a população de
rua, muitas vezes entremeadas por questões
religiosas. Outro tipo de caracterização seria
a de que o morador de rua pode ser violento,
colocando o outro numa posição de medo e
ameaça. O temor pode gerar ódio como
forma defensiva, expondo a população de
rua a humilhações e violências. Exemplo
disto são os recentes ataques sofridos por
moradores de rua, geralmente perpetrados
por grupos de jovens de classe média alta.
Diante do exposto este trabalho de
extensão teve como intuito contrapor as
soluções assistencialistas na tentativa de
promover um espaço para que os usuários
possam refletir sobre as próprias vidas e
responsabilizarem-se por elas. O intuito é
que a população atendida pudesse resgatar
sua dignidade e autonomia através das
trocas de experiências no grupo. Como
convite à responsabilização os moradores de
rua são compelidos a saírem da posição de
vítimas, de quem sempre precisará da ajuda
dos outros.
Psicodrama e autonomia
Pode-se dizer que temos dois pilares que
sustentaram o nosso trabalho. Um deles
seria a noção de autonomia, o outro seria o
conceito de espontaneidade do Psicodrama.
Adota-se o conceito de autonomia tendo
como base o pensamento de Paulo Freire
(Afonso, Vieira-Silva & Abade, 2009). A
ideia de autonomia apóia-se na liberdade do
ser humano. Neste caso, as práticas
educativas devem ser direcionadas para que
o ser humano possa rever, avaliar e até
mesmo mudar os conceitos culturais que são
recebidos na socialização. A concepção
antropológica do ser humano como um
projeto inacabado, sem uma essência
predeterminada, leva-nos a entender que
cada pessoa deve completar a sua
126
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ÉRICO DOUGLAS VIEIRA, BÁRBARA MARIA OLIVEIRA ASSIS, DENICE RESENDE SILVA, FERNANDA
SILVA DE MEIRA, JOÃO VICTOR BUENO LOPES, MAYKON RICHARD MIRANDA DE MOURA, ZÉLIA
BORGES SOUZA ROCHA
socialização para se humanizar. A
autonomia permite a construção de uma
capacidade crítica que possa avaliar os
conceitos culturais recebidos, exercendo um
posicionamento diante deles.
Outro pilar do nosso trabalho é o
conceito de Espontaneidade que também se
baseia no princípio da liberdade do ser
humano. Espontaneidade é o estado
produtor de todo processo criativo. Vejamos
a definição de espontaneidade para Moreno,
criador do Psicodrama:
É a capacidade de um indivíduo para
enfrentar adequadamente cada nova
situação ou dar novas respostas para
situações antigas” (Moreno, 1975, p.
132).
Quando Moreno refere-se à adequação
da ação, ele quer dizer que o indivíduo
espontâneo enfrenta novas situações
utilizando-se livremente dos seus recursos inteligência,
memória,
percepção,
sentimentos, dentre outros - com um
mínimo possível de restrições exteriores e
entraves internos. Nesse caso, o indivíduo
experimenta um estado de autonomia e
liberdade, um livre fluxo de sentimentos,
em que sua ação está em sintonia com seus
sentimentos e pensamentos.
Naffah-Neto (1997) estabelece uma
revisão dos conceitos elaborados por
Moreno e questiona a questão da adequação
da resposta. O autor argumenta que subjaz
no conceito de espontaneidade de Moreno
uma relação de exterioridade do sujeito com
relação à sociedade. Como o Psicodrama é
uma abordagem existencialista a relação do
sujeito com a sociedade não seria de
oposição e sim como ser-no-mundo. Assim,
espontaneidade seria uma relação de
compromisso entre sujeito e mundo, num
esforço de recuperação de uma presença
atuante e integrante da situação. Dentro
desta perspectiva, este trabalho objetivou,
através da realização dos grupos de
encontro, promover entre os moradores de
rua a capacidade de recuperação da
presença atuante e da abertura para o real.
Em termos morenianos buscou-se, através
das reflexões proporcionadas pelas trocas de
experiências em grupo, que os usuários
pudessem alcançar e desenvolver a
capacidade de dar novas respostas às
situações antigas.
Em vista do exposto acima, é importante
salientar que temos uma visão crítica com
relação aos trabalhos assistencialistas que
podem manter as pessoas em um estado de
indigência, como aponta Brito
Na falta de uma política consistente,
apresentam-se muitas vezes, nas ruas,
os mais variados segmentos sociais
caritativos, que acabam por realizar,
com o desprendimento e boa vontade
que lhes são próprios, a proeza de
cuidar, mantendo as pessoas em um
estado de indigência, humilhação e
assujeitamento,
alimentando
um
processo que poderíamos denominar
institucionalização da população na
rua (Brito, 2006, p. 322)
Tanto o nosso trabalho quanto os
referidos trabalhos caritativos encontram
enormes barreiras e limites devido à
péssima distribuição de renda no país que
concentra excessivamente a renda em uma
camada privilegiada da população, a
inexistência de uma política governamental
de geração de trabalho e a ausência de uma
política digna de saúde, educação e
habitação. Ademais, os trabalhos caritativos
proliferam como forma de compensação a
toda esta carência de políticas públicas
adequadas a esta população. O grande
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
127
GRUPOS DE ENCONTRO COM MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JATAÍ-GO: UMA EXPERIÊNCIA
PSICODRAMÁTICA
problema é que este tipo de trabalho
mantém esta população refém de uma
posição de quem sempre espera a ajuda do
outro. Deste modo, o morador de rua perde
a oportunidade de acionar saídas singulares
e autônomas para seus obstáculos.
Intervenções em grupo
A proposta divide-se em dois momentos
e espaços. Temos um espaço de supervisão
com reflexões embasadas em artigos
especializados para que se integre teoria e
prática. Neste espaço, no qual participam o
docente e os alunos que integram a equipe,
são discutidos os encontros e analisadas as
dificuldades e progressos na condução do
grupo. Há ainda um momento no qual o
próximo encontro é planejado.
O outro espaço são os encontros em
grupo com os moradores de rua realizados
na instituição Nosso Lar. O relato a seguir
refere-se às intervenções realizadas com os
moradores de rua. A estrutura do encontro
foi planejada tendo-se sempre em foco os
objetivos do trabalho. Utiliza-se a estrutura
dentro do referencial do Psicodrama (Vieira,
2009). Desta forma, os encontros passam
por três fases:
- O aquecimento que seria a preparação
do grupo com vistas à busca de um
problema em comum e do protagonista
adequado. Geralmente utilizamos técnicas
para estimular o corpo para atitudes e
atuações espontâneas.
- A fase da ação propriamente dita.
Nesta fase propomos ao grupo jogos
dramáticos e exercícios de dinâmica de
grupos coerentes com o tema planejado.
- O compartilhamento no qual
estimulamos os membros do grupo a
fazerem uma reflexão sobre a contribuição
do encontro para as suas vidas.
Os
temas
trabalhados
foram:
perspectivas e sonhos para o futuro, linha da
vida (acontecimentos importantes), como
lido com a ansiedade, como posso dar novas
respostas para antigos problemas, será que é
possível reparar erros do passado,
identidade, dentre outros.
Os encontros em grupo aconteceram de
maio de 2009 a maio de 2010. Os encontros
eram abertos, ou seja, novos membros
poderiam participar no decorrer do trabalho.
A idade dos participantes foi bastante
variada, desde jovens até idosos integravam
os encontros. A grande maioria dos
participantes era do sexo masculino. Como
o público era muito flutuante, tentamos
planejar os encontros de forma que
pudéssemos dar um fechamento em cada
intervenção. Procedemos aos moldes das
primeiras sessões de Psicodrama realizadas
por Moreno, nas quais ele não tinha a
pretensão de fazer um trabalho processual;
cada sessão tinha um valor em si mesma
(Moreno, 1959).
Relataremos, a seguir, alguns resultados
observados do trabalho. Para a apresentação
dos resultados, ilustraremos com trechos das
falas dos participantes. Nos primeiros
encontros pode-se observar que os membros
do grupo estavam fechados e resistentes
com relação ao trabalho. Alegavam que
tinham “vergonha” em se expressar em
grupo. No nosso entendimento, talvez não
estivesse muito claro, até então, a nossa
proposta.
Estabelecemos um contrato com eles,
explicando que se trata de um trabalho de
extensão da UFG, envolvendo alunos e
professor. Explicamos, também, que o
objetivo de desenvolver o trabalho no Nosso
128
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ÉRICO DOUGLAS VIEIRA, BÁRBARA MARIA OLIVEIRA ASSIS, DENICE RESENDE SILVA, FERNANDA
SILVA DE MEIRA, JOÃO VICTOR BUENO LOPES, MAYKON RICHARD MIRANDA DE MOURA, ZÉLIA
BORGES SOUZA ROCHA
Lar tem ligação com um valor do grupo que
é o de levar os conhecimentos da psicologia
para quem não pode pagar este serviço.
Parece que depois desta explicação o
vínculo de confiança entre nós e eles
começou a ser construído. Pôde-se perceber
que o grupo passou de uma fase de
indiferenciação no qual se encontrava
caótico e indiferenciado até o momento em
que houve uma diferenciação dos
participantes
com
espaço
para
a
manifestação das singularidades (Yozo,
1996). O vínculo desenvolvido e o
envolvimento da equipe de trabalho com os
usuários foram muito importantes para a
emergência da organização grupal.
Trabalhamos, então, fazendo um
levantamento sobre os temas que eles
julgavam importantes para serem tratados
nos próximos encontros. O tema do
alcoolismo se destacou como o mais
importante ao longo dos encontros. Eles nos
apresentaram uma demanda de auxílio no
que diz respeito ao alcoolismo, além de
pedirem um espaço para que pudessem
refletir sobre erros que cometem sem terem
consciência. Através de nossas observações
constatamos que os moradores de rua
adotam modos de existência rígidos com
defesas psicológicas que os levam a uma
condição de anestesia e congelamento.
Talvez como reação à rejeição vinda da
sociedade e da solidão diante dos laços
familiares rompidos. O consumo excessivo
de álcool pode ter uma função de defesa,
anestesiando sentimentos penosos. Este
congelamento fomentado pelo alcoolismo
pode contribuir pela perda gradativa da
espontaneidade. Retomamos o conceito de
espontaneidade desenvolvido por NaffahNeto (1997) de que esta seria uma relação
de compromisso entre sujeito e mundo.
Buscamos preparar os encontros de forma a
promover a recuperação da presença ativa e
da abertura para as possibilidades da
existência.
Nas
intervenções
eram
estimuladas reflexões de que é possível
“recuperar o tempo perdido”. Fizemos
algumas
dramatizações
nas
quais
trabalhamos situações inacabadas do
passado, projetos para o futuro, como forma
de recuperar a relação de compromisso com
a situação presente que é onde emergem as
possibilidades de recriação de si mesmo.
Outro tema que foi trazido com bastante
ênfase foi a importância da instituição
Nosso Lar, que representa um local de
refúgio, de convivência e de reflexão sobre
a própria vida, conforme se percebe na
seguinte fala: “Sou liberto do álcool porque
tive ajuda dessa casa aqui”.
Os encontros possibilitaram a troca de
experiências ente eles, um torna-se o agente
terapêutico do outro. De acordo com
Moreno (1959), um dos fatores responsáveis
pela eficácia de um trabalho em grupo é o
fato de que os membros podem ser agentes
terapêuticos um do outro, ou seja, o
potencial terapêutico não se realiza somente
nas intervenções do coordenador do grupo.
A troca de experiências entre os
componentes do grupo pode levá-los a uma
experiência na qual um aprende com o outro
e cada membro do grupo não se percebe
isolado em sua problemática.
O nosso trabalho tem como foco
intervenções que proporcionem um
crescente processo de responsabilização por
parte dos usuários. Como já foi dito
anteriormente, estes sujeitos recebem
benefícios de práticas assistencialistas que,
de acordo com Brito (2006), culminam por
manter este público em uma situação de
assujeitamento e humilhação. O nosso
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
129
GRUPOS DE ENCONTRO COM MORADORES DE RUA DA CIDADE DE JATAÍ-GO: UMA EXPERIÊNCIA
PSICODRAMÁTICA
projeto tem como objetivo romper com este
tipo de prática com o intuito de promover
um espaço para a responsabilização dos
sujeitos pela própria vida. Entendemos que
esta população vive em condições de risco
social, mas a nossa intenção é levá-los a
refletir sobre o que podem fazer dentro das
suas condições. Alguns resultados já podem
ser observados neste sentido, conforme é
demonstrado pelas seguintes falas:
Não vou desistir. Vou correr atrás e
arrumar um serviço”; É preciso ter
calma ir devagar em cima do
problema, iniciativa para resolver
seus problemas... “Não esperar cair
do céu...
A reflexão “não esperar cair do céu”
foi bastante recorrente no grupo. Em alguns
encontros os membros do grupo dizem que
não se pode ficar esperando a ajuda de Deus
sem que cada um faça a sua parte, que cada
um tome a iniciativa de melhorar a própria
vida. Parece-nos que a capacidade de dar
novas respostas para situações antigas foi
sendo alcançada pelos usuários do Nosso
Lar.
Considerações finais
O vínculo construído entre a equipe
e os moradores de rua parece ter contribuído
para o resgate da dignidade destes. Os
usuários do Nosso Lar sentiram-se
acolhidos e compreendidos sem o
julgamento de que geralmente são alvos. O
espaço de reflexão proporcionado pelos
encontros em grupo permitiu a ruptura com
comportamentos
e
pensamentos
estereotipados. A cristalização em que se
encontravam esperando a ajuda divina com
a percepção de falta de saída foi sendo
gradativamente quebrada.
A equipe de trabalho conseguiu
diminuir a distância que tinham com relação
à população de rua. Nas supervisões, os
discentes relataram que, antes da realização
do trabalho, tinham muito preconceito em
relação aos moradores de rua. Sentimentos
de medo ou pena foram sendo substituídos
por uma relação de cumplicidade, em que os
alunos perceberam que tinham muito em
comum com os moradores de rua. O
projeto foi bem sucedido no sentido de
sensibilizar os futuros psicólogos para o
trabalho com parcelas da população
pauperizadas.
Constatamos a necessidade urgente do
desenvolvimento de políticas públicas para
a população de rua. Como um grupo social
que sofre forte padrão discriminatório, fazse mister a construção de tratamento
diferenciado e especial. Existe uma grande
indiferença do Estado em relação a esta
população, que não aparece como uma
prioridade das políticas públicas, refletindo
a situação de invisibilidade que os
moradores de rua se encontram. Eles não
têm acesso a programas de transferência de
renda, porque é exigida a residência fixa
nestes casos. Essa omissão dos governos em
relação ao morador de rua demonstra que
eles representam o “lixo” urbano
contemporâneo.
130
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
ÉRICO DOUGLAS VIEIRA, BÁRBARA MARIA OLIVEIRA ASSIS, DENICE RESENDE SILVA, FERNANDA
SILVA DE MEIRA, JOÃO VICTOR BUENO LOPES, MAYKON RICHARD MIRANDA DE MOURA, ZÉLIA
BORGES SOUZA ROCHA
Referências
Afonso, M. L. M.; Vieira-Silva, M. & Abade, F. L. (2009). O processo grupal e a educação
de jovens e adultos. Psicologia em Estudos. 4, 707-715.
Alvarez, A. M. de S.; Alvarenga, A. T. & Fielder-Ferrara, N. (2004). O encontro
transformador em moradores de rua na cidade de São Paulo. Psicologia & Sociedade.
3, 47-56.
Alvarez, A. M. S.; Alvarenga, A. T. & Rina, S. C. S. A. D. Histórias de vida de moradores
de rua, situações de exclusão social e encontros transformadores. Saúde e Sociedade.
2, 259-272.
Brito, M. M. M. (2006). A abordagem e a clínica no atendimento aos moradores de rua
portadores de sofrimento psíquico. Psicologia Ciência e Profissão. 2, 320-327.
Martins, M. P.; Monterio, A. V.; Benine, G. C.; Campos, L. C.; Carvalho, R. S. & Lima, S.S.
Como os moradores de rua percebem a si mesmos? Revista CES Juiz de Fora. 1, 169177.
Mendes, A. A. & Machado, M. F. (2004). Uma clínica para o atendimento a moradores de
rua: direitos humanos e composição do sujeito. Psicologia Ciência e Profissão 3, 100105.
Moreno, J. L. (1975). Psicodrama. São Paulo: Cultrix.
Moreno, J. L. (1959). Psicoterapia de grupo e psicodrama. São Paulo: Mestre Jou.
Naffah-Neto, A.(1997). Psicodrama: descolonizando o imaginário. São Paulo: Plexus
Editora.
Varanda, W. & Adorno, R. C. F. (2004). Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade
da população de rua e o desafio para políticas de saúde. Saúde e Sociedade. 1, 56-69.
Vieira, É. D. (2009). Psicodrama: Introdução à Teoria, Prática e Pesquisa. Revista da
Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro. 13 (1) 88-93.
Yozo, R. Y. K. (1996). 100 jogos para grupos:uma abordagem psicodramática para
empresas, escolas e clínicas. São Paulo: Ágora.
Os autores:
Érico Douglas Vieira é psicólogo pela UFMG; Mestre em Psicologia pela PUC Minas; Professor do curso de Psicologia da
UFG – Campus Jataí; Rua Dona Esmeralda, 606 – St Vila Fátima - Cep: 75803-095 - Jataí - GO Fone: (64) 3606-8127
E-mail: [email protected]
Bárbara Maria Oliveira Assis; Denice Resende Silva; Fernanda Silva de Meira; João Victor Bueno Lopes; Maykon
Richard Miranda de Moura; Zélia Borges Souza Rocha são discente do curso de Psicologia da UFG – Campus Jataí;
Rua Riachuelo, 1530 – Setor Samuel Graham- CEP: 75804-020- Jataí - GO Fone: (64) 3606-8127.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
131
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES
ESCOLARES DE ADOLESCENTES
Jeferson Carlos Bordignon
Vera Lucia Trevisan de Souza
(PUCAMP – Campinas – SP)
Resumo
O presente artigo tem por objetivo relatar uma pesquisa1 que buscou investigar a influência dos afetos
nas relações escolares de adolescentes, tendo como aporte teórico-metodológico a Psicologia
Histórico-Cultural. De natureza empírica e desenvolvida em uma escola pública municipal, teve
como sujeitos 52 alunos do nono ano do ensino fundamental, com os quais se desenvolveram
discussões a partir de dois filmes abordando questões da adolescência. Como resultado, constatou-se
que a não satisfação de necessidades afetivas próprias dos adolescentes prejudica seu
desenvolvimento pessoal e acadêmico. O que indica a necessidade de se criar espaços para a
expressão, discussão e reflexão sobre afetos e afetividade.
Palavras-chave: afetividade; adolescência; psicologia histórico-cultural; brincadeiras; agressividade.
Abstract
The role of the affects in adolescents school relations
This article aims to report research that sought to investigate the influence of affects in
adolescent school
relations,
with
the theoretical
and
methodological Historic-Cultural
Psychology. Empirical and developed in a school had 52 students as subjects of the ninth year of
elementary school, with whom discussions were developed from two films addressing issues of
adolescence. As a result, it was found that the non-satisfaction of emotional needs of
adolescents affect their own development, both in the personal and academic skills. This indicates the
need to create spaces for expression, discussion and reflection on feelings and affection.
Keywords: affection; adolescence; historical-cultural psychology, joking, aggressiveness.
Artigo Recebido em 02/01/2012 e Aprovado em 30/09/2012
Introdução
Todo trabalho que se proponha
científico deve deixar sua perspectiva
teórico-metodológica bem clara, de modo
que o leitor possa apreender não apenas
seus resultados e conclusões, mas, também,
o porquê de ter sido realizado de dada
maneira. Desta forma, achamos por bem
iniciar este relato explicitando nossa
orientação teórica por meio da apresentação
dos pressupostos teórico-metodológicos que
fundamentam a presente pesquisa.
O ponto de vista científico aqui adotado
comunga com os pressupostos de uma
psicologia de base materialista dialética,
apoiado mais especificamente em ideias de
dois autores. O primeiro é o soviético e
pioneiro da Psicologia Histórico-cultural,
Lev S. Vigotski e o segundo é o francês
Henri Wallon, que se dedicou à psicologia
do desenvolvimento.
132
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
Conforme assinalam Mahoney, Almeida
e Almeida (2006), é possível desenvolver
trabalhos tomando Wallon e Vigotski como
referência pois a produção de ambos, ainda
que apresentem muitas especificidades,
compartilham do mesmo referencial
epistemológico, ou seja, o materialismo
histórico-dialético como método de
investigação dos fenômenos psíquicos.
Além destes teóricos, dialogamos
também com alguns autores brasileiros que
desenvolvem trabalhos dentro desta
perspectiva
teórico-metodológica
e
produzem referências para o tema abordado,
qual seja, o papel que assumem os afetos
para os adolescentes em suas relações
escolares.
O pressuposto que fundamenta a
psicologia histórico-cultural, ou seja, o
materialismo histórico e dialético permite
que ela seja considerada de uma perspectiva
crítica. A dialética é crítica em dois
sentidos: não toma a realidade como se
apresenta, questionando-a até descobrir seus
nexos internos constitutivos; e, ao mesmo
tempo, toma criticamente as explicações
existentes sobre esta realidade, sendo a
realidade compreendida como movimento e
transformação em dependência recíproca.
Os fatos da realidade podem ser explicados
na medida em que se compreende a trama
de relações em que se inserem. Neste
sentido, o ser humano é compreendido
como fato social e multideterminado,
relacionando-se com pessoas e instituições
com
modos
próprios,
objetivando
características do local e época em que vive
e construindo-se à medida que também
constrói a sociedade (Ianni, 1984).
Para Vigotski, as determinações
biológicas predominam sobre as culturais
apenas no início da vida. A partir de um
dado momento, por volta dos dois anos,
quando pensamento e fala se cruzam dando
origem ao pensamento verbal, esta
predominância se inverte e passam a
prevalecer as determinações de origem
social, sendo a fala o principal meio de
acesso ao social. Tanto a fala como o
pensamento e a consciência se desenvolvem
a partir do e no trabalho, entendendo-se
trabalho no sentido marxista, como ação no
mundo (Palangana, 1994).
Por sua vez, Wallon considera o
desenvolvimento humano como partindo de
uma fusão de pulsões indiferenciadas para a
progressiva diferenciação na medida em que
a pessoa se relaciona com os “outros” nos
meios e grupos de que participa. Para fins
de descrição científica, divide o estudo do
desenvolvimento da pessoa, que é íntegra,
em quatro conjuntos funcionais: o conjunto
afetivo, o conjunto do ato motor, o conjunto
cognitivo e a própria pessoa, que seria a
integração dos outros conjuntos em suas
inúmeras possibilidades (Mahoney &
Almeida, 2005; Wallon, 1975).
Por este se tratar de um trabalho que
investiga o papel e a importância dos afetos
no meio escolar, nos deteremos mais sobre
o conjunto afetivo. Este compreende as
noções de emoção, que é a exteriorização da
afetividade, sua expressão mais primitiva,
sentimento, entendido como a expressão
representacional da afetividade e paixão, a
ativação do autocontrole para dominar uma
dada situação (Mahoney & Almeida, 2005).
Para ambos os autores, portanto, as
interações sociais assumem um papel
crucial no desenvolvimento do ser humano,
seja nos aspectos afetivos, cognitivos,
motores ou relacionais. Adotando estes
pressupostos para se estudar os sujeitos,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
133
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
cabe
explicitar
de
que
especificamente estamos falando.
sujeito
A adolescência e o adolescente
A adolescência como se concebe hoje é
um fenômeno recente, dentro da também
recente disciplina científica que é a
psicologia. Os primeiros estudos sobre o
assunto remontam ao início do século XX.
Desde então, a adolescência assume um
aspecto indissociável de “tormenta e
drama”, um momento turbulento em que o
sujeito (adolescente) passaria por uma série
de mudanças físicas e psicológicas
repentinas e dramáticas, além de crises
pessoais profundas (Palácios, 1995). Esta
concepção encontrou eco principalmente em
produções de cunho psicanalítico, que
evidenciam este aspecto turbulento, o que
acabou contribuindo para uma visão
patologizante sobre uma etapa do
desenvolvimento humano (Aguiar, Bock &
Ozella, 2007).
Contudo, apesar de ser uma concepção
hegemônica, esta não é a única. Estudos de
orientações mais culturais e antropológicas
vieram contribuir para a compreensão da
adolescência e do adolescente como
realidades cuja origem e desenvolvimento
remetem à sua cultura (Palácios, 1995).
Esta é a posição aqui adotada, por se
tratar de uma perspectiva científica crítica,
que considera os fatos e fenômenos
contextualmente. O adolescente e a
adolescência são aqui concebidos sóciohistoricamente, ou seja, a adolescência é
compreendida como uma etapa da vida que
se desenvolve na sociedade, uma fase do
desenvolvimento e uma etapa na história da
humanidade, tal como a postula Vigotski
(1996).
Esta concepção “despatologiza” o
desenvolvimento humano na medida em
que o torna histórico. É a sociedade, criada
por nós mesmos, que nos permite “ser” ou
“não ser” de um determinado modo, e a
“normalidade” é compreendida como o que
os homens valorizam como “normal” e não
um estado natural e eterno (Aguiar, Bock &
Ozella, 2007).
Por compreender que a concepção
sócio-histórica contribui para uma nãonaturalização de fenômenos sociais e para
uma compreensão mais contextual e
histórica destes fenômenos, é que ela é aqui
adotada. Resta saber como compreendemos
os afetos na escola, seu papel e importância
para o desenvolvimento e as relações do
adolescente que estuda.
Os afetos e as relações Eescolares
O afeto encontra-se na base de todo
comportamento, é o que dá condição para a
cognição e o ato motor se desenvolverem. E
é nas relações que se desenvolvem. Por
afetividade, entende-se a capacidade do ser
humano de ser afetado pelo meio externo ou
interno, por sensações ligadas a tonalidades
agradáveis ou desagradáveis e de reagir
interna ou externamente a estas sensações
despertadas. Há três momentos marcantes
na evolução da afetividade: emoção
(ativação fisiológica), sentimento (ativação
representacional), paixão (ativação do
autocontrole). Os três momentos resultam
de fatores orgânicos e sociais (Mahoney &
Almeida, 2005).
Compreendendo a emoção como o
primeiro - e mais primitivo, no sentido
genético - elo entre o sujeito e o mundo,
pode-se afirmar que é nas relações com os
grupos que o sujeito se desenvolve,
134
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
entendendo como grupos a família, a escola
e a própria sociedade (Wallon, 1975).
À escola cabe transmitir o conhecimento
historicamente construído aos alunos por
meio do processo de ensino-aprendizagem,
que, como todas as demais relações
humanas, também está pautado pela
afetividade.
Neste sentido, a qualidade das relações
que o adolescente vivencia na escola, seja
com o próprio objeto de estudo, seja com os
professores e colegas é o que irá contribuir
para um desenvolvimento mais ou menos
pleno e saudável do adolescente, assim
como para sua formação como sujeito ativo
na sociedade e na própria vida (Dér &
Ferrari, 2000).
Objetivo
O presente trabalho teve como objetivo
conhecer e analisar os afetos presentes nas
relações
escolares
de
adolescentes,
focalizando a natureza desses afetos, de
modo a compreender sua influência na vida
dos adolescentes e na dinâmica das relações
com os professores, com a aprendizagem e
com seus pares.
Método
Para Vigotski (2004), o método em uma
pesquisa está extremamente imbricado com
seu objeto. Para ele, o objeto de estudo da
psicologia é o sujeito histórico, inserido em
inúmeras relações com seu meio e seus
pares. Portanto, é nas relações que os
sentidos se configuram e é a partir da
observação e análise das relações e de sua
historicidade que os sentidos se revelam. O
que se deve buscar no processo de análise
são os motivos, necessidades e desejos que
se escondem por trás do que é dito ou
expresso pelos sujeitos. A análise envolve a
explicação, que é estabelecer uma conexão
entre vários fatos ou vários grupos de fatos,
referir uma série de fenômenos à outra,
definir em termos de causas.
Instituição e sujeitos de pesquisa
O presente trabalho foi desenvolvido em
uma escola da rede municipal de uma
cidade do interior do Estado de São Paulo,
que oferece o Ensino Fundamental, ciclo I e
II e Educação de Jovens e Adultos. Atende
por volta de 1300 alunos, que pertencem à
classe socioeconômica de baixa renda. O
campo é o mesmo em que ocorrem outras
pesquisas do grupo Processos de
Constituição do Sujeito em Práticas
Educativas (PROSPED), ao qual a presente
pesquisa se vincula.
Os sujeitos envolvidos na pesquisa
cursavam o nono ano do ensino
fundamental, distribuídos em quatro classes
com a média de 24 alunos por sala. Não é
possível precisar o número exato de
participantes da pesquisa, visto que os
alunos faltavam excessivamente á escola.
As idades dos adolescentes variavam de 14
a 16 anos, sendo que havia sujeitos de 17 e
até 18 anos.
Procedimentos
As atividades tiveram início com a
apresentação do projeto para os professores
e os alunos. Foram utilizadas duas aulas de
cada sala para observação, cujos
apontamentos resultaram em diários de
campo das atividades.
Posteriormente,
foi
exibido
um
documentário para duas salas de cada vez,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
135
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
sendo que a exibição deste tomou duas
aulas. As reações dos adolescentes durante a
exibição do filme foram registradas.
As aulas subseqüentes foram utilizadas
para a discussão do filme, que ocupou uma
aula de cada sala. As discussões, quando foi
possível, foram gravadas em áudio e depois
transcritas para compor o conjunto de
informações. Quando não houve a
possibilidade de gravação, foram utilizados
apontamentos como forma de registro.
Na sequência, foi exibido o segundo
filme, cujos procedimentos corresponderam
aos acima apontados. Encerradas as
exibições e discussões dos filmes,
permanecemos na escola até o término do
ano letivo, fazendo observações em sala de
aula. Nesta fase, aplicamos o instrumento de
complemento de frases a 52 alunos, sendo
25 meninos e 27 meninas. Após, fizemos o
desligamento e encerramento das atividades
de campo.
Resultados e Discussão
A experiência desta pesquisa nos
permitiu constatar que a dimensão afetiva é
preponderante nas atitudes dos adolescentes
na escola e que parece determiná-las. Este
modo de funcionar guiado pelo afetivo se
objetiva em condutas que assumem um
aspecto de descompromisso, apatia e
indisciplina na visão daqueles que
convivem no cotidiano com o público
adolescente, sobretudo os professores.
Condutas
como
toques
corporais
abundantes, com tonalidades que vão da
agressão ao cuidado, conversas incessantes,
atividades alheias à aula, xingamentos
recíprocos e outros são exemplos
classificados pelos professores como
indisciplina ou violência.
Porém, apesar desse aparente aspecto
negativo que caracteriza essas condutas, o
que se observa é que os adolescentes as
vivenciam como brincadeira, o que nos faz
pensar que estes comportamentos se
configuram, para além de um aspecto
violento, como um modo próprio dos
adolescentes pesquisados se relacionarem e
se comunicarem na escola.
E como compreender esta maneira tão
particular de relacionamento que atrela
violência e convivência, agressão e
brincadeira no âmbito escolar? Cabe
analisar como os adolescentes representam
para si a escola para depois voltarmos à
questão da comunicação propriamente dita.
A escola para e pelos adolescentes
As respostas do complemento de frases
que dizem respeito a como os adolescentes
configuram para si a escola foram
organizadas em “afetos de tonalidade
positiva” e “afetos de tonalidade negativa”.
Entre as manifestações com tonalidade
afetiva positiva (que são minoria) encontrase que os alunos consideram a escola
“importante”, “boa para o futuro”, “legal”.
Porém, inspirando-se na psicologia histórico
cultural, pode-se considerar que estas
respostas
expressam
um
discurso
socialmente apropriado pelos adolescentes
no que diz respeito à escola ou aos estudos,
visto que o comportamento deles em sala de
aula contradiz os sentidos positivos
atribuídos à escola: via de regra, a conduta
dos adolescentes durante as aulas revelam
desinteresse e descompromisso.
Porém, entre as respostas com
tonalidade afetiva negativa, encontram-se
manifestações sui generis que coincidem
com os comportamentos observados em sala
136
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
de aula. Consideram a escola como
“cadeia”, “tortura”, “lixo”, além de diversas
expressões chulas que não cabe reproduzir
aqui, mas que evidenciam o quanto os
adolescentes depreciam a escola. Entre os
sentimentos vivenciados nela, figuram
“tédio”, “raiva” e “vontade de ir embora”.
Uma hipótese que poderia explicar esses
sentimentos em relação à escola é o fato de
a escola, a família ou quaisquer outros
meios sociais não oferecerem espaço para
os jovens expressarem e elaborarem suas
emoções, que assumem relevância nesta
fase de transição que caracteriza a
adolescência. A impossibilidade de elaborar
as emoções, de modo a significá-las e
atribuir-lhes sentido prejudica o próprio
processo de ensino-aprendizagem, o que se
expressa, no caso da presente pesquisa, na
falta de domínio pelos alunos da forma culta
da língua portuguesa, por exemplo, apesar
de estarem no último ano do ensino
fundamental.
Há que se considerar, também, o fato de
que o adolescente é um sujeito vivendo em
determinada época e cultura, e na nossa
cultura tudo o que é veiculado sobre a
adolescência remete à rapidez, imediatismo,
transitoriedade, etc. O modo como os jovens
vivenciam essas experiências se reflete em
suas atitudes em relação à escola. O fato de
a escola se caracterizar como local em que a
cognição e a reflexão são privilegiadas,
exigindo do estudante que pense, reflita e
preste atenção, enfim, que dedique tempo e
esforço para se apropriar dos conhecimentos
veiculados em sala de aula, parece ser o que
faz com que a escola seja encarada como
chata, vista como cadeia e vivida como
tortura, sendo um fardo permanecer nela e
um alívio o sinal do intervalo e do término
das aulas.
Entretanto, este modo de conceber a
escola parece em parte produzido pela
própria escola, na medida em que não
corresponde à velocidade e dinamismo
atribuídos ao “ser adolescente”. Essa
compreensão de como a adolescência é
produzida pela cultura e como, a um só
tempo, também a produz, sobretudo na
escola, é fundamental para que se avance na
superação dos problemas enfrentados neste
contexto social.
Comunicação dos adolescentes na escola
Para analisarmos mais de perto os
fenômenos relativos à comunicação dos
adolescentes na escola, dividiremos esta
grande
categoria
em
subcategorias
representadas como conflitos e presentes
nas modalidades de relação que seguem
abaixo. Em cada uma dessas subcategorias
uma forma de relação assume a prevalência
e será a partir delas que empreenderemos
nossa análise.
Relação professor/aluno: envolvimento X
alheamento
A) Ficamos todos em silêncio
novamente e a professora, que
novamente havia se sentado do lado
de fora da roda, me ajudou, ela disse
aos alunos que sabia por que eles
estavam quietos e até os entendia,
mas o que achava que iria ajudar na
discussão era pensar sobre a questão
do preconceito envolvendo estes
assuntos (homossexualidade). (DC17)
Este exemplo caracteriza o conflito
envolvendo a relação professor/aluno como
envolvimento versus alheamento, pois a
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
137
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
professora, apesar de conhecer a classe e se
envolver com ela na questão discutida,
senta-se do lado de fora da roda de
discussão, limitando-se a intervenções
pontuais a respeito de um ou outro assunto.
Há uma hesitação entre o envolver-se
realmente com os adolescentes no que diz
respeito às suas demandas afetivas e
dificuldades de relação e o permanecer
alheia, cumprindo o papel do modelo
socialmente difundido de professora
detentora do saber, em que o conhecimento
é cindido do afeto.
Esse modelo, que possivelmente foi
apropriado por esta professora no seu modo
de lidar cotidiano com sua atividade
profissional/educacional, parece difícil de
ser rompido, ainda que se busque facilitar
sua interação com os alunos. Entretanto,
uma outra forma de relação entre professor
e alunos convive no mesmo contexto
escolar:
B) O professor comenta que somente
a educação poderia quebrar este ciclo
de gravidez que continua se repetindo
geração após geração, fala sobre a
importância do lúdico e da
brincadeira na vida das pessoas e
sobre a importância também de
carinho e atenção. “Saiu na chuva é
para se molhar, por isto precisa estar
preparado, senão rebola” diz ele e
rebola, junto com mais uma aluna.
(DC-5)
O trecho acima relata um momento da
aula de um professor que parece conseguir
articular conhecimento e afeto em sua ação
docente. Ao mesmo tempo em que explica a
matéria, incitando seus alunos a refletirem
sobre o conteúdo ensinado, utiliza-se de um
modo de expressão semelhante ao utilizado
pelos adolescentes, e acaba por facilitar a
apropriação do conteúdo pelos alunos e o
engajamento dos jovens nas atividades
escolares. Prova disso é que a matéria
ministrada por esse professor é apontada
pelos alunos como significativa para a vida
deles, em depoimentos dados ao conselho
de classe e também como o que há de
“melhor” ou “mais fácil” na escola, nas
respostas do complemento de frases.
A professora do exemplo “A”, por
manter-se numa postura hesitante entre o
envolvimento e o alheamento não contribui
para que os conteúdos por ela transmitidos
sejam bem assimilados pelos alunos e o
complemento de frases vem reforçar este
aspecto no sentido de que a matéria que
ministra é uma das apontadas como o que
há de “pior” ou “mais difícil” na escola,
sendo também apontada pelos alunos como
matéria difícil no conselho de classe.
Ou seja, a postura dos professores no
que concerne ao envolvimento e implicação
com o ensino e com os alunos, posturas que
revelam a presença de afetos positivos ou
negativos na ação docente, interferem
diretamente na aprendizagem dos alunos e
nas relações que estabelecem com o
conhecimento ensinado, além do modo
como representam os professores e a escola.
Relação aluno/conhecimento: envolvimento
X alheamento
C) A professora começa então a dar a
aula que é sobre “Problemas
Ambientais”. Há uma certa dispersão
dos alunos. Um aluno começa a ler o
texto do livro didático em voz alta,
para toda a sala, mas se irrita com
uma colega que lê o texto em voz
baixa e pede para ela ler, que ele não
leria mais. Ela também se recusa, fica
138
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
tímida e a professora escolhe outra
garota para ler e esta lê o texto até o
final. Durante a leitura do texto,
reparei que uma garota tinha um fone
de ouvido em uma das orelhas. (DC2)
D) Perguntei então o que mais eles
lembravam do filme, citaram a
situação da homossexualidade do pai
de Mano (personagem protagonista
do filme), perguntei então o que eles
achavam disto, e novo silêncio, J. e o
rapaz sentado ao seu lado disseram
que os pais deles eram homossexuais
e namoravam entre eles, e que ambos
iriam se namorar também. Esperei
mais comentários e ninguém se
manifestava, então duas garotas,
sentadas uma ao lado da outra
disseram que não aceitariam se os
pais delas fossem homossexuais como
o de Mano. Devolvi a situação à sala,
repeti o que as garotas disseram e
perguntei o que achavam. Ninguém se
manifestou novamente, ficaram em
silêncio, comentei com eles que era
engraçado que quando eu ia fazer as
observações na sala todo mundo
conversava, e agora que a proposta
era conversar, ficava todo mundo
quieto. (DC-17)
O exemplo “C” ilustra uma situação de
aula e o exemplo “D” uma das discussões
sobre o filme realizada com a sala. Neles
está expressa a situação conflitiva de
envolvimento versus alheamento que os
adolescentes pesquisados apresentam na sua
relação com o conhecimento. Assim como
os professores se mostram hesitantes em se
envolver ou não com os alunos, estes por
sua vez hesitam em se envolver ou não com
o conhecimento, sendo que a característica
mais marcante é o alheamento. Apenas
alguns se envolvem realmente com as aulas
ou as discussões propostas, a maioria ou se
envolve de maneira alienada, representando
o papel social de aluno que acredita que
deva cumprir (permanecer na aula, mesmo
dormindo ou conversando, ouvi-la, ainda
que num dos ouvidos haja um fone, ler o
texto didático mecanicamente, fazer troça
com o conteúdo, etc.), ou se alheia
totalmente frequentando o mínimo de aulas
e realizando o mínimo de atividades
escolares necessárias para “passar de ano”.
Para
Vigotski
(2006),
o
desenvolvimento de todas as funções
psicológicas superiores no adolescente tem
como centro o desenvolvimento do
pensamento categorial, por conceitos. É
somente a partir do desenvolvimento desta
modalidade de pensar que se desenvolvem
as outras funções psíquicas (percepção,
atenção, memória, vontade, etc) que passam
a operar racionalmente, por abstrações,
conceitos.
Na medida em que os adolescentes
pesquisados não se envolvem com o
conhecimento
veiculado
na
escola,
relacionando-se mecanicamente com ele, ou
não se envolvem nas discussões propostas,
fazendo troça ou simplesmente silêncio,
perdem a oportunidade de elaborar
racionalmente o conhecimento, que não é
apropriado pelos adolescentes, assim como
fica barrado o desenvolvimento do
pensamento
categorial,
conceitual,
permanecendo os jovens num modo
acrítico, alienado de lidar com o
conhecimento e a realidade.
Relação aluno/aluno: brincadeiras X
agressão
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
139
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
E) (...) enquanto isto alguns alunos
começam a jogar bolas de papel um
no outro, de modo que a prof não
percebesse. Um grupo de quatro
meninos aproxima-se do garoto
sentado atrás de mim com gestos
dramáticos: os ombros arqueados e
os braços chacoalhando, a cabeça
baixa, mas com os olhos mirando a
“vítima” (estilo “rapper”, “hip
hop”). Começam a exigir balas do
garoto, como se o estivessem
assaltando: “Passa a bala aí rapaz” e
este entrega algumas balas para os
outros meninos. Parece que todos
encararam isto mais como uma
brincadeira do que como violência.
Os alunos se tocam bastante, mas
nesta sala os toques assumem um tom
mais agressivo, muitos tapas entre os
alunos, meninos e meninas. Alunos
também se ofendem verbalmente,
mútua e constantemente, mas estas
ofensas, toques e tapas assumem, na
maioria das vezes, um tom de
brincadeira. Inclusive foi isto que eu
mais reparei nesta sala: violência e
brincadeira andam juntas, pois
parecem se divertir brigando. (DC-2.
F) (...) dois garotos em atitude de
muita cumplicidade, durante o filme
se tocam, se beliscam, apóiam-se nos
ombros um do outro e trocam
pequenos tapas e socos, momentos
adiante
fizeram
cócegas
e
entrelaçaram as pernas um com o
outro. Continuaram perto um do
outro e diversas vezes conversaram
entre si. Um deles estava com um
boné preto, o outro tinha um cabelo
arrepiado
com
luzes,
brinco
alargador e piercing no nariz. (DC-9)
Este modo de se relacionar é o mais
significativo no presente trabalho, pois
revela uma forma muito particular de
comunicação e interação dos adolescentes
pesquisados, objetivados no conflito
brincadeiras versus agressão.
O exemplo “E” apresenta uma situação
de sala de aula, em que a professora se
ocupa com os exercícios de alguns alunos, o
exemplo “F” ilustra uma das exibições de
filme. Alheios ao conteúdo desenvolvido
em sala de aula, pela impossibilidade de
acessá-lo no ambito da compreensão e,
logo, de operar no campo do conhecimento,
parece que o que resta a eles é se
relacionarem entre si e uma vez que não há
espaço para que reflitam sobre seus afetos e
modos de ser, se comportam segundo os
padrões apropriados da cultura. Assim,
brincam, mas brincam de maneira agressiva
na maioria das vezes.
Parece que agem deste modo como
resposta à falta de cuidado para com suas
próprias demandas afetivas, às suas
singularidades, às questões da sexualidade e
envolvimento efetivo com o meio. Então se
atacam mutuamente, assumindo a atribuição
feita pela escola (e muitas vezes pela
sociedade) de agressivos, revoltados e
indisciplinados. Esta visão é também por
eles apropriada, como demonstram os
complementos de frase quando apontam que
o que há de “pior” ou “mais difícil” na
escola é “a bagunça”, “alunos bagunceiros”,
“desrespeito”. Se por um lado há uma
culpabilização do outro pela bagunça, por
outro não há um processo de reflexão que
permita identificar onde exatamente está o
desrespeito e em que medida o próprio
140
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
sujeito adolescente contribui ou não para
que haja esta bagunça.
Apontado pela literatura (Pereira,
Amparo, & Almeida, 2006) como modo de
expressão infantil, o brincar aqui é
entendido como única via de comunicação
que os adolescentes encontram no meio
opressivo em que vivem. E por ser
opressivo o meio e por serem eles mesmos
representados de maneira opressiva
(bagunceiros, marginais), apropriam-se
destas representações e as expressam nos
seus modos de se relacionar, como bem
demonstrado nos exemplos acima, tanto na
cena em que as bolas de papel são atiradas,
quanto na encenação do “assalto”, ou
mesmo nos toques de tonalidade agressiva
que praticam entre si.
A contradição que vivenciam entre as
demandas afetivas que urgem serem
satisfeitas e o meio opressor que os
desvaloriza (desrespeita, despreza), faz com
que a relação entre os adolescentes fique
estancada no conflito brincadeiras versus
agressão, conflito este que não permite o
desenvolvimento
de
maneiras
mais
elaboradas de expressão dos afetos e
comunicação e que colabora para a
manutenção da representação do sujeito
adolescente como problemático e violento.
Caberia oferecer um espaço de
expressão e reflexão sobre estes modos de
se relacionar, comunicar e se expressar, para
que assim, rompendo a alienação com que
são pautadas as suas relações na escola,
viessem a desenvolver uma maneira mais
elaborada de se relacionar tanto entre si,
quanto com o meio e, sobretudo, com o
conhecimento, elemento fundamental para
que avancem em seu processo críticoreflexivo.
O que dizer sobre o que encontramos:
algumas considerações
É somente através de um trabalho que se
proponha a ouvir os adolescentes em suas
mais diversas manifestações de afeto que se
chega à análise dos resultados aqui
apresentados. Cabe tecer ainda mais uma
crítica ao modo patologizante com que vem
sendo representado o adolescente e suas
manifestações de afeto.
A representação do adolescente como
problemático, envolvido em crises, vivendo
uma fase pouco produtiva e que deve se
esperar que passe acaba por anular o
adolescente de participação construtiva na
cultura, visto que envolto em problemas
“próprios da idade” não teria nada com o
que contribuir e não caberia ouvi-lo.
Negar esta concepção foi um dos
objetivos deste trabalho, que buscou
demonstrar que apenas ouvindo o
adolescente tal como ele é e se apresenta em
nossa cultura, respeitando-o como ser
humano que vive em determinada época, e
que tem modos próprios de subjetivação e
objetivação, é que se pode quebrar esta
imagem tão fortemente construída do
“adolescente problema”.
E é buscando compreender a trama dos
nexos constitutivos deste fenômeno singular
(sujeito adolescente), através da análise de
sua história, buscando as relações causais
que colaboram para sua emersão tal qual se
apresenta que se chega a uma explicação
satisfatória do fenômeno.
A análise dialética que empreendemos
nesta pesquisa nos leva a considerar que, se
por um lado os adolescentes se expressam
de maneira agressiva, por outro, eles
também são tratados desta forma por alguns
professores e pela escola de modo geral, o
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
141
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
que impossibilita que se transformem as
condições de convivência, de ensino e de
apredizagem que caracterizam o contexto
escolar, visto que suas necessidades afetivas
não se expressam ou não são atendidas,
assim como não são atendidas as
necessidades afetivas dos professores, que
seriam os modelos a serem apropriados
como modo de funcionar no âmbito da
afetividade.
Para Wallon (1995, p. 94), seria a
emoção “um elo intermediário entre o
automatismo e o conhecimento”, sendo o
conhecimento parte da “vida intelectual,
que, procedendo por representações e
símbolos, pode fornecer à ação motivo e
meio diferentes dos do instante presente e
da realidade concreta (p.88).” É justamente
esta “vida intelectual” capaz de controlar as
manifestações emocionais primitivas que se
encontra
pouco
desenvolvida
nos
adolescentes pesquisados, como demonstra
a análise do complemento de frases e dos
dados do diário de campo.
Vigotski concebe a adolescência como
idade de transição, em que entra em jogo
toda uma nova forma de funcionar do
sujeito. Este é movido por novas
necessidades e atrações diferentes das da
infância, ainda que em seu modo de atuar
sejam semelhantes, devido a hábitos já
adquiridos e que posteriormente e nas
relações com o social se transformam em
novas necessidades e interesses. A raiz
genética de tais atrações se encontra na
nova configuração biológica pela qual passa
o adolescente, frente ás transformações de
seu corpo e o despertar do interesse sexual,
porém o caminho desenvolvimental das
novas necessidades e interesses do
adolescente é indissociado de sua história
sócio-cultural (Vygotski, 2006).
Ele separa o desenvolvimento do
adolescente em duas fases: a “morte” das
necessidades e interesses infantis e o
“nascimento” de novas necessidades e
interesses, a partir das quais o sujeito em
desenvolvimento se reestrutura em uma
nova maneira de agir no mundo, embasada
nos novos interesses. Segundo o bielo russo,
são características próprias da fase de
“morte” as atitudes hostis perante si e o
outro, infrações de regras, inquietude
constante, tendência ao isolamento, baixo
rendimento escolar, tristeza, angústia e uma
aberta e desavergonhada atração pelo sexo e
o sexual.
Encaradas como “sintomas negativos”
pelos circundantes do adolescente, Vigotski
considera que as causas principais das
manifestações violentas de tais sintomas são
as deficiências da abordagem pedagógica
(Vygotski, 2006). Essa interpretação do
autor parece bem ilustrada nos trechos de
diário de campo apresentados, quando se
evidenciam conflitos entre comportamentos
infantis – como as brincadeiras, por
exemplo, e agressividade – como o xingar,
bater,
etc.
Contudo,
como
tais
comportamentos são vistos como negativos,
assumindo algumas vezes conotação
patológica, não se investe na mediação
pedagógica que possibilitaria a apropriação
de um modo de funcionar sustentado por
novos interesses, como o conhecimento, por
exemplo.
Visto que a fase anterior caracteriza-se
por uma disposição egocêntrica ou
egodominante, a segunda fase é a fase da
afirmação dos interesses culturais. Vigotski
considera que se até então o sujeito criança
se desenvolvia através dos jogos e
brincadeiras, a partir da adolescência, a
vivência com o real se dá através de um
142
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JEFERSON CARLOS BORDIGNON, VERA LUCIA TREVISAN DE SOUZA
“jogo sério” em duas áreas principais: a
erótica e a das relações sociais. Nesta
segunda fase, de “nascimento” de um novo
sujeito, o que entra em jogo são as novas
atrações, necessidades e interesses do
adolescente, que devem ser direcionadas
para o social e o cotidiano, para o estudo e
trabalho, para o mundo circundante
(Vygotski, 2006). Diz Vigotski:
Lo personal, que debe ser el punto de
partida,
ha
de
completarse,
enriquecerse y ser orientado a los
intereses sociales; hay que partir de
lo lejano, de los grandes intereses del
adolescente, sin dejar de incitarle en
esse sentido, orientar y transformar
poco a poco sus intereses, su trabajo,
incluyéndolos con más insistencia en
una actividad corriente, cotidiana. Si
no tomarmos en consideración (...)
esas dos dominantes fundamentales,
no conseguiremos interesar al
adolescente ni por lo cotidiano, ni por
lo social, y no los podrá utilizar em su
desarrollo general.(Vygotski, 2006,
p.40)
Conforme apontam Pereira, Amparo, &
Almeida (2006), o jogo constitui atividade
crucial no desenvolvimento da criança. O
brincar não é visto como uma forma de se
distrair, mas a própria atividade da criança e
conforme esta vai se desenvolvendo,
atravessando suas crises e transições, as
relações que antes tinham com o jogo vão
sendo internalizadas (seguir regras, fantasia,
manipulação de objetos) e passam a
constituir parte do próprio psiquismo do
sujeito em transição. O fato de observaremse tantas brincadeiras com tonalidade
agressiva entre os adolescentes nos permite
supor que estas ainda não foram
internalizadas para a via do psíquico, do
pensamento representacional, por isso
eclodem com tanta vivacidade no meio
escolar.
Ao mesmo tempo, não se tratam mais de
brincadeiras infantis, visto que estas
envolvem xingamentos, ameaças, incitação
sexual e palavreado chulo, o que pode ser
compreendido como uma tentativa de
elaboração de comportamentos do mundo
adulto como é por eles compreendido e
apropriado.
Entende-se, por fim, que medidas mais
amplas que auxiliem na compreensão e
desenvolvimento do adolescente, além da
criação de espaços de escuta e expressão
dos adolescentes, seriam a inclusão da
afetividade nos planos político-pedagógicos
das escolas, a criação de políticas públicas
que contemplem o adolescente enquanto
sujeito que pensa, sente e age e o
desenvolvimento de projetos e pesquisas
que contemplem o adolescente e a
adolescência de um ponto de vista histórico
e cultural, que estejam comprometidos com
o desenvolvimento do adolescente, ao
mesmo
tempo
em
que
estejam
comprometidos com o desenvolvimento da
educação e da sociedade como um todo.
Notas de Rodapé
1
Pesquisa realizada no âmbito da Iniciação
Científica, com bolsa PIBIC, no período de
agosto/2010 a julho/2011.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
143
O PAPEL DOS AFETOS NAS RELAÇÕES ESCOLARES DE ADOLESCENTES
Referências
Aguiar, W. M., Bock, A. M., & Ozella, S. (2007). A orientação profissional com
adolescentes: Um exemplo de prática na abordagem sócio-histórica. In: A. M. Bock,
M. D. Gonçalves, O. Furtado, & (Orgs.), Psicologia Sócio-Histórica (Uma perspectiva
crítica em psicologia) (pp. 163-178). São Paulo: Cortez.
Dér, L. C., & Ferrari, S. C. (2000). Estágio da Puberdade e da Adolescência. In: e. Laurinda
Ramalho de Almeida, Henri Wallon- psicologia e educação (pp. 59-70). São Paulo:
Edições Loyola.
Ianni, O. (1984). Dialética e Ciências Sociais. In: C. Favaretto, L. M. Bogas, & M. B. Veras,
Epistemologia das Ciências Sociais (pp. 93-105). Série Cadernos. Nº19 PUC-SP.
Mahoney, A. A., Almeida, L. R., & Almeida, S. H. (2006). Produção de Vigotski (e grupo) e
Wallon: comparação das dimensões epistemológica, metodológica e desenvolvimental.
Psicologia da Educação , nº20/29ª Reunião Anual.
Mahoney, A. A., & Almeida, L. R. (2005). Afetividade e Processo Ensino-Aprendizagem:
contribuições de Henri Wallon. Psicologia da Educação, 20, pp. 11-30.
Palácios, J. (1995). O Que é a Adolescência. In: J. P. César Coll, Desenvolvimento
psicológico e educação vol.1 Psicologia evolutiva (pp. 263-272). Porto Alegre: Artes
Médicas.
Palangana, I. C. (1994). Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vigotski (A
relevância do social). São Paulo: Plexus.
Pereira, M. A., Amparo, D. M., & Almeida, S. F. (2006). O Brincar e suas Relações com o
Desenvolvimento. Psicologia Argumento, 24, pp. 15-24.
Vygotsky, L. S. (2004). O significado histórico da crise da psicologia. In: L. S. Vygotsky,
teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes.
Vygotski, L. S. (2006). Desarrollo de las funciones psiquicas superiores em la edad de
transición. In: L. S. Vygotski, Obras escogidas IV - psicología infantil (pp. 117-203).
Boadilla del Monte (Madrid): Machado Libros.
Wallon, H. (1975). O papel do "outro" na consciência do "eu". In: H. Wallon, Psicologia e
educação da infância (pp. 149-162). Lisboa: Estampa.
Wallon, H. (1975). Os meios, os grupos e a psicogênese da criança. In: H. Wallon,
Psicologia e educação da infância (pp. 163-179). Lisboa: Estampa.
Wallon, H. (1995). A Expressão das Emoções e seus Fins Sociais. In: H. Wallon, As origens
do caráter na criança (pp. 89-94). São Paulo: Nova Alexandria.
Os autores:
Jeferson Carlos Bordignon é aluno de graduação do curso de Psicologia da PUCCAMP, bolsista de Iniciação Científica
(CNPq).
Vera Lucia Trevisan de Souza é docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia e do
curso de graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Possui graduação em Psicologia
(1985), mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998) e
doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e bolsista
produtividade CNPq..
Endereço para contato: Avenida John Boyd Dunlop, s/no. - jardim Ipaussurama 13059-900 - Campinas, SP - Brasil Caixa-postal: 317 Telefone: (19) 37296892.
144
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
COMUNICAÇÕES BREVES
O MÚLTIPLO ALCANCE DE UM PLANTÃO
PSICOLÓGICO REALIZADO POR
ACADÊMICOS GUIADOS PELO ENFOQUE
PSICANALÍTICO
Jéssica Bezerra Soares
Martha Franco Diniz Hueb
(UFTM – Uberaba - MG)
Resumo
Atualmente tornam-se cada vez mais relevantes ações que visem o progresso da sociedade atingindo
áreas como educação e saúde, indispensáveis quando se pensa em desenvolvimento. Ao encontro
disso crescem a cada dia as práticas acadêmicas focadas na comunidade, capazes de permitir
paralelamente o aprendizado dos alunos e a oferta de um serviço de qualidade a população. Neste
estudo discorremos acerca da experiência de uma acadêmica dentro do Serviço de Plantão
Psicológico realizado na clínica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, buscando a
correlação entre as vivências relatadas pela paciente e a teoria psicanalítica baseada sobretudo nos
estudos de Freud.
Palavras-chave: plantão psicológico; psicanálise clinica; supervisão clinica.
Abstract
The multiple range of a psychological shift made by academics led by the
psychoanalytic approach
Nowadays it’s becoming increasingly relevant actions to achieve progress in society mainly in
education and health areas, especially when talking about the development of society. Puting this all
together academic’ pratices focused on the community it’s growing every day, allowing parallel
student learning and offering a quality service to the population. In this study we discuss the
experience of having academic research donne twenty four hours a day in the Department of
Psychological Services performed in the clinic of Federal University of Triangulo Mineiro. Through
this correlation has been drown between the experiences reported by the patient and the
psychoanalytic theories based largely on the studies of Freud.
Keywords: psychological duty; psychoanalysis clinic; clinical supervision.
Comunicação Breve Recebida em 23/08/2012 e Aprovada em 29/9/2012
145
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
JÉSSICA BEZERRA SOARES, MARTHA FRANCO DINIZ HUEB
Introdução
Discussões acerca da saúde nunca
perdem seu lugar de destaque, em
decorrência da grande relevância do tema, e
de suas fortes implicações sociais e
econômicas. Tendo isso em mente cada vez
mais instituições de governo e ensino têm
buscado por avanços na área. Assim, desde
os anos 70 a Promoção de Saúde vem
ganhando cada vez mais destaque nas
políticas públicas, devendo ser encarada
como um processo que capacita as pessoas a
controlarem fatores determinantes de sua
saúde, tendo como objetivo uma melhor
qualidade de vida, o que repercute na
sociedade como um todo (Carvalho, 2004).
Nesse cenário a psicologia, enquanto
profissão e ciência tem se engajado em
atender as demandas sociais que surgem a
cada dia, em uma tentativa de romper com a
visão que muitos têm da mesma como
sendo um serviço prescindível. Uma forma
de promover o compromisso social de
futuros profissionais é a prestação de
atendimento a comunidade dentro de
clínica-escolas. O serviço destaca-se pela
sua dupla abrangência: acadêmicos e
comunidade (Paparelli & Nogueira-Martins,
2007; Coelho, Peres, & Oliveira, 2005).
Dentro dessa perspectiva apresentam-se
os Serviços de Plantão Psicológico. Seu
principal objetivo consiste em uma tentativa
de possibilitar que a pessoa que necessita de
apoio psicológico alcance maior controle
sobre seu bem-estar. Para Furigo,
Almendro, Sampedro, Zenelato e Ballalai
(2005, p. 87) esta nova possibilidade de
atendimento psicológico busca “auxiliar na
resolução de conflitos psicológicos, focando
em questões emergentes/urgentes, as quais
nem sempre precisam de acompanhamento
prolongado”. O intuito final é que o trabalho
realizado em conjunto com a pessoa que
procura pelo plantão possa auxiliá-la a lidar
com suas angústias, tornando-as suportáveis
a fim de que soluções possam ser pensadas
com mais calma. Em alguns casos torna-se
possível ainda a resolução do conflito
apresentado, que ao reincorporar-se ao
psiquismo promove o crescimento pessoal.
Para o paciente é a partir da relação
terapêutica e do vínculo que se estabelece
que são criadas condições que tornam
possível o desenvolvimento emocional e o
equilíbrio afetivo, levando a compreensão e
amenização de dores psíquicas (Coelho,
Peres & Oliveira, 2005).
Já para o estagiário é a partir do contato
com o paciente que o verdadeiro ensino de
técnicas psicoterápicas se dá. Nesse
momento, é onde muitas vezes surgem as
contradições entre teoria e prática, e onde o
aluno passa a compreender os conceitos
estudados em sala de aula. Faz-se então
imprescindível a presença do supervisor de
estágio; atualmente, segundo a lei 11.788 de
25 de setembro de 2008, denominado de
professor orientador de estágio; uma figura
com experiência e que auxiliará os alunos a
compreenderem as singularidades de cada
caso, ensinando-os e auxiliando-os na
elaboração de hipóteses diagnósticas. Sendo
ainda a pessoa responsável por potencializar
a capacidade do aluno de questionar e
inovar (Coelho, Peres & Oliveira, 2005).
Nesse sentindo, discutiremos acerca da
relevância da experiência de atendimento
dentro de um plantão psicológico,
vivenciada por uma acadêmica. Buscando
ilustrar por meio de trechos dos
atendimentos realizados a ligação entre
146
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
O MÚLTIPLO ALCANCE DE UM PLANTÃO PSICOLÓGICO REALIZADO POR ACADÊMICOS GUIADOS PELO
ENFOQUE PSICANALÍTICO
teoria e prática que se fez presente no
desenrolar clínico.
Metodologia
O serviço de plantão psicológico
abordado nesse estudo teve início no ano de
2011, inserido na disciplina de Vivência
Profissional VII do curso de Psicologia da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM), sendo cursada por acadêmicos do
7° período. Os atendimentos ocorrem na
clínica-escola da Universidade, o CEPPA
(Centro de Estudos e Pesquisa em
Psicologia Aplicada). Cada aluno tem a
oportunidade de se inscrever para realizar o
atendimento segundo a abordagem teórica
com a qual tem mais afinidade, sendo que
posteriormente é feita uma seleção dos
alunos pelo professor responsável.
Toda semana são realizadas supervisões
que duram em torno de duas horas, estas são
conduzidas em grupos de até quatro alunos,
e neste relato específico teve como teoria
norteadora a psicanálise. É nesse momento
que se dão as ligações entre a prática
vivenciada no consultório e a teoria, sendo
muitas vezes discutidos autores como
Freud, Bion, Klein, Winnicott dentre outros.
Utilizou-se
ainda
de
autores
contemporâneos tais como Zimmerman,
explorando suas visões e releituras, acerca
de grandes autores.
No contrato terapêutico com o paciente
é estabelecida uma média de cinco sessões,
já que o plantão psicológico visa o
acolhimento, ou seja, um espaço para que
aquele que o procura possa “ventilar” suas
ideias, sentimentos e angústias, de forma a
dar resolutividade ao seu sofrimento
psíquico; no entanto, pode algumas vezes
culminar em outros encaminhamentos. Os
pacientes são ainda esclarecidos acerca de
faltas, e de questões referentes ao sigilo.
A paciente em questão, aqui nomeada
de Dália, possui 27 anos de idade, veio
medicada e encaminhada por um psiquiatra
com o diagnóstico de Transtorno de
Ansiedade Generalizada. Foram realizados
cinco atendimentos, sendo um por semana.
No entanto foram disponibilizados 10
horários para a paciente, já que ela foi
frequente
até
o
3°
atendimento,
apresentando duas faltas justificadas depois.
Em seguida, compareceu em mais duas
sessões, e quando foi apontado o
desligamento, inicialmente comunicado no
contrato terapêutico, não compareceu as três
ultimas
sessões
agendadas,
embora
confirmasse por telefone que viria para o
encerramento, não tendo sido possível assim
o desligamento e o encaminhamento do
caso.
Resultados e Discussão
Em uma publicação realizada em 1920,
Freud expõem a intrínseca relação que se
estabelece entre prazer e desprazer. Tendo
como principio o fato de que o prazer
consistiria em uma diminuição na excitação
do psiquismo e o desprazer ao aumento da
mesma. Apresentaríamos então uma forte
tendência a busca pelo prazer, o que é
apontado como sendo primitivo e até
mesmo perigoso. Nos atendimentos
realizados o que se notou foi uma
explicitação desse fato. Quando estava se
sentindo bem a paciente dizia que as coisas
estavam perfeitas, que sentia que agora as
coisas estavam realmente se endireitando.
Nesses momentos era exposto a ela que a
vida é feita de altos e baixos, e que as coisas
nunca estarão “cem por cento”, que o
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
147
JÉSSICA BEZERRA SOARES, MARTHA FRANCO DINIZ HUEB
importante é que nós tenhamos recursos e
capacidade para atuar diante dessas
situações. Em termos técnicos, o importante
é que diante de situações desagradáveis
tenhamos maturidade para atuar segundo o
principio da realidade.
No último atendimento em que Dália
compareceu, relatava estar sentindo-se
muito bem, que a relação entre ela e o
companheiro havia melhorado, que
inclusive pretendia mudar para uma casa
maior com o filho e o namorado. Podemos
levantar a hipótese de que as faltas que se
seguiram a partir daí possivelmente estão
relacionadas com uma dificuldade diante do
real. Tal associação decorre do fato de que
nessa mesma sessão, foi abordada a
superproteção dela para com o filho, tema
que a incomodava bastante, uma vez que
essa era a forma vista por ela para proteger
o filho de abusos e situações semelhantes as
que ela passou.
Para além da queixa inicial relatada,
Dália já em seu primeiro atendimento
relatou um estupro sofrido aos cinco anos
de idade pelo padrasto, somando-se a esse
fato, verificou-se a péssima relação que a
mesma estabeleceu com a família, mas
principalmente com a mãe, que a culpava
pelo abuso sofrido. Acontecimento que
adquiriu a característica de um trauma,
primeiramente por ser algo inesperado e em
segundo lugar por atuar contra o
desenvolvimento neurótico. Situação que
colocou ainda Dália em um estado de
ansiedade prolongado, onde ela estava
sempre se preparando para um perigo
eminente que na verdade, na maioria das
vezes era desconhecido (Freud, 1920).
Seguindo esse meio de funcionamento
Dália passou a vida “abandonando, para não
ser abandonada”. Ao chegar para o primeiro
atendimento relatou, por exemplo, que via o
namorado como um “estepe”, já que a noite,
momento em que tinha mais medo de que as
crises de ansiedade acontecessem, a
presença dele a acalmava. Relatava ainda
que diante de momentos difíceis, como uma
internação pela qual o filho passou, preferia
que o companheiro não estivesse por perto,
paralelo a isso, queixava-se por não ter
ninguém quando precisa. É seguindo essa
linha que a paciente deixa o atendimento
antes mesmo do encerramento, mesmo após
as muitas chances que foram dadas para que
ela comparecesse para a finalização.
Freud (1920) em seus estudos sobre
neurose traumática já apontava para o fato
de que em seu dia-a-dia as pessoas tendem a
evitar qualquer lembrança que lhes
apresente
como
traumática,
sendo
exatamente isso, a nosso ver, o que Dália
procurava fazer.
Segundo Coppus e Faveret (2008) tudo
o que o sujeito não é capaz de significar terá
repercussões sobre si. Podendo acontecer
tentativas de afastamento, lamentos, ou a
incorporação deste fracasso como uma
confirmação de impotência. Na articulação
entre pulsões e o real o sintoma surge para
aplacar a angústia; no caso de Dália, o
Transtorno de Ansiedade Generalizada e as
dificuldades para dormir tomavam forma. O
sintoma faz surgir o sujeito que habita o
corpo, que o ultrapassa (Coppus & Faveret,
2008).
Busca-se dessa forma o trabalho com o
corpo pulsional, principalmente com a
pulsão de morte, pois é por meio dela que
abordamos “desarticulações, encenações,
despedaçamentos e disfunções que o corpo
nos apresenta na clínica.” (Coppus &
Faveret, 2008 , p. 17).
148
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
O MÚLTIPLO ALCANCE DE UM PLANTÃO PSICOLÓGICO REALIZADO POR ACADÊMICOS GUIADOS PELO
ENFOQUE PSICANALÍTICO
Para Prata (2000) a pulsão de morte
busca baixar o desprazer interno, sendo
observada clinicamente por meio de
repetição daquilo que é desprazeroso, da
culpa, da punição e do sofrimento. O que
era ilustrado quando Dália relatava sua atual
relação com a família, sendo ela sempre
chamada a resolver problemas, crises,
dentre outros. Por mais que ela relatasse não
gostar dessas situações, sempre comparecia
quando chamada, o que reforçava um ciclo
vicioso. Tal observação vai ao encontro de
Freud (1920) que nos diz que todo
desprazer neurótico é na realidade uma
forma de prazer, apesar de não ser sentido
como tal.
Consoante a isso o discurso da paciente
deixa de focar o diagnóstico inicial, sendo
que em alguns atendimentos questões
referentes ao mesmo nem ao menos foram
discutidas. Começaram então a ganhar
destaque
outras
questões
que
se
apresentavam a ela como extremamente
angustiantes, além do estupro: situações de
violência física e verbal desferida por parte
de familiares, inclusive por parte da mãe
que a expulsou de casa; dificuldades
amorosas e uma superproteção sobre o filho
de oito anos.
Assim ao longo dos cinco atendimentos
efetivamente realizados ficou claro a
transposição da teoria para a prática de
ideias e conceitos discutidos em sala de aula
e durante as supervisões. Fato que ressalta
ainda mais a importância do plantão de
acolhida para a formação do futuro
profissional. Para, além disso, o acadêmico
tem a oportunidade de contribuir para a
sociedade por meio de um serviço gratuito,
e de qualidade.
Considerações finais
Todo material recalcado passa a fazer
parte do id, comportando-se como se fosse
um acontecimento inédito. A análise
procura tornar conscientes esses fatos para
que assim eles possam ser encarados como
passados, sofrendo desvalorização e
perdendo energia (Prata, 2000). Assim a
sessão era oferecida a paciente como um
momento no qual ela poderia externalizar
seus pensamentos, angústias e incertezas,
mesmo
não
apresentando
objetivos
analíticos de longo prazo. Como a própria
Dália expressou no atendimento, em alguns
momentos, falava de coisas que antes
ficavam somente no plano do pensamento,
que ela não comentava com ninguém e que
poder falar com alguém que tinha uma
escuta diferenciada a fazia muito bem, na
medida em que lhe permitia refletir sobre
suas ações e possibilidades.
Apesar de não se caracterizar como um
serviço de psicoterapia, ao longo dos
atendimentos tendo como base teórica a
psicanálise, procurou-se sempre adotar uma
postura de investigação de conflitos, mesmo
quando não era possível resolvê-los. O que
confirma que o conflito não deve ser negado
deve ser encarado e clarificado (Andrade,
2009), já que a repetição enquanto um dos
sintomas da neurose traumática coloca-se
sempre presente na análise, fazendo-se foco
da intervenção do psicanalista (Rudge,
2006).
Assim, as pulsões nos levam ao que é o
real da clínica, a dimensão do sujeito que
deve ser cuidada.
Apostamos em uma função clínica
para a pulsão: ela traz à cena, ao
enquadre analítico, através da queixa
e das demandas do analisando, uma
dimensão da alteridade radical, da
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
149
JÉSSICA BEZERRA SOARES, MARTHA FRANCO DINIZ HUEB
surpresa, da descontinuidade, do
ultrapassamento do sujeito, de sua
vacilação. (Coppus & Faveret, 2008,
p.19).
É sobre esse sujeito que se desnuda
diante de nós na clínica que procuramos
intervir visando à prestação de um serviço
de qualidade, que seja capaz de auxiliá-lo na
resolução de conflitos. Ao mesmo tempo o
serviço permite a formação de psicólogos
com consciência clínica, não excluindo
aspectos sociais, na medida em que os
mesmos são determinantes do sujeito que se
apresenta. O serviço desenvolvido no
CEPPA mostra-se assim benéfico para
ambas as partes envolvidas, tanto para os
acadêmicos, já que promove o ensino, a
pesquisa e a extensão, quanto para a
população, que tem suas necessidades
atendidas.
Nessa perspectiva faz-se essencial que
pensemos sobre a expansão do serviço, por
meio do aumento de divulgação do mesmo
para a comunidade. Outra possibilidade
seria o aumento do número de pacientes
atendidos por aluno, já que a proposta do
atendimento inclui um número reduzido de
sessões, cada aluno poderia atender mais
pacientes por semestre.
Nota-se então necessidade da expansão
de serviços escola como o descrito, capazes
de colaborar na atenção as necessidades da
comunidade, que muitas vezes encontra-se
falha por parte do governo. É de
investimentos como este, capazes de
contribuir não só no campo da saúde, mas
também da educação que o país necessita
para seu crescimento.
150
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
O MÚLTIPLO ALCANCE DE UM PLANTÃO PSICOLÓGICO REALIZADO POR ACADÊMICOS GUIADOS PELO
ENFOQUE PSICANALÍTICO
Referências
Andrade, S. H. de (2009) Pulsão de vida e pulsão de morte. Resumos do XII Congresso
Brasileiro de Psicanálise: Compulsão (p.6). Rio de Janeiro: FEBRAPSI.
Carvalho, S. R. (2004). As contradições da promoção à saúde em relação à produção de
sujeitos e a mudança social. Ciência & Saúde Coletiva, 9, 669-678.
Coelho, H. M. B.; Peres, R. S. & Oliveira, F. S. de (2005). A clínica-escola em sua dupla
função: usuários e estagiários In, L. L. Melo Silva; M. A. Santos; C. Paulin. (Orgs.),
Formação em psicologia: serviços escola em debate (pp. 197- 220). São Paulo: Vetor.
Coppus, A. N. S. & Faveret, B. M. S. (2008). O corpo na clínica psicanalítica: um
posicionamento ético do psicanalista frente a pulsão. Tempo Psicanalítico, 40, 13-21.
Decreto Lei n° 11.788 (2008, 25 de setembro). Nova cartilha esclarecedora sobre a lei do
estágio. Ministério do Trabalho e Emprego. Brasil.
Freud, S. (1996). Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio
de Janeiro: Imago. (Publicado originalmente em 1920).
Furigo, R. C. P. L.; Almendro, G. W.; Sampedro, K. M.; Zanelato, L. S. & Ballalai, R. C.
(2005). Plantão psicológico: buscando romper com parâmetros clássicos da prática
psicoterápica. In L. L. Melo Silva; M. A. Santos; C. Paulin, (Orgs..), Formação em
psicologia: serviços escola em debate (pp. 80-97). São Paulo: Vetor.
Paparelli, R. B. & Nogueira-Martins, M. C. F. (2007). Psicólogos em formação: vivências e
demandas em plantão psicológico. Psicologia Ciência e Profissão, 27, 64-79.
Prata, M. R. (2000). Pulsão de morte: mortificação ou combate? Ágora, 3, 115-135.
Rudge, A. M. (2006). Pulsão de morte como efeito do supereu. Ágora, 9, 79-89.
As autoras:
Jéssica Bezerra Soares é aluna do curso de Psicologia da UFTM. Praça Doutor Thomas Ulhôa 340, Abadia, 38025-050
Uberaba, MG. E-mail: [email protected]
Martha Franco Diniz Hueb é professora adjunta e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Psicologia Aplicada
(CEPPA) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Chefe do Departamento de Psicologia Clínica e Sociedade do
Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas, e Sociais (IELACHS). Mestre em Psicologia Clínica e Doutora
em Ciências Médicas. Departamento de Psicologia Clínica e Sociedade da UFTM. Rua Cruzeiro do Sul, 106, 38020110 Uberaba, MG. E-mail: [email protected]
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
151
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
RESENHAS
DESAFIOS PARA O ENSINO DE PSICOLOGIA
AZZI, Roberta Gurgel; GIANFALDONI, Mônica Helena Tieppo Alves. (Orgs.). (2011).
Ensino de Psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo. (Série ABEP formação)
Walter Mariano de Faria Silva Neto
Raquel Souza Lobo Guzzo
(PUCCAMP – Campinas – SP)
Resenha Recebida em 23/08/2012 e Aprovada em 25/9/2012
A questão do ensino de Psicologia vem chamando, cada vez mais, a atenção de
psicólogos, professores e pesquisadores, pois se observa uma crescente e desordenada
expansão da oferta de cursos de graduação e pós-graduação na área nas últimas duas décadas
no Brasil. A abertura de cursos de Psicologia no país, sobretudo na rede privada é, também,
objeto de preocupação e discussões importantes dentro dos Conselhos Federal e Regionais
de Psicologia, num momento em que se percebe que tal expansão se dá seguindo o modelo
econômico neoliberal, formando profissionais para um mercado que, além de não seguir esta
tendência de crescimento, ainda mantém uma tradição de atendimento clínico individual. O
sistema “Conselhos” posicionado em uma direção política definida se opôs à abertura
indiscriminada de cursos superiores para atender a uma demanda do Banco Mundial como
foi a análise do que se estabelecia àquela época.
Dos debates promovidos no âmbito dos Conselhos e das Associações Brasileiras de
pesquisa foi criada, sem consenso, no ano de 1998, a Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia – ABEP, que tinha, originalmente, como missão “Promover o acesso e a
disseminação do conhecimento no ensino de Psicologia, propondo políticas e subsidiando
atividades que entrelacem os diversos públicos da entidade e da sociedade.”
(http://www.abepsi.org.br/portal/?page_id=4). Embora a ideia original tenha sido a criação
de uma associação que organizasse as instituições de formação básica de Psicologia, aos
moldes da ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia, a
ABEP iniciou suas atividades com dificuldades em congregar de modo consistente os cursos
de graduação funcionando no país. Durante os últimos anos, a ABEP vem desenvolvendo,
nos âmbitos nacional e internacional, uma série de discussões acerca do ensino de Psicologia
junto a entidades governamentais e não governamentais; estudantes e profissionais da área,
152
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
por meio de intervenções nas discussões sobre temas diversos, destacando-se a formação de
psicólogos e sua relação com o atual mercado de trabalho.
Neste sentido, como parte destas propostas, foi criada a Série ABEP formação, que tem
como primeira temática discutida, a questão do Ensino de Psicologia, como resultado da
preocupação com as novas Diretrizes Curriculares de 2011, aprovadas em março deste ano.
O volume é composto por treze capítulos e está dividido em três partes:
Na Parte I, intitulada “Percursos históricos da Psicologia e Educação”, composta por três
capítulos, são resgatados no Capítulo 1, de autoria de Mitsuko Aparecida Makino Antunes,
aspectos da histórica relação entre a Psicologia e Educação no Brasil, com início na
discussão e esclarecimentos sobre o uso dos termos Psicologia Educacional, Psicologia da
Educação, Psicologia na Educação, Psicologia do Escolar, dentre outros, seguida de uma
análise histórica acerca dos períodos em que esta área se desenvolveu: 1) Pré-institucional
(Período Colonial); 2) Institucional (século XIX), 3) Autonomização (1890-1930); 4)
Consolidação (1930-1962) e 5) Profissionalização (1962 em diante), considerando que um
novo período se encontra em gestação na atualidade, com as demandas voltadas para o
compromisso social da Psicologia com a Educação, através da contribuição com a
formulação de políticas públicas no setor. Em seguida, no capítulo 2, de autoria de Regina
Helena de Freitas Campos, são trabalhados os elementos históricos ligados, especialmente, à
Psicologia e Educação no século XX, com ênfase no olhar dos especialistas europeus e
estadunidenses sobre a cultura brasileira, que ensejou a criação dos primeiros laboratórios
dentro das escolas normais, representada por importantes expoentes brasileiros, como
Lourenço Filho e Helena Antipoff. Finalmente, no terceiro capítulo, escrito por Diva Lúcia
Gautério Conde, é trabalhada a história da presença da Psicologia nos currículos escolares,
formalizada a partir do ano de 1850 no Imperial Colégio de Pedro II, no Rio de Janeiro, pois
esta atendia às exigências da época sobre a confiabilidade de suas contribuições, sobretudo
ao campo das dificuldades escolares, para o qual prestou à época, um grande serviço.
Na Parte II, intitulada “Aproximações teóricas entre Psicologia e Educação”, são
desenvolvidos seis capítulos, dentre os quais, quatro são dedicados à análise das
contribuições de alguns autores para a Educação. No capítulo 4, é colocado por Lino de
Macedo, como Jean Piaget concebe as formas com as quais um sujeito interage com outras
pessoas, com os objetos e consigo mesmo, a partir do conceito de abstração reflexionante.
Em seguida, no capítulo 5, são explicados por Laurinda Ramalho de Almeida e Abigail
Alvarenga Mahoney, os estágios de desenvolvimento de acordo com Henri Wallon e suas
implicações pedagógicas e psicológicas, sobretudo ao abordar o papel do meio e dos grupos
neste desenvolvimento. No capítulo 7 é trabalhada por Mônica Helena Tieppo Alves
Gianfaldoni, Denize Rosana Rubano e Maria de Lourdes Bara Zanotto, a forma como os
homens aprendem, a partir da Análise do Comportamento e dos estudos sobre a
aprendizagem, conforme os estudos de Burrhus Frederic Skinner, principalmente no que
tange à organização do ensino. No capítulo 8, é abordada por Roberta Gurgel Azzi e Soely
Aparecida Jorge Polydoro, a perspectiva psicológica de Albert Bandura na sua Teoria Social
Cognitiva, em que é desenvolvida a compreensão dos processos presentes na constituição do
comportamento, como no caso dos conceitos de autoeficácia e autorregulação. Já no capítulo
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
153
DESAFIOS PARA O ENSINO DE PSICOLOGIA
6, Marilda Gonçalves Dias Facci e Nadia Mara Eidt, ao invés de utilizar teorizações
específicas de autores, como nos capítulos anteriores, problematizam como se dá a formação
do psicólogo para a atuação nas instituições de ensino, enfatizando as concepções
tradicionais em Psicologia Escolar, que trazem temas importantes à tona, como o fracasso
escolar e algumas contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a compreensão da
queixa escolar e do papel do psicólogo em seu atendimento. Do mesmo modo, no capítulo 9,
é trabalhada por Marisa Lopes da Rocha, a relação da macro e micropolítica, como um
desafio da Psicologia e Educação, em que se considera a análise do cotidiano na produção
dos saberes histórico-políticos que também produzem as práticas escolares.
Na Parte III, intitulada “Desafios cotidianos em contextos educativos”, composta por
quatro capítulos, são desenvolvidos temas diretamente ligados à Psicologia em contextos
educativos específicos. No capítulo 10, é apresentada por Adriana Marcondes Machado, de
forma contundente, a questão do discurso da necessidade da mudança, presente no discurso
educacional atual, mas feito a partir do seguinte questionamento: se existe um desejo de
mudança, a quem ele se destina? Porque no caso da concepção medicalizante, os
diagnósticos são instrumentos de totalizações operadas dentro de um exercício de poder que
visa o enquadre do outro. No capítulo seguinte, é tematizada por Maria de Lourdes Trassi
Teixeira, a exclusão dos jovens ante ao processo educativo, principalmente com relação a
como se pode pensar de outra forma a inclusão, dentro de uma perspectiva transdisciplinar,
que leve em conta os anseios desses jovens excluídos com relação, primeiramente, à
cidadania. No capítulo 12, é enfatizada por Raquel Souza Lobo Guzzo, a importância de se
pensar num novo modelo de formação, no qual seja levadas em conta as contradições da
formação em Psicologia, num contexto em que se tem cada vez mais formado para um
mercado que não é capaz de absorver os profissionais formados, tornando a Psicologia uma
profissão de desempregados, além da problematização de formas de atuação que possam ir
além do consultório privado, rumo à desigualdade social. Por isso, a autora defende um novo
modelo de formação que leve em conta diferentes fundamentos filosóficos, psicológicos e
metodológicos para a atuação específica nos contextos educacionais. Por fim, no capítulo 13,
é apresentada por Ana Mercês Bahia Bock, a Psicologia em alguns países da América
Latina, observando aspectos comuns nos diferentes países analisados, quando se pensa nas
humilhações que os alunos das classes menos favorecidas sofrem em seu processo de
escolarização, dentro de um modelo educacional inserido em uma sociedade de produção e
lucro, que segrega essa camada e dentro de uma desigualdade social produzida e legitimada
dentro da escolarização, sobretudo a pública. E ensejando a necessidade de pensarmos em
como mudar este contexto no qual, certamente a Psicologia poderá ter um papel de destaque.
O volume apresentado faz um movimento interessante, ao iniciar com aspectos
históricos, passando pelas concepções históricas, teórico-metodológicas e, por fim, no foco
aos aspectos de um entendimento prático que tenta superar as amarras criadas dentro da
própria área, com vistas ao reconhecimento do papel da ciência psicológica, da formação de
psicólogos que levem em conta múltiplos olhares. É uma obra importante não só para a
Psicologia e psicólogos, mas para todos que se interessam pela relação da Psicologia e
Educação e pelas possibilidades de intervenção visando à mudança social. É importante
154
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
WALTER MARIANO DE FARIA SILVA NETO, RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO
reconhecer a importância do movimento da ABEP em produzir e sistematizar o
conhecimento que pode propiciar um avanço real do debate dentro das salas de aula da
formação básica do Psicólogo para a intervenção na realidade brasileira.
Os autores:
Walter Mariano de Faria Silva Neto possui graduação em Psicologia - Formação de Psicólogo, Licenciatura e
Bacharelado pela Universidade Federal de Uberlândia (1996) e Mestrado em Psicologia Escolar pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (1999). Atualmente é aluno do programa de doutorado em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, bolsista CAPES, membro do grupo de pesquisa: Avaliação e intervenção
psicossocial: prevenção, comunidade e libertação
Raquel Souza Lobo Guzzo possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, mestrado
e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em
Estudos Comunitários e Prevenção pela University of Rochester, USA. Professora titular da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas nos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia. Coordenadora do GT de Psicologia
Escolar e Educacional da ANPEPP.
Endereço para correspondência:
Endereço: Rua Santa Monica,
Email: [email protected]
136.
Jd.
Santa
Marcelina.
Campinas/
SP,
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
Brasil.
CEP
13100-101,
155
REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
ERRATA
Atendendo a um pedido dos autores gostaríamos de complementar a seção “Método” do
artigo “Estresse psíquico em jovens jogadoras de voleibol” da Revista da Sociedade de
Psicologia do Triângulo Mineiro, v. 14, n. 1, jan/jun 2010.
No artigo, na seção “Método”, sub-item “Escala”, consta:
Seguindo as recomendações de Silva (2006) e Carretero-Dios e Pérez (2005), as
assertivas da Escala para Análise do Estresse Psíquico no Voleibol (AEP-V) foram criadas a
partir de entrevistas com técnicos e jogadores de voleibol, além da revisão e análise da
relevância das assertivas apresentadas por outras escalas, de acordo com o objetivo de nosso
estudo. Além disso, buscou-se relacionar a Escala para Análise do Estresse Psíquico no
Voleibol - AEP-V com os quatro estágios do estresse apontados por Mc Grath (1970).
Conforme consta no trabalho original que deu origem ao artigo, gostaríamos que as
seguintes informações fossem incluídas na mesma seção:
A presente Escala para Análise do Estresse Psíquico no Voleibol - AEP-V foi criada
tendo como modelo o Teste de Estresse Psíquico para Voleibol (TEP-V) utilizado por Noce
e Samulski (2002). Não utilizamos este mesmo Teste, pois o TEP-V foi validado, tendo uma
Amostra bastante específica e diferente da presente neste estudo. A Amostra para validação
do TEP-V foi composta somente por atacantes, homens e mulheres, todos profissionais e
participantes da Superliga (competição máxima do Voleibol Nacional). A partir da Revisão
Bibliográfica, tivemos acesso a outros Testes e Escalas que também tiveram grande
importância na criação da Escala para Análise do Estresse Psíquico no Voleibol - AEP-V,
como o Teste de Estresse Psíquico para Futebol (TEP-F) utilizado por Samulski e Chagas
(1992), o Teste de Estresse Psíquico para Tênis (TEP-T) utilizado por Lima (1996) e o Teste
de Carga Psíquica de Frester utilizado por Gouvêa (2003 a e b). Este último se aproxima
bastante da Escala apresentada neste estudo (AEP-V), porém não leva em consideração o
comportamento adotado pela atleta mediante a situação estressante e tampouco a análise
subjetiva do comportamento adotado.
Todos estes Instrumentos citados apresentavam informações importantes e um dos fins
da pesquisa, foi exatamente, trabalhar as ideias de todos estes Instrumentos e os dados
colhidos nas entrevistas com técnicos e atletas de voleibol em uma nova Escala, que pudesse
ser aplicada em atletas de voleibol, independente da posição e que estivesse inserida dentro
da realidade da Categoria Infanto-Juvenil, surgindo assim a Escala para Análise do Estresse
Psíquico no Voleibol - AEP-V criada por Trapé (2008).
Os Instrumentos citados acima, já haviam passado por um processo de validação
anteriormente ou foram validados na própria pesquisa. No caso desta investigação, criou-se
156
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
uma Escala e, portanto a mesma ainda não havia sido validada. O trabalho consistiu validála.
Além das entrevistas com técnicos e atletas, e o acesso a outras Escalas e Instrumentos
através da Revisão Bibliográfica, buscou-se relacionar a Escala para Análise do Estresse
Psíquico no Voleibol - AEP-V com os quatro estágios do Estresse, apontados por Mc Grath
(1970) (...)
Noce, F. & Samulski, D. (2002). Análise do estresse psíquico em atacantes no voleibol de
alto nível. Revista Paulista de Educação Física,16 (2) 113-29.
Trapé, A. A. (2008). Criação e validação de uma escala para análise do estresse psíquico
em atletas infanto-juvenis de voleibol feminino. TCC, Faculdade de Educação Física,
UNICAMP, Campinas – SP.
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
157
A REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA
Apresentação
A Revista Perspectivas em Psicologia é uma revista científica semestral, publicada pela da Sociedade
de Psicologia do Triângulo Mineiro, pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro e pela
Universidade Federal de Uberlândia e seu Conselho Editorial aprovou as seguintes normas para os
colaboradores:
Os textos enviados devem ser inéditos, reservando-se a revista a prioridade de sua publicação. Podem
ser encaminhados para publicação relatos de pesquisa, relatos críticos de experiência profissional,
resenhas, registros informativos e artigos de críticas sobre teorias e/ou constructos. Não serão aceitos
projetos de pesquisa em andamento.
A publicação de artigos está condicionada a pareceres dos Consultores da Revista Perspectivas em
Psicologia ou outros colaboradores ad hoc.
Os artigos enviados serão inicialmente apreciados pelo editor, caso estejam de acordo com as
Normas para Publicação serão encaminhados para avaliação de pelo menos dois Consultores ou
colaboradores ad hoc.
Os consultores “ad hoc” serão escolhidos pelo editor entre pesquisadores reconhecidos na área da
publicação e não serão informados das identidades dos autores e de suas afiliações institucionais. Os
autores também não terão conhecimento das identidades dos consultores.
Após análise dos artigos, os consultores emitem por escrito os pareceres: aprovado, aprovado com
recomendações e/ou sugestões ou rejeitado para publicação. A revista Perspectivas em Psicologia
conta com consultores qualificados que procuram emitir pareceres construtivos aos trabalhos dos
autores. As cópias dos pareceres dos consultores serão fornecidas na íntegra aos autores do trabalho.
Ao editor caberá, após análise dos pareceres emitidos, aceitar ou rejeitar o texto, encaminhando-o
para publicação, bem como, eventualmente, sugerir modificações ao autor. Por outro lado, o editor
reserva-se o direito de fazer pequenas e simples modificações nos textos, para agilizar o processo de
publicação. O editor informará os autores o mais rápido possível sobre o parecer final e possível data
de publicação.
Os originais dos trabalhos enviados não serão devolvidos. Por esse motivo, recomenda-se aos autores
guardar cópias de seus textos.
O copyright dos artigos publicados não está sendo cedido à Revista Perspectivas em Psicologia e,
portanto, pertence aos seus autores; caso esses artigos venham a ser publicados em outros veículos,
recomenda-se que a primeira publicação na Revista Perspectivas em Psicologia seja mencionada.
Os autores receberão um exemplar da revista na qual seu artigo foi publicado
Preparação dos manuscritos
1) O manuscrito a ser submetido à revista Perspectivas em Psicologia não pode ter sido
publicado em outro veículo de divulgação (revista, livro, etc.) e não pode ser simultaneamente
submetido ou publicado em outro lugar.
2) Todas as submissões de manuscritos devem seguir as Normas de Publicação da APA:
Publication Manual of the American Psychological Association (5ª edição, 2001), no que diz
respeito ao estilo de apresentação do manuscrito e aos aspectos éticos inerentes à realização de um
trabalho científico.
3) Para o início do processo editorial, a cópia do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa,
quando pertinente, deverá ser encaminhada juntamente com a submissão do manuscrito.
158
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
4) Os textos originais deverão ser submetidos via internet mediante o seguinte e-mail:
[email protected]
5) Como a revisão dos manuscritos é cega quanto à identidade dos autores, é responsabilidade
destes a verificação de que não há elementos capazes de identificá-los em qualquer outra parte do
manuscrito, inclusive nas propriedades do arquivo. O e-mail com os dados dos autores não será
encaminhado aos consultores ad hoc.
1. Apresentação dos Manuscritos
1) Os manuscritos devem ser apresentados em formato doc e não exceder o número máximo
de páginas (iniciando no Resumo como página 1) indicado para cada tipo de manuscrito (incluindo
Resumo, Abstract, Figuras, Tabelas, Anexos e Referências, além do corpo do texto), que seriam:
1.1. Artigos (10-25 páginas): relatos de pesquisas originais, baseadas em investigações
sistemáticas e completas. Também serão aceitos, porém em número restrito, artigos teóricos ou de
revisão com análise crítica e oportuna de um corpo abrangente de investigação, relativa a assuntos
de interesse para o desenvolvimento da Psicologia, preferencialmente numa área de pesquisa para a
qual o(a) autor(a) contribui.
1.2. Comunicações breves (5-9 páginas): relatos breves de pesquisa ou de experiência
profissional com evidências metodologicamente apropriadas; manuscritos que descrevem novos
métodos ou técnicas serão também considerados.
1.3. Resenhas (2-4 páginas): revisão crítica de obra recém publicada, orientando o(a) leitor(a)
quanto as suas características e usos potenciais. Autores devem consultar a Editora Geral antes de
submeter resenhas ao processo editorial.
2. Diretrizes Gerais
2.1. Papel: Tamanho A4 (21 x 29,7cm). O manuscrito, sendo um artigo, ao todo não deve passar
de 25 páginas, desde o Resumo até as Referências, incluindo as Tabelas, Figuras e Anexos.
2.2. Fonte: Times New Roman, tamanho 12, ao longo de todo o texto, incluindo Referências,
Notas de Rodapé, Tabelas, etc.
2.3. Margens: 2,5 cm em todos os lados (superior, inferior, esquerda e direita).
2.4. Espaçamento: espaço duplo ao longo de todo o manuscrito, incluindo Folha de Rosto,
Resumo, Corpo do Texto, Referências, etc.
2.5. Alinhamento: esquerda
2.6. Recuo da primeira linha do parágrafo: tab = 1,25cm
2.7. Numeração das páginas: no canto direito na altura da primeira linha de cada página.
2.8. Cabeçalho de página: as primeiras duas ou três palavras do título devem aparecer cinco
espaços à esquerda do número da página. O cabeçalho é usado para identificar as páginas do
manuscrito durante o processo editorial. Usando MS Word, quando o número da página e o
cabeçalho são inseridos em uma página, automaticamente aparecem em todas as outras.
2.9. Endereços da Internet: Todos os endereços "URL" (links para a internet) no texto (ex.:
http://pkp.sfu.ca) deverão estar ativos.
2.10.
Ordem dos elementos do manuscrito: Folha de rosto sem identificação, Resumo e
Abstract, Corpo do Texto, Referências, Anexos, Notas de Rodapé, Tabelas e Figuras. Inicie cada
um deles em uma nova página.
3. Elementos do manuscrito:
3.1. Folha de rosto sem identificação: título em português (máximo 15 palavras, maiúsculas e
minúsculas, centralizado) e o título em inglês compatível com o título em português.
3.2. Resumos em português e inglês: Parágrafos com no máximo 120 palavras (artigos), ou 100
palavras (comunicações breves), com o título Resumo escrito centralizado na primeira linha abaixo
do cabeçalho. Ao fim do resumo, listar pelo menos três e no máximo cinco palavras-chave em
português (em letras minúsculas e separadas por ponto e vírgula), preferencialmente derivadas do
Terminologia em Psicologia, da Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia. O resumo em inglês
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
159
(Abstract), que deve ser fiel ao resumo em português, porém, não uma tradução "literal" do mesmo.
Ou seja, a tradução deve preservar o conteúdo do resumo, mas também adaptar-se ao estilo
gramatical inglês. O Abstract deve ser seguido das keywords (versão em inglês das palavras-chave).
3.3. Corpo do Texto: Não é necessário colocar título do manuscrito nessa página. As subseções
do corpo do texto não começam cada uma em uma nova página e seus títulos devem estar
centralizados, e ter a primeira letra de cada palavra em letra maiúscula (por exemplo, Resultados,
Método e Discussão, em artigos empíricos). Os subtítulos das subseções devem estar em itálico e
ter a primeira letra de cada palavra em letra maiúscula (por exemplo, os subtítulos da subseção
Método: Participantes, ou Análise dos Dados).
3.3.1.
As palavras Figura, Tabela, Anexo que aparecerem no texto devem ser escritas com
a primeira letra em maiúscula e acompanhadas do número (Figuras e Tabelas) ou letra (Anexos) ao
qual se referem. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no
texto.
3.3.2.
Sublinhados, Itálicos e Negritos: Sublinhe palavras ou expressões que devam ser
enfatizadas no texto impresso, por exemplo, "estrangeirismos", como self, locus, etc e palavras que
deseje grifar. Não utilize itálico (menos onde é requerido pelas normas de publicação), negrito,
marcas d'água ou outros recursos que podem tornar o texto visualmente atrativo, pois trazem
problemas sérios para editoração.
3.3.3.
Dê sempre crédito aos autores e às datas de publicação de todos os estudos
referidos. Todos os nomes de autores cujos trabalhos forem citados devem ser seguidos da data de
publicação. Todos os estudos citados no texto devem ser listados na seção de Referências.
4. Exemplos de citações no corpo do manuscrito:
4.1. Citação de artigo de autoria múltipla:
4.1.1.
Artigo com dois autores: cite os dois nomes sempre que o artigo for referido:
 Rogers e Zappulla (2006) fizeram a análise...
 Esta análise (Rogers & Zappulla, 2006)...
4.1.2.
Artigo com três a cinco autores: cite todos os autores só na primeira citação e nas
seguintes cite o primeiro autor seguido de et al. (sem sublinhar e com um ponto após al) e o ano se
for a primeira citação da referência naquele parágrafo:
 Wasserstein, Zappulla, Rosen, Gerstman, e Rock (1994) constataram ... [primeira citação do
texto]
 Wasserstein et al. (1994) constataram [subseqüente primeira citação por parágrafo]
4.1.3.
Artigo com seis ou mais autores: cite no texto apenas o sobrenome do primeiro
autor, seguido de "et al." e da data.
4.1.4.
Na seção de Referências Bibliográficas todos os nomes dos autores deverão ser
relacionados.
4.1.5.
Citações de obras antigas e reeditadas
 De fato, Skinner (1963/1975)
 ...na explicação do comportamento (Skinner, 1963/1975).
4.1.6.
Na seção de referências, citar
 Skinner, B. F. (1975). Contingências de reforço. São Paulo: Abril Cultural. (Original
published in 1963)
Importante: Citações com menos de 40 palavras devem ser incorporadas no parágrafo do
texto, entre aspas. Citações com mais de 40 palavras devem aparecer sem aspas em um parágrafo
no formato de bloco, com cada linha recuada 5 espaços da margem esquerda. Citações com mais de
500 palavras, reprodução de uma ou mais figuras, tabelas ou outras ilustrações devem ter permissão
escrita do detentor dos direitos autorais do trabalho original para a reprodução. A permissão deve
ser endereçada ao autor do trabalho submetido. Os direitos obtidos secundariamente não serão
160
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
repassados em nenhuma circunstância. A citação direta deve ser exata, mesmo se houver erros no
original. Se isso acontecer e correr o risco de confundir o leitor, acrescente a palavra [sic],
sublinhado e entre colchetes, logo após o erro. Omissão de material de uma fonte original deve ser
indicada por três pontos (...). A inserção de material, tais como comentários ou observações devem
ser feitos entre colchetes. A ênfase numa ou mais palavras deve ser feita com fonte sublinhada,
seguida de [grifo nosso].
Atenção: Não use os termos apud, op. cit, id. ibidem, e outros. Eles não fazem parte das
normas da APA (2001, 5ª edição).
5. Referências:
5.1. Inicie uma nova página para a seção de Referências, com este título centralizado na
primeira linha abaixo do cabeçalho. Apenas as obras consultadas e mencionadas no texto devem
aparecer nesta seção. Continue utilizando espaço duplo e não deixe um espaço extra entre as
citações. As referências devem ser citadas em ordem alfabética pelo sobrenome dos autores, de
acordo com as normas da APA (veja alguns exemplos abaixo). Utilize o Publication Manual of the
American Psychological Association (2001, 5ª edição) para verificar as normas não mencionadas
aqui.
5.2. Em casos de referência a múltiplos estudos do(a) mesmo(a)autor(a), utilize ordem
cronológica, ou seja, do estudo mais antigo ao mais recente. Nomes de autores não devem ser
substituídos por travessões ou traços.
6. Exemplos de referências:
6.1. Artigo de revista científica
 Campos de Carvalho, A. M. (1997). O desenvolvimento social da criança e seus contextos
de emergência. Temas em Psicologia, 3, 27-31.
6.2. Artigo de revista científica paginada por fascículo
 Proceder de acordo com o indicado acima, e incluir o número do fascículo entre parênteses,
sem sublinhar, após o número do volume.
6.3. Artigo de revista científica editada apenas em formato eletrônico
 Silva, S. C. da (2006, February). Estágios de Núcleo Básico na formação do psicólogo
experiências de desafios e conquistas. Psicologia para América Latina, 5, 2006, Retrieved in May
12, 2006, from http://scielo.bvs-psi.org.br
6.4. Livros
 Koller, S. H. (2004). Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenção. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
6.5. Capítulo de livro
 Dell'Aglio, D. D., & Deretti, L. (2005). Estratégias de coping em situações de violência no
desenvolvimento de crianças e adolescentes. In C. S. Hutz (Ed.), Violência e risco na infância e
adolescência: pesquisa e intervenção (pp. 147-171). Säo Paulo: Casa do Psicólogo.
6.6. Obra antiga e reeditada em data muito posterior
 Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais
e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas. (Original published in 1979).
6.7. Autoria institucional
 American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of
mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor.
6.8. Anexos: Evite. Somente devem ser incluídos se contiverem informações consideradas
indispensáveis, como testes não publicadosou descrição de equipamentos ou materiais complexos.
Os Anexos devem ser apresentados cada um em uma nova página. Os Anexos devem ser indicados
no texto e apresentados no final do manuscrito, identificados pelas letras do alfabeto em maiúsculas
(A, B, C, e assim por diante), se forem mais de um.
6.9. Notas de rodapé: Devem ser evitadas sempre que possível. No entanto, se não houver outra
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
161
possibilidade, devem ser indicadas por algarismos arábicos no texto e apresentadas após os Anexos.
O título (Notas de Rodapé) aparece centralizado na primeira linha abaixo do cabeçalho. Recue a
primeira linha de cada nota de rodapé em 1,25cm e numere-as conforme as respectivas indicações
no texto.
6.10.
Tabelas: Devem ser elaboradas em Word (.doc) ou Excel. No caso de apresentações
gráficas de tabelas, use preferencialmente colunas, evitando outras formas de apresentação como
pizza, etc. Nestas apresentações evite usar cores. Cada tabela começa em uma página separada. A
palavra Tabela é alinhada à esquerda na primeira linha abaixo do cabeçalho e seguida do número
correspondente à tabela. Dê um espaço duplo e digite o título da tabela à esquerda, em itálico e sem
ponto final, sendo a primeira letra de cada palavra em maiúsculo. Não devem exceder 17,5 cm de
largura por 23,5 cm de comprimento.
6.11.
Figuras: Devem ser do tipo de arquivo JPG e apresentadas em uma folha em
separado. Não devem exceder 17,5 cm de largura por 23,5 cm de comprimento. A palavra Figura é
alinhada à esquerda na primeira linha abaixo do cabeçalho e seguida do número correspondente à
figura. Dê um espaço duplo e digite o título da figura à esquerda, em itálico e sem ponto final,
sendo a primeira letra de cada palavra em maiúsculo.
6.12.
As palavras Figura, Tabela e Anexo que aparecerem no texto devem, sempre, ser
escritas com a primeira letra em maiúscula e devem vir acompanhadas do número (para Figuras e
Tabelas) ou letra (para Anexos) respectivo ao qual se referem. A utilização de expressões como "a
Tabela acima" ou "a Figura abaixo" não devem ser utilizadas, porque no processo de editoração a
localização das mesmas pode ser alterada. As normas da APA (2001, 5ª edição) não incluem a
denominação de Quadros ou Gráficos, apenas Tabelas e Figuras.
Endereço para encaminhamento de manuscrito
Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Psicologia
Av. Pará, 1720 - Campus Umuarama, Bloco 2C - Sala 2C-42
CEP- 38400-902 – Uberlândia – MG.
Solicita-se permuta.
Números avulsos poderão ser adquiridos ao preço de R$15,00.
162
Revista Perspectivas em Psicologia, V. 15 n.1. Jan / Jun 2011
Download

REVISTA PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA