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Determinantes do baixo aproveitamento
do potencial elétrico do setor
sucroenergético: uma pesquisa de campo
Diego Nyko, Jorge Luiz Garcia Faria, Artur Yabe Milanez,
Nivalde José de Castro, Roberto Brandão e Guilherme de A. Dantas
http://www.bndes.gov.br/bibliotecadigital
Bioenergia
BNDES Setorial 33, p 421-476
Determinantes do baixo aproveitamento do
potencial elétrico do setor sucroenergético:
uma pesquisa de campo
Diego Nyko
Jorge Luiz Garcia Faria
Artur Yabe Milanez
Nivalde José de Castro
Roberto Brandão
Guilherme de A. Dantas*
Resumo
A premente necessidade de aumento da oferta de eletricidade e as
maiores limitações à construção de grandes reservatórios de água impõem a busca por fontes alternativas para produção de energia elétrica.
* Respectivamente, economista, engenheiro e gerente do Departamento de Biocombustíveis do
BNDES; professor da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto
de Economia (Gesel) da UFRJ; pesquisador-sênior do Gesel/IE/UFRJ e doutorando do Programa de
Planejamento Energético da Coppe/UFRJ; e Pesquisador-Sênior do Gesel/IE/UFRJ. Os autores
agradecem aos colegas do Departamento de Biocombustíveis do BNDES pelo auxílio na elaboração
e revisão, em especial a Brunno Siqueira dos Reis, que colaborou para a organização dos dados
da pesquisa de campo. Agradecem também as sugestões e os comentários de Patrícia Zendron,
assessora da Área Industrial do BNDES; de Luiz Augusto Horta Nogueira, professor titular da
Unifei; de Carlos Silvestrin, vice-presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração
de Energia (Cogen); de Zilmar de Souza, assessor de bioeletricidade da União da Indústria da
Cana-de-Açúcar (Unica); e de Suleiman José Hassuani, especialista em bioeletricidade do Centro
de Tecnologia Canavieira (CTC).
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
422
Entre as opções existentes, a eletricidade gerada a partir da biomassa
da cana-de-açúcar revela-se uma opção interessante, pois, além de
renovável, é produzida de forma distribuída e próxima aos centros
consumidores. Além disso, em razão de a colheita de cana ocorrer no
período seco da Região Centro-Sul, a biomassa canavieira ainda se
apresenta como fonte complementar ao parque hidroelétrico brasileiro, conferindo maior capacidade de geração de energia justamente no
período de menor oferta hídrica.
Apesar das vantagens econômicas e ambientais, o potencial de
utilização da biomassa de cana ainda é pouco aproveitado. Entre as
diversas causas possíveis, podem-se citar a dificuldade de conexão das
centrais térmicas à base de cana à rede de distribuição, a fragilidade
econômico-financeira e a inexperiência em operar no setor elétrico
de determinadas usinas. O objetivo central deste artigo é identificar,
por meio de pesquisa de campo que envolveu mais de 200 unidades
sucroenergéticas, quais os fatores que, segundo a ótica das usinas, mais
contribuem para inibir o investimento na cogeração de energia elétrica.
Adicionalmente, à luz do diagnóstico proporcionado pela pesquisa
de campo, são discutidas oportunidades de fomento que colaborem para
mitigar os entraves apontados pela pesquisa e, com isso, estimulem um
melhor aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético.
Introdução
A cana-de-açúcar possui, historicamente, expressiva participação na
matriz energética brasileira que se consolidou em 2007, quando passou a
ocupar o posto de segunda maior fonte de energia na matriz, superando
até os recursos hídricos [EPE (2008)].
A utilização em larga escala da cana como insumo energético decorre
essencialmente dos significativos volumes de etanol combustível consumidos pela frota brasileira de veículos leves. Como ilustração, esse
consumo chegou a 22,9 bilhões de litros em 2009, volume 163% superior ao consumido em 2003, ano em que os veículos flex ingressaram no
mercado brasileiro.
Apesar de sua crescente importância, a cana-de-açúcar tem potencial
energético ainda bastante superior àquele que vem sendo efetivamente
Diante dessas considerações, constata-se um hiato entre o potencial
energético da cana-de-açúcar e a energia que, de fato, vem sendo gerada
pelas usinas sucroenergéticas. Especificamente sobre a cogeração de energia elétrica, reforça esse hiato a opção histórica, feita por muitas usinas,
por tecnologias de cogeração com menor produção de excedentes, as quais
visavam apenas ao autossuprimento de energia das unidades industriais
e ao pleno uso do bagaço existente – insumo de difícil estocagem e de
baixa relevância comercial.
Para superar esse hiato no curto e médio prazos,3 são necessários
investimentos em plantas de cogeração mais eficientes para atender às
necessidades energéticas da usina e, ao mesmo tempo, gerar excedentes
de energia elétrica para serem comercializados com o sistema elétrico
brasileiro. Contudo, os investimentos realizados até o momento ainda estão
longe de aproveitar todo o potencial energético da cana. Para corroborar
essa afirmação, observa-se que, entre as 438 usinas e destilarias existentes no país em 2009,4 apenas 100 exportaram eletricidade naquele ano,
segundo informação da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).
O objetivo principal deste artigo é discutir os motivos pelos quais a
inserção da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira não vem ocorrendo
em uma escala condizente com o seu potencial e compatível com seus
Produção combinada de potência e calor útil.
Atualmente, mais de 50% da colheita de cana no estado de São Paulo já é mecanizada.
3
No longo prazo, poderá existir a alternativa de utilizar o bagaço e a palha da cana-de-açúcar para
a produção de etanol celulósico.
4
Total de unidades segundo cadastro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)
para aquele ano.
1
2
423
Bioenergia
explorado. De acordo com Kitayama (2008), uma tonelada de cana tem
energia equivalente a 1,2 barril de petróleo. Essa energia encontra-se
distribuída entre a sacarose, o bagaço e a palha na proporção de um terço
para cada uma dessas partes. Desse potencial, a fração relativa à sacarose
é efetivamente utilizada para a produção de etanol e açúcar, enquanto a
energia contida no bagaço é utilizada, em geral, de forma pouco eficiente
para a cogeração1 de energia térmica e eletricidade. No que se refere à
palha, a colheita manual da cana associada à prática da queimada impedia,
até recentemente, a utilização de sua energia. Contudo, com a crescente
mecanização e colheita da cana sem queima,2 estão sendo criadas as condições necessárias para seu aproveitamento, que ainda é muito incipiente.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
424
benefícios econômicos e ambientais. Para isso, é necessário identificar e
analisar os obstáculos que, de alguma forma, impedem a realização de
novos investimentos em cogeração com a finalidade de comercializar
energia excedente.
Para levantar esses obstáculos e analisar a dimensão exata de sua
relevância segundo a ótica dos produtores, foi elaborado um questionário
(Anexo 1) para ser respondido pelas usinas e destilarias do país. Das
438 unidades, 207 enviaram respostas, o que representou uma amostra de
quase 70% da moagem de cana na safra 2009-2010.
A fim de discutir os principais resultados dessa pesquisa de campo e
sugerir propostas para contornar os problemas identificados, este artigo
está dividido em cinco seções, além desta introdução e das conclusões.
A primeira apresenta as características básicas do setor elétrico brasileiro
de interesse para este artigo. Após a exposição do processo de expansão
e do perfil da matriz elétrica ao longo do século XX, analisam-se brevemente as reformas recentes daquele setor e discutem-se as vantagens e o
potencial do aumento do aproveitamento da bioeletricidade canavieira.
A segunda seção, “Perfil da amostra”, caracteriza a amostra de usinas
que responderam ao questionário, traçando o perfil daquelas que já exportam excedentes de energia (92 unidades) e daquelas que ainda não o fazem
(115 unidades). Os perfis ainda são construídos segundo dois recortes
principais. No primeiro, a caracterização é feita por tamanho. As unidades
da amostra são organizadas entre aquelas cuja capacidade de moagem
é de até (inclusive) dois milhões de toneladas de cana por safra (Mtcs) e
aquelas cuja capacidade é superior a esse nível. No segundo recorte, as
unidades são caracterizadas conforme sua localização. Um breve perfil é
traçado para seis estados, nos quais a amostragem se mostrou significativa:
São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Alagoas.
Por sua vez, a terceira seção, “Análise dos obstáculos a investimentos em
bioeletricidade”, dedica-se à discussão dos resultados obtidos pela pesquisa
de campo, ou seja, apresenta e discute os principais entraves, na visão das
usinas, para a realização de investimentos em tecnologias mais eficientes de
cogeração. São realizadas, além da análise consolidada do Brasil, avaliações
detalhadas segundo os perfis construídos na seção anterior.
A quarta seção apresenta a atuação do BNDES no apoio aos investimentos em bioeletricidade com base na cana, com destaque para a
O setor elétrico brasileiro e o potencial inexplorado
da bioeletricidade canavieira
Por meio da construção de grandes empreendimentos pela ótica da
geração centralizada e da exploração de economias de escala, a matriz
elétrica brasileira expandiu-se e consolidou-se ao longo do século XX com
base na exploração dos recursos hídricos do país. Essa predominância da
fonte hidroelétrica permitiu, de um lado, a geração de energia com modicidade tarifária e, de outro, a reduzida intensidade de carbono na matriz
elétrica brasileira. As Tabelas 1 e 2 mostram, respectivamente, a participação média da hidroeletricidade na geração brasileira e os percentuais
de hidroeletricidade na geração total dos principais países produtores de
energia com base nessa fonte.
Em comparação com os demais países com participação similar de
geração hidroelétrica em suas matrizes energéticas, o Brasil tem um
perfil diferenciado, já que é dotado de um mercado de grande dimensão.
Tabela 1 | Evolução da participação da geração hidroelétrica na oferta
brasileira de energia elétrica*
Ano
Porcentagem (%)
2000
94,1
2001
89,7
2002
91,0
2003
92,1
2004
88,6
2005
92,5
2006
91,8
2007
92,8
2008
84,1
2009
88,5
Fontes: Histórico da geração do site do Operador Nacional do Sistema (ONS) e Melo (2010).
* Dados relativos ao Sistema Interligado Nacional.
425
Bioenergia
evolução dos desembolsos e o perfil dos projetos apoiados. Por fim, a
quinta seção, “Oportunidades para o fomento à expansão da cogeração”,
discute, à luz dos resultados apontados pela pesquisa e da experiência do
BNDES na análise de projetos de investimento em cogeração, as oportunidades de fomento que poderiam ser adotadas para superar os principais
problemas identificados.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
426
Tabela 2 | Participação da hidroeletricidade na geração doméstica de energia
elétrica em 2008 – países selecionados
País
% de geração hídrica
Noruega
98,5
Brasil*
79,8
Venezuela
72,8
Canadá
58,7
Suécia
46,1
China
16,9
Rússia
16
Índia
13,8
Japão
7,7
EUA
6,5
Resto do mundo
13,6
Mundo
16,2
Fonte: IEA (2010).
*Não inclui a geração da parte paraguaia da usina hidrelétrica de Itaipu.
Tal predominância da oferta brasileira torna-se ainda mais relevante ao se
considerar a contundente sazonalidade do regime hidrológico brasileiro
(Gráfico 1).
Gráfico 1 | Energia natural afluente (ENA):(1) média histórica(2)
Fonte: Elaboração do Gesel/IE/UFRJ, com base no banco de dados histórico da operação do
ONS em 2008.
(1)
Energia obtida quando a vazão natural afluente a um ponto de observação é turbinada nas
usinas situadas a jusante do ponto. A energia natural afluente a uma bacia é a soma das energias
naturais afluentes a todos os pontos de observação existentes na bacia.
(2)
Inclui todos os subsistemas do Sistema Interligado Nacional com base na configuração de 2008.
Gráfico 2 | Capacidade instalada (em MW) do SIN em janeiro de 2010
Fonte: Melo (2010).
Outro fato relevante ao longo dos anos foi a expansão da rede de
transmissão brasileira, cuja expressiva extensão gera influências na oferta de energia elétrica ao permitir a exploração de sinergias oriundas das
diferenças entre regimes hidrológicos das bacias hidrográficas do país.
Contudo, a existência de várias usinas em uma mesma bacia impede-as
de decidir individualmente sobre seus respectivos níveis de produção, já
que tal decisão impactaria no potencial de geração das usinas a jusante
no rio.5 Nesse sentido, a operação coordenada das usinas hidroelétricas
e a influência do sistema de transmissão no dimensionamento da carga
justificaram o modelo de geração centralizada.
5
Ver D’Araújo (2009).
427
Bioenergia
Dada essa sazonalidade, é necessário que haja regularização da oferta
de energia elétrica ao longo de todo o ano, que só é possível porque a expansão do parque hidroelétrico brasileiro ocorreu associada à construção
de grandes reservatórios, cuja função era estocar água no período úmido
do ano para convertê-la em energia elétrica no período seco. No entanto, a construção desses reservatórios não elimina o fato de os recursos
hídricos serem uma variável de fluxo sujeita à intermitência, tornando
indispensável uma capacidade de reserva entre a demanda de ponta do
sistema e a capacidade instalada. No Gráfico 2 vê-se a composição total
do parque gerador brasileiro em 2010. Verifica-se que a participação da
hidroeletricidade é inferior à sua participação na geração média dos últimos
anos, refletindo justamente a presença de usinas termoelétricas que têm a
função de backup do sistema.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
428
Com base no nível dos reservatórios e nos custos de geração das usinas aptas a operar, o Operador Nacional do Sistema (ONS) decide quais
usinas serão despachadas, para minimizar os custos presente e futuro de
geração. Explica-se: a geração hidroelétrica presente impacta o nível dos
reservatórios e, conforme a afluência no período seguinte, poderá haver
maior ou menor necessidade de geração termoelétrica. Dessa forma, o
custo marginal de operação reflete a minimização, de um lado, dos custos
presente e futuro de geração a partir do nível dos reservatórios e, de outro,
do custo variável das usinas termoelétricas.
O exposto até aqui, em especial sobre os reservatórios existentes,
explicita o mencionado caráter de geração de backup do parque térmico
na matriz elétrica brasileira. Em um ano de afluências típicas, o parque
hidroelétrico é capaz de atender a cerca de 90% da demanda nacional
por energia elétrica. Nesse sentido, ao se constatar a existência de um
potencial hídrico inexplorado superior a 150.000 MW, pode-se admitir,
a priori, que o crescimento da oferta de energia elétrica necessário para
atender ao aumento da demanda futura, sobretudo em um contexto de
crescimento econômico consistente, seria oriundo dos recursos hídricos.
Nesse cenário, a matriz brasileira manteria sua composição atual, entretanto, isso é incompatível com o perfil projetado para a expansão do parque
hidroelétrico brasileiro.
O potencial hidroelétrico inexplorado localiza-se, essencialmente, na
Região Norte, onde o relevo predominante é a planície. Por conta disso, o
alagamento de grandes áreas para a construção de reservatórios representa
menor quantidade de energia armazenada por causa das menores quedas
disponíveis. A essa limitação física soma-se o caráter mais rígido da legislação ambiental a partir da Constituição de 1988, que vem restringindo a
construção de reservatórios de acumulação. As usinas hidroelétricas que
estão sendo (e continuarão a ser) construídas são predominantemente do
tipo fio d’água, o que significa que a expansão da capacidade hidroelétrica
instalada não está (e não estará) associada à expansão proporcional dos
reservatórios. Logo, faz-se necessário projetar um parque hidroelétrico
capaz de atender à carga no período úmido, com algumas usinas até vertendo água, mas com necessidade de complementação, por outras fontes
geradoras, para que a demanda seja suprida no período seco [Castro,
Brandão e Dantas (2010a)].
Gráfico 3 | Evolução da energia armazenada máxima e grau
Fonte: ONS (2010).
As usinas que devem ser priorizadas para complementação do parque
hidroelétrico são aquelas que, do ponto de vista técnico e econômico,
têm características apropriadas para operar na base do sistema durante
um considerável número de horas por ano. Suas características são absolutamente distintas das atualmente encontradas em unidades térmicas,
destinadas à geração eventual, e não à geração na base do sistema. Na
realidade, usinas térmicas desenvolvidas para operar como backup do
sistema tornam-se proibitivamente custosas quando utilizadas de forma
contínua [Castro, Brandão e Dantas (2010b)].
Em face dessas considerações, a bioeletricidade sucroenergética
destaca-se como uma fonte adequada para complementar o parque hidroelétrico brasileiro. A primeira e talvez mais importante característica
dessa fonte é seu caráter renovável. Diferentemente das térmicas movidas
a óleo diesel ou gás natural, a geração de eletricidade a partir da biomassa
da cana apresenta, em função da baixa utilização de insumos de origem
fóssil em seu processo produtivo, uma emissão de gases de efeito estufa
relativamente pequena.
Bioenergia
de regularização do SIN
429
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
430
Ademais, a safra de cana-de-açúcar na Região Centro-Sul ocorre entre
os meses de abril e novembro, coincidindo com o período seco naquela
região, onde estão localizados 70% da capacidade dos reservatórios brasileiros. O Gráfico 4 mostra a grande complementaridade entre o parque
hidroelétrico brasileiro e a safra canavieira.
Gráfico 4 | Complementaridade entre o parque hidroelétrico
e a safra canavieira
Fontes: Site do ONS (www.ons.org.br) e Unica. Dados elaborados com base no histórico da
operação em 2008 (ENA) e pela moagem de cana da safra 2007-2008 no Centro-Sul.
Outra característica vantajosa da bioeletricidade para o setor elétrico
brasileiro é o fato de ser uma fonte de geração distribuída,6 condição
decorrente de dois fatores, a saber: o porte relativamente pequeno e o
significativo número das unidades sucroenergéticas existentes. Além de
distribuída, a bioeletricidade canavieira é gerada próxima aos principais
centros de consumo, em razão da concentração da produção de cana
no Sudeste e da expansão dessa cultura em áreas de fronteira agrícola no
Centro-Oeste. De fato, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste responde por
cerca de 60% da carga do SIN, e as projeções indicam que esse percentual
será mantido (Tabela 3).
Geração distribuída (GD) é uma expressão usada para designar a geração elétrica realizada junto ou
próxima do(s) consumidor(es), independentemente da potência, da tecnologia e da fonte de energia.
As tecnologias de GD têm evoluído para incluir potências cada vez menores.
6
Fonte: EPE (2010).
Portanto, a inserção da bioeletricidade em uma escala condizente
com o seu potencial, por se tratar de uma fonte de geração distribuída e
próxima do consumo final, deverá reduzir a necessidade de investimentos
em reforço e expansão do sistema de transmissão. Isso também reduz as
perdas, o que reforça a eficiência da bioeletricidade canavieira. Logo,
trata-se de uma fonte de energia condizente com a promoção do desenvolvimento sustentável.
Além das vantagens para a oferta de energia elétrica, a maior inserção
da bioeletricidade tem outro um importante efeito microeconômico:
aumentar a resiliência do setor sucroenergético. Em razão da alta volatilidade dos preços do etanol e do açúcar, a presença de uma receita estável
e de longo prazo viabilizada pela venda de eletricidade melhora o perfil
econômico-financeiro do setor e, com isso, aumenta sua capacidade de
resistir a flutuações de preço dos seus principais produtos.
Todavia, do ponto de vista histórico e com base na organização industrial do setor elétrico, a estrutura de monopólio integrado verticalmente,
que vigorou ao longo de boa parte do século XX, era incompatível com a
inserção da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira, já que a competição
no segmento de geração era limitada, sem acesso aos segmentos de rede.
A partir do fim dos anos 1980, iniciou-se um processo de liberalização
do setor elétrico com o objetivo de incitar a eficiência do setor e atrair
capital para sua expansão. O fundamento dessas reformas era a desverticalização da indústria elétrica de forma a estimular, por meio da garantia
do acesso aos segmentos de transmissão e distribuição, a concorrência nos
segmentos de geração e comercialização. É importante frisar que as reformas foram, em grande medida, viabilizadas por inovações tecnológicas,
responsáveis por reduzir as escalas mínimas de eficiência no segmento
de geração, especialmente para as termoelétricas. Essa redução da escala
431
Bioenergia
Tabela 3 | Projeção da carga do Sistema Interligado Nacional (em MWmed)
Subsistema
2010
2011
2012
2013
2014
Norte
3.950
4.411
5.529
5.856
6.188
Nordeste
8.242
8.683
9.110
9.566
10.043
Sudeste/CO
34.064
35.914
37.763
39.741
41.483
Sul
9.189
9.583
9.982
10.397
10.828
SIN
55.445
58.591
62.384
65.560
68.542
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
432
permitiu maior competição naquele segmento e maior descentralização da
produção da energia elétrica, ficando mais próxima dos centros de consumo.
Assim, reformas e ajustes do setor elétrico brasileiro nos últimos
15 anos, ao permitirem a competição no segmento de geração de energia
elétrica e ao regulamentar o acesso à rede, proporcionaram as condições
necessárias para a comercialização de bioeletricidade.
Por suas vantagens econômicas e ambientais e em compasso com o significativo crescimento da safra de cana-de-açúcar motivado pela expansão
do consumo de etanol e açúcar, a bioeletricidade canavieira vem ganhando
cada vez mais espaço na matriz elétrica brasileira, mas seu nível de participação ainda está muito aquém do seu potencial. Em 2009, de acordo
com a Unica, a partir de base de informações do Ministério das Minas e
Energia, apenas 100 usinas processadoras de cana-de-açúcar exportaram
eletricidade que, em conjunto, representaram uma geração de excedentes
de 5.870 GWh, ou o equivalente a uma potência de 670 MW médios.
Uma evidência que corrobora tal estimativa pôde ser obtida pelo total
de energia comercializado informado pelas usinas objetos da pesquisa. A
amostragem, que abrangeu 92 unidades exportadoras de eletricidade na
safra 2009-2010, alcançou um total comercializado de 7.714 GWh, o que
significa uma potência de 880 MW médios.7
De qualquer forma, o potencial de geração de excedentes exportáveis
do setor sucroenergético é muito superior ao atualmente realizado. Se
considerarmos apenas o número de unidades exportadoras estimado pela
Unica, verifica-se que apenas 23% das 438 usinas brasileiras exportaram
eletricidade na safra 2009-2010. Tal desempenho, contudo, é ainda mais
crítico quando se considera o potencial de geração de energia de excedentes de eletricidade.
De acordo com estimativas da Associação da Indústria de Cogeração
de Energia (Cogen), com a utilização de 75% do bagaço e 10% da palha,8
7
A diferença entre o volume de energia exportado estimado pela Unica e o observado pela pesquisa
de campo pode ser explicada pelo fato de que parte da energia informada como comercializada pelas
usinas não tenha sido efetivamente gerada naquela safra. Isso resulta de situações em que a eletricidade
foi vendida pela usina, mas sua “entrega” será feita apenas posteriormente ou, ainda, por meio da
aquisição de eletricidade gerada por terceiros. No caso da estimativa da Unica, os dados são baseados
apenas na energia vendida efetivamente gerada e entregue pela própria usina.
8
A questão da palha é particularmente importante, pois se trata de um resíduo que, diante da proibição
do uso da queima da cana como técnica de colheita, terá volumes disponíveis crescentes. Em São
Paulo, que representa a maior parcela da safra canavieira do Brasil, o fim da queima da cana em áreas
mecanizáveis está previsto para 2014.
Além do aproveitamento do potencial existente, também é preciso
salientar que, com o crescimento da demanda de etanol, tanto em nível
doméstico quanto internacional, espera-se um crescimento significativo da
safra de cana-de-açúcar e, com ela, uma significativa expansão da bioeletricidade da cana. Segundo a Tabela 4, na safra 2018-2019 será possível
atingir quase 30.000 MW de potência exportável, o que equivale a mais
de duas vezes a potência da usina hidrelétrica de Itaipu.
Tabela 4 | Potencial de exportação de bioeletricidade para Brasil e São Paulo –
2009-2010 a 2018-2019
Produção cana (Mton)
Potencial teórico "bagaço + palha"
Safra
MW
MW
%
%
Brasil
SP
Brasil
SP
Bagaço
Palha
2009/10
598
354
10.158
6.013
75
10
2010/11
620
353
11.975
6.826
75
20
2011/12
660
370
14.285
8.000
75
30
2012/13
695
385
16.661
9.229
75
40
2013/14
750
405
19.726
10.652
75
50
2014/15
773
413
22.131
11.836
75
60
2015/16
829
431
25.665
13.346
75
70
2016/17
860
439
26.625
13.579
75
70
2017/18
902
450
27.925
13.932
75
70
2018/19
950
466
29.411
14.411
75
70
Fonte: Cogen.
Diante do atual cenário de baixa capacidade de aproveitamento do seu
potencial presente e futuro, é possível dizer que o movimento de inserção
da bioeletricidade da cana representa um processo evolucionário, e não
revolucionário. Diversos entraves à inserção da bioeletricidade na matriz
Valor resultante da extrapolação da potência de 660 MW médios para sete meses de safra para o
ano civil.
9
433
Bioenergia
e se todas as usinas brasileiras fossem dotadas de sistemas de cogeração
com caldeiras acima de 60 bar, a potência excedente gerada pelo setor
sucroenergético poderia chegar a quase 10.000 MW na safra 2009-2010.
Desse modo, se for considerada a potência de oferta anual de 1.150 MW
estimada pela Unica,9 o aproveitamento do potencial elétrico do setor canavieiro não ultrapassou 12% na safra 2009-2010, o que evidencia, mesmo
entre as usinas que já exportam, a existência de espaço para aumento da
eficiência na geração de excedentes de eletricidade.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
434
elétrica ainda persistem e variam desde questões técnicas até fatores relacionados à economia e à regulação do setor elétrico brasileiro.
Entre eles, destaca-se o fato de a cogeração de bioeletricidade ser
uma fonte de geração distribuída a ser inserida em um sistema elétrico
centralizado, com base em grandes fontes de geração e com longas linhas
de transmissão de alta tensão, mas com uma estrutura de distribuição
dotada de redes dimensionadas apenas para o atendimento de cargas de
consumidores de energia e, consequentemente, em média e baixa tensão.
Assim, em função da potência a ser injetada para o SIN, o escoamento da
bioeletricidade cogerada exige elevação de tensão da rede de conexão,
de forma a torná-la apta a transportar economicamente aquela energia para
o sistema, o que implica custos que podem comprometer a viabilidade
financeira do investimento de cogeração.
Ademais, outras questões são comumente relacionadas como obstáculos importantes à maior participação da bioeletricidade na matriz brasileira: a falta de experiência do setor em comercializar energia elétrica,
a remuneração insuficiente das tarifas de energia elétrica e a demora no
licenciamento ambiental. Contudo, ainda não se conhece, entre tais entraves, quais são os mais relevantes para as usinas brasileiras. É justamente
essa questão que as seções subsequentes vão tentar responder.
Perfil da amostra
Com base nos cadastros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e dos sindicatos estaduais, a população aqui considerada
de usinas e destilarias existentes no Brasil é de 438 unidades. A todas elas,
foi enviado o questionário disponibilizado no Anexo 1.
As perguntas desse questionário foram divididas em três grupos. O
primeiro deles, respondido por todas as unidades da amostra, traz questões relacionadas à identificação e à caracterização dos entrevistados.
Perguntou-se, por exemplo, a qual grupo econômico pertence a unidade,
quais foram sua capacidade de moagem e seu volume de cana processada
nas duas últimas safras, bem como seu mix de produção, o destino dado à
palha etc. A última questão desse primeiro grupo diz respeito à cogeração.
A resposta a essa última pergunta, por sua vez, determinou qual dos
outros dois grupos de questões deveria ser respondido em seguida. Às
unidades que ainda não exportam excedentes, coube responder ao segundo grupo, cujas perguntas tinham como objetivo identificar os principais
entraves ao investimento em cogeração. Às usinas que já exportam,
restou responder ao terceiro grupo. Suas questões foram formuladas de
modo a permitir comparações com as respostas das unidades que ainda
não realizam exportação de excedentes. Os principais resultados são
mostrados adiante.
Aqui, o esforço se concentra em traçar o perfil da amostra. A Tabela 5
é um primeiro passo nesse sentido. Nela, são apresentados os resultados
estaduais em termos de quantidade de respostas, em contraste com a
quantidade total de unidades.
A adesão à pesquisa foi bastante significativa. Quase 50% de todas
as unidades da população enviaram resposta. Esse número representa
96 diferentes grupos financeiros. Além disso, a distribuição amostral de
respostas por estado reflete de modo razoável a distribuição encontrada
na população.
É importante salientar que, afora Pernambuco, os estados que abrigam o maior número de usinas (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato
Grosso do Sul, Goiás e Alagoas) também foram aqueles que enviaram o
maior número de respostas. Entre esses, o Mato Grosso do Sul foi o que
mostrou a maior adesão relativa, pois, cerca de 76% de suas unidades
responderam ao questionário. Em Alagoas, onde a adesão relativa foi a
menor, esse valor chegou a 37,5%. Como também concentram a maior
parte da produção de cana-de-açúcar do país, esses seis estados servirão
de base para a descrição e a análise dos dados por estado.
Neste trabalho, as unidades que realizam exportação são definidas como aquelas que utilizam a
biomassa da cana-de-açúcar para gerar energia excedente e vendê-la a terceiros. Já as unidades que
não realizam exportação são entendidas como aquelas que utilizam biomassa de cana para gerar
energia, podendo eventualmente gerar excedentes sem, contudo, vendê-los a terceiros.
10
435
Bioenergia
Seu objetivo foi organizar a amostra entre usinas que já exportam e usinas
que ainda não exportam excedentes de eletricidade.10
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
436
Tabela 5 | Participação de cada estado na amostra
Estados
AC
RR
TO
AL
PB
PE
RN
SE
GO
MS
MT
ES
MG
RJ
SP
PR
Total
Nº de
respostas
% da
participação
estadual na
amostra
Nº total de
usinas por
estado (1)
1
1
1
9
1
2
1
1
16
16
3
1
29
2
108
15
207
0,5
0,5
0,5
4,3
0,5
1,0
0,5
0,5
7,7
7,7
1,4
0,5
14,0
1,0
52,2
7,2
100,0
1
1
2
24
9
22
4
6
35
21
10
6
43
7
197
35
423
% da
participação
estadual na
população
(2)
0,2
0,2
0,5
5,5
2,1
5,0
0,9
1,4
8,0
4,8
2,3
1,4
9,8
1,6
45,0
8,0
96,6
% de
respostas
no total de
usinas por
estado
100,0
100,0
50,0
37,5
11,1
9,1
25,0
16,7
45,7
76,2
30,0
16,7
67,4
28,6
54,8
42,9
48,9
Fonte: Dados da amostra.
(1)
O número total diz respeito apenas às usinas e destilarias presentes nos 16 estados que
enviaram respostas. Por isso, esse número é inferior à população de 438 unidades. Os estados que
têm usinas e que não enviaram respostas foram: Amazonas (1), Bahia (3), Ceará (3), Maranhão
(4), Pará (1), Piauí (1) e Rio Grande do Sul (2).
(2)
Para esse cálculo, considera-se a população total de 438 unidades.
A Tabela 6 esboça um breve perfil da amostra, diferenciando as unidades que realizam exportação de excedentes (44,4% do total da amostra)
das unidades que ainda não o fazem (55,6% do total da amostra). Vale
notar que as 92 unidades que alegaram realizar exportação representam
cerca de 20% de todas as unidades do país, enquanto aquelas que alegaram
não realizar representam 26,3%. Da perspectiva da cana efetivamente
processada a situação é muito diferente. As unidades que já exportam
foram responsáveis por processar cerca de 60% da cana da amostra e as
que ainda não exportam processaram aproximadamente 40%.
De fato, merece destaque a diferença entre o tamanho médio das unidades que já exportam e o das unidades que ainda não exportam. No primeiro
caso, a capacidade instalada média das unidades chegou a pouco mais de
Nº de unidades
Safra 2008-2009
Capacidade Safra 2009-2010
de moagem
Média
(em ton)
Mediana
Safra 2008-2009
Cana
efetivamente Safra 2009-2010
processada
Média
(em ton)
Mediana
Safra 2008-2009
Mecanização
Safra 2009-2010
Origem da
Própria
cana (safra
Terceiros
2009-2010)
Queima
Destinação da
palha
Cobertura
(safra
do solo
2009-2010) Uso em caldeira
Distância média para o sistema
de transmissão (km)
Exporta
92
240.032.100
278.746.535
3.029.854
2.580.323
203.761.240
232.848.639
2.530.963
2.174.097
47,5%
59,3%
59,1%
40,9%
Não exporta
115
181.767.671
199.387.673
1.733.806
1.500.000
150.811.860
160.259.749
1.393.563
1.322.000
39,1%
50,0%
62,4%
37,6%
Total
207
421.799.771
478.134.208
2.309.827
2.000.000
354.573.100
393.108.387
1.899.074
1.622.298
43,9%
55,5%
60,4%
39,6%
31,6%
65,1%
40,4%
58,1%
35,2%
62,2%
3,3%
12,8
1,5%
18,2
2,5%
17,8
Fonte: Dados da amostra.
três Mtcs na safra 2009-2010. No segundo caso e no mesmo período, o
tamanho médio das unidades girou em torno de 1,7 Mtc.
Esse resultado está em linha com o fato de que as maiores unidades se
originam de recentes projetos greenfield e de projetos de expansão, os quais
apresentam maior rentabilidade dos investimentos em cogeração quando
comparados a projetos de retrofit [Castro, Brandão e Dantas (2010c)]. Os
projetos apoiados pelo BNDES corroboram esses números. De todos
os projetos greenfield financiados até o momento, 73,2% exportam energia
e têm capacidade média de moagem de 2,4 Mtcs.
Tanto a capacidade de moagem quanto o volume de cana efetivamente
processada cresceram entre as safras 2008-2009 e 2009-2010. Especificamente nessa última, os dados da amostra representaram 65,3% do total de
cana processada no Brasil.11 Além disso, a capacidade ociosa das unidades
Segundo dados do Mapa, foram processados 602 milhões de toneladas de cana na safra 2009-2010
(posição de 1.4.2010).
11
437
Bioenergia
Tabela 6 | Unidades que exportam e unidades que não exportam energia
no Brasil
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
438
da amostra cresceu na última safra, atingindo 17,8%. Esse fato reflete o
aumento dos investimentos destinados ao incremento da capacidade produtiva vis-à-vis a redução da moagem decorrente de problemas climáticos
enfrentados no período. Para as unidades que já exportam, essa capacidade
ociosa foi de 16,5%. Já para as unidades que ainda não exportam, a capacidade ociosa foi ligeiramente superior, chegando a 19,6%.
Tomando como base o recorte analítico de dois Mtcs de capacidade
de moagem na safra 2009-2010, as diferenças entre as unidades são ainda
mais pronunciadas. Entre aquelas que já realizam exportação, cerca de
70% encontram-se acima de dois Mtcs de capacidade. A situação é praticamente inversa entre as unidades que ainda não exportam, já que 72,2%
delas têm capacidade menor ou igual a dois Mtcs (Tabela 7).
Tabela 7 | Distribuição de unidades por faixa de moagem
Não
%
Total
Exporta
%
Exporta
≤2
26
28,26
83
72,17
109
milhões
de ton
66
71,74
32
27,83
98
>2
milhões
de ton
Total
92
100
115
100
207
%
52,66
47,34
100
Fonte: Dados da amostra.
Também chamam atenção outros três pontos. O primeiro diz respeito
à destinação da palha na safra 2009-2010. As diferenças entre as unidades
não são tão significativas. Aquelas que exportam queimam menos palha no
campo, fato que reflete seus maiores índices de mecanização da colheita
em relação às unidades que ainda não exportam. De qualquer modo, fica
claro que a utilização da palha nas caldeiras é uma prática que ainda está
longe de ser realidade. Apenas 2,5% de toda a palha produzida pelas
unidades da amostra tem aquele destino.
O segundo ponto refere-se à distância de conexão entre a unidade e o
sistema de transmissão de energia. Ressalva-se que algumas poucas unidades não responderam a essa questão. No entanto, foi possível chegar a uma
distância média de 12,8 km para aqueles que exportam e de 18,2 km para
aqueles que ainda não exportam, distância cerca de 30% superior à primeira.
Tabela 8 | Energia comercializada* na safra 2009-2010 (em MWh)
UF
Safra
Entressafra
Total
AL
38.529
0
38.529
GO
318.837
20.000
338.837
MG
1.107.814
60.218
1.168.032
MS
354.732
0
354.732
PR
367.698
0
367.698
SP
5.019.141
294.058
5.313.199
Brasil
7.325.651
388.775
7.714.427
Fonte: Dados da amostra.
*A energia comercializada pelo Brasil corresponde a todos os estados que responderam ao
questionário.
A Tabela 8 também apresenta os valores por estado. Contudo, a caracterização da amostra por estado é feita a seguir. Sempre que oportuno,
também é feita uma distinção relativa à faixa de moagem.
São Paulo
São Paulo é o estado que concentra a maior parte das unidades e,
consequentemente, a maior moagem de cana, com pouco mais de 67%
do total da amostra na safra 2009-2010. Na amostra, ele tem 54 unidades
que exportam e 54 unidades que ainda não exportam. Em termos de cana
efetivamente processada, essas últimas representam quase 100 Mtcs.
Entre as unidades que já exportam, o índice de utilização da palha em
caldeiras é de 6%, o maior entre todas os estados presentes na amostra.
Além disso, a distância média de conexão entre as unidades produtoras e
os sistemas de transmissão é praticamente a mesma (por volta de 12 km)
para os que exportam e os que não exportam.
Por fim, São Paulo tem as usinas de maior tamanho de toda a amostra.
A capacidade instalada média foi de 2,7 Mtcs na safra 2009-2010. Entre as
que exportam, esse tamanho foi de aproximadamente 3,4 Mtcs. Já entre
as que não exportam, foi de cerca de dois Mtcs. O estado tem 66 unidades
com capacidade superior a dois Mtcs, das quais 45 já exportam. Entre as
439
Bioenergia
A terceira situação é a quantidade de energia comercializada pelas
unidades, que, na safra 2009-2010, foi de cerca de 7,7 milhões de MWh
(Tabela 8). Em potência, isso equivale a cerca de 880 MW médios.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
440
42 unidades com capacidade instalada menor ou igual a dois Mtcs, apenas
nove já exportam.
Minas Gerais
No ranking de capacidade instalada de moagem, Minas Gerais figura
em segundo lugar na amostra. Ao todo, são 29 unidades, das quais 15 já
exportam e 14 ainda não. Essas últimas, no entanto, representam 17,7 Mtcs,
e as primeiras 35,7 Mtcs, ou seja, o tamanho médio amostral das unidades
mineiras que exportam é quase o dobro do tamanho médio das unidades
que ainda não exportam.
O estado tem na amostra 19 unidades cuja capacidade instalada é menor
ou igual a dois Mtcs. Entre elas, sete já exportam e 12 ainda não realizam.
Por outro lado, entre as 10 unidades que têm capacidade instalada superior
a dois Mtcs, oito já exportam e somente duas ainda não exportam. Esse
resultado é próximo daquele encontrado em São Paulo.
Em Minas, a distância média encontrada na amostra entre as unidades
e o sistema de transmissão é de cerca de 19 km, bem maior do que a de
São Paulo. Para as que já exportam, essa distância está em torno de 15 km,
e para as que ainda não exportam, em 24,4 km (o dobro da distância
de São Paulo).
Paraná
Entre as 15 respostas oriundas do Paraná, 11 unidades ainda não exportam
e quatro já exportam. Enquanto essas últimas tinham 11,5 Mtcs em capacidade instalada na safra 2009-2010, as primeiras detinham 14,8 Mtcs. Pela
ótica do tamanho médio das unidades, as que já exportam têm em média
2,9 Mtcs; as que não exportam, 1,6 Mtc.
Na amostra, sete unidades têm capacidade instalada superior a dois
Mtcs, das quais três não exportam e quatro já exportam. Logo, nenhuma
das oito unidades cuja capacidade instalada é menor ou igual a dois Mtcs
realiza exportação.
Segundo consta na amostra, os índices de mecanização da colheita
no Paraná estão abaixo dos encontrados em São Paulo e Minas Gerais.
Enquanto nesses últimos a colheita mecanizada atingiu, em média, 57,7%
e 56,7% na safra 2009-2010, esse índice alcançou somente 30,6% no
Por fim, a distância média encontrada na amostra para a conexão entre as
unidades paranaenses e o sistema de conexão é de 14,7 km, realidade mais
próxima da paulista do que da mineira. Contudo, diferentemente de São
Paulo, a distância relativa às unidades que já exportam beira os 12 km,
enquanto aquela relativa às unidades que não exportam chega a 15,7 km.
Mato Grosso do Sul
O estado tem 16 unidades na amostra, das quais cinco realizam exportação e 11 ainda não. As que já exportam energia totalizam 14 Mtcs
de capacidade instalada, o que significa capacidade média de 2,8 Mtcs. Já
aquelas que ainda não exportam têm 19,4 Mtcs de capacidade instalada
e 1,8 Mtc de capacidade média.
As unidades cuja capacidade é menor ou igual a dois Mtcs são 11, das
quais oito ainda não exportam e apenas três exportam. A surpresa fica por
conta das cinco unidades maiores do que dois Mtcs, das quais três ainda
não exportam.
Na amostra, os destaques ficam por conta do índice de mecanização da
colheita, próximo de 100% nas unidades que já exportam, e da distância
média de conexão das unidades ao sistema de transmissão de energia, que
é de aproximadamente 38 km, a maior da amostra. Entre as unidades que já
exportam, essa distância é de 26,4 km. Já entre aquelas que não exportam,
a distância chega a 44,3 km.
Goiás
Goiás tem características muito parecidas com as do Mato Grosso
do Sul. Também são 16 unidades na amostra, das quais seis já exportam
energia e 10 ainda não. A diferença é que as unidades goianas da amostra são, em média, maiores do que as unidades do Mato Grosso do Sul.
Enquanto as primeiras têm capacidade média de 2,2 Mtcs, as segundas
têm dois Mtcs.
Além disso, das 16 unidades, oito têm capacidade instalada superior a
dois Mtcs. Entre elas, cinco exportam. Das oito unidades cuja capacidade
é menor ou igual a dois Mtcs, apenas uma realiza exportação.
441
Bioenergia
Paraná. Em nenhuma unidade desse estado a palha vem sendo utilizada
em caldeiras.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
442
Outro ponto que diferencia Goiás do Mato Grosso do Sul é a distância
média das unidades ao sistema de transmissão de energia, que, em Goiás,
é de 12,5 km. Para as unidades que já exportam, a distância é de 15,9 km,
enquanto, para as que não exportam, cai para 10,2 km.
Alagoas
Único estado do Nordeste a ser descrito e analisado, Alagoas tem na
amostra três usinas que já exportam e seis usinas que ainda não exportam.
Em relação às unidades do Centro-Sul, as unidades alagoanas são bem
menores. A capacidade média de moagem é de 1,2 Mtc. Em unidades que
já exportam, esse valor chega a 1,4 Mtc, e nas que ainda não exportam, a
capacidade média é de aproximadamente 1,1 Mtc. Nenhuma unidade na
amostra tem capacidade de moagem superior a dois Mtcs.
O índice de mecanização alagoano é bem inferior à média amostral
brasileira, chegando a somente 7,5% na safra 2009-2010. Entre as unidades
que exportam, esse valor é de quase 10%. Já entre as unidades que ainda
não exportam, o índice foi de 5,9%. Esse resultado também pode ser
apreendido pela destinação dada à palha. Nessa mesma safra, mais de
80% de toda a palha foi queimada no campo.
Destaca-se a distância média de conexão de 7 km entre as unidades
alagoanas e o sistema de transmissão de energia. Esse valor é o menor
entre os seis estados aqui analisados. As unidades que já exportam têm
distância de 3,4 km, que é significativamente inferior à distância de
9,6 km das unidades que ainda não exportam.
Análise dos obstáculos a investimentos em bioeletricidade
Conforme discutido na primeira seção, a expansão do setor sucroenergético, associada à tendência de eliminação da prática das queimadas
na colheita da cana, disponibilizará grande quantidade de biomassa, que
poderá ser utilizada como insumo para a geração de energia elétrica. As
projeções para um horizonte de 10 anos, quando se espera uma safra superior a um bilhão de toneladas de cana, apontam para um potencial de
geração de bioeletricidade de 30.000 MW, superior a duas vezes ao da
usina hidrelétrica de Itaipu.
Apesar de ter mostrado crescimento ao longo dos últimos anos, a bioeletricidade de cana ainda tem um enorme potencial inexplorado. Como
principais entraves à realização dos investimentos em bioeletricidade, a
investigação exploratória vem apontando dificuldades relativas à conexão, às condições de financiamento e à capacidade financeira de alguns
grupos empresariais do setor sucroenergético e a pouca intimidade com
o marco regulatório do setor elétrico, entre outros. Porém, (e aí reside o
principal diferencial do presente estudo) ainda não se havia pesquisado
a dimensão exata da relevância de cada um desses obstáculos pela ótica
dos produtores.
A pesquisa realizada com os agentes do setor, cuja amostra foi caracterizada na seção anterior, permite a identificação dos entraves percebidos
como mais relevantes pelos entrevistados, que persistem e dificultam
investimentos na cogeração. Os principais aspectos da metodologia adotada na pesquisa são apresentados da seguinte maneira. Para o universo
de usinas que não comercializam eletricidade, foram expostos possíveis
motivos para a não realização de investimentos em plantas de cogeração
capazes de gerar excedentes de energia elétrica. A cada um desses motivos, o entrevistado atribuiu um peso que variava de “0” (motivo sem
relevância) a “3” (motivo de alta relevância).
Dessa forma, foi possível quantificar a importância de cada um dos
fatores e, com base nisso, analisar aqueles que foram apontados como
os maiores entraves à expansão da cogeração com biomassa canavieira.
Os itens que tiveram média ponderada inferior a 1 foram considerados
irrelevantes, enquanto os itens com média igual ou superior a 2 foram
considerados muito relevantes. Esses últimos passaram a constituir o foco
analítico desta seção.
443
Bioenergia
A questão que surge imediatamente é como viabilizar esse potencial.
Seguindo os argumentos apresentados na primeira seção, a maior inserção
da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira é uma opção estratégica
para a expansão do sistema elétrico nacional. Já para os agentes do setor
sucroenergético, a comercialização de bioeletricidade constitui a diversificação de receitas e a garantia de um fluxo de caixa estável, dada a
possibilidade de vender essa energia no ambiente de comercialização
regulada por meio de contratos de longo prazo indexados pela inflação.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
444
Além de uma análise consolidada dos fatores que obtiveram média
ponderada acima de 2, serão feitas avaliações separadas, sendo considerados os recortes já utilizados na seção anterior. A opção por tais recortes
deve-se à hipótese de que a percepção dos entraves à bioeletricidade é
sensível à capacidade de moagem da planta produtiva e ao estado onde ela
se encontra. Logo, após a análise consolidada para o Brasil, realiza-se
um exame por faixa de moagem e para os estados de São Paulo, Minas
Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Alagoas.
Análise consolidada
Durante muito tempo, a falta de experiência dos agentes do setor sucroenergético no segmento de energia elétrica, associada à complexidade
do marco regulatório do setor elétrico brasileiro, foi apontada como um
importante obstáculo a investimentos em plantas de cogeração aptas a gerar
excedentes de energia elétrica. Entretanto, conforme informa a Tabela 9,
os dados da pesquisa apontam que essa temática é considerada irrelevante
pelos agentes do setor.
A perda de importância dessas questões pode ser atribuída à melhora
de capacitação por parte dos grupos econômicos do setor sucroenergético, à melhoria na qualidade dos serviços das empresas de consultoria
em comercialização de energia, como também à consolidação do marco
regulatório do setor elétrico brasileiro. É importante ressaltar ainda que a
baixa relevância da experiência em comercialização de energia foi constatada para todas as faixas de moagem e em todos os estados. Portanto,
de acordo com a opinião dos respondentes, não existiriam mais entraves
culturais à promoção de bioeletricidade.
O resultado da pesquisa indica que o custo dos investimentos em modernização da planta e as condições de financiamento ao investimento são
os maiores obstáculos aos investimentos. De fato, a modernização (retrofit)
de uma planta existente tende a ser um investimento dispendioso porque
é necessário substituir equipamentos do processo de produção de energia
que, na maior parte dos casos, ainda têm vida útil, como a caldeira, a turbina e o gerador, e que precisam ser remunerados exclusivamente com a
receita da exportação de energia. A situação é distinta em projetos greenfield
e de expansão da moagem de cana, nos quais esses equipamentos fazem
parte do investimento total, sendo remunerados também pelas receitas
provenientes de açúcar e etanol.
Fonte: Dados da amostra.
Ademais, muitos projetos retrofits exigem otimização do processo
produtivo a fim de possibilitar a exportação de eletricidade. Com isso,
além dos investimentos em atualização da planta de geração, são requeridos investimentos adicionais no aumento da eficiência energética do
processo produtivo. Em muitos desses casos, tais investimentos implicam
445
Bioenergia
Tabela 9 | Desempenho dos fatores pesquisados: relevância média
e percentual de respostas com alta relevância
% de respostas
Fator
Média
com alta
relevância
1
Baixa oferta de financiamentos do tipo
2,2
47
project finance
2
Custo do investimento em modernização
2,2
47
da planta é excessivo
3
Juros dos financiamentos disponíveis são
2,1
37
muito elevados
4
Prazos dos financiamentos disponíveis
2,1
41
são muito curtos
5
Falta de capacidade financeira do grupo para
2
43
realização do investimento no momento
6
Carga elevada de tributos e encargos
2
39
setoriais sobre o investimento e sobre a
operação
7
2
37
Custo excessivo do investimento para
elevação de tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão
8
1,8
34
A remuneração do setor elétrico
(preço do MWh) não é atraente
9
Complexidade e demora na obtenção
1,7
26
do licenciamento ambiental
10 Distância excessiva para a conexão da usina
1,7
29
ao sistema de transmissão
11 Prioridade em garantir o autossuprimento
1,6
42
12 O investimento em cogeração só será feito
1,5
24
por ocasião de uma futura
13 O sistema de cogeração atual da usina ainda
0,8
3
está distante do final de sua vida útil
14 Elevada complexidade do modelo
0,8
5
de comercialização de energia /
desconhecimento do mercado
15 O grupo não tem experiência em
0,6
1
comercializar energia
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
446
a substituição de equipamentos funcionais, como a troca do acionamento
a vapor da moenda por motores elétricos.
Com respeito ao financiamento do investimento em cogeração, os entraves relevantes apontados foram os juros excessivos, os pequenos prazos
de financiamento e a dificuldade de obter financiamentos na modalidade
project finance. De outro lado, grande parte aponta a “falta de capacidade
financeira do grupo para realização do investimento no momento” como
obstáculo. Essa falta de capacidade financeira dos grupos parece estar
relacionada às dificuldades de acesso a financiamentos para cogeração. De
fato, das 115 empresas que atribuíram alguma relevância à questão, 43%
atribuíram-lhe importância 3. Ora, empresas que no momento demonstram
baixa capacidade financeira dificilmente têm acesso a crédito de longo
prazo em condições favoráveis, daí a razão de perceberem o financiamento
como um entrave importante.
Por outro lado, 54 questionários (47% desse total) atribuíram importância 3 à baixa oferta de financiamento na modalidade project finance. Nessa
modalidade, o financiador exige preponderantemente garantias associadas
ao projeto, onerando menos a capacidade de endividamento do empreendedor, o que torna compreensível o interesse dos empreendedores. Isso
talvez aponte para maior propensão dos agentes do setor sucroenergético
a adotar as práticas de segregação de risco e de governança normalmente
associadas aos financiamentos nessa modalidade, o que, de um lado,
indicaria amadurecimento empresarial do setor, mas também, de outro,
pode refletir a dificuldade de acesso a crédito em condições favoráveis
decorrente da falta de capacidade financeira.
De qualquer forma, é fato que essa modalidade de financiamento não
tem sido comum em projetos de bioeletricidade canavieira. A opção por
financiamento por meio de corporate finance em detrimento do project
finance pode ser atribuída, em grande parte, ao fato de o sistema financeiro
não considerar os recebíveis da bioeletricidade como garantia suficiente
para sustentar o projeto.
Mecanismos de mitigação de risco específicos para cogeração –
sobretudo relativos ao risco agrícola em função do seu impacto na
disponibilidade de biomassa – são concebíveis, mas não têm sido praticados com frequência. A maior presença de agentes do setor elétrico em
investimentos em bioeletricidade talvez facilite no futuro a montagem de
A pesquisa permitiu ainda a identificação de um expressivo obstáculo
à realização de investimentos em bioeletricidade que não é comumente
tratado como entrave relevante: a carga tributária. Essa questão é especialmente relevante para as empresas paulistas e paranaenses, pois, conforme será visto na subseção “Análise por estados” de forma mais bem
detalhada, não há incidência de ICMS na venda de energia elétrica pelas
usinas desses estados, o que, na falta de mecanismos alternativos, pode
impedir seus produtores de compensar o crédito desse imposto recolhido
na aquisição dos equipamentos de cogeração.
Tido como um dos principais problemas para o investimento em cogeração, a questão da dificuldade de conexão é comumente relacionada
à excessiva distância da rede básica. A pesquisa demonstra, contudo, que
o último fator que recebeu média superior a 2 foi o “Custo excessivo do
investimento para elevação de tensão necessária para conexão ao sistema
de transmissão”. Tal resultado é influenciado por estados como Paraná,
Minas Gerais e São Paulo, que, por contarem com uma rede básica mais
densa, atribuem maior peso à necessidade de elevação de tensão do que
propriamente à distância excessiva da rede básica.
Conforme discutido na primeira seção, esse resultado pode ser atribuído ao fato de a rede de distribuição ter sido projetada apenas para
atendimento da demanda de consumidores e não para coletar a geração de
energia, o que torna necessário, para a conexão de unidades cogeradoras,
investimentos para o dimensionamento econômico, e de menor custo
global para o sistema.
Por fim, a remuneração do setor elétrico, também comumente difundida
como um significativo obstáculo para o investimento em cogeração, não
foi considerada relevante pela maior parte dos respondentes, recebendo
12
Apesar de tais explicações, cumpre salientar que a elevada importância atribuída aos aspectos
financeiros pode ter sido influenciada, também, pelo fato de a pesquisa ter sido feita pelo BNDES,
instituição financeira com extenso apoio ao setor (vide seção sobre o apoio do BNDES à bioeletricidade
canavieira). Tal situação pode ter levado certas usinas a entender que a atribuição de baixa ou nenhuma
importância aos aspectos financeiros poderia prejudicar futuros pleitos para criação de linhas de
crédito mais favoráveis.
447
Bioenergia
estruturas de project finance para bioeletricidade, pela maior facilidade
em oferecer garantias secundárias dentro dos seus respectivos portfólios
de geração.12
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
448
média inferior a 2. Apenas cerca de um terço dos entrevistados considerou
esse aspecto de alta relevância.13
Análise por faixa de moagem
Como já mencionado, os obstáculos a investimentos em bioeletricidade
são sensíveis à escala de moagem da usina, devido principalmente ao fato
de o custo unitário do investimento estar sujeito a economias de escala,
mas também à menor capacidade de investimento das usinas de menor
porte. Dessa forma, justifica-se desagregar a análise por faixa de moagem.
Moagem menor ou igual a dois Mtcs
Além das questões relacionadas às condições de financiamento, sobretudo a dificuldade de formatação de project finance, as usinas de menor
porte têm uma dificuldade financeira mais fundamental, que é a falta de
capacidade do grupo de realizar os investimentos. Quase 54% dos questionários atribuíram importância 3 a esse item. A Tabela 10 informa os
fatores que obtiveram média ponderada superior a 2.
Ao mesmo tempo, o custo excessivo do investimento é um grande
obstáculo para essas unidades produtivas menores. De acordo com Castro,
Brandão e Dantas (2010c), o custo unitário de investimento em uma usina
que processa 1,0 Mtc é cerca de 30% superior ao custo do investimento de
uma que processa 3,0 Mtcs. Dessa forma, nota-se a relevância da escala
no custo do investimento. A menor escala dos empreendimentos também
leva a custos unitários crescentes para a conexão com a rede, o que pode
explicar o último fator apontado como entrave para os investimentos em
bioeletricidade nesse tipo de usina.
Moagem acima de dois Mtcs
Para essa faixa de moagem, os obstáculos relacionados às condições
financeiras são menos importantes, com destaque apenas para a demanda
por maior oferta de mecanismos de project finance. Esse resultado é consistente com a maior capacidade financeira dessas usinas que conseguem
explorar maiores economias de escala.
Essa percepção ocorreu mesmo com a redução dos preços negociados pela bioeletricidade de
cana, resultantes do último leilão de energia ocorrido em agosto de 2010, quando comparados aos
leilões anteriores.
13
Fator
Média
% de respostas
com alta
relevância
1
Baixa oferta de financiamentos do tipo
project finance
2,3
53
2
Custo do investimento em modernização
da planta é excessivo
2,2
52
3
Juros dos financiamentos disponíveis são
muito elevados
2,2
43
4
Falta de capacidade financeira do grupo para
realização do investimento no momento
2,2
54
5
Prazos dos financiamentos disponíveis
são muito curtos
2,1
43
6
Carga elevada de tributos e encargos
setoriais sobre o investimento e sobre
a operação
2
35
7
Custo excessivo do investimento para
elevação de tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão
2
52
Fonte: Dados da amostra.
Tabela 11 | Desempenho dos fatores pesquisados: relevância média e
percentual de respostas com alta relevância para unidades
com capacidade de moagem superior a dois Mtcs
% de respostas
Fator
Média
com alta
relevância
1
Carga elevada de tributos e encargos
2,2
50
setoriais sobre o investimento e sobre a
operação
2
A remuneração do setor elétrico (preço do
2,1
47
MWh) não é atraente
3
Custo do investimento em modernização da
2,1
34
planta é excessivo
4
Baixa oferta de financiamentos do tipo
2
31
project finance
Fonte: Dados da amostra.
Seria de esperar que as usinas desse porte não percebessem o custo do
investimento como excessivo, em razão do menor custo unitário. Porém,
a pesquisa indica que as empresas consultadas, nessa faixa de moagem,
449
Bioenergia
Tabela 10 | Desempenho dos fatores pesquisados: relevância média e
percentual de respostas com alta relevância para unidades
com capacidade de moagem menor ou igual a dois Mtcs
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
450
atribuíram importância 2,1 aos custos dos investimentos em modernização.
Uma explicação para essa resposta aparentemente paradoxal pode estar
no fato de que a maior parte das usinas que moem acima de dois Mtcs já
é exportadora de energia ou já está implamentando projetos de cogeração
para exportação. Sendo assim, é possível supor que tais usinas de maior
porte não exportadoras de eletricidade tenham maior necessidade de
investimentos no aumento da eficiência do processo e custos mais altos
de conexão à rede do que as demais usinas de grande porte.
De fato, conforme mostram os dados da Tabela 7, entre as usinas de
porte acima de dois Mtcs que responderam à pesquisa, quase 70% já exportam eletricidade. Ademais, quando se analisa em mais detalhe as usinas
de maior porte que ainda não geram excedentes, fica evidente que o problema do custo excessivo do retrofit é ainda mais relevante para as usinas
com porte superior a três Mtcs. Por já serem de grande porte, tais usinas
têm menores condições físicas (disponibilidade de terras, por exemplo)
de expansão de sua produção. Logo, os investimentos em cogeração para
exportação, quando feitos, serão apenas para a modernização (retrofit) da
produção de eletricidade, o que tende a tornar menos atraente o retorno
econômico desse investimento.
Outro fator destacado é a remuneração do investimento. Apesar de isso
não ser apontado como relevante pela amostra, as usinas de maior porte que
ainda não exportam energia entendem que os preços praticados pelo setor
elétrico não justificariam o investimento em cogeração. Adicionalmente,
quando se abre em maior detalhe tal grupo de usinas, verifica-se que, na
verdade, as unidades que entendem o problema da remuneração como um
obstáculo são aquelas com mais de três Mtcs de capacidade de moagem.
Tabela 12 | Desempenho dos fatores pesquisados: relevância média e
percentual de respostas com alta relevância para o fator
“Custo do investimento em modernização da planta é excessivo” –
unidades com capacidade de moagem entre dois e três Mtcs
e superior a três Mtcs
% de respostas
Média de
com alta
Capacidade de moagem
relevância
relevância
Entre 2Mton e 3Mton (inclusive)
2
32
>3Mton
2,2
50
Fonte: Dados da amostra.
Finalmente, o último fator apontado como relevante pelas usinas de
maior porte é a carga tributária. Essa resposta é influenciada pelo estado
de São Paulo, que concentra boa parte das usinas de maior porte, cuja
análise será feita na subseção a seguir.
Tabela 13 | Desempenho dos fatores pesquisados: relevância média
e percentual de respostas com alta relevância para o fator
“A remuneração do setor elétrico é baixa” – unidades com
capacidade de moagem entre dois e três Mtcs e superior a
três Mtcs
% de respostas
Média de
com alta
Capacidade de moagem
relevância
relevância
Entre 2 Mton e 3 Mton (inclusive)
1,8
39
>3 Mton
2,3
58
Fonte: Dados da amostra.
Análise por estado
É conveniente realizar uma análise por estado, pois as condições
específicas de cada um não permitem considerar todos os obstáculos
com a mesma relevância As diferenças regionais ficam evidentes quando
se analisa simplesmente o número de fatores considerados relevantes.
Conforme pode ser visto na Tabela 14, o estado de São Paulo lidera com
o maior número de fatores apontados como relevantes e também com a
maior média ponderada geral de todos os fatores. Opostamente, o estado
de Goiás aponta o menor número de obstáculos, assim como atribui a
menor média ponderada geral entre os estados selecionados.
São Paulo
Diferentemente do que é difundido, o maior obstáculo apontado pelas
usinas paulistas não é a dificuldade de conexão à rede básica, mas sim a
carga elevada de tributos, mais especificamente em relação ao ICMS. Em
São Paulo, com o Decreto 54.177 (31.3.2009), foi atribuída à empresa
distribuidora de energia elétrica a responsabilidade pelo recolhimento do
ICMS incidente sobre toda a cadeia de geração, transmissão, distribuição
e consumo da energia elétrica. Desse modo, a distribuidora passou a ser a
451
Bioenergia
Esse resultado é coerente com o fato de que, para esse mesmo grupo
de usinas, o investimento no retrofit foi considerado excessivo, o que
exigiria, naturalmente, maior remuneração pelas tarifas de energia elétrica.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
452
Tabela 14 | Número de fatores de média ou alta relevância e média geral
por estado e Brasil
Nº de fatores com
Média geral de todos
UF
relevância média ≥ 2
os fatores
SP
8
1,8
MS
7
1,7
PR
7
1,6
AL
4
1,6
MG
3
1,4
GO
2
1,4
Brasil
7
1,7
Fonte: Dados da amostra.
substituta tributária da cadeia e dos demais agentes, entre os quais o cogerador. Esse mecanismo de substituição tributária é um instrumento de
arrecadação do estado que lhe garante eficiência e menor custo ao reduzir
o rol de contribuintes do imposto a um único grupo da cadeia.
Nesse contexto, a atividade de cogeração, que exige um significativo
investimento em bens de capital (caldeiras, turbinas, subestações etc.)
tributados pelo ICMS, tem a saída da energia elétrica sem tributação de
ICMS e, consequentemente, o cogerador acaba tendo o respectivo crédito não aproveitado, acumulando-o. Esse crédito acumulado consiste em
aumento de custo para o cogerador, o que interfere na rentabilidade dos
projetos e acaba por desestimular o investimento.
Esse entrave tributário ocorre principalmente nos investimentos em
bioeletricidade que optam por separar a atividade da usina de açúcar e
etanol, criando uma empresa de geração de energia elétrica. Nos investimentos vinculados a uma usina existente, como o ICMS pago nos equipamentos para cogeração acaba sendo compensado na venda de açúcar e
etanol – produtos que sofrem incidência desse tributo –, é possível fazer
a compensação tributária.
Outros entraves apontados com alta relevância para a realização de
investimentos em plantas eficientes de cogeração nas usinas sucroenergéticas paulistas são as condições de financiamento, desde os juros que
são considerados muito elevados até a dificuldade de obter financiamentos
na modalidade project finance. É interessante notar que, no caso de São
Paulo, tais dificuldades de tomar financiamento não estão necessariamente ligadas à falta de capacidade financeira, tal como visto na análise
das usinas de pequeno porte, haja vista que esse fator não teve cotação
Fator
Média
% de respostas
com alta
relevância
1
Carga elevada de tributos e encargos
setoriais sobre o investimento e sobre
a operação
2,3
50
2
Baixa oferta de financiamentos do tipo
project finance
2,3
39
3
Juros dos financiamentos disponíveis são
muito elevados
2,3
39
4
Custo do investimento em modernização
da planta é excessivo
2,2
43
5
Prazos dos financiamentos disponíveis
são muito curtos
2,1
31
6
A remuneração do setor elétrico
(preço do MWh) não é atraente
2,1
35
7
Complexidade e demora na obtenção
do licenciamento ambiental
2,0
31
8
Custo excessivo do investimento para
elevação de tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão
2,0
26
Fonte: Dados da amostra.
média considerada relevante (acima ou igual a 2). Tal condição pode
ser atribuída ao porte médio mais elevado das usinas paulistas que não
cogeram, conforme mostra a Tabela 16.
A remuneração do setor elétrico aparece como o sexto principal obstáculo das usinas paulistas, fato que decorre de São Paulo concentrar a
maior parte das usinas com porte superior a três Mtcs. Como descrito na
subseção anterior, essas usinas são aquelas que declararam necessitar de
maior remuneração do investimento em cogeração.
Na esteira dessas considerações, o custo excessivo com retrofit foi
apontado como relevante, apesar do porte médio elevado das usinas paulistas. Tal resultado pode ser explicado segundo a argumentação realizada
na subseção que trata da análise por faixa de moagem, considerando as
usinas com porte superior a dois Mtcs. Adicionalmente, deve ser salientado que essa percepção também pode estar ligada à questão tributária,
dado que o ICMS pago pelos equipamentos de cogeração pode não ser
passível de compensação.
453
Bioenergia
Tabela 15 | Desempenho dos fatores pesquisados em São Paulo:
relevância média e percentual de respostas com alta relevância
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
454
Tabela 16 | Número de usinas que não exportam energia e capacidade média
de moagem por estado (em ton)
Menor ou igual
Maior que
Geral
a 2.000.000
2.000.000
UF
Nº
Média
Nº
Média
Nº
Média
AL
8
1.244.444
8
1.244.444
0
*
GO
10
2.226.875
7
1.478.750
3
2.975.000
MG
14
2.007.697
12
1.275.368
2
3.306.704
MS
11
2.087.375
8
1.381.818
3
3.639.600
PR
11
1.911.294
8
1.324.926
3
2.581.429
SP
54
2.698.605
33
1.477.873
21
3.475.435
Brasil
115
2.383.515
83
1.341.592
32
3.379.393
Fonte: Dados da amostra.
Notas: As médias estão organizadas em ordem decrescente de capacidade de moagem “geral”;
a média brasileira é referente a todas as unidades que colaboraram com a pesquisa; e o estado
de Alagoas não tem qualquer unidade com capacidade de moagem maior que dois Mtcs.
Dois entraves adicionais no estado de São Paulo são a complexidade
e a demora na obtenção do licenciamento ambiental. De fato, em razão
de São Paulo concentrar maior número de usinas, a quantidade de pedidos de
licenciamento ambiental analisados pela secretaria estadual competente
tende a ser superior à de outros estados produtores, o que naturalmente implica maiores prazos de emissão das licenças.
Finalmente, a conexão foi apontada como um entrave relevante, mas
apenas com relação à necessidade de elevação de tensão. Conforme visto
na primeira seção, a rede de distribuição não foi preparada para receber
grandes cargas de energia elétrica. Em razão disso, mesmo a conexão de
unidades de pequeno porte, como as térmicas de biomassa de cana, exigem
investimentos significativos na elevação da tensão da rede que se conecta
à rede de distribuição.
Minas Gerais
O resultado da pesquisa em Minas Gerais apontou a falta de capacidade financeira como maior obstáculo à realização de investimentos em
bioeletricidade. De forma diversa do caso paulista, tal resultado pode estar
ligado ao menor porte das usinas mineiras que ainda não cogeram. Como
mostra a Tabela 16, as unidades mineiras com capacidade de moagem
inferior ou igual a dois Mtcs apresentaram, na safra 2009-2010, a menor
Outro ponto destacado pelas unidades mineiras é o custo excessivo do
retrofit, o que é totalmente condizente com a análise por faixa de moagem
para usinas de pequeno porte.
Tabela 17 | Desempenho dos fatores pesquisados em Minas Gerais:
relevância média e percentual de respostas com alta relevância
% de
respostas
Fator
Média
com alta
relevância
1 Falta de capacidade financeira do grupo para
2,2
64
realização do investimento no momento
2 Custo do investimento em modernização da
2,1
50
planta é excessivo
3 Custo excessivo do investimento para elevação
2
43
de tensão necessária para conexão ao sistema de
transmissão
Fonte: Dados da amostra.
Como as condições de financiamento não foram consideradas um
fator relevante, é possível interpretar que tais usinas entendem a falta
de capacidade financeira como uma limitação de capacidade de investir,
apesar de não estarem passando por uma crise financeira. Tal situação é
corroborada com o fato de as usinas mineiras terem classificado o custo
excessivo para o investimento em retrofit como relevante, o que pode
demonstrar que tais unidades não dispõem de patrimônio suficiente para
levantar os recursos necessários para realizar a modernização dos seus
sistemas de cogeração.
Finalmente, tal como São Paulo, o estado de Minas Gerais também
sofre as limitações impostas pelo padrão das linhas de distribuição de
energia, que não estão aptas a receber cargas elevadas de eletricidade. É
interessante salientar ainda que, conforme mostra a Tabela 18, embora
a distância média das usinas mineiras não cogeradoras seja de quase
25 km – inferior apenas à do Mato Grosso do Sul –, esse fator não foi
apontado como relevante (média de 1,5).
455
Bioenergia
capacidade média de moagem entre todos os estados analisados, com
exceção de Alagoas.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
456
Tabela 18 | Distância média de conexão ao sistema de transmissão (em km)
UF
Exporta
Não exporta
AL
3,4
9,6
GO
15,9
10,2
MG
14,2
24,4
MS
26,4
44,3
PR
12,0
15,7
SP
11,5
12,0
Brasil*
12,8
18,3
Fonte: Dados da amostra.
*A média brasileira é referente a todas as unidades que colaboraram com a pesquisa.
Paraná
As entrevistas realizadas nas usinas paranaenses que não comercializam
energia elétrica apontam os custos de conexão como entraves importantes
à realização de investimentos em bioeletricidade. Assim como ocorreu
em São Paulo e em Minas Gerais, o investimento da elevação da tensão
foi apontado, mas, no caso paranaense, foi eleito o principal obstáculo à
expansão da cogeração da bioeletricidade canavieira.
Com relação à distância excessiva para conexão à rede básica, é curioso
notar que, apesar de apresentar uma distância média inferior ao estado de
Minas Gerais, as usinas paranaenses, ao contrário das mineiras, percebem
esse fator como relevante.
As condições de financiamento são um obstáculo aos investimentos
nas usinas paranaenses em uma relevância próxima da média nacional.
Apesar do porte médio pequeno (1,3 Mtc), essas usinas não consideraram a falta de capacidade financeira um fator relevante, o que sugere
que, diferentemente de Minas Gerais, estejam com baixo apetite pelo
investimento em cogeração, ou seja, enquanto as usinas paranaenses
podem investir, mas parecem não querer, as unidades mineiras querem,
mas não podem.
Tal hipótese é corroborada pelo fato de as unidades paranaenses terem apontado, como relevante, a necessidade de realizar o investimento
em cogeração simultaneamente a uma futura expansão da capacidade
de moagem, cujo determinante de investimento envolve variáveis além
daquelas que são objeto de estudo deste artigo. Essa situação é reforçada
quando se verifica, por meio da Tabela 20, que o prazo médio informado
pelas unidades paranaenses para iniciar o investimento em cogeração é
de 35 meses, o maior entre os estados analisados.
Fator
Média
% de respostas
com alta
relevância
1
Custo excessivo do investimento para
elevação de tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão
2,7
73
2
Prazos dos financiamentos disponíveis são
muito curtos
2,3
55
3
Baixa oferta de financiamentos do tipo
project finance
2,3
55
4
O investimento em cogeração só será feito
por ocasião de uma futura expansão
2,3
64
5
Distância excessiva para a conexão da usina
ao sistema de transmissão
2,3
64
6
Carga elevada de tributos e encargos
setoriais sobre o investimento e sobre a
operação
2,1
55
7
Complexidade e demora na obtenção do
licenciamento ambiental
2
0
Fonte: Dados da amostra.
Tabela 20 | Tempo médio informado pelas unidades para iniciar
o investimento em cogeração de energia (em meses) –
por estado e faixa de moagem
Menor ou igual
Maior que
UF
Geral
a 2 Mton
2 Mton
AL
22
22
0
GO
23
23
24
MG
28
28
24
MS
31
38
18
PR
35
34
36
SP
21
19
24
Brasil
26
26
25
Fonte: Dados da amostra.
Notas: A média brasileira é referente a todas as unidades que colaboraram com a pesquisa;
o estado de Alagoas não tem qualquer unidade com capacidade de moagem maior que dois Mtcs;
16 unidades que não fazem cogeração não sabem quando pretendem investir.
457
Bioenergia
Tabela 19 | Desempenho dos fatores pesquisados no Paraná:
relevância média e percentual de respostas com alta relevância
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
458
No que tange à questão tributária, a percepção de elevada carga de
impostos deve-se ao mesmo motivo das usinas de São Paulo, pois no
Paraná também pode haver acúmulo de créditos de ICMS em razão da
não incidência desse imposto na ocasião da venda de energia elétrica
pelas usinas, seja para distribuidora de energia, seja diretamente para o
consumidor final.
Finalmente, o último fator considerado relevante é o processo de
licenciamento ambiental. Em contato com as principais usinas paranaenses, foram apontados o prazo excessivo para emissão do licenciamento e a elevada quantidade de informações exigidas pela secretaria
estadual competente.
Mato Grosso do Sul
O maior obstáculo à realização de investimentos visando à comercialização de bioeletricidade são os custos associados à distância das usinas
em relação ao sistema básico de transmissão, o que é compatível com o
fato de o estado contar com uma rede menos densa do que, por exemplo,
o vizinho estado de São Paulo. O Mato Grosso do Sul apresenta a maior
distância média usina-rede entre os estados analisados (ver Tabela 18).
A conexão aparece novamente como um entrave importante por meio do
investimento na elevação da tensão, mas em menor grau de relevância
comparado à distância para a rede básica.
Além da questão da conexão, mais uma vez as condições de financiamento se fazem presentes como um importante obstáculo à realização dos
investimentos. Porém, assim como no Paraná, não há alegação de falta
de capacidade financeira, o que leva à sugestão de que é baixo o apetite
pelo investimento em cogeração. De fato, o prazo médio planejado para
a realização do investimento é de 31 meses, apenas inferior ao do Paraná.
No que tange ao licenciamento ambiental, a associação estadual de
usinas, ao ser consultada, explicou que tal resultado pode estar relacionado
com o aumento do número de projetos encaminhados para a análise da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente, o que, naturalmente, tem prolongado o tempo de espera pela emissão dos licenciamentos.
Fator
Média
% de respostas
com alta
relevância
1
Custo excessivo do investimento para
elevação de tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão
2,4
55
2
Prazos dos financiamentos disponíveis são
muito curtos
2,1
45
3
Baixa oferta de financiamentos do tipo
project finance
2,1
55
4
O investimento em cogeração só será feito
por ocasião de uma futura expansão
2,1
45
5
Distância excessiva para a conexão da usina
ao sistema de transmissão
2
36
6
Carga elevada de tributos e encargos
setoriais sobre o investimento e sobre a
operação
2
55
7
Complexidade e demora na obtenção do
licenciamento ambiental
2
0
Fonte: Dados da amostra.
Goiás
Ao contrário do que ocorre no Mato Grosso do Sul, a conexão das
usinas não é um entrave de grande relevância para as usinas goainas.
Outra diferença marcante com relação aos demais estados é a ausência
das condições de financiamento como um problema relevante.
Tabela 22 | Desempenho dos fatores pesquisados em Goiás: relevância
média e percentual de respostas com alta relevância
Fator
1
Falta de capacidade financeira do grupo para
realização do investimento no momento
2
Custo do investimento em modernização da
planta é excessivo
Fonte: Dados da amostra.
Média
% de respostas
com alta
relevância
2,4
80
2
50
459
Bioenergia
Tabela 21 | Desempenho dos fatores pesquisados no Mato Grosso do Sul:
relevância média e percentual de respostas com alta relevância
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
460
Tal como as mineiras, as usinas goianas, apesar de não verem as condições de financiamento como obstáculos, apontam a falta de capacidade
financeira como um problema relevante. Essa situação, tal como no caso
mineiro, permite interpretar que essas unidades não dispõem de patrimônio
suficiente para levantar os recursos necessários para realizar o investimento
no retrofit, considerado excessivo.
Alagoas
O resultado da pesquisa, no estado de Alagoas, foi consistente no sentido de apontar a falta de capacidade financeira do grupo econômico como o
principal entrave à realização de investimentos em plantas capazes de gerar
excedentes de energia elétrica a serem comercializados. As respostas das
usinas alagoanas também apontam as condições de financiamento como
um obstáculo expressivo à realização desses investimentos. Tais resultados,
em conjunto, sugerem que a condição econômico-financeira das usinas
impede a expansão da cogeração, seja porque não há recursos próprios
suficientes, seja porque não há acesso a crédito em condições favoráveis.
Tabela 23 | Desempenho dos fatores pesquisados em Alagoas:
relevância média e percentual de respostas com alta relevância
Fator
Média
% de respostas
com alta
relevância
1
Falta de capacidade financeira do grupo
para realização do investimento no
momento
2,5
75
2
Baixa oferta de financiamentos do tipo
"project finance"
2,5
75
3
Custo do investimento em modernização
da planta é excessivo
2,4
63
4
Prazos dos financiamentos disponíveis
são muito curtos
2,1
50
5
Juros dos financiamentos disponíveis
são muito elevados
2
50
Fonte: Dados da amostra.
O apoio do BNDES à bioeletricidade canavieira
O Sistema BNDES vem apoiando significativamente o setor sucroenergético ao longo dos últimos anos.14 Esse apoio cresceu notadamente a
partir de 2004, em função da bem-sucedida introdução dos veículos flex
fuel no Brasil e da necessidade de mitigação das alterações climáticas
associadas ao aquecimento global, em grande parte atribuído à queima
de combustíveis fósseis.
Desse modo, a intensificação do aproveitamento das fontes energéticas renováveis induziu o setor sucroenergético a um novo ciclo de
expansão, ao qual o BNDES, no cumprimento de sua missão15 precípua,
não ficou indiferente.
Nesse novo ambiente, o setor sucroenergético processou a sua expansão
e a reorganização empresarial com a chegada de novos agentes, atraindo
tradings, fundos de investimentos e empresas tradicionais operadoras dos
mercados de energia elétrica e de petróleo, que ampliaram a visão dos
empresários tradicionais do setor, os usineiros, tornando-os “produtores
de alimentos e energia”.
Esse novo ciclo de expansão teve o foco na produção de etanol. Contudo, a bioeletricidade também proporcionou importantes investimentos nas
centrais de cogeração destinadas a ampliar a oferta de energia elétrica aos
mercados regulado e livre. Para sustentar esse movimento de expansão do
setor, o sistema BNDES desempenhou um papel decisivo (ver Gráfico 5).
O volume total de desembolsos atingiu aproximadamente R$ 27,8 bilhões
no período analisado. As operações contratadas entre os anos de 2004 e
2006, por meio da concessão de financiamento para a compra de máquinas
e equipamentos e para o aumento das áreas plantadas, visavam basicamente
ao apoio à expansão e à modernização das usinas já existentes nas regiões
tradicionalmente produtoras de cana.
A participação do setor sucroenergético no total dos desembolsos do BNDES passou de 1,5%, em
2004, para 4,7%, em 2009.
15
A missão precípua do BNDES é “promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da
economia brasileira, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais”.
14
Bioenergia
A presente seção busca descrever como se deu o apoio do Sistema
BNDES, desde o ano de 2004, para ativos relacionados aos sistemas de
cogeração de energia elétrica no setor sucroenergético.
461
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
462
Posteriormente, em 2007, passaram a predominar os financiamentos
destinados aos projetos de implantação de usinas (greenfields) em novas
regiões, como o Triângulo Mineiro e as novas fronteiras agrícolas no
Centro-Oeste.
Gráfico 5 | Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético
Fonte: BNDES.
Mais especificamente com relação à bioeletricidade, os desembolsos
do BNDES também apresentaram crescimento significativo. Entre 2004
e 2010, o volume acumulado representou quase 25% do total de apoio ao
setor (Gráfico 6).
Esses desembolsos foram destinados a 112 centrais de cogeração
de biomassa de cana-de-açúcar, as quais têm potencial para adicionar
3.088 MW ao sistema elétrico brasileiro, mas somente em 2013, quando todos os projetos atualmente em carteira alcançarão a capacidade
instalada prevista.
Apesar do significativo aumento do apoio do BNDES, dado o potencial
atual e futuro da biomassa de cana, ainda há espaço significativo para o
aumento do investimento da cogeração. Assim, se forem equacionados
os principais entraves aqui identificados, pode-se esperar um incremento
nos investimentos relacionados à cogeração e, com eles, desembolsos
ainda maiores do BNDES ao segmento.
Gráfico 6 | Desembolsos do BNDES para bioeletricidade sucroenergética
463
Bioenergia
Fonte: BNDES.
Tabela 24 | Projetos de cogeração do setor sucroenergético na carteira
do BNDES
Nº de
MW excedente
MW excedente
UF
projetos
(total)
(média)
AL
2
47
23,5
GO
16
477
30
MG
12
198
17
MT
1
56
56,0
MS
10
303
30
PB
1
8,0
8,0
PR
5
93
19
RN
1
25
25,0
SP
64
1.882,0
29,4
112
3.088,5
27,5
Total
Fonte: BNDES.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
464
Oportunidades para o fomento à expansão da cogeração
Aspectos financeiros
A análise dos fatores apontados como maiores obstáculos à cogeração de energia com base no bagaço de cana nos informa que os aspectos
relacionados ao financiamento desses investimentos (juros, prazos e
project finance) são considerados relevantes em quase todos os recortes
analíticos realizados.
Quanto às condições de crédito, ressalta-se que a taxa de juros e o prazo
dos financiamentos destinados à cogeração de energia elétrica oferecidas
pelo BNDES estão entre os mais favoráveis, em razão da incidência do
menor spread básico16 sobre a taxa final de juros e do prazo de até 16 anos
para amortização da dívida.17
O BNDES ainda disponibiliza um incentivo adicional para estimular
o investimento em sistemas mais eficientes de cogeração, que é o nível
diferenciado de participação nos investimentos. De acordo com a atual
política operacional do BNDES, nos investimentos para aquisição de sistemas de cogeração que utilizem caldeiras de alta pressão, ou seja, acima de
60 bar,18 o financiamento pode atingir até 90% do investimento total. No
caso de sistemas de cogeração menos eficientes, tal nível de participação
atinge no máximo 80%.
Pode-se concluir que o fato de boa parte das usinas ter considerado as
condições creditícias de juros e prazos obstáculos relevantes ao investimento em cogeração está mais ligado à incapacidade de parte das usinas
brasileiras de acessar os recursos do BNDES do que à necessidade de
melhoria das condições oferecidas pelo Banco.
Já com relação ao mecanismo de project finance, pode-se dizer que
ainda há espaço para avançar na especificação desse instrumento a fim
A taxa de juros do BNDES é formada, nas operações diretas, por três componentes: custo financeiro,
spread básico e spread de risco. O spread básico varia de acordo com a atividade econômica e, no
caso dos investimentos em cogeração com base em fontes renováveis, apresenta a menor taxa.
17
De acordo com a Unica, o problema de fato não estaria na taxa de juros praticada pelo BNDES,
mas na oferta de condições de crédito ainda melhores, disponíveis para empreendimentos na Região
Nordeste, como é o caso de boa parte dos investimentos em energia eólica. Tal diferença geraria uma
desvantagem competitiva para a biomassa canavieira nos leilões federais de compra de energia renovável.
18
Essa maior eficiência decorre do fato de que tais caldeiras, por serem fabricadas com materiais mais
resistentes, conseguem operar em condições de maior temperatura e pressão e, com isso, permitem
gerar maior volume de energia elétrica com base na mesma quantidade de bagaço de cana-de-açúcar.
16
A maior difusão do project finance contribuiria de forma decisiva para
mitigação de pelo menos dois obstáculos apontados como relevantes pela
pesquisa: a falta de capacidade financeira e o custo excessivo do investimento. No primeiro caso, como o project finance pressupõe a criação
de uma sociedade de propósito específico (SPE), as dívidas contratadas
referentes ao investimento serão registradas no balanço da SPE, e não no
do grupo sucroenergético, o que, associado à participação de investidores
com maior capacidade financeira na SPE, minimizaria o problema da má
condição econômico-financeira de determinadas usinas.
No que tange ao excessivo custo do investimento na expansão da cogeração, se tal problema for interpretado como um dispêndio de capital
maior do que o grupo sucroenergético é capaz de realizar, ainda que este
demonstre situação financeira saudável, então o fato de a SPE segregar
os ativos do investimento na expansão da cogeração poderia ser uma
solução. Tal situação ocorreria nos casos em que investidores com maior
capacidade de investimento se tornassem sócios majoritários da SPE e
aportassem a maior parte do equity necessário, deixando a usina parceira
com a necessidade de aportar apenas a parcela compatível com sua capacidade de investir.
Tributação
Outra questão que merece atenção é a tributação. Conforme visto,
o problema de acúmulo de créditos de ICMS foi apontado como relevante pelas usinas de porte acima de dois Mtcs, de São Paulo e do
Paraná. As diversas vantagens da bioeletricidade canavieira discutidas
na primeira seção poderiam ser consideradas pelas receitas estaduais
com intuito de avaliar a oferta de mecanismos compensatórios alternativos para minimizar o problema levantado e, com isso, incentivar o
465
Bioenergia
de se chegar a um modelo capaz de mitigar os riscos inerentes a projetos de
base agrícola, como é o caso da cogeração com base no bagaço de cana e,
com isso, dar maior conforto aos investidores e, sobretudo, aos potenciais
financiadores. A ausência de um modelo específico para projetos de cogeração à base de cana talvez explique o fato de esse tipo de mecanismo
financeiro ser pouco difundido no setor sucroenergético, seja entre os
bancos financiadores, seja entre usinas ou mesmo entre distribuidores de
energia elétrica.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
466
aumento da participação do bagaço de cana como fonte renovável na
matriz elétrica brasileira.
Tal problema ganha ainda mais importância na medida em que, nos
leilões de energia renovável, a bioeletricidade canavieira concorre com
projetos de energia eólica, que, por contarem com incentivo fiscal específico, estão em melhores condições de custo para ofertar energia em razão
da desoneração de ICMS sobre os equipamentos eólicos.19
Conexão
Finalmente, no que tange aos fatores relacionados à conexão, a necessidade de elevação da tensão da rede de acesso ao SIN foi apontada como
um problema relevante, ao contrário da questão da distância excessiva
entre a central de cogeração e a rede de transmissão, que foi considerada
relevante apenas pelas usinas sul-mato-grossenses.
Conforme discutido, esse obstáculo está relacionado com o fato de a
rede de distribuição ter sido projetada apenas para atendimento da demanda de consumidores, e não para coletar a geração de energia, o que torna
necessário, para a conexão de unidades cogeradoras, investimentos para
o dimensionamento econômico de menor custo global para o sistema. Segundo a Cogen, a depender da necessidade de adequação, o investimento
para dimensionamento da capacidade de transportes e para elevação da
tensão pode chegar a R$ 40 milhões, o que pode equivaler a quase 20%
do valor do investimento na cogeração propriamente dita.20
Esse investimento para a coleta da energia cogerada, contudo, pode
servir a mais de uma usina sucroenergética, desde que as unidades de
produção estejam geograficamente próximas, resultando em estações
coletoras compartilhadas. Assim, caso o número de usinas com acesso
à estação coletora seja suficientemente significativo, o investimento na
subestação seria racionalizado e viabilizado economicamente, e poderia
ser realizado por um agente do sistema elétrico. Nesse cenário, restaria
Por meio do Convênio Confaz/ICMS 124, de 29 de julho de 2010, ficaram prorrogadas até 31 de
dezembro de 2013 as disposições contidas no Convênio ICMS 101/97, de 12 de dezembro de 1997, que
concede isenção do ICMS nas operações com equipamentos e componentes para o aproveitamento
das energias solar e eólica.
20
Considerando o caso de custo médio de investimento no sistema de cogeração de cerca de R$ 2.300
por KW instalado, analisado em Castro, Brandão e Dantas (2010c), para uma capacidade instalada
de 86.000 KW.
19
Desse modo, ficam claras a importância e a oportunidade de ampliar o
fomento à oferta de bioeletricidade, a exemplo do estudo de planejamento
conduzido para ampliar a oferta de bioeletricidade das usinas existentes
no estado de São Paulo.
Conclusões
Seja do ponto de vista do setor sucroenergético, seja do ponto de vista
do sistema elétrico brasileiro, as vantagens da bioeletricidade canavieira
são mais do que suficientes para justificar sua plena inserção na matriz
energética do país. Entretanto, é fato amplamente conhecido que a exploração dessa fonte energética ainda está muito aquém do seu potencial.
Foi justamente sobre essa constatação que se debruçou o presente artigo.
A fim de identificar e analisar os principais entraves, pela ótica dos
empresários, à realização de investimentos em bioeletricidade à base da
cana, este trabalho fez uso de um questionário enviado a todas as usinas
e destilarias do país, o qual foi respondido por quase 50% da população
da pesquisa. Em termos de cana efetivamente processada, a amostra representa aproximadamente 65% do total da safra 2009-2010.
As respostas do questionário possibilitaram identificar e quantificar
obstáculos ao investimento em cogeração percebidos como mais relevantes pelas usinas. Tal diagnóstico foi feito por meio de dois recortes
analíticos principais: o primeiro, por faixa de moagem; e o segundo, por
estados selecionados. Com base neles, foi possível confirmar e, sobretudo, desmistificar algumas suspeitas sobre os principais obstáculos ao
investimento em cogeração.
Como era esperado, a maior parte das usinas que ainda não exporta
energia apontou o custo dos investimentos em modernização (retrofit) da
planta e as condições de financiamento ao investimento como os maiores
obstáculos aos investimentos em cogeração. Entre os entraves financeiros,
chamou atenção a grande importância que o setor sucroenergético atribuiu
à ausência da modalidade de project finance como meio para estruturar
os financiamentos de seus projetos.
467
Bioenergia
às usinas sucroenergéticas apenas o investimento residual na conexão à
subestação coletora, o que racionalizaria e reduziria significativamente
os custos de acesso e conexão para exportar a bioeletricidade cogerada.
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
468
No entanto, outros fatores se destacaram. Contrariando o senso comum,
as usinas atribuíram baixa ou nenhuma relevância à (in)experiência dos
agentes do setor sucroenergético na comercialização de energia elétrica e à
suposta baixa remuneração do setor elétrico. Entre outros fatores avaliados
como de baixa relevância, também aparece, de modo surpreendente, a
distância de conexão entre a usina e o sistema de transmissão. Esse fator
só obteve grande destaque para o estado do Mato Grosso do Sul, onde
essa distância média chega a mais de 44 km para as unidades que ainda
não exportam energia.
O problema da conexão, contudo, não deixou de ser apontado como
relevante, mas por outra razão. Foi atribuída alta relevância ao custo
excessivo do investimento para elevar a tensão necessária para conexão
ao sistema de transmissão, que recebeu maior importância pelas unidades
paulistas e paranaenses. Isso ocorre porque a cogeração de bioeletricidade é uma fonte de geração distribuída inserida em um sistema elétrico
centralizado, baseado em grandes fontes de geração e com longas linhas
de transmissão de alta tensão, mas com uma estrutura de distribuição
dotada de redes dimensionadas apenas para o atendimento de cargas de
consumidores de energia e, consequentemente, em média e baixa tensão.
Por fim, outros dois pontos apontados com alto grau de relevância chamaram a atenção. Primeiro, a questão tributária, especialmente importante
para os estados de São Paulo e Paraná, que representaram juntos mais de
60% da cana efetivamente processada nas últimas safras. Segundo, o fato
de as unidades com capacidade de moagem superior a três Mtcs, apesar
das economias de escala, terem considerado excessivo o custo dos investimentos em cogeração. Ambos acontecem principalmente quando não há
como realizar o investimento na expansão da cogeração juntamente com
a ampliação da moagem de cana, situação que implica menor atratividade
econômica para a cogeração.
Esses fatores apontados como os principais entraves à realização de
investimentos em cogeração não impediram que o BNDES exercesse papel
fundamental nos financiamentos realizados até hoje. Quanto à atuação do
Banco diante desse diagnóstico, é possível afirmar que, além de continuar
a ofertar linhas com condições financeiras favoráveis, o BNDES buscará
aperfeiçoar o uso do project finance, para adequá-lo às especificidades do
setor sucroenergético e, com isso, contribuir para que o potencial elétrico
da biomassa de cana seja crescentemente mais bem aproveitado.
469
Anexo 1
Notas explicativas e exemplos
para preenchimento
Pesquisa sobre cogeração nas usinas
1
Nome do grupo:
Grupo Santa Maria
2
Razão social da usina:
Santa Maria do Tiruaçu S.A. Unidade Pirapora
3
Nome fantasia da usina:
Usina Pirapora
4
CNPJ:
99.999.999/0009-99
Ariranha
5
Cidade:
6
Estado (sigla):
SP
7
Nome do respondente:
Alex dos Santos
8
Cargo
Diretor superintendente
9
Telefone (com DDD):
(16) 9999-9999
10
E-mail:
[email protected]
11
11.1
Qual foi a capacidade instalada de moagem na usina
(em ton/safra)?
Resposta:
11.2
12
12.1
Na safra 2009-2010
Qual foi o volume de cana processada (em ton/safra)?
Resposta:
12.2
13
13.1
14.1
Na safra 2008-2009
Na safra 2009-2010
Nos próximos 3 anos, há planos para a ampliação?
Resposta:
13.2
14
Na safra 2008-2009
.
Qual é o atual percentual da colheita mecanizada?
Resposta:
Na safra 2008-2009
Na safra 2009-2010
14.3
Na safra 2010-2011
15.1
15.2
Se a usina processou um milhão
e 800 mil toneladas de cana
na safra 2009-2010, então
preencher: 1.800.000
Ver notas relativas às questões
11 e 12
De cana efetivamente processada:
14.2
15
Se a capacidade da usina foi de
dois milhões de toneladas de
cana na safra 2009-2010, então
preencher: 2.000.000
Qual foi o percentual de cana própria e de terceiros
na safra 2009-2010?
Resposta:
Cana própria
Caso metade de toda a cana
processada pela usina, seja
própria ou de terceiros, tenha
sido colhida por colheitadeiras,
então preencher: 50%.
Para safra 2010-2011
indicar previsão.
Se a usina tem 25% de cana
própria, então preencher no
campo “Cana Própria”: 25%
Cana de terceiros
Continua
Bioenergia
Questionário da pesquisa de campo sobre cogeração nas usinas
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
470
Continuação
16
16.1
Qual foi a destinação dada à palha (em percentual)
na safra 2009-2010:
Resposta:
Queima
16.2
Cobertura
de solo
16.3
Usa em
caldeiras
17
17.1
Qual foi o mix de produção (em percentual)
da safra 2009-2010?
Resposta:
17.2
18
Cobertura
de solo
Açúcar
Etanol
Se ainda não utiliza palha para a cogeração, aponte o principal
obstáculo por meio das letras A, B ou C
(ver instrução na coluna de notas explicativas).
Se a usina queima 25% da
palha, então preencher no
campo "queima": 25%. Se não
usa a palha nas caldeiras, então
preencher 0%
Se a produção da Usina for 60%
de açúcar, então preencher
no campo "Açúcar": 60%; e
no campo "Etanol": 40%
A)
Não conhece ou não está
disponível tecnologia
para aproveitamento
da palha. Preencha: A
B)
Conhece a tecnologia
disponível para aproveitar
a palha, mas não acha
economicamente
interessante. Preencha: B
C)
Conhece a tecnologia,
mas acha o investimento
muito elevado.
Preencha: C
Resposta:
19
Há perspectiva de utilizar a palha para cogeração nos próximos
5 anos? Sim ou Não?
Se sim, responder: sim
Se não, responder: não
Resposta:
20
Atualmente a usina faz cogeração de energia, exportando os
excedentes? Se não, responda as questões de 21 a 27. Se sim,
responda as questões de 28 a 43
Se sim, responder: sim
Se não, responder: não
Resposta:
Continua
471
Continuação
Se e usina ainda não realiza cogeração, então responda as questões a seguir
Detalhamento do sistema de potência da usina (safra 2009-2010)
21
Itens
Quantidade
Ano de
instalação
Capacidade
Observações
21.1
Turbinas de vapor
Em t/h
21.2
Caldeiras de 21 bar
Em t/h
21.3
Caldeira de alta
pressão
Em t/h
21.4
Outras caldeiras
(especificar nas
observações)
Em t/h
21.5
Gerador - uso próprio
Em MW
21.6
Transformador
Em MVA
22
Qual a distância de conexão ao sistema de transmissão
(em km)?
Resposta:
23
Qual é a tensão de conexão ao sistema de transmissão (em kV)?
Resposta:
24
Qual foi o custo total da manutenção e operação do sistema
de vapor da usina na safra 2009/10 (em R$/safra)?
Resposta:
25
Quantidade
= número de
equipamentos
instalados
na usina
Ano de instalação =
formato “aaaa”
Se a usina se encontra a vinte
quilômetros de distância do
sistema de transmissão, então
preencher: 20
Se a tensão de conexão ao
sistema de transmissão for de
300 kV, então preencher: 300
Se esse custo for de duzentos e
cinquenta e sete mil reais, então
preencher: 257.000
Por que a usina ainda não faz cogeração e não exporta os excedentes?
Abaixo, atribua numeração de 0 a 3, segundo a relevância do fator
(ver instruções na coluna de notas explicativas).
0 - Sem relevância
1 - Baixa relevância
2 - Média relevância
Resposta:
25.1
Prioridade em garantir
o autossuprimento
25.2
A remuneração do setor elétrico (preço do MWh) não
é atraente
25.3
O grupo não tem experiência em comercializar energia
3 - Alta relevância
Continua
Bioenergia
Notas explicativas
e exemplos para
preenchimento
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
472
Continuação
25.4
Elevada complexidade do modelo de comercialização
de energia / desconhecimento
do mercado
25.5
"Falta de capacidade financeira do grupo para
realização do investimento no
momento"
25.6
Juros dos financiamentos disponíveis são
muito elevados
25.7
Prazos dos financiamentos disponíveis são
muito curtos
25.8
Baixa oferta de financiamentos do tipo
"project finance"
25.9
Custo do investimento em modernização da
planta é excessivo
25.10
"O investimento em cogeração só será feito por
ocasião de uma futura expansão da capacidade
de moagem da usina"
25.11
Carga elevada de tributos e encargos setoriais sobre
o investimento e sobre a operação
25.12
O sistema de cogeração atual da usina ainda está
distante do final de sua vida útil
25.13
Complexidade e demora na obtenção do
licenciamento ambiental
25.14
Distância excessiva para a conexão da usina
ao sistema de transmissão
25.15
Custo excessivo do investimento para elevação de
tensão necessária para conexão ao sistema
de transmissão
26
Se sim, responder: sim
Se não, responder: não
A empresa tem intenção de investir em sistema de cogeração
de energia elétrica: sim ou não?
Resposta:
Notas explicativas
e exemplos para
preenchimento
Se e usina realiza cogeração, então responda as questões a seguir
Detalhamento do sistema atual de potência da Usina (safra 2009-2010)
28
28.1
Itens
Transformadores
Quantidade
Ano de
instalação
Capacidade
Observações
Em MVA
Quantidade
= número de
equipamentos
instalados
na usina
Ano de instalação =
formato “aaaa”
Continua
473
Continuação
Caldeiras abaixo
de 40 bar
Em t/h
28.3
Caldeiras entre
40 e 60 bar
Em t/h
28.4
Caldeiras entre
60 e 90 bar
Em t/h
28.5
Caldeiras acima
de 90 bar
Em t/h
28.6
Turbogeradores
contrapressão
Em MW
29
Qual foi o consumo de vapor de processo da usina
(em t/h) na safra 2009-2010?
Resposta:
30
Qual foi a potência exportável (em t/h) da usina
na safra 2009-2010?
Resposta:
31
Qual foi o consumo de energia elétrica na safra 2009-2010
(em MWh/ton)?
Resposta:
32
Se a empresa compra energia da distribuidora local para
atendimento da parte industrial e administrativa fora do
período de safra, qual é a quantidade comprada (em MWh)?
Bioenergia
28.2
Se o consumo da usina foi de
15 toneladas por hora, então
preencher: 15
Se a potência exportável da
usina foi de 15 toneladas por
hora, então preencher: 15
Se a usina consumiu vinte MWh
por tonelada de cana processada,
então preencher: 20
Se a usina comprou vinte MWh
no período de entressafra, então
preencher: 20
Resposta:
33
Qual a distância de conexão ao sistema de transmissão
(em km)?
Resposta:
34
Qual é a tensão de conexão ao sistema de transmissão (em kV)?
Resposta:
Se a usina se encontra a vinte
quilômetros de distância do
sistema de transmissão, então
preencher: 20
Se a tensão de conexão ao
sistema de transmissão for de
300 kV, então preencher: 300
Continua
474
Continuação
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
35
Se a usina investiu cinquenta
e oito milhões e trezendo
mil reais, então preencher:
58.300.000
Qual foi o montante dos investimentos realizados no sistema
atual de cogeração de energia (em R$)?
Resposta:
36
Qual é o custo anual da manutenção e operação do sistema de
cogeração da usina (em R$)?
Resposta:
37
Qual é a capacidade máxima da conexão com a rede
de distribuição, subestação e linha (MW)
Se esse custo for de novecentos
e setente e três mil reais, então
preencher: 973.000
Se a capacidade máxima for de
50 MW, então preencher: 50
Resposta:
38
Qual é a atual capacidade instalada total de geração de
eletricidade da usina (em MW)?
Se essa capacidade for de 41
MWh, então preencher: 41
Resposta:
39
39.1
Por quantos meses há exportação de excedentes de energia?
Resposta:
39.2
40
40.1
Na safra
Na entressafra
Por quantos meses há exportação de excedentes de energia?
Resposta:
40.2
Gerada
Na safra
Comercializada
Na
entressafra
40.3
Na safra
40.4
Na
entressafra
41
41.1
41.2
Em qual ambiente é comercializada atualmente a energia elétrica
(em percentual):
Resposta:
Regulado
Livre
Se a usina exporta
excedentes durante
7 meses da safra,
então preencher no
campo “Na safra”:
7; e no campo
“Na entressafra”: 5
Se a usina
comercializa
150.000 MWh,
preencha: 150.000.
Se gera 200.000
MWh, preencha:
200.000.
Se a Usina
comercializa 25%
de sua energia no
mercado livre,
então preencher
no campo "Livre":
25%; e no campo
"Regulado" 75%
Continua
475
Continuação
Qual é o atual preço médio da venda da energia elétrica praticado pela
concessionária local (R$/MWh)?
Resposta:
43
A oferta de condições favorecidas de financiamento levaria à implantação
de tecnologias mais eficientes para aumentar a oferta de excedentes de
energia elétrica? Sim ou Não?
Resposta:
Se esse preço for de
115 reais por MWh,
então preencher: 115
Se sim, responder:
sim
Se não, responder:
não
Bioenergia
42
476
Referências
Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor sucroenergético
CASTRO, Nivalde José; BRANDÃO, Roberto; DANTAS, Guilherme de A.
Considerações sobre a ampliação da geração complementar ao parque
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UFRJ, 2010a.
––––––. O risco financeiro de um período seco prolongado para o setor
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UFRJ, 2010b.
––––––. O potencial da bioeletricidade, a dinâmica do setor sucroenergético e o custo estimado dos investimentos. Texto de Discussão n. 24.
Rio de Janeiro: Gesel/IE/UFRJ, 2010c.
CHIPP, Hermes. Procedimentos operativos para assegurar o suprimento
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D’ARAÚJO, Roberto Pereira. Setor elétrico brasileiro: uma aventura mercantil. Brasília: Confea/Crea, 2009.
EPE – EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Resultados preliminares – BEN
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––––––. Projeção da demanda de energia elétrica no Sistema Interligado
Nacional para o Plano Anual da Operação Energética (PEN 2010). Séries
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Internacional de Energia Elétrica, Gesel/UFRJ, Rio de Janeiro, 2008.
MELO, Élbia. Comercialização de energia elétrica no Brasil. In: Seminário
Mercados de Eletricidade e Gás Natural, Investimento, Risco e Regulação,
Porto, 2010.
ONS – OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA. Plano anual da operação energética – PEN 2010. V. I. Relatório Executivo. Rio de Janeiro, jul. 2010.
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