PARECER Nº 30/PP/2014-P
CONCLUSÕES
1 - A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz
respeito, encontra-se regulada no artigo 94º do EOA.
2 - A referida norma funda-se em razões de preservação dos valores da lealdade,
isenção, independência, confiança e mesmo decoro, fundamentais no exercício da
advocacia,
tendo
ainda
como
fundamento
o
risco
de
quebra
do
segredo
profissional.
3 - O legislador concretizou algumas situações em que o dever de recusa do
patrocínio é imposto, porque, objectivamente, tais situações se apresentam como
potenciadoras desse conflito, todavia, situações há em que se impõe uma análise
casuística para se aferir se em concreto tal conflitualidade se verifica.
4 - O Advogado que, em momento anterior à instauração de processo de
inventário, representou três irmãos em assunto relativo a um prédio propriedade
dum falecido irmão e, posteriormente, um desses três irmãos tenha revogado a
procuração que lhe havia outorgado, não está impedido de aceitar mandato para
representar os outros dois irmãos em processo de inventário a instaurar, por
eventual conflito de interesses.
5 – Na eventualidade do referido imóvel integrar os bens a partilhar no processo
de inventário, então verificar-se-á uma situação de conflito de interesses em face
do disposto no citado artigo 94º do EOA e o mesmo aplica-se a qualquer dos
outros Colegas do Sr. Dr. (…) que integram a Sociedade de Advogados (…), mercê
do estatuído no nº 6 do art. 94º do EOA.
I
No processo de Inventário que corre termos pelo (…)º Juízo Cível do Tribunal Judicial (…),
sob nº (…), os interessados (…)e esposa (…), apresentaram requerimento subscrito pelo Sr.
Dr. (…), Advogado, no qual suscitaram a seguinte questão prévia:
Os herdeiros (…) e (…), têm no presente processo de inventário como mandatário comum o
Exmo. Sr. Dr. (…).
O requerente, (…), após o falecimento do inventariado, para tratar dos assuntos
relacionados com um imóvel, sito no Brasil, do seu falecido irmão, constituiu seu
mandatário, conjuntamente com os seus irmãos acima mencionados, o referido Exmo. Sr.
Dr. (…) e procedeu ao pagamento da quantia por ele peticionada a título de provisão.
Mais tarde, em Julho de 2013, retirou-lhe todos os poderes conferidos pela referida
procuração, revogando-a, solicitando a sua devolução e a apresentação de contas pelo
serviço prestado, o que, até à presente data, ainda não sucedeu, ou seja, nem a procuração
foi devolvida, nem foram prestadas contas.
Face ao exposto, os requerentes solicitaram que fosse mandado oficiar a Ordem dos
Advogados, no sentido de se pronunciar se existe, ou não, um conflito de interesses, nos
termos do disposto no artigo 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, do Exmo. Sr. Dr.
(…) e, já agora, de qualquer outro dos colegas que integra a Sociedade de Advogados (…),
no patrocínio dos herdeiros (…) e (…).
Face à aludida questão prévia, o Senhor Juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
“Compulsados os presentes autos, constata-se que, até agora, não foi tomado em
consideração o requerido a fls. 44 verso, o que se afigura, desde já, de primordial
importância no prosseguimento dos presentes autos. Assim sendo, oficie-se junto do C. D.
O. DOS ADVOGADOS DO PORTO, em conformidade com o doutamente requerido.”
II
Este Conselho Distrital tem competência para emitir parecer, nos termos do disposto no
artigo 50.º, nº 1, al. f) do E.O.A.
III
A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz respeito,
encontra-se regulada no artigo 94º do EOA.
A referida norma funda-se em razões de preservação dos valores da lealdade, isenção,
independência, confiança e mesmo decoro, fundamentais no exercício da advocacia, tendo
ainda como fundamento o risco de quebra do segredo profissional.
Na maioria das situações a questão de saber se existe ou não conflito de interesses
pressupõe uma análise casuística. Contudo, o legislador concretizou algumas situações em
que o dever de recusa do patrocínio é imposto, não porque em concreto e no imediato se
verifique o conflito de interesses, mas porque, objectivamente, tais situações se
apresentam como potenciadoras desse conflito. Estão nesse caso as normas contidas nos
nºs 1 e 2 do artº 94º do EOA.
Do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 94º do EOA decorre que o advogado deve recusar o
patrocínio:
a) de uma questão em que já tenha tido intervenção anterior em qualquer outra
qualidade;
b) de uma questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte
contrária;
c)
ou duma questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
Resulta ainda do nº 4 do citado artigo 94º do EOA que se um conflito de interesses surgir
entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional
ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos
os clientes, no âmbito desse conflito.
Ora, é à luz destes normativos, designadamente do constante do nº 4 do artº. 94º do EOA,
que deve ser encontrada a solução para o caso em apreço.
Numa análise superficial à questão colocada, parece que a mesma se subsumirá à previsão
do disposto no nº 4 do citado artigo.
Todavia, parece-nos que assim não sucede.
Vejamos: de acordo com o que foi transmitido a este Conselho Distrital do Porto da O.A., o
Sr. Dr. (…) foi procurado por três irmãos para tratar de assuntos relacionados com um
imóvel sito no Brasil, imóvel esse pertencente a um falecido irmão. Para o efeito o Sr. (…)
outorgou-lhe procuração tendo, mais tarde, revogado a referida procuração.
Posteriormente, os outros dois irmãos, (…) e (…), solicitaram os serviços do Sr. Dr. (…) para
que o mesmo os representasse em processo de inventário a instaurar.
Coloca-se então a questão de saber se o Sr. Dr. (…), à luz dos normativos supra citados,
devia recusar tal patrocínio.
Embora, na verdade, o Sr. Dr. (…), em momento anterior à instauração do mencionado
processo de inventário, tivesse representado os três irmãos em assunto relativo a um
prédio propriedade do inventariado e, posteriormente, um desses três irmãos tenha
revogado a procuração que lhe havia outorgado, o certo é que não se vislumbra em que
medida é que tal actuação poderá gerar a existência dum conflito de interesses apto a fazer
nascer o dever de recusa de patrocínio por parte do Sr. Advogado em questão,
relativamente aos outros dois irmãos.
Opinião contrária teríamos no caso de tal conflito surgir já no âmbito do referido processo
de inventário, caso em que o Sr. Advogado deveria dar cumprimento ao estatuído na parte
final do nº 4 do artigo 94º do EOA.
No caso em apreço não se vislumbra em que medida o Sr. Dr. (…), aceitando o patrocínio
dos clientes em questão, coloca em causa os valores da lealdade, isenção, independência e
confiança que se pretendem salvaguardar com o estatuído no art. 94º do EOA, bem como
não parece, em face do que foi trazido ao conhecimento deste CDP, que algum risco resulte
para a salvaguarda segredo profissional.
Na análise das situações das quais possa resultar conflito de interesses, uma interpretação
da referida norma (artº 94º) reduzida ao seu elemento gramatical (o que nunca deve ser
feito na interpretação legislativa) pode levar a conclusões que, além de injustas e nefastas,
afastam as soluções encontradas do que efectivamente o legislador pretendeu salvaguardar.
Na verdade, se se entendesse que em situações como a do caso em apreço haveria conflito
de interesses, estava encontrada a forma para que um cidadão conseguisse evitar que o
seu contendor, num conflito futuro, pudesse recorrer ao Advogado no qual confia, o que
necessariamente não foi a pretensão do legislador.
Cumpre ainda esclarecer que no pedido do presente parecer não é referido se o imóvel sito
no Brasil integra os bens a partilhar no inventário referido.
Na eventualidade de tal suceder, então, aí sim, verificar-se-á uma situação de conflito de
interesses em face do disposto no citado artigo 94º do EOA.
Se for este o caso, o mencionado conflito de interesses aplica-se a qualquer dos outros
Colegas do Sr. Dr. (…) que integram a Sociedade de Advogados (…), mercê do estatuído no
nº 6 do art. 94º do EOA.
IV
CONCLUSÕES
1 - A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz
respeito, encontra-se regulada no artigo 94º do EOA.
2 - A referida norma funda-se em razões de preservação dos valores da lealdade,
isenção, independência, confiança e mesmo decoro, fundamentais no exercício da
advocacia,
tendo
ainda
como
fundamento
o
risco
de
quebra
do
segredo
profissional.
3 - O legislador concretizou algumas situações em que o dever de recusa do
patrocínio é imposto, porque, objectivamente, tais situações se apresentam como
potenciadoras desse conflito, todavia, situações há em que se impõe uma análise
casuística para se aferir se em concreto tal conflitualidade se verifica.
4 - O Advogado que, em momento anterior à instauração de processo de
inventário, representou três irmãos em assunto relativo a um prédio propriedade
dum falecido irmão e, posteriormente, um desses três irmãos tenha revogado a
procuração que lhe havia outorgado, não está impedido de aceitar mandato para
representar os outros dois irmãos em processo de inventário a instaurar, por
eventual conflito de interesses.
5 – Na eventualidade do referido imóvel integrar os bens a partilhar no processo
de inventário, então verificar-se-á uma situação de conflito de interesses em face
do disposto no citado artigo 94º do EOA e o mesmo aplica-se a qualquer dos
outros Colegas do Sr. Dr. (…) que integram a Sociedade de Advogados (…), mercê
do estatuído no nº 6 do art. 94º do EOA.
Este é, s.m.o, o meu parecer.
À sessão
Vila Nova de Famalicão, 01 de Junho de 2014
O Relator,
Pedro Machado Ruivo
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