A ocupação da área pública: taxa ou preço público.
Uma questão ainda polêmica, com diversas definições e orientações dos
nossos juristas, mas sem uma conclusão clara e definitiva que sirva como regra
e norteie os legisladores e administradores municipais na elaboração de suas
leis e de suas ações, é a distinção clara entre taxa e preço público. São
diversas as teorias de renomados estudiosos do Direito, tributaristas e
administrativistas, todas, porém, sujeitas às críticas e contestações de outros
juristas, num sucedâneo de interpretações que, se enriquece, por um lado, a
discussão do tema, por outro, confunde e emaranha as conclusões.
Temos, neste singelo trabalho, o propósito de discutir a forma mais adequada a
ser adotada na cobrança pelo uso ou ocupação da área pública. O jornaleiro
que ocupa uma calçada deve pagar taxa ou preço público? E o vendedor
ambulante? E aquele que explora um quiosque no meio da praça? E a
instalação de postes pela concessionária de energia elétrica? Tal ocupação
gera a compulsoriedade de uma taxa ou a criação facultativa de um preço
público?
A resposta de tais questionamentos exige um mergulho neste mar de idéias e
teses, ora de convivência tranqüila pela coincidência dos argumentos, ora de
revoltosas turbulências e contradições.
Vamos comentar as matérias relacionadas ao tema proposto.
A classificação das receitas públicas
A Lei nº. 4.320/64, no art. 9º, diz que "tributo á a receita derivada, instituída
pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e
contribuições...". O legislador da época assumia uma divisão tradicional das
receitas públicas, em voga naquele tempo, a designar os tributos como receitas
derivadas, e as demais, consequentemente, seriam as receitas originárias.
Ensina Bernardo Ribeiro de Moraes que esta classificação foi estabelecida
pelos autores alemães e seguida por inúmeros tratadistas de alhures e
nacionais, inclusive Aliomar Baleeiro.
Receitas derivadas seriam aquelas obtidas coercitivamente, por força de lei.
São compulsórias, retiradas pelo Estado do patrimônio dos indivíduos, por
força de seu poder fiscal. Já as receitas originárias seriam aquelas auferidas
pelo Estado em decorrência da exploração de seus serviços e bens, mas de
forma não coativa e, sim, facultativamente.
Teríamos, então, uma primeira distinção, a classificar a receita pública em duas
espécies: as receitas compulsórias e as receitas facultativas. As compulsórias
têm como causa a norma jurídica, e nunca a vontade do indivíduo. As
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facultativas têm como causa atos jurídicos convencionais, dependentes da
vontade do indivíduo.
A partir dessa classificação diz-se que as receitas derivadas são regidas pelo
Direito Público, enquanto as receitas originárias são reguladas pelo Direito
Privado. Tal definição, porém, ainda não esclarece a questão, dando a
entender que tudo ficaria a critério do legislador: se quiser cria um tributo; se
preferir cria preço público. Por isso, adverte Sacha Calmon: "Entretanto, a
doutrina não se contenta com tão pouco. Há uma certa insistência em
predeterminar e limitar o alvedrio legislativo. Muitos insistem em que, em
determinadas circunstâncias, o legislador não tem liberdade de escolha". A
dúvida seria, então, a de saber que circunstâncias são essas.
De qualquer forma, percebe-se que nas receitas derivadas a transferência de
riqueza ao Estado, por ser compulsória, não requer uma negociação ou troca
de vantagens financeiras. Nas receitas originárias, contudo, observa-se o
interesse do indivíduo de pagar ao Estado com o intuito de obter uma
vantagem.
A taxa de coleta de lixo, por exemplo, existe por ser um serviço essencial de
saúde pública, cuja falta poderia causar sérios problemas sanitários para a
população e, por isto, é compulsório. O indivíduo tem, de fato, um benefício ao
receber o serviço, mas não tem alternativas de negociação, ou optar pela
dispensa do serviço, resolvendo enterrar ou queimar o lixo, ou conseguir uma
coleta particular mais em conta. Se não fosse exigência de saúde pública, a
coleta de lixo poderia ser preço público, colocado à disposição dos usuários e
sem o caráter de compulsoriedade.
Área pública
Sabe-se que os bens públicos podem ser de uso comum, de uso especial e os
chamados dominicais. Ao nosso tema, interessa comentar os bens de uso
comum, aqueles de utilização concorrente de toda a população, como são as
ruas e as praças. Esses bens de uso comum são administrados e cuidados
pelo Poder Público de forma a permitir sua livre utilização de todos. Assim, a
característica que identifica e qualifica a área pública de uso comum é
exatamente esta condição de utilização indiscriminada.
Neste sentido, ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro: "Uso comum é o que se
exerce, em igualdade de condições, por todos os membros da coletividade".
Diz, ainda, a ilustre Professora:
"O uso comum tem, em regra, as seguintes características:
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1. é aberto a todos ou a uma coletividade de pessoas, para ser exercida
anonimamente, em igualdade de condições, sem consentimento expresso e
individualizado por parte da Administração;
2. é, em geral, gratuito, mas pode, excepcionalmente, ser remunerado; no
direito brasileiro, o artigo 103 do Código Civil expressamente permite que o uso
de bens públicos seja gratuito ou remunerado, conforme for estabelecido
legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem;
3. está sujeito ao poder de polícia do Estado, que compreende a
regulamentação do uso, a fiscalização e a aplicação de medidas coercitivas,
tudo com o duplo objetivo de conservação da coisa pública (coibindo e punindo
qualquer espécie de ação danosa por parte dos administrados) e de proteção
do usuário (garantindo-lhe a fruição do bem público de acordo com a sua
destinação)".
Observa-se que, apesar de sua destinação principal ser o uso indiscriminado
oferecidos a todos, admite-se destinações secundárias ou acessórias. Ensina
Celso Antônio Bandeira de Mello: "tais bens possuem ou podem possuir outras
serventias de uso que resultam meramente de sua configuração física. (...)
prestam-se, como destinação acessória ou secundária, para manifestações
artísticas ou culturais. Ou, ainda, para instalações de feiras-livres, de bancas
de jornais, de mesinhas de bares e restaurantes, de quiosques para venda de
cigarros. E tudo isto em proveito não só de quem os explore comercialmente,
mas dos próprios transeuntes".
Imperioso, porém, que tais utilizações secundárias sejam reconhecidas e
afirmadas como utilizações transitórias, de efeito temporário, em caráter
episódico e por tempo breve, pois a sua efetividade daria ensejo a transfigurar
o conceito de seu uso comum, o que seria inadmissível. Há, também, que
considerar que a utilização privativa configure um proveito para todos, como diz
acima o eminente publicista.
Evidente, pois, que a utilização privativa de área pública de uso comum
somente pode ser liberada pela Administração em caráter de excepcionalidade
e desde que não prejudique a sua fruição por toda a coletividade. Admite-se,
sim, a interdição de uma rua ou de uma praça por motivo de um desfile,
comício ou festejo, mas sempre temporário e eventual, retornando, logo após o
seu desfecho, ao uso comum a que se destina.
Não podíamos deixar de citar o nosso saudoso mestre Hely Lopes Meirelles:
"O que convém fixar é que os bens públicos de uso comum do povo, não
obstante estejam à disposição da coletividade, permanecem sob a
administração e vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em
normais condições de utilização pelo público em geral. Todo dano ao usuário,
imputável a falta de conservação ou a obras e serviços públicos que envolvam
esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha
agido com culpa".
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Poderíamos, então, fixar as seguintes normas sobre o modelo de
administração da área pública de uso comum:
I - Regra matriz: área pública de uso comum destina-se à utilização de todos,
sem distinção;
II - Compete à Administração Pública proteger o usuário, oferecendo-lhe
segurança na fruição do bem público;
III - A Administração Pública é responsável pela conservação da área pública,
assumindo as obrigações materiais e morais decorrentes de qualquer dano
provocado ao usuário por culpa da negligência ou da omissão da pessoa
política competente;
V - Qualquer utilização privativa da área pública de uso comum tem que ser
aprovada pela Administração Pública e em condições de excepcionalidade;
V - Em vista da excepcionalidade da outorga do uso privativo, sugere-se que
esta seja sempre por autorização a título precário, em se tratando de ruas e
praças.
Autorização, Permissão e Concessão.
No inciso V acima, sugere-se que qualquer liberação de uso privativo em áreas
públicas de uso comum (aqui restritas às ruas e praças) deve ser mediante
autorização. Mas, o que vem a ser Autorização?
Autorização de uso
"Autorização de uso é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a
Administração consente, a título precário, que o particular se utilize de bem
público com exclusividade" (Di Pietro). Trata-se de um ato administrativo de
natureza precária, podendo ser revogado a qualquer tempo, sem gerar direito a
indenização para o particular beneficiado, com vistas ao uso de atividades
transitórias e irrelevantes ao Poder Público. "Tais autorizações não geram
privilégios contra a Administração ainda que remuneradas e fruídas por muito
tempo, e, por isso mesmo, dispensam lei autorizativa e licitação para o seu
deferimento" (Hely Lopes Meirelles).
Em geral, a autorização é deferida por solicitação do interessado, mediante
requerimento devidamente protocolado e formalizado em processo
administrativo. No entanto, quando se percebe uma pluralidade de
interessados em obter determinada autorização de uso, a Administração
Pública deve (ou deveria) ofertar o benefício ao público mediante processo de
licitação, através de edital e, neste caso, a Administração Pública seria
remunerada na forma de maior preço oferecido entre os participantes do
certame, além do cumprimento das exigências requeridas no edital.
É assim que ensina Marçal Justen Filho: "É evidente, no entanto, que a
existência de uma pluralidade de interessados em usufruir benefícios idênticos,
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acarretando a impossibilidade de atendimento a todos, gerará a necessidade
de uma solução compatível com o princípio da isonomia. Eventualmente,
então, haverá a necessidade da licitação".
Vamos, então, supor que a Administração Pública Municipal tenha a oferecer
espaços nas ruas e praças para instalação de bancas de jornal. Por ser,
provavelmente, de interesse de diversas pessoas a exploração de tais
espaços, oferecerá, no caso, a autorização mediante processo licitatório.
Todavia, tal fato não será fator impeditivo de a Administração Pública optar em
autorizar o uso desses espaços, por exemplo, unicamente a pessoas
portadoras de deficiência física, limitando ou até mesmo restringindo a
necessidade da licitação. Mas, de uma ou de outra maneira, a decisão
discricionária pertence à Administração Pública.
Apesar de algumas manifestações em contrário, entendemos que mesmo
havendo contraprestação, não sendo a autorização gratuita, permanece o
direito de revogação por parte do Poder Público, sem necessidade de
indenização, desde que, por evidência, o interessado saiba da existência de tal
condição antes mesmo de assumir o compromisso. Isso, porque a capacidade
de revogar a autorização faz parte da natureza intrínseca do ato, impedindo
que o Poder Público perca o direito de organizar e controlar o uso da área
pública, sempre com o objetivo de proporcionar ao público uma melhor fruição
da área.
Ainda sobre o tema, vale ressaltar a questão de fixação de prazo de uso
privativo da área pública. Di Pietro lembra que a Lei Orgânica do Município de
São Paulo, apesar de imprimir natureza transitória à autorização, permite a
fixação de prazo, até o máximo de 90 dias. E diz a ilustre Professora: "A
fixação de prazo tira à autorização o caráter de precariedade, conferindo ao
uso privativo certo grau de estabilidade; vincula a Administração à obediência
do prazo e cria, para o particular, direito público subjetivo ao exercício da
utilização até o termo final previamente fixado (...)".
Pode, então, a autorização ser outorgada com prazo estipulado, mas, caso a
Administração Pública pretenda revogar o ato durante o prazo liberado,
ensejaria ao particular direito de indenização. O melhor seria não estipular
prazo nas autorizações, mas, em certas situações, o autorizado precisa ter a
segurança de um tempo que propicie, pelo menos, um retorno ao capital
investido, como, por exemplo, no caso de instalação de uma banca de jornal,
ou instalação de um quiosque para venda de produtos.
Permissão de uso
Permissão de uso de bem público é ato unilateral e discricionário, pelo qual a
Administração Pública atribui a um particular a faculdade de usar um bem
público de modo privativo e continuadamente.
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Discute-se qual seria a diferença entre autorização e permissão de uso de bem
público. Di Pietro assinala três diferenças:
1. autorização: uso privativo no interesse privado do beneficiário; permissão:
utilização privativa para fins de interesse coletivo;
2. autorização: precariedade mais acentuada em vista do interesse individual;
permissão: precariedade menos acentuada em razões do interesse público;
3. autorização: o usuário tem uma faculdade de uso; permissão: o usuário tem
uma obrigação de uso.
Entendemos, porém, que a diferença básica reside na natureza transitória ou
não da utilização pretendida pelo particular. Afinal, o particular, autorizado ou
permissionário, tem sempre um interesse próprio, geralmente com intensidade
idêntica, não vislumbrando razões de interesse público, apesar de este existir
implicitamente. A questão se concentra no aspecto da continuidade do uso do
bem público, sendo a precariedade da permissão negociada de antemão e
fixado um prazo de uso, dentro do qual os direitos do permissionário ficam
garantidos.
A permissão é sempre fruto de um ato negocial, gratuito ou remunerado e por
tempo certo ou indeterminado, estabelecendo a Administração suas condições
e exigências. Exatamente por força desta fixação de prazo, cujo cumprimento
deve ser obedecido por ambas as partes, se a atividade durante o transcurso
do tempo acertado ocorrer em condições normais, a natureza de precariedade
da permissão se reduz, invalidando o poder de revogá-la antes do vencimento
e dando ao permissionário o direito de indenização.
A permissão exige licitação quando for objeto de contrato com terceiros. Toda
permissão que estabelece prazo de cumprimento formaliza-se através de
contrato e, assim, a licitação é obrigatória. Em nossa opinião, uma permissão
sem fixar prazo ou apenas mencioná-lo como indeterminado, já se afastaria do
conceito de permissão.
Concessão de uso
Concessão de uso é o contrato administrativo por meio do qual o particular é
investido na faculdade de usar um bem público, com exclusividade e conforme
a sua destinação, durante um período determinado.
Diz Hely Lopes Meirelles que a concessão se caracteriza pelo "caráter
contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o
utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a
Administração". A concessão é aplicada, geralmente, nos casos em que a
utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública
de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário. Os
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prazos são mais prolongados em vista das obrigações assumidas e dos
investimentos necessários ao exercício da atividade.
Diz Maria Sylvia di Pietro que quando a concessão implica utilização de bem de
uso comum do povo, a outorga só é possível para fins de interesse público. Isto
porque, em decorrência da concessão, a parcela de bem público concedida fica
com sua destinação desviada para finalidade diversa.
Deste modo, a concessão de bem público de uso comum somente se viabiliza
quando o uso privativo constitua a própria finalidade do bem. Assim, por
exemplo, seria viável a concessão de exploração de uma rodovia ou de uma
ponte urbana, pois o objeto da concessão é o mesmo da destinação do bem,
ou seja, o trânsito de veículos. Por isso, a outorga de concessão nos casos de
ruas ou praças, é praticamente inviável, já que o uso desses bens não se limita
a uma determinada particularidade.
Em conclusão deste assunto, percebe-se que a outorga de uso das áreas
públicas, aqui limitadas às ruas e praças públicas, permite tanto a autorização
quanto a permissão, ficando afastada, no geral, a concessão.
O conceito de taxa
É certo que o preço público, por sua natureza política, não se limita ou se
restringe a determinados aspectos ou contingenciamentos pré-definidos. Se um
Prefeito resolvesse criar um serviço de erradicação de formigueiros e colocá-lo
à disposição dos usuários, mediante paga, poderia fazê-lo por decisão própria
e cobrar preço público pela execução do serviço. Se for, entretanto, aprovada
uma lei pela qual se estabelece a instituição da taxa de erradicação de
formigas dos imóveis urbanos, o Prefeito, para executá-la, teria que observar
uma série de aspectos legais imprescindíveis à efetivação da cobrança do
tributo, inclusive a obrigatoriedade do contribuinte em utilizá-lo e a conseqüente
fiscalização dos imóveis que estariam ou não contaminados pelo inseto,
procedimento de difícil ou impossível aplicação.
Temos, então, que o fato de instituir taxa exige, de início, rigorosa obediência
aos preceitos legais e aos princípios tributários ditados na Constituição Federal,
ou seja, submeter-se a contingenciamentos pré-definidos inafastáveis. Caso o
aspecto material da incidência da taxa se tornar impossível de alcançar, como
no exemplo de erradicação de formigueiros, impraticável e inadmissível seria a
criação do tributo.
São duas as grandes espécies de taxas:
a) taxas pelo exercício regular do poder de polícia;
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b) taxas pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e
divisíveis.
Todas as duas espécies se caracterizam por uma atividade estatal dirigida ao
contribuinte, sendo, assim, um tributo vinculado juridicamente a uma atividade
exercida pelo Estado. Em outras palavras, se não houver atividade a que se
vincule, não há condições de incidência da taxa. Na velha discussão de quem
nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, no caso das taxas nasce primeiro a
atividade, em condições regulares de atuação, para depois, a partir do
exercício desta atividade, nascer a taxa. Ou melhor, a cobrança da taxa
somente se inicia quando já existe a atuação estatal correspondente. Um
Município que não possui setor especializado de análise técnica de projeto de
construção civil e quadro regular de fiscalização de obras, não teria
fundamento legal para cobrar taxa de licença de construção de obras, nem taxa
de "habite-se". Ou, então, quando não há o serviço regular de coleta de lixo,
não pode haver, por evidência, taxa de coleta de lixo.
Taxa de poder de polícia
O conceito atual de poder de polícia orienta-se no sentido de interesse público,
tendo a intenção de assegurar e promover o bem-estar público através de
restrições às liberdades plenas dos indivíduos e das propriedades particulares.
O poder de polícia se insere em obrigações de não fazer, exigidas dos
particulares, mediante lei, em prol do bem-estar da coletividade. Nas palavras
de Caio Tácito, são normas limitadoras da liberdade individual.
Todavia, nem toda ação de poder de polícia exercida pela Administração
Pública tem o dom de criar ou justificar a adoção de uma taxa. O 'poder-dever'
a que se obriga a administração pública em reprimir ações coletivas prejudiciais
ao bem-estar da coletividade não seria motivo de cobrança de uma taxa, em
vista da inexistência da figura do sujeito passivo, além de ser este poder de
polícia um dever inerente e intrínseco à própria natureza do Estado.
Ou, como disse o Ministro Cunha Peixoto, no Tribunal de Justiça de Minas
Gerais: "não é qualquer poder de polícia que justifica, assim, a criação de taxa,
porque o poder de polícia de maneira ampla é função primordial do Estado, o
que deve ser custeado com o produto do imposto".
Deste modo, não seria cabível a cobrança de uma taxa de poder de polícia
daqueles que ocupam áreas públicas de uso comum, justamente por ser a área
pública de uso comum um bem público de utilização concorrente de toda a
população. As ruas e praças são bens públicos afetados cuja destinação visa
atender as necessidades coletivas, sendo, assim, inalienáveis, ou
intransferíveis para uso privativo do particular.
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Estamos dizendo que a ação fiscal externa, de Posturas ou de Guardas
Municipais, em suas atividades de reprimir o uso indevido de áreas públicas
por particulares, não tem o condão de justificar a criação de uma taxa de poder
de polícia, tendo em vista:
A) ser uma atividade inerente à Administração Pública, o exercício do 'poderdever' de sua responsabilidade;
B) ser uma atividade 'uti universi', prestada para benefício de toda a população;
C) em conseqüência, uma atividade que não estabelece uma relação
contributiva, pois inexiste sujeito passivo.
Cabe, porém, comentar o peculiar aspecto da hipótese de incidência da taxa de
uso da área pública, muito comum na legislação dos Municípios. Ao liberar a
licença de ocupação poder-se-ia dizer que houve a manifestação do poder de
polícia da Administração Pública ao liberá-la. Ou seja, o fato imponível da taxa
seria a liberação da licença, em relação aos serviços internos efetuados pela
Administração, no exame da documentação apresentada, e o estudo de
viabilidade da outorga. Mas, a partir daí, qual seria o exercício regular de poder
de polícia sobre os licenciados? Na verdade, a fiscalização de poder de polícia,
em suas atuações de campo, não fiscaliza os licenciados, mas, sim, os nãolicenciados que ocupam e exploram a área pública indevidamente. Aos
licenciados, exige-se apenas a comprovação da licença e a verificação se
estão ocupando o lugar consignado na licença. Os agentes fiscais (guardas
municipais e fiscais de posturas) atuam, em rigor, reprimindo os demais,
aqueles que não possuem licença para funcionar. Este procedimento de
policiamento das áreas públicas de uso comum, em sua rotina de reprimir suas
ocupações, não justifica a existência de uma taxa permanente, anual, a ser
cobrada dos licenciados e, exatamente por isso, não fiscalizados.
Temos, assim, uma situação curiosa. A chamada taxa de ocupação da área
pública é paga pelos licenciados em função da ação estatal sobre os demais,
os não-licenciados. Como se a taxa fosse uma espécie de "proteção" contra
concorrentes ilegais.
Concluindo, a taxa de poder de polícia relativa ao uso da área pública deveria
ser cobrada uma única vez, quando o pleiteante requeresse a licença e, de
fato, o momento em que a Administração Municipal exerce, de pleno, suas
atividades de controle e análise para conceder a licença, ou não.
Talvez, por este motivo, alguns Municípios exigem a renovação anual das
licenças de uso da área pública. Ou seja, os licenciados são obrigados a
solicitar uma nova licença a cada exercício. Tal exigência resulta um sofisma:
exige-se a renovação que venha a justificar a cobrança anual. Ora, o
licenciamento anual quebra a transitoriedade do uso privativo do bem público
de uso comum. Ao liberar anualmente uma licença de ocupação, a
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Administração Municipal está, de forma indireta, gerando um direito de uso
permanente ao licenciado, já não mais obtido a título precário.
Taxa de serviço público
Sabe-se que todos os serviços realizados pelo Estado constituem serviços
públicos, mas nem todos os serviços públicos podem ser custeados através da
instituição de taxas. Com base nos ensinamentos de Bernardo Ribeiro de
Moraes, para admitir a instituição de taxa seria preciso que o serviço fosse:
1º) efetivamente realizado, prestado ou posto à disposição do contribuinte.
Para justificar a taxa, o serviço público deve preexistir, a fim de se poder
custeá-lo;
2º) específico e divisível. Serviço geral e indivisível não pode ser custeado por
taxa;
3º) utilizado, pelo contribuinte, de forma efetiva ou potencialmente.
Nos termos do tema ora comentado, fácil observar que não há, de forma
alguma, condição legal de incidência de taxa decorrente do uso privativo da
área pública, pois os serviços públicos realizados na área pública de uso
comum, pela Administração Municipal, não atendem os requisitos acima.
Preço Público
Antonio Theodoro Nascimento chama de Receitas Não Coativas os recursos
materiais necessários ao custeio dos serviços públicos que o particular utiliza
sem utilizar-se do poder tributário. São receitas obtidas através dos processos
de gestão administrativa que o Estado aplica em âmbito de regime jurídico de
direito privado. O mestre baiano especifica três condições para que se
configurem as receitas originárias, ou não-coativas:
a) ausência de qualquer privilégio jurídico que beneficie o Estado, quando este
se dedica à obtenção da receita, utilizando os processos de gestão próprios da
economia privada;
b) atuação estatal com objetivo puramente financeiro;
c) a preocupação de realizar o maior lucro possível.
Temos, porém, que identificar duas modalidades de preço público:
a) quando a atuação estatal não atende a qualquer interesse público;
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b) quando a atuação estatal tem a considerar, também, um interesse público
inerente ao seu ato.
No primeiro caso, quando a Administração Pública resolve vender sucata, não
há nesta operação qualquer interesse público que venha a condicioná-la,
procurando, então, atender as três condições acima. Já no segundo caso,
quando há um interesse público a observar, a Administração Pública pode ser
induzida a não ater-se apenas às condições de mercado na fixação do preço,
além de procurar o cumprimento de normas a fim de não prejudicar o interesse
público.
De uma forma ou de outra, no entanto, tem-se como característica fundamental
do preço público a livre manifestação da vontade do comprador. Esta faculdade
do adquirente, de resolver por si só a aceitar ou não o serviço ofertado, é
distinção básica entre preço público e taxa. Neste sentido, Aliomar Baleeiro
ditou que "preço compulsório" é taxa, e "taxa facultativa" é preço.
Bernardo Ribeiro de Moraes identifica as seguintes características de preço
público:
a) é uma prestação relacionada com a contraprestação de caráter econômico
realizada pelo Estado, referente a aquisição de um bem material ou imaterial;
b) é pecuniária, medido em termos de unidades monetárias;
c) decorrente da livre manifestação da vontade do indivíduo;
d) exigida pelo Estado ou entidade pública ou privada ligada ao Poder Público.
Diz, ainda, o laureado mestre: "O essencial, no conhecimento do preço público,
é a causa jurídica que dá origem à obrigação da parte, isto é, a natureza das
relações estabelecidas entre o Poder Público e o interessado para carrear
receita. Se a obrigação nasce da lei, não será preço público; se ela nasce em
razão da participação da vontade do interessado, na aquisição de um bem
material ou imaterial, temos o preço público. A denominada 'taxa de
manutenção e limpeza de estação rodoviária' é preço público, conforme já
decidiu o Supremo Tribunal Federal (a contratação depende da vontade do
interessado)".
Deste modo, não há como classificar de preço público as emissões de licenças,
alvarás de funcionamento e vistorias, porque todas as exigências de poder de
polícia são compulsórias. Ninguém pediria uma licença para construir se esta
não fosse obrigatória; ninguém iria requerer alvará para abrir o seu
estabelecimento se esta licença fosse facultativa. Todas essas licenças são
previstas em lei, e remuneradas por taxa.
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Ao mesmo tempo, não há como classificar de taxa a oferta de serviços públicos
facultativos, tais como serviços de cemitério, poda de árvores, desratização,
extinção de formigueiros e cupinzeiros, construção de muros e calçadas,
limpeza de lotes, serviço de transporte urbano etc. Pode até a lei exigir, por
exemplo, que os proprietários mantenham os seus terrenos baldios fechados
com muro de alvenaria, mas a prestação deste serviço pela Administração
Pública é facultativa, podendo o proprietário contratar um serviço de particular
para realizá-lo e, assim, atender a lei.
O Professor Edvaldo Brito, citado por Sacha Calmon Navarro Coêlho, distinguiu
as atividades econômicas do Estado e os serviços públicos cometidos pela
Constituição ao Estado. Em se tratando de serviço público cometido pela
Constituição ao Estado, pouco importando se este o preste diretamente ou por
interposta pessoa, a contrapartida será sempre sob forma de taxa.
Este é um caminho elucidador, mas ainda repleto de dúvidas, lembrando que a
Constituição Federal dá, por exemplo, competência aos Municípios para
organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou permissão os
serviços públicos de interesse local (art. 30). Neste caso, todos os serviços
públicos de interesse local seriam custeados por taxa? Evidente que não.
O eminente tributarista mineiro Sacha Calmon Navarro Coêlho traça um
caminho mais objetivo:
"A nós interessa o regime jurídico adotado pelo legislador com escora, é claro,
constitucional. Apenas não nos convencemos de que a Constituição quer
apenas taxa como contrapartida de serviço público. Assim:
A) quando o Estado exerce poder de polícia, é de taxa e só dela que se pode
cogitar;
B) quando o Estado diretamente presta serviço público stricto sensu, o caso é,
também, de taxa;
C) quando o Estado, porém, engendra instrumentalidade para, em regime de
Direito Privado, embora sob concessão, prestar serviços de utilidade tais como
fornecimento de gás, luz, transporte, energia, telefonia etc. (atividade
econômica), admitimos em casos tais a adoção do regime de preços".
E continuando o seu magistério, o Professor Sacha Calmon inclui nas
distinções entre preço e taxa:
"No preço de origem sempre contratual haveria a possibilidade do
'desfazimento do pactuado' e, ainda, antes disso, a cobrança só é possível
após a acordância do usuário. Na taxa, ao revés, predominaria a vontade da
lei, e a obrigação, às vezes existindo apenas a simples disponibilidade do
serviço, só seria elidível pela revogação da norma legal, irrelevante o querer do
obrigado".
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Conclusões
De tudo que foi dito acima, chegamos a algumas conclusões:
A) A área pública de uso comum pertence, prioritariamente, à população,
sendo dever da Administração Municipal mantê-la para uso comum de todos;
B) Pode a Administração Municipal outorgar o seu uso privativo, sempre a título
precário, aos interessados, desde que seja de proveito de todos e não
prejudique de forma permanente o direito de passagem da população;
C) O mais razoável é a outorga do uso privativo através de autorização,
podendo, em casos especiais, utilizar-se da permissão;
D) Quando houver vários interessados, o critério de seleção deveria ser, em
geral, mediante processo licitatório;
E) Tanto por autorização quanto por permissão de uso da área pública de uso
comum, a Administração Municipal deveria cobrar preço público, e, não, taxa;
F) A instalação de equipamentos nas áreas públicas de uso comum, tais como,
postes, cabines de telefonia, orelhões e outros devem ser sempre precedidos
de análise técnica da Administração Municipal, podendo ser até dispensada a
cobrança de preço em vista do interesse público que envolve a instalação de
tais equipamentos, mas sem perder o Município o seu poder de exigir o
cumprimento de medidas de segurança a favor dos transeuntes e locais que
não prejudiquem o trânsito das pessoas;
G) A solicitação por particular de instalar mesas e cadeiras no passeio público,
em frente de seus bares ou restaurantes, deveria observar, de início, o direito
de passagem dos transeuntes, e se não houver tal restrição, cobrar preço
público pelo uso da área ocupada, mediante outorga de autorização a título
precário;
H) Caso a Administração Municipal permita, a liberação de comércio ambulante
deve ser precedida de análise do local a ser ocupado, se houver, o tipo de
produto a ser comercializado e o equipamento a ser utilizado. Neste caso,
cobrar taxa pela liberação da licença, se a lei local assim estabelecer (inclusive
a taxa de fiscalização sanitária, se for o caso), sendo esta taxa para efeito
único da licença inicial. Posteriormente, cobrar preço público pelo uso da área
pública;
I) Ocupação de box em mercado municipal deve ser outorgada mediante preço
público ou por meio de contrato de locação, admitindo-se a licitação;
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J) Bancas de jornais devem ser autorizadas mediante pagamento de preço
público.
Roberto Tauil – maio de 2007.
Bibliografia
AGUIAR, Afonso Gomes. "Lei nº. 4.320", 3ª. ed., Belo Horizonte, Fórum, 2005.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. "Curso de Direito Tributário Brasileiro", 9ª.
ed., Rio de Janeiro, Forense, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. "Direito Administrativo", 19ª. ed., São Paulo,
Atlas, 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. "Curso de Direito Administrativo", São Paulo, Saraiva,
2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. "Direito Administrativo Brasileiro", 17ª. ed., São
Paulo, Malheiros, 1992.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. "Curso de Direito Administrativo", 11ª. ed.,
São Paulo, Malheiros, 1999.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. "Compêndio de Direito Tributário", 5ª. ed., Rio
de Janeiro, Forense, 1996.
NASCIMENTO, Antônio Theodoro. "Preços, Taxas e Parafiscalidade", livro 7 do
"Tratado de Direito Tributário Brasileiro", coordenação de Aliomar Baleeiro, Rio
de Janeiro, Forense, 1977.
SILVA, José Afonso da. "Curso de Direito Constitucional Positivo", 24ª. ed., São
Paulo, Malheiros, 2005.
TORRES, Ricardo Lobo. "Curso de Direito Financeiro e Tributário", 2ª. ed., Rio
de Janeiro, Renovar, 1995.
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A ocupação da área pública: taxa ou preço público