MÉTODO PARA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE FORNECEDORES
POR PARTE DE EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO
Eduardo Luis Isatto (1); Carlos Torres Formoso (2)
(1) Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (NORIE) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – e-mail: [email protected]
(2) Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (NORIE) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – e-mail: [email protected]
RESUMO
Relações de características estáveis e baseadas na confiança mútua tem se mostrado cada vez mais
presentes nas estratégias desenvolvidas pelas empresas construtoras em relação aos seus fornecedores.
A sua presença, no entanto, demanda o estabelecimento de compromissos de longo prazo entre os
atores, não raramente envolvendo compromissos que transcendem o horizonte de tempo considerado
no processo de planejamento estratégico. Neste sentido, faz-se necessário o estabelecimento de uma
política de fornecedores que seja capaz de promover e garantir bases para a continuidade de tais
relações. O presente estudo tem como objetivo estabelecer um método de formulação da política de
fornecedores em empresas construtoras de forma integrada às estratégicas corporativas pretendidas
pela empresa. A estratégia de pesquisa adotada foi a pesquisa-ação realizada junto a uma empresa
construtora de Porto Alegre, partindo-se de uma visão inicial da necessidade identificada pela empresa
e da revisão bibliográfica para se propor uma versão preliminar da política, a qual foi então
apresentada às pessoas diretamente envolvidas com os processos relacionados com fornecedores na
empresa. A versão preliminar foi então refinada através de uma série de entrevistas individuais com
tais pessoas, sendo também conduzido um diagnóstico do sistema de informações com vistas a
identificar eventuais mudanças necessárias para suportar a implementação da política. Como
principais contribuições da pesquisa figuram o modelo teórico empregado para construir a política de
fornecedores, e o método utilizado na sua formulação e na preparação de implementação, os quais
representam um avanço quanto aos meios atualmente existentes para apoiar as empresas construtoras
no estabelecimento de relações de longo prazo com seus fornecedores.
Palavras-chave: fornecedores, cadeia de valor, planejamento estratégico, comprometimento
ABSTRACT
There is an increasing interest by construction companies for adopting stable trust based relationships
with their suppliers. However, this choice usually involves the establishment of long term
commitments between the companies thus demanding their explicit consideration during the process
of corporate strategic planning. To achieve that, a supply policy must be set up as a permanent element
of the strategic process to support stable and long term relationships with core suppliers. This study
proposes a method for the formulation of the supply policy in addition to the intended corporate
strategies already formulated by a construction company. The action research was the research
strategy adopted in the study which was conducted in one construction company of Porto Alegre. An
draft of the supply policy build on the demands of the company was used by the researcher as the
starting point for the formulation process, which were essentially conducted through interviews with
key people in the company as well as an analysis of the existent information infrastructure. As a result,
a theoretical model and a method for supply policy formulation are presented..
Keywords: suppliers, value chain, strategic planning, commitment
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1. Introdução
Uma importante mudança no que se refere às relações empresa-fornecedor vem ocorrendo nas últimas
décadas. Ela diz respeito à adoção por parte das empresas de práticas de relações estáveis e de longo
prazo com os seus fornecedores, fruto de uma nova forma de competição, a qual se dá também entre as
cadeias de suprimentos e não somente entre as empresas (SLACK, 1993; BETCHEL & JAYARAM,
1997; LAMBERT & COOPER, 2000).
Esta mudança, no entanto, não ocorre sem dificuldades. Primeiro, porque esta nova postura traz
consigo um aumento na dependência da empresa frente aos seus fornecedores individualmente
considerados. O estabelecimento de compromissos passa a ser um dos principais argumentos na busca
pela cooperação dos mesmos, com conseqüências evidentemente restritivas quanto à liberdade de ação
da empresa.
Segundo, porque neste novo cenário fatores subjetivos tais como confiança, competência e
colaboração passam a assumir papel cada vez mais relevante na avaliação por parte das empresas das
suas relações com outras empresas fornecedoras ou clientes. Para que tal avaliação seja possível, a
empresa deve ter uma noção clara dos benefícios que deseja receber de seus parceiros comerciais, e do
tipo de recompensa que está disposta a dar em troca da cooperação dos mesmos.
Em ambos, a natureza estratégica que envolve a decisão por este tipo de mudança implica na
necessidade de se inseri-la em um contexto mais amplo e de longo prazo, geralmente representado por
um planejamento estratégico de características formais. De fato, a importância de se levar em conta as
relações com fornecedores durante o processo de planejamento estratégico é reconhecida por diversos
autores. Pagnoncelli e Vasconcellos Filho (1992) chamam a atenção para a consideração deste aspecto
durante o planejamento estratégico empresarial. Já no que se refere ao processo de planejamento
estratégico da produção, tanto Slack (1993) como Fine e Hax (1985) recomendam que se inclua as
relações com fornecedores e a integração vertical dentre as categorias de decisão a serem considerada
durante o processo. Platts and Gregory (1992) incluem explicitamente os fornecedores como parte no
processo de auditoria que deve preceder a formulação da estratégia de produção de uma empresa.
Considerando de forma explicita o mercado industrial sob a perspectiva do fornecedor, Fenterseifer
(1995) salienta a confiabilidade como fornecedor como uma das cinco dimensões competitivas ao
nível das estratégia empresarial.
No entanto, no seus aspecto geral a literatura sobre o tema se limita a tratar das formas de como inserir
o tema ou os fornecedores no processo de planejamento, sendo que via de regra é assumido que os
fornecedores estarão dispostos a cooperar com as estratégias planejadas. Raramente é abordada a
questão de como utilizar o planejamento estratégico como um instrumento para obter e manter a
cooperação por parte dos mesmos, de forma a alinhá-los às estratégias planejadas. Desta forma, o
presente estudo buscou estabelecer um método de formulação da política de fornecedores em
empresas construtoras de forma integrada ao planejamento estratégico empresarial existente
2. O papel estratégico da política de fornecedores
Segundo Barros Neto (1999), estratégias podem ser vistas tanto como padrões do passado, refletindo
o comportamento adotado pela empresa, quanto planos para o futuro, resultado de um processo formal
de planejamento, através do qual a empresa busca atingir determinados objetivos.
Porém, esta capacidade da empresa influenciar seu futuro tem limitações. Uma estratégia pretendida
(na forma de um plano) nem sempre se concretiza integralmente, já que a empresa raramente pode
antecipar ou influenciar todos o fatores internos e externos que afetam o sucesso desse plano. Neste
sentido, Mintzberg e Waters (1985) estabelece uma diferenciação entre dois dois tipos básico de
estratégia: as estratégias deliberadas e as estratégias emergentes. As estratégias deliberadas são aquela
parcela que se concretiza integralmente nas estratégias efetivamente realizadas, e que se apóiam
exclusivamente na tomada de decisão racional. As estratégias emergentes, ao contrário, correspondem
aquela parcela da estratégia realizada que se caracteriza por uma completa ausência de intenção, e que
ocorrem como um reflexo das ações passadas e marcada pelo uso da intuição no processo decisório
(BARROS NETO, 1999).
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Na prática, tais tipos de estratégias representam pontos extremos de um continuum ao longo do qual se
situam as estratégias efetivamente realizadas, na medida em que toda estratégia é composta
simultaneamente por uma parcela de estratégia deliberada e uma outra emergente (MINTZBERG &
WATERS, 1985). Neste sentido, quanto mais dinâmicos e incertos os ambientes internos e externos,
mais difícil se torna a antecipação de fatos e a execução dos planos e, portanto, menor a parcela da
estratégia deliberada e maior a parcela de estratégia emergente que se manifestam na estratégia
efetivamente realizada. Isto, porém, não significa que empresas que atuam nesses ambientes não
possam influenciar o seu futuro.
Toda estratégia pode ser vista como um conjunto articulado de ações envolvendo um horizonte de
planejamento definido. Em tal conjunto, porém, sempre existe um padrão de comportamento, o qual é
tornado visível através das estratégias efetivamente realizadas pela empresa ao longo do tempo. Por
esta razão, qualquer seja a posição que uma estratégia ocupa no continuum deliberada-emergente, a
atuação sobre este padrão de comportamento significa, na prática, uma oportunidade concreta de se
influenciar de forma consistente as ações futuras da empresa e, como decorrência, atuar
favoravelmente sobre as expectativas de agentes internos e externos.
De fato, a definição deste núcleo central é geralmente considerada como uma parte essencial do
processo de planejamento estratégico empresarial. Pagnoncelli e Vasconcellos Filho (1992) sugerem
que este padrão seja composto por três elementos:
a) Definição do negócio da empresa: envolve identificar o benefício que a empresa proporciona
aos seus clientes;
b) Definição da missão: diz respeito aos compromissos que a empresa assume com relação aos
seus clientes, funcionários, fornecedores, acionistas e sociedade;
c) Definição dos princípios: visam estabelecer um padrão para a tomada de decisão em situações
não planejadas
Tais elementos afetam as relações empresa-fornecedor de duas formas importantes. A primeira diz
respeito a influência que exercem sobre a estabilidade da relação ao longo do tempo, no sentido de
proporcionar uma previsibilidade quanto às ações futuras. No campo das relações empresa-fornecedor,
as parcerias e relações estáveis de longo prazo exigem uma atenção redobrada na construção deste
núcleo central, já que em ambientes dinâmicos e incertos este padrão de comportamento não
raramente representa o único ponto de apoio a sustentar os compromissos estabelecidos entre
empresas.
A segunda influência ocorre no campo intra-organizacional. Freqüentemente as empresas que atuam
em ambientes dinâmicos respondem à incerteza através da descentralização gerencial e da delegação
de responsabilidades, sendo que na construção civil este tipo de organização se caracteriza por uma
acentuada independência dos gerentes locais dos empreendimentos (gerente de contrato ou engenheiro
de obra) nos processos de negociação, compra e avaliação de desempenho de fornecedores. A
dificuldade que este tipo de estrutura organizacional acarreta reside na possibilidade de que cada
gerente tenha um comportamento diferenciado com relação a um mesmo fornecedor, o que pode
favorecer a ocorrência de situações nas quais um fornecedor privilegia determinado gerente em
detrimento de outro. Neste contexto, a política de fornecedores pode contribuir de forma importante
para o estabelecimento de um padrão de tomada de decisão pelos diversos gerentes e
funcionários da empresa com relação aos fornecedores, reforçando assim a natureza corporativa da
relação empresa e o fornecedor, ao invés das relações de caráter pessoal envolvidas.
Uma vez estabelecidos a missão e os princípios na estratégia empresarial, torna-se necessário traduzilos nas decisões gerenciais relacionadas com os fornecedores que se apresentam no quotidiano da
empresa. Este é o principal papel a ser desempenhado pela política de fornecedores, buscando
estabelecer um padrão esperado de comportamento frente aos fornecedores, através de uma linguagem
única e estável na empresa com relação aos mesmos.
Em um contexto onde a cooperação dos fornecedores é aspecto fundamental para o sucesso da
empresa, a formulação da política de fornecedores não pode se limitar a explicitar o que a empresa
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deseja por parte dos mesmos, mas também os benefícios com os quais ela pretende acenar para obter a
sua cooperação, além de estabelecer mecanismos responsáveis por operacionalizar tais recompensas.
3. Método de pesquisa
Este estudo teve origem em uma demanda real de uma empresa construtora, a partir do problema por
ela identificado da ausência de instrumentos eficazes para estimular a cooperação de seus fornecedores
nas várias esferas do seu negócio nas quais se fazia necessário uma alinhamento estratégico empresafornecedor.
O presente estudo parte do pressuposto que o planejamento estratégico pode ser um instrumento eficaz
para a obtenção e manutenção da cooperação por parte dos fornecedores, como um veículo para
divulgar compromissos explícitos que a empresa está disposta a assumir frente aos seus fornecedores
atuais e futuros. Neste sentido, o objetivo geral do estudo consiste em propor um método para a
formulação da política de fornecedores por parte de empresas de construção, de forma a apoiar
estratégias de parceira contempladas no planejamento estratégico existente em tais empresas. Tal
objetivo geral se desdobra em dois objetivos específicos que envolvem a definição de um modelo
teórico compreendendo os principais elementos constituintes da política de fornecedores, e a
proposição de um processo genérico de formulação dessa política.
3.1. Descrição da empresa
A empresa Gamma é uma empresa de médio porte que atua no segmento de obras industriais,
comerciais e hospitalares. Tais obras são geralmente caracterizadas por prazos relativamente curtos de
execução (obras de 2 a 4 meses são um padrão normal para a empresa) e elevada complexidade. O
escopo geralmente envolve a produção e, em alguns casos, também o projeto. Mesmo naquelas
situações em que o projeto é fornecido pelo cliente, normalmente existe a necessidade de projeto ou
dimensionamento de algum dos sub-sistemas envolvidos. Tais características acarretam conseqüências
importantes quanto a forma como a empresa organiza internamente para desempenhar suas atividades.
A complexidade dos empreendimentos faz com que seja conferido um significativo grau de autonomia
aos engenheiros de produção dos diversos empreendimentos, os quais gozam de uma estrutura
gerencial e administrativa bastante independente do escritório central da empresa. Grande parte das
compras e negociação com os fornecedores ocorre diretamente entre a obra e o fornecedor, respeitados
limites estabelecidos pela direção geral da empresa. A uniformidade entre as obras é garantida por
uma elevada padronização nos processos gerenciais, através de uma gerência da qualidade.
A estrutura organizacional tem contornos nitidamente matriciais, na qual os três diretores da empresa
desempenham também o papel de gerentes de contratos. Os clientes são o fator preponderante para a
divisão dos contratos entre os diretores, sendo que cada um atua junto a determinado segmento da
carteira de clientes, buscando assim estreitar relações com os mesmos, facilitando o relacionamento
empresa-cliente na gestão dos contratos existentes e favorecendo a contratação de novas obras. A
busca por novas oportunidades de negócios é uma preocupação constante na empresa dada a
velocidade média de suas obras.
A velocidade das obras também exige uma elevada agilidade no sentido da mobilização de recursos,
tanto para a produção como também para o projeto, envolvendo tanto obras já contratadas como
também a preparação de orçamentos e propostas técnicas para obras em fase de licitação. Em ambos
os casos, a participação de fornecedores especialistas é parte essencial do processo.
3.2. Método empregado
O caráter exploratório da pesquisa, a sua forte ligação a um problema real e contemporâneo da
empresa cujos contornos ainda não estavam claramente definidos pelas direção, a participação ativa do
pesquisador junto à empresa na busca da solução para o problema, e a influência recíproca entre o
método de pesquisa e o seu objetivo (o método de formulação) foram fatores que levaram a se optar
pela pesquisa-ação como estratégia geral a ser adotada para a pesquisa.
O método desenvolvido (resumido na Figura 1) foi concebido a partir de uma primeira reunião com o
diretor da empresa responsável pela questão da implantação da política de fornecedores, que constava
no planejamento estratégico da empresa como uma das ações ligadas ao setor de suprimentos. Sua
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função foi permitir ao pesquisador obter uma primeira descrição do problema, mesmo que limitada à
percepção do diretor.
Planejamento estratégico empresarial
Revisão
bibliográfica
Formulação da
versão preliminar
Identificação
do problema
Planejamento
do método
Identificação
melhorias no SI
Refinamento da
versão preliminar
Política de
fornecedores
(versão implem.)
Seminário
de apresentação
do projeto
Identificação das
pessoas-chave
Reunião
Direção
Diagnóstico
do SI
Grupos de
Trabalho
Entrevistas
Pessoas-chave
Proposição inicial
Refinamento
Figura 1: Visão geral do método de pesquisa adotado
Após essa primeira reunião, foram realizadas três reuniões com grupos de trabalho de fins específicos.
As primeiras duas reuniões contando com a presença do diretor e do responsável pelo setor de
suprimentos, tiveram como o objetivo de definir as linhas gerais do método a ser empregado e a forma
de intervenção do pesquisador dentro da empresa.
Na última dessas reuniões surgiu a necessidade do envolvimento do gerente da qualidade no processo
de planejamento do método, para avaliar a viabilidade da integração da política ao sistema de padrões
da empresa, e identificar as pessoas que seriam diretamente afetadas dentro da empresa, sendo então
programada uma terceira reunião. Esta aconteceu uma semana após, e contou com a participação do
pesquisador, do responsável pelo setor de suprimentos e do gerente da qualidade. A partir dela foram
identificadas nove pessoas dentro da empresa que deveriam ser ouvidas quanto ao assunto das relações
empresa-fornecedor e estabelecidas as bases para integração da política nos procedimentos existentes
no sistema de qualidade da empresa.
Paralelamente foi realizada pelo pesquisador revisão bibliográfica, a partir da qual foi concebido o
modelo teórico a ser utilizado, descrevendo os principais elementos que deveriam constar da política
de fornecedores. De posse desse modelo, e com base na estratégia empresarial formulada, foi definida
uma primeira versão da mesma, a qual foi discutida com os membros do grupo de trabalho
(inicialmente com o responsável pelo setor de suprimentos e com o gerente da qualidade, e
posteriormente apresentada ao diretor com vistas a sua aprovação).
Uma vez aprovada a versão inicial da política de fornecedores, foi realizada a sua apresentação em
seminário interno da empresa, contando com a presença das as pessoas-chave anteriormente
identificadas. Na ocasião foi também foram apresentadas as linhas gerais do processo de refinamento e
de preparação para a sua implementação, que ocorreria a seguir.
O processo de refinamento e preparação da implementação consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com as pessoas-chave identificadas. Ao todo, foram entrevistadas nove pessoas: dois
diretores/gerentes de contratos, dois engenheiros de produção, um gerente de contratos, o gerente da
qualidade, dois engenheiros do setor de orçamentos e um funcionário do setor de contratos.
Uma das funções das entrevistas foi identificar de forma mais clara o problema, a sua conexão com o
planejamento estratégico da empresa e os seus desdobramentos com relação aos processos envolvendo
empresa-fornecedor, bem como realizar um primeiro diagnóstico do sistema de informação da
empresa sob a ótica do estabelecimento e manutenção de compromissos entre empresa e fornecedor.
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As entrevistas realizadas tinham como principais objetivos:
a) Identificar as formas como o sistema de informações apoiava a gestão de compromissos entre
o entrevistado e fornecedores da empresa.
b) Obter a percepção do entrevistado quanto aos problemas relativos aos fornecedores, de forma
a validar aqueles anteriormente identificados pela direção e pelo setor de suprimentos.
c) Colher impressões das diversas áreas da empresa quanto a proposta inicialmente apresentada
para a política de fornecedores, especialmente dizendo respeito a:
i.
pontos positivos e negativos observados com relação aos princípios (clareza, abrangência
e sintonia com a cultura da empresa) e diretrizes (abrangência e viabilidade de
implementação) propostos;
ii. sugestões quanto ao processo de implementação, com ênfase na seqüência de etapas a ser
adotada para implementação e condições prévias necessárias;
iii. sugestões quanto à operacionalização dos mecanismos propostos na área de
responsabilidade do entrevistado.
A partir dos resultados das entrevistas e do diagnóstico do SI, foi formulada uma proposta para a
seqüência de etapas para implementação da política de fornecedores, identificadas as necessidades de
adequação do SI e, por fim, definida a versão da política de fornecedores visando a sua
implementação. O resultado final, juntamente com uma proposta de ajuste do sistema de informações
da empresa (nos aspectos relativos aos processos empresa-fornecedor) foram apresentados à direção e
à empresa em um seminário interno.
Ao todo, o estudo demandou um prazo de cerca de 3 meses para a sua execução, grande parte em
função da necessidade de agendamento das diversas reuniões e entrevistas mencionadas.
4. Resultados
4.1. Proposta de modelo para a política de fornecedores
A modelo proposto para a política de fornecedores foi composto por quatro tipos de elementos,
representados na Figura 2.
Figura 2: Modelo geral empregado na formulação da política de fornecedores
1. Princípios: De forma análoga aos princípios que constam no planejamento estratégico
empresarial, os princípios da política de fornecedores consistem em orientações bastante
gerais. Eles não tratam de problemas ou situações concretas, mas visam especialmente
conduzir a tomada de decisão da empresa e dos fornecedores naquelas situações novas e não
previstas. Os princípios descrevem a atitude do que seria o fornecedor ideal na ótica da
empresa, de forma a pautar as ações dos seus fornecedores atuais e futuros.
2. Diretrizes: As diretrizes consistem regras de conduta, não tendo caráter obrigatório, mas de
orientação. Não segui-las é permitido, embora implique na existência de uma justificativa para
tanto.
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3. Procedimentos: São os processos gerenciais desenvolvidos pela empresa e influenciados pela
política de fornecedores.
4. Mecanismos: Não fazem parte da política de fornecedores propriamente dita, mas são
dispositivos que se fazem necessários para que as diretrizes sejam integradas aos
procedimentos existentes ou a serem criados. Os mecanismos tem o propósito de ligar as
diretrizes aos processos gerenciais da empresa, buscando garantir o atendimento de
compromissos assumidos pela empresa frente aos seus fornecedores. Visto sob uma ótica mais
ampla, os mecanismos são os responsáveis por preservar a imagem da empresa frente aos
fornecedores no que tange a política proposta.
4.2. Diagnóstico na empresa
4.2.1. Problemas identificados junto às pessoas-chave
Os seguinte problemas foram identificados durante as entrevistas com relação ao fornecedores da
empresa:
•
A necessidade da empresa reduzir seus custos em algumas ocasiões acarretava pressões
excessivas sobre os fornecedores
•
A empresa tentava ser transparente e coerente com seus fornecedores, mas muitas vezes não
conseguia devido a falhas na integração dentro da empresa
•
A capacidade de orçamento de alguns fornecedores estava praticamente esgotada devido ao
grande número de propostas
•
Os engenheiros das obras ocupavam uma parcela muito expressiva de seu tempo na
negociação com os fornecedores
•
Muitas compras necessitavam ser realizadas pelos engenheiros das obras devido à demora do
processo de compras através do setor de suprimentos
•
A exclusividade de fornecedores, embora desejável sob vários aspectos, freqüentemente
desencorajava a busca pelos mesmos de um melhor desempenho competitivo, e não raramente
acarretava atitudes oportunistas por parte de alguns fornecedores.
4.2.2. Análise do sistema de informação
A análise do sistema de informações e as entrevistas realizadas apontaram os seguintes problemas
quanto ao cumprimento de compromissos assumidos com os fornecedores:
•
As bases de dados de fornecedores utilizadas pelos setores de orçamentos, suprimentos e as
diversas obras eram diferentes e não havia uma consolidação regular entre as mesmas.
•
Fornecedores que havia fornecido propostas para a empresa ficavam sem nenhuma resposta
quanto à obra.
•
Solicitações de descadastramento de fornecedores pelo setor de engenharia eram muitas vezes
realizadas verbalmente, sem formalização posterior.
•
Falta de acompanhamento do escritório central quanto ao desempenho de fornecedores
contratados localmente pelas obras.
•
Mudanças de projeto dificultavam a integração entre o setor de orçamento e as obras,
principalmente devido a mudanças de especificações após a obra contratada.
O diagrama de interação entre a empresa e seus fornecedores que representa a situação observada na
empresa é apresentado na Figura 3. Nele as diversas transações que ocorrem nos processos associados
com o fornecimento estão representadas como círculos envoltos por losangos, e os atores envolvidos
como retângulos. A linha espessa cinza representa a linha de visibilidade do fornecedor, a fronteira
organizacional da empresa Gamma.
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O diagrama assinala a existência de quatro bases de dados distintas (EB1 a EB4) e que eram
alimentadas isoladamente por dados gerados fornecidos pelo setor de Orçamento, pelos Engenheiros
de Produção (obra) e pelo setor de Suprimentos, além daqueles dados resultantes das avaliações de
transações de fornecimento já ocorridas e que alimentam o sistema de avaliação de fornecedores ao
final das obras (EB4). Tais bases eram utilizadas de forma separada e em momentos distintos no
processo de licitação, contratação e realização do empreendimento, por parte dos atores Orçamento,
Gerente de Contrato, Engenheiro de Produção e Suprimentos a empresa e os fornecedores.
Fornecedor
A
T3
Orçamento
Gerente do
contrato
T1
EB2
Engenheiro
Produção
T5
EB3
EB4
Fornecedor
C
Cliente
T4
EB1
Fornecedor
B
T2
T7
T6
T1: Execurtar obra
T2: Elaborar proposta
T3: Fornecer proposta
T4: Executar obra
T5: Fornecer recurso
T6: Adquirir recurso
T7: Fornecer recurso
EB1: Cadastro fornecedores orçamento
EB2: Cadastro fornecedores engenheiro
EB3: Cadastro fornecedores suprimentos
EB4: Avaliação de fornecedores
Suprimentos
Figura 3: Diagrama de interação representando a situação existente quanto às transações empresafornecedor
No aspecto mais geral, o sistema representado no diagrama favorecia situações nas quais um
Fornecedor A que participasse da proposta da Gamma para um determinado Cliente não fosse
efetivamente chamado para realizar o serviço caso a empresa fosse efetivamente contratada. Em seu
lugar, muitas vezes por desconhecimento, Fornecedores B ou C poderiam ser chamados a oferecer
propostas, tanto a convite do engenheiro de produção como do setor de suprimentos. Em tais casos, o
Fornecedor A ficaria desencorajado a oferecer novas propostas para obras ainda não contratadas,
dificultando assim a participação da empresa Gamma em novas licitações.
4.3. Política de fornecedores
4.3.1. Princípios:
As reuniões com a direção da empresa e, posteriormente, as entrevistas permitira explicitar cinco
princípios:
1. [P.1] Reciprocidade: estabelecer compromisso público com os fornecedores no sentido de
recompensar sua cooperação
2. [P.2] Desenvolvimento mútuo: estimular o esforço dos fornecedores no sentido do seu
desenvolvimento
3. [P.3] Competitividade: frisar que a competitividade é condição fundamental para a
diferenciação do fornecedor junto à empresa
4. [P.4] Iniciativa: estimular as iniciativas por parte dos fornecedores no sentido de agregar valor
para o cliente final
5. [P.5] Ética e transparência: como princípios básicos para as relações de negócios das empresa
Dentre estes, o princípio [P.3] surgiu como conseqüência da preocupação expressa pelos engenheiros
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das obras durante as entrevistas de que os fornecedores prioritários pudessem confundir sua situação
privilegiada como um estímulo à prática de condições menos competitivas (como por exemplo preços
ou prazos de fornecimento piores que aqueles ofertados pela concorrência).
4.3.2. Diretrizes:
A empresa formulou nove diretrizes, as quais que tratam de situações (problemas) conhecidas e nas
quais a empresa entendia como importante a cooperação dos fornecedores para que fosse bem
sucedida em seu negócio:
a) [D.a] Indicação de novos negócios: Procura estimular o fornecedor a prospectar novas
possibilidades de negócios para a empresa
b) [D.b]Participação nas propostas: Procura estimular a participação do fornecedor em propostas
da empresa.
c) [D.c] Desenvolvimento do produto na fase de orçamento: Tem como objetivo estabelecer uma
prática de engenharia de valor ainda na fase de orçamento, obtendo a colaboração dos
fornecedores para propor ainda na proposta alternativas de projeto que permitam soluções
mais adequadas ou baratas para a obra.
d) [D.d] Desenvolvimento do produto na fase de execução: Busca obter a colaboração dos
fornecedores de sistemas e projetistas na participação de reuniões regulares de planejamento e
controle do processo de desenvolvimento do produto (PDP) durante a obra (quando ocorrer).
e) [D.e] Participação no processo de planejamento e controle da produção: Visa obter a
cooperação do fornecedor no processo de PCP dos empreendimentos.
f) [D.f] Participação no processo de planejamento e controle da segurança: Idem, no processo de
PCS.
g) [D.g] Proposta de alternativas para agregar valor para o cliente final: Dado que muitos dos
fornecedores são especialistas em sua área, eles são os mais indicados para identificar
oportunidades de aumentar o valor para o cliente final.
h) [D.h] Redução de estoques: Tem como objetivo recompensar ações por parte dos fornecedores
que possibilitem a redução dos estoques nas obras.
i)
[D.i] Garantia de preços por prazo mais longo: A garantia de preços por prazos mais longos
contribui para que a negociação das compras seja realizada de forma centralizada pela
empresa, aliviando as atribuições das gerências das obras.
Dentre estas, a diretriz [D.f] surgiu durante as entrevistas realizadas na fase de refinamento, fruto da
constatação de que para alguns clientes industriais a questão de segurança era uma dimensão
competitiva extremamente importante, e portanto deveria vista de forma semelhante pelos
fornecedores.
4.3.3. Mecanismos:
A empresa identificou os seguintes mecanismos, responsáveis por garantir compensações à
cooperação por parte dos seus fornecedores:
i.
[M.i] Listas de controle: Relações de fornecedores que devem ser privilegiados nas próximas
compras, em termos de qualificação automática, preferência ou exclusividade na contratação
(em uma determinada obra ou em futuras obras da empresa).
ii. [M.ii] Sistema de avaliação de fornecedores (SAF): O sistema deverá permitir a diferenciação
dos fornecedores, através de diversos níveis de desempenho.
iii. [M.iii] Cláusulas contratuais: Algumas situações que envolvem sanções por parte dos clientes
ou riscos reais deverão ser garantidas pela inclusão de cláusula no contrato, e deverá ser
abordada explicitamente durante o processo de negociação.
iv. [M.iv] Cursos de treinamento: Visam transmitir aos fornecedores tecnologias de PCP
(planejamento e controle da produção) e PDP (processo de desenvolvimento do produto)
desenvolvidas na empresa.
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4.3.4. Planejamento da implementação: integração entre diretrizes e mecanismos
Para garantir condições para tornar operacionais as diretrizes propostas, associou-se os mesmos de
forma explícita aos mecanismos de implementação identificados. A Figura 4 abaixo mostra tais
relações, onde cada diretriz (na forma de atitude desejada do fornecedor) foi associada com os
mecanismos considerados indispensáveis para que se pudesse garantir o cumprimento dos
compromissos relacionados.
Indicação de novos negócios
D.a
Participação em propostas
D.b
Desenv. Produto (orçamento)
D.c
Desenv. Produto (obra)
D.d
Participação PCP
D.e
Participação PDP
D.f
Participação PCS
D.g
Redução de estoques
D.h
Manutenção preços
D.i
M.i
Listas de controle
M.ii
SAF
M.iii
Cláusula contratual
M.iv
Cursos
Figura 4: Relação entre as atitudes dos fornecedores e os mecanismos a serem utilizados para
implementação das diretrizes
4.4. Necessidades de adequação do sistema de informações com vistas à implementação
da política de fornecedores
Além da implementação dos mecanismos assinalados, os problemas identificados no diagnóstico do
sistema de informações tornaram evidente a necessidade de adequação do mesmo para que fosse
possível o cumprimento dos compromissos assumidos pela empresa frente aos seus fornecedores. De
uma forma geral, a principal adequação a ser realizada no sistema consistia na necessidade de
integração dos cadastros de fornecedores dos setores de orçamento e suprimento, e sua interligação
com o SAF (Figura 5). Além destes, ainda existiriam os cadastros de possíveis futuros fornecedores,
mantidos pelos engenheiros de produção. As listas de controle (não representadas no diagrama) seriam
implementadas de forma separada nas obras e na administração central, visando gerenciar de forma
diferenciada os compromissos assumidos em caráter local (obra) e geral (empresa).
5. Considerações finais
O estudo aqui apresentado mostrou ser possível formular uma política de fornecedores a partir da
estratégia empresarial existente, e apoiada na contribuição das diversas pessoas-chave participantes
dos processos que envolviam as relações empresa-fornecedor.
O modelo de política de fornecedores empregado na pesquisa se mostrou capaz de produzir uma
articulação bastante eficiente entre as estratégias formuladas pela empresa, os processos gerenciais
envolvidos e a infraestrutura do sistema de informação, sob a ótica das relações empresa-fornecedor.
Embora a visão que a direção da empresa possuía do problema no início da pesquisa fosse ainda
limitada, esta demostrou não ser necessária a realização de um diagnóstico aprofundado para se propor
uma primeira versão da política de fornecedores. Ao contrário, o uso de uma visão inicial do problema
como ponto de partida para propor uma versão preliminar da política, sua apresentação aos envolvidos
e, posteriormente, a abertura de um espaço para crítica e sugestões nas entrevistas individuais, se
mostrou um método bastante eficaz e ágil para dar uma orientação comum aos diversos interesses
envolvidos na empresa quanto ao tema.
Ao longo da pesquisa, um aspecto adicional cuja consideração se fez necessária foi o diagnóstico do
sistema de informações considerando de forma explícita a sua capacidade de atender às necessidades
quanto a gestão dos compromissos assumidos entre a empresa e seus fornecedores. Tal diagnóstico
mostrou que as limitações do sistema quanto a esta questão estavam diretamente associados aos
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problemas apontados nas entrevistas, indicando a necessidade de um melhor planejamento do SI de
forma a levar em consideração de forma explícita a gestão dos compromissos empresa-fornecedor.
Dois pontos surgem como especialmente relevantes para futuras pesquisas. O primeiro diz respeito à
replicação da pesquisa em outras empresas construtoras que atuam em contextos semelhantes, de
forma a confirmar as conclusões aqui obtidas. Outro aspecto importante a investigado é o processo de
implementação da política de fornecedores em si, identificando dificuldades ou oportunidades de
melhoria no processo de formulação da política e no modelo teórico utilizado.
T3
Orçamento
EB1
Fornecedor
T2
Gerente do
contrato
EB2
T4
Engenheiro
Produção
T5
EB3
T6
T7
T1
Cliente
T1: Execurtar obra
T2: Elaborar proposta
T3: Fornecer proposta
T4: Executar obra
T5: Fornecer recurso
T6: Adquirir recurso
T7: Fornecer recurso
EB1: Cadastro geral de fornecedores
EB2: Cadastro local de fornecedores (engenheiro)
EB3: Avaliação de fornecedores
Suprimentos
Figura 5: Diagrama de interação representando a situação planejada quanto às transações empresafornecedor
6. Referências
BARROS NETO, J. P. Proposta de um modelo de formulação de estratégias de produção para
pequnas empresas de construção habitacional. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em
Administração (PPGA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. Tese de doutorado.
BETCHEL, C.; JAYARAM, J. “Supply Chain Management: A strategic perspective”. The
International Journal of Logistics Management, vol. 8 n. 1, p. 15-34, 1997.
FENSTERSEIFER, J. “Estratégias de produção na indústria calçadista do Vale do Rio dos Sinos:
Análise do “best-practice”. Enanpad, 19°. João Pessoa, 1995. pp. 259-279.
FINE, C. H.; HAX, A. C. “Manufacturing strategy: A methodology and an illustration”. Interfaces,
15:6, November/December 1985. pp. 28-46
LAMBERT, D. M.; COOPER, M. C. “Issues in Supply Chain Management”. Industrial Marketing
Management, vol. n. 29, p. 65-83, 2000.
MINTZBERG, H. e WATERS, J. “Of Strategies, Deliberate and Emergent”. Strategic Management
Journal, v.6, 1985 p.257-272.
PAGNOCELLI, D.; VASCONCELLOS, P. Sucesso Empresarial Planejado. Rio de Janeiro:
Qualitymark Ed., 1992.
PLATTS, K. W.; GREGORY, M. J. “A manufacturing audit approach to strategy formulation” In:
VOSS, C. (Ed.) Manufaturing Strategy – Process and content. London: Chapman & Hall, 1992.
SLACK, N. Vantagem Competitiva em Manufatura. São Paulo: Atlas, 1993.
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