CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO
São Paulo, dezembro de 2010.
Boas práticas para assistência ao paciente portador de agentes multiresistentes: medidas de prevenção e controle *
Embora o controle do fenômeno da resistência microbiana tenha
aspectos que envolvam ações intersetoriais que não se restringem ao âmbito
do sistema de saúde, as medidas de prevenção aqui elencadas são dirigidas à
prevenção e contenção de micro-organismos multi-resistentes no domínio dos
Serviços de Saúde.
Tem ocorrido aumento dos casos de enterobactérias resistentes aos
carbapenêmicos (por exemplo: Imipenem, Meropenem e Ertapenem) em vários
centros brasileiros. Estas bactérias produzem uma enzima (carbapenemase)
que inativa todos os antibióticos beta-lactâmicos (Penicilinas, Cefalosporinas,
Cefamicinas, Carbapenêmicos e Monobactâmicos) e de maneira especial os
carbapenêmicos. Os carbapenêmicos fazem parte de um grupo de antibióticos
beta-lactâmicos nos quais o átomo de enxofre no anel tiazolidínico da molécula
de penicilina é substituído por um átomo de carbono. Tienamicinas são um
subgrupo de carbapenêmicos que têm um átomo de enxofre como o primeiro
componente da corrente lateral.
A Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é uma enzima que foi
identificada inicialmente em Klebsiella pneumoniae pela primeira vez em 2001,
nos Estados Unidos, mas pode ser produzida por outras enterobactérias.
*
Artigo de atualização escrito por Dr. Dirceu Carrara, membro da CÂMARA TÉCNICA do COREN-SP,
gestão 2008-2011.
Assim sendo, as medidas de controle de micro-organismos multiresistentes aqui preconizadas aplicam-se, não somente, às bactérias
portadoras do gene KPC, mas aos demais micro-organismos multi-resistentes.
Definições
Micro-organismos multi-resistentes
São micro-organismos resistentes a quase a totalidade das classes de
antimicrobianos testados em exames microbiológicos, incluindo aqueles
antimicrobianos considerados de uso controlado e de uso restrito pela
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH). Alguns pesquisadores
também definem micro-organismos pan-resistentes, como aqueles com
resistência comprovada “in vitro” a todos os antimicrobianos testados em
exame microbiológico.
Infecção por agente multi-resistente
Pacientes com evidências (sinais e sintomas clínicos) de um processo
infeccioso, acompanhado de exame microbiológico positivo para agentes multiresistentes, caracterizando–os como agentes causadores da infecção.
Colonização por agente multi-resistente
Pacientes com cultura positiva para micro-organismo multi-resistente
que NÃO apresentam evidências de processo infeccioso.
Surto
São consideradas as definições quantitativas e qualitativas.
Caracteriza-se a presença de um surto de infecção/colonização hospitalar por
agentes multi-resistentes, com base em critérios quantitativos, quando houver
comprovado aumento de casos de infecção ou colonização por estes microorganismos, ultrapassando os níveis endêmicos pré-estabelecidos pelos
parâmetros de vigilância epidemiológica.
A definição qualitativa inclui a presença de pelo menos dois casos de
infecção/colonização por micro-organismo não identificado previamente no
serviço de saúde.
São considerados, pela comunidade científica internacional, patógenos multiresistentes causadores de infecções/colonizações relacionadas à assistência
em saúde:
1. Enterococcus spp resistente aos glicopeptídeos;
2. Staphylococcus spp resistente ou com sensibilidade intermediária a
vancomicina;
3. Enterobacteriacea produtoras de betalactamase de espectro expandido,
4. Streptococcus pneumoniae resistente às penicilinas;
5. Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanii, Klebsiella pneumoniae
resistentes aos carbapenêmicos.
MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE CONTRA A DISSEMINAÇÃO DE
AGENTES MULTI-RESISTENTES NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Medidas Gerais
Administração dos Serviços de Saúde
• Prover meios técnicos, financeiros, administrativos, laboratoriais e recursos
humanos para a apropriada identificação, prevenção e interrupção da
transmissão de micro-organismos multi-resistentes.
• Não devem ser adotadas quaisquer medidas que induzam a discriminação do
indivíduo com infecção ou colonização por micro-organismos multi-resistentes.
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH)
• Manter o sistema de vigilância epidemiológica das infecções relacionadas à
assistência à saúde (IRAS) que permita o monitoramento adequado de
patógenos multi-resistentes, em parceria com o laboratório de microbiologia.
• Fortalecer a política institucional de uso racional de antimicrobianos.
• Enfatizar a importância da higienização das mãos para todos os profissionais
de saúde, visitantes e acompanhantes.
• Reforçar a aplicação de precauções de contato em adição às precauções
padrão para profissionais de saúde, visitantes e acompanhantes.
• Avaliar a necessidade de implantar coleta de culturas de vigilância, de acordo
com o perfil epidemiológico da instituição.
• Enfatizar as medidas gerais de prevenção de IRAS no manuseio de
dispositivos invasivos.
• Enfatizar as medidas gerais de higiene do ambiente (Limpeza e Desinfecção
de Superfícies).
• Aplicar, durante o transporte intra-institucional e inter-institucional, as medidas
de precauções de contato em adição às precauções padrão para os
profissionais que entram em contato direto com o paciente, incluindo o reforço
nas medidas de higiene do ambiente.
• Comunicar a CCIH e a equipe, no caso de transferência intra-institucional e
inter-institucional, se o paciente é infectado ou colonizado por microorganismos multi-resistentes.
• Não se recomenda a interrupção da internação em serviços de saúde como
medida de controle de micro-organismos multi-resistentes, mesmo que haja
continuidade em domicílio. Medidas sanitárias que conduzam a interrupção da
assistência em serviços de saúde devem ser avaliadas criteriosamente em
conjunto com as autoridades locais e entre os níveis de gestão do sistema de
saúde.
Medidas Específicas
Precauções Padrão
1. Devem ser aplicadas a todos os pacientes, independente do diagnóstico
ou “status” imunológico.
2. Incluem o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e devem ser
aplicadas toda vez que houver risco de contato com sangue e secreções,
excreções e ou fluidos corpóreos de pele não íntegra e mucosas.
Precauções de contato
1. As práticas de precauções de contato representam o modo mais
importante e frequente para prevenir a transmissão de micro-organismos
multi-resistentes. A transmissão de micro-organismos por contato pode
ocorrer através do contato direto ou indireto.
a. Contato direto: envolve o contato pele a pele e a transferência
física, partindo de um indivíduo infectado ou colonizado por microorganismos para um hospedeiro susceptível. Essa transmissão
pode ocorrer quando o profissional de saúde realiza a mudança de
decúbito, a higienização ou ao executar procedimentos; ou entre
pacientes como, por exemplo, pelo contato com as mãos.
b. Contato indireto: envolve a transmissão para um hospedeiro
susceptível
2. Intermediado por objetos, materiais e equipamentos contaminados.
3. As precauções de contato constituem medidas de prevenção contra a
“transmissão
cruzada”
de
micro-organismos
multi-resistentes
aos
antimicrobianos. Pacientes sabidamente colonizados com bactérias multiresistentes e em uso de dispositivos invasivos ou com feridas com
drenagem de material constituem fontes destes agentes, contribuindo para
o aumento da resistência aos antimicrobianos da microbiota causadora de
infecções em serviços de saúde.
4. Os pacientes devem permanecer em precauções de contato até a
resolução da colonização microbiana ou do processo infeccioso causado
pelo patógeno multi-resistente.
5. A coleta de culturas de vigilância para descartar a persistência da
colonização/infecção por agentes multi-resistentes pode ser útil como
critério de suspensão das precauções nos pacientes. No entanto, a recolonização pelo mesmo micro-organismo ou por outro agente multiresistente pode ocorrer durante a mesma internação, sendo difícil prever,
identificar e implantar as medidas de controle em tempo hábil.
6. Na ausência de práticas direcionadas para a descolonização microbiana
de pacientes com bactérias multi-resistentes, a conduta mais plausível é a
manutenção das precauções de contato até a alta do paciente. A mesma
conduta dever ser adotada em situações de surto de infecção causada por
estes agentes. Em situações de surto considerar a necessidade de instituir
um estudo coorte de pacientes colonizados e não colonizados.
7. Pacientes colonizados por agentes multi-resistentes que não têm
antecedentes de uso prévio de antimicrobianos, não apresentam feridas
com drenagem, não exibem hipersecreção respiratória e não fazem uso de
dispositivos invasivos podem ser liberados das precauções em caso de
culturas de vigilância negativas para este micro-organismo (uma cultura
negativa/semana por 2–3 semanas). A liberação das precauções deve
sempre ser discutida com um profissional da CCIH.
8. Os patógenos multi-resistentes podem permanecer viáveis no ambiente
hospitalar (artigos e superfícies) por vários meses, com riscos de
transmissão
pelas
mãos
dos
profissionais
de
saúde,
luvas
de
procedimento, termômetro, estetoscópio, etc.
9. As infecções causadas por micro-organismos multi-resistentes relacionamse com maior risco de falha terapêutica com antimicrobianos, morbidade e
mortalidade de pacientes hospitalizados.
10. A CCIH deve capacitar os profissionais do hospital para a prevenção e
controle da disseminação de micro-organismos multi-resistentes no
serviço de saúde.
CONJUNTO DE MEDIDAS A SEREM ADOTADAS EM CASO DE SURTO DE
INFECÇÃO OU COLONIZAÇÃO MICROBIANA CAUSADA POR AGENTES
MULTI-RESISTENTES
• Adotar imediatamente medidas de controle: medidas de precaução e
isolamento dos pacientes, coleta de espécimes clínicos (amostra de sangue e
tecidos) para diagnóstico e indicar tratamento dos pacientes com infecção ou
colonizados.
• Notificar a ocorrência de surto ao laboratório da instituição, para planejamento
do
atendimento
da
demanda
gerada
por
essa
situação
(exames
microbiológicos, meios para cultivo, antibiogramas e outros).
• Orientar ao laboratório para conservação de todas as cepas isoladas de
pacientes envolvidos no surto, em condições de viabilidade, caso sejam
necessários
exames
complementares
(por
exemplo,
confirmação
do
antibiograma, biologia molecular e outros).
Orientações gerais
• Todas as amostras obtidas para exame no decorrer da investigação de
qualquer surto em serviços de saúde, sejam espécimes clínicos, e as cepas
isoladas, deverão ser guardadas em condições de viabilidade para estudos
complementares, até a finalização do processo de investigação do surto.
• A CCIH deverá informar ao laboratório da ocorrência do surto e da
necessidade de conservação e guarda das amostras conforme acima.
• O órgão governamental de controle de infecção hospitalar municipal e ou
estadual deverá ser notificado da ocorrência do surto, a suspeita de sua
ocorrência, em tempo hábil para proceder a investigação.
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12. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.616 de 12 de maio de 1998.
13. Brasil. Portaria nº 961, de 16 de julho de 2010. Dispõe sobre instituir
Grupo de Trabalho para Propor ações relativas ao seguimento de surtos
de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS).
14. Brasil. Portaria nº. 629, de 8 de junho de 2009. Institui a Comissão de
Assessoria Técnica em Resistência Microbiana em Serviços de Saúde
(CATREM) com o objetivo de assessorar a Diretoria Colegiada da
ANVISA e o CURAREM na elaboração de normas e medidas para o
monitoramento, controle e prevenção da resistência microbiana em
serviços de saúde no Brasil.
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