Co-digestão anaeróbia da fracção orgânica dos resíduos
sólidos urbanos (FORSU) e Lamas Secundárias (LS)
A. Flor (1), L. Arroja (2), I. Capela (3)
(1)(2)(3)
Departamento de Ambiente e ordenamento, Universidade de Aveiro, Campus
Universitário, 3810-193 Aveiro,
E-mail: (1) [email protected], (2) [email protected], (3) [email protected]
Resumo: A directiva 1999/31/EC transposta para o direito nacional pelo Decreto de lei n.º
152/2002 que limita a deposição em aterro da fracção orgânica dos resíduos sólidos urbanos
(FORSU), vai fomentar nos próximos anos o desenvolvimento de novas abordagens
tecnológicas e de gestão para este tipo de resíduos. Por outro lado, o aumento da produção de
lamas secundárias (LS), das cada vez mais numerosas estações de tratamento de águas residuais,
também acabará por originar uma abordagem diferente para o tratamento destes resíduos. A codigestão dos dois resíduos aparece assim neste âmbito como a alternativa mais atraente, do
ponto de vista técnico, económico e ambiental para solucionar os dois problemas, com ganhos
notórios de eficiência. Neste estudo foram usados dois reactores de 60 litros em aço inox
continuamente agitados para tratar uma mistura de 75% FORSU e 25% LS (base seca). Um dos
reactores foi alimentado de forma contínua enquanto que no outro a alimentação era feita
diariamente de forma semi-contínua. A operação dos dois reactores foi iniciada em modo
descontínuo. Foram obtidas reduções de sólidos totais voláteis (STV) e de carência química de
oxigénio (CQO), superiores a 50% para todas as cargas, tendo-se atingindo cargas de 19
Kg(CQO).m-3dia-1, com produções volumétricas específica de metano até 3,1 m3(CH4).m-3.dia-1,
sem que se verificasse inibição pelos ácidos gordos voláteis (AOV’s), o que é uma prova da
fiabilidade destes tipos de reactores para a co-digestão anaeróbia dos dois substratos.
Palavras-chave: Digestão anaeróbia, resíduos sólidos urbanos, lamas biológicas, co-digestão,
reactor contínuo
1. Introdução
A produção anual de FORSU em Portugal pode estimar-se em 2,5 milhões de toneladas (Matt
Crowe et al., 2002), em que apenas 0,2x105 toneladas são tratadas biologicamente. Por outro
lado, o aumento crescente das estações de tratamento de águas residuais (ETAR’s), com o
consequente aumento da produção de lamas biológicas secundárias (LS), associada à legislação
para prevenção da poluição do solo (directiva 86/278/EEC), obriga a que se encontrem soluções
para o destino final destes resíduos, em alternativa ao seu uso agrícola.
A compostagem na Europa ainda continua a ser a tecnologia preferida para o tratamento dos
resíduos biodegradáveis. Os desenvolvimentos recentes na tecnologia de digestão anaeróbia
(DA) aplicada a este tipo de resíduos, aliados à tendência de redução das emissões de CO2 e de
produção de energia a partir de fontes renováveis estão a alterar este cenário (Van Lier et al.,
2001). Para além disso, a consideração de um sistema integrado de tratamento de resíduos
necessita sempre de incorporar um processo de DA para tratar os resíduos orgânicos com teor
de humidade elevado, como sejam os restos de cozinhas e lamas de ETAR entre outros, cujo
tratamento em sistemas de compostagem ou incineração é muito desfavorável nessas condições
(Kayhanian and Rich, 1996).
Sob o ponto de vista económico, a deposição destes resíduos em aterro sanitário seria a opção
mais óbvia. Do ponto de vista ambiental, o aumento da carga orgânica nos lexiviados, o perigo
de contaminação de aquíferos existente, assim como as emissões de metano que contribuem
para o efeito de estufa (cerca de 2%) (Gijzen, 2002; Baldasano, 2000), leva a uma aceitação
cada vez menor dessa solução (Chugh and Chynoweth, 1999), e esteve na origem do
aparecimento da directiva europeia 1999/31/EC e respectiva transposição para o direito nacional
pelo Decreto de lei n.º 152/2002 de 23 de Maio, que visa diminuir a proporção de resíduos
orgânicos a depositar em aterros.
Para além disso, as metas de produção de energia a partir de fontes renováveis (12% da energia
primária bruta em 2010), estabelecidas pela comunidade europeia na Directiva 2001/77/EC,
favorecem a opção pela digestão anaeróbia, porque o processo produz em vez de consumir
energia, ao contrário da compostagem (O'Keefe et al., 1993), podendo o aproveitamento do
biogás contribuir para a redução das emissões de CO2 em 30%, acordada na cimeira de Kyoto
para a Europa (Mata-Alvarez et al., 2000).
Nesta perspectiva, a digestão anaeróbia aparece assim como uma alternativa viável, ao
conseguir tratar cada vez de uma forma mais eficiente a fracção orgânica biodegradável dos
resíduos produzindo composto com potencialidade agrícola e energia renovável e limpa, a
preços cada vez mais competitivos relativamente aos processos alternativos de tratamento.
A digestão anaeróbia da FORSU é um processo biológico, que dá origem à produção de um gás
(metano) e um produto final estabilizado, que pode ser usado como composto, passível de ser
aplicado na agricultura. Esta tecnologia já vem sendo utilizada desde há muito para a
estabilização das lamas biológicas produzidas nas estações de tratamento de águas residuais, e
para eliminar organismos patogénicos e cheiro, antes de poderem ser usadas como fertilizantes
(Oleszkiewicz, 1997). A ideia de juntar estes dois resíduos num digestor anaeróbio começou na
década de 70 (Adney et al., 1989).
Por ser um dos parâmetros mais importantes na definição da tecnologia do equipamento a
utilizar, principalmente a nível de bombagem e agitação, os processos de digestão anaeróbia da
FORSU dividem-se principalmente em “via seca” e “via húmida”, conforme se processam a
concentrações inferiores ou superiores a 15% de sólidos totais (ST) dentro do reactor (De Baere,
2003). Os processos por “via seca” contínuos envolvem a alimentação com substratos até 40%
ST, enquanto que nos processos por via húmida há uma diluição prévia com água antes da
alimentação ao reactor.
Da multiplicidade de opções tecnológicas que se podem escolher ao desenvolver um processo
de tratamento anaeróbio, existem actualmente cerca de 50 processos patenteados no mercado
(Oleszkiewicz, 1997). Os principais processos contínuos por via seca desenvolvidos até agora
são: DRANCO (Bélgica), VALORGA (França), KOMPOGAS (Suiça) e FUNNEL (EUA),
caracterizados pelo funcionamento “plug-flow”. Os processos descontínuos desenvolvidos até
agora resumem-se quase unicamente ao BIOCEL (Holanda) e SEBAC (EUA), caracterizados
por uma simplicidade de funcionamento e de preparação inicial do substrato (IEA Bioenergy
AgreementI 2003). Existe uma maior variedade de processos por “via húmida”, do que
processos por “via seca”, devido às variadas soluções alternativas que possibilitam a diluição
prévia dos resíduos com água, dos quais os mais importantes em termos de capacidade instalada,
são o processo BTA (Alemanha), assim como HERNING (Dinamarca), AVECOM (Finlândia) e
BIOMET (Suiça). Como as vantagens e desvantagens dos processos por “via seca” e “via
húmida” são equilibrados, a sua implantação no mercado Europeu é bastante semelhante, com
54% da capacidade fornecida por via seca e 46% por via húmida (De Baere, 2003).
A co-digestão de lamas e FORSU apresenta-se como uma alternativa viável, dado aumentar a
estabilidade de todo o processo, ao suplementar o meio de digestão com nutrientes que podem
estar em falta num dos substratos, para além de permitir equilibrar melhor as cargas orgânicas
(CO), os tempos de retenção hidráulico (TRH) e os níveis de humidade no reactor, resultando
num melhor desempenho do processo, para além de melhorar a performance económica de toda
a unidade. Muitas vezes a co-digestão anaeróbia é a única solução, quando o tratamento de um
único resíduo em separado não é económica e tecnicamente justificável (Van Lier et al., 2001).
Esta estratégia tem grande implantação na Dinamarca onde existe uma grande rede de unidades
de co-digestão para vários resíduos orgânicos (Butt et al., 1998). O mesmo cenário não se
verifica a nível Europeu, onde apenas 5% das unidades instaladas funcionam em co-digestão
(De Baere, 2003). Tal facto deve-se à predominância de algumas desvantagens técnicas, bem
como dos entraves legislativos, que não conseguem suplantar as vantagens do melhor
desempenho do processo (Mata-Alvarez et al., 2000).
Existindo na Europa cerca de 36.000 digestores anaeróbios nas estações de tratamento de águas
residuais, geralmente sobredimensionados, e com uma capacidade livre entre 15-30%, há uma
alternativa muito menos dispendiosa do que a construção de unidades centrais de co-digestão,
que é a conversão destes digestores para a co-digestão, com gastos muito moderados e
vantagens óbvias a nível técnico e económico (Tilche and Malaspina, 1998; Grasmug and Braun,
2003).
2. Métodos
Neste estudo foram usados dois reactores de 60 litros (48 litros de volume útil) em aço inox,
continuamente agitados, para tratar uma mistura de 75% FORSU e 25% LS (base seca). Um dos
reactores foi alimentado de forma contínua através de um sistema composto por um êmbolo
unidireccional movido por um parafuso, dentro de um tubo PVC, e accionado por um motor de
baixa rotação. No caso do reactor semi-contínuo a alimentação era feita diariamente
empurrando o êmbolo manualmente de uma só vez. A temperatura dentro de ambos os reactores
era mantida constante pela circulação de água termostatizada, por uma serpentina de cobre,
isolada por lã de vidro que envolvia todo o reactor.
Como as características da FORSU não são constantes e homogéneas num processo de recolha
de base diária, foi usada uma FORSU simulada, constituída pelos componentes descritos em
(Flor et al., 2003), depois de triturados e crivados a menos de 1 cm. As lamas secundárias foram
recolhidas numa pequena ETAR em Lisboa e guardadas numa sala aclimatizada a baixa
temperatura, enquanto que as lamas de inóculo foram recolhidas num digestor anaeróbio frio a
funcionar numa ETAR do Porto. Antes de usadas foram feitas todas as análises aos resíduos, de
modo a encontrar as quantidades exactas de cada um, para atingir a razão de mistura pretendida
entre os dois co-substratos e o teor de sólidos na alimentação e para respeitar as cargas
orgânicas (CO) aplicadas e o tempo de retenção hidráulico (TRH) pretendido.
Estudos realizados em reactores descontínuos (Flor et al., 2003) permitiram determinar as
condições de arranque de digestores para a co-digestão anaeróbia de FORSU e LS. O arranque
dos reactores foi feito em modo descontínuo durante 8 dias, tendo sido usado um inóculo
proveniente de um digestor anaeróbio de lamas não aquecido. Após o período de arranque, os
reactores passaram a ser alimentados com um TRH de 30 dias e uma carga de 3 kg(CQO).m-3.
dia-1.
Foram sempre adicionados bicarbonato de sódio e de potássio para fornecer alcalinidade ao
sistema e uma solução de nutrientes para evitar qualquer limitação no crescimento biológico.
Todas as análises foram feitas de acordo com o Standard Methods (APHA 1995), e os AOV’s
foram determinados com um cromatógrafo de gás (GC). O biogás foi medido continuamente
com um medidor de gás húmido e a sua percentagem em metano determinada com um
analisador de gás (SRI 8610C).
3.
Resultados
Os resultados obtidos para os dois reactores são apresentados na Tabela 1. Os reactores tiveram
um comportamento semelhante em termos de remoção de sólidos totais voláteis (STV) e de
carência química de oxigénio (CQO), tendo-se verificado apenas uma menor produção
volumétrica específica de metano (PVEM) no reactor semi-contínuo, para as várias cargas
testadas, conforme comprovado na Tabela 1.
Tabela 1 Resultados obtidos com a operação do reactor contínuo (C) e semi-contínuo (SC)
Carga
orgânica
-3
Produção
metano
TRH
(dias)
-1
(kg(CQO). m .dia )
3
6
9
12
14
17
19
-1
3
(l(CH4).dia )
C
45
81
109
121
138
147
136
30
30
20
15
12,5
10
10
Produção
específica
-1
(m (CH4).Ton
SC
35
74
95
109
117
143
119
C
377
378
320
287
298
250
227
Remoção
Teor de
Metano
(STV))
(%)
(%)
SC
320
346
301
280
263
239
180
C
63
58
54
49
46
43
47
CQO
C SC
87 83
83 79
75 74
63 70
62 64
54 58
53 43
SC
55
47
51
46
44
52
46
STV
C SC
88 85
80 82
74 72
65 67
64 62
58 60
56 48
As condições de operação aplicadas a cada um dos digestores foram idênticas com as cargas
orgânicas variando entre 3 e 19 Kg(CQO).m-3.dia-1, e os TRH variando entre 30 e 10 dias, de
modo a se poder fazer uma comparação entre os dois tipos de reactores testados. Conforme
observado na Tabela 1 e no gráfico da Figura 1, a produção diária de metano aumentou com o
aumento da carga orgânica aplicada até à carga 17 Kg(CQO).m-3.dia-1, tendo o reactor
apresentado um comportamento oposto quando se subiu para cargas superiores, com uma
diminuição mais acentuada no caso do reactor semi-contínuo.
1, 5
2, 5
3, 5
4, 5
5, 5
6, 5
7, 5
8, 5
140
70%
120
60%
100
50%
80
40%
60
30%
40
20%
20
10%
-
Contínuo
Teor de metano (% V/V)
Produção de metano (l(CH 4).dia -1)
0, 5
0%
Arranque
3
6
9
12
Carga orgânica (Kg(CQO).m-3.dia-1
14
17
Semicontínuo
Teor de
metano
(Semicontínuo)
Teor de
metano
(Contínuo)
19
Figura 1 Relação entre a produção diária de metano e a percentagem de metano no biogás em
função da carga orgânica aplicada
A produção de metano aumentou nos reactores até aos máximos de 147 e 143 litros por dia
(PVEM entre, 3,1 e 3,0 m3(CH4).m-3.dia-1) para o reactor contínuo e semi-contínuo
respectivamente. A percentagem de metano do biogás variou entre 60 e 40%, tendo o reactor
contínuo registado maioritariamente valores ligeiramente mais elevados do que o reactor semicontínuo.
O gráfico da Figura 2 representa a evolução da relação entre a variação da produção de metano
e a correspondente variação da carga orgânica aplicada, para as cargas testadas. Verificou-se
que esta relação diminuía bruscamente quando se atingiu a carga de 17 Kg(CQO)m-3.dia-1 para o
reactor contínuo e a carga de 19 Kg(CQO)m-3.dia-1 para o reactor semi-contínuo. O efeito do
aumento da carga é mais notório no reactor semi-contínuo, onde se verificou uma quebra maior
na produção de metano depois do aumento da carga de 17 para 19 Kg(CQO).m-3.dia-1, o que,
conjugado com uma menor redução de STV e de CQO para estas cargas elevadas, são
indicadores de uma maior dificuldade deste reactor em trabalhar a cargas elevadas.
1,25
contínuo
∆ PM/ ∆ CO
0,75
0,25
3
6
9
12
15
18
21
-0,25
-0,75
semicontínuo
-1,25
-1,75
-3
-1
Carga Orgânica Kg(CQO).m .dia
Figura 2 Relação entre a variação da produção diária de metano (∆ PM) e a variação da carga
orgânica aplicada (∆ CO)
A produção específica de metano indica a capacidade metanogénica dos resíduos, e pode ser
influenciada pela tecnologia utilizada. A produção específica da mistura dos dois resíduos
variou entre 227 e 377 m3(CH4).ton-1(STV) no reactor contínuo, diminuindo com o aumento da
carga aplicada e a diminuição do tempo de retenção hidráulico. No caso do reactor semicontínuo, a produção específica de metano foi ligeiramente inferior, conforme pode ser
comprovado pela Figura 3.
1
2
3
4
5
6
7
8
TRH
400
30
350
250
200
15
150
10
3
20
TRH (dias)
contínuo
-1
300
PEM (m (CH4).ton (STV)
25
semicontínuo
Contínuo
100
5
50
-
0
Arranque
3
6
9
12
14
17
Semicontínuo
19
Carga (Kg(CQO).m-3.dia -1
Figura 3 Relação entre o TRH e a produção específica de metano com a carga aplicada aos reactores
Da análise do gráfico da Figura 4 verifica-se claramente em ambos os reactores, uma
diminuição da remoção de STV e do CQO, com o aumento da carga orgânica aplicada. No
reactor contínuo a redução de STV variou entre 88 e 56% enquanto no semi-contínuo essa
variação foi ligeiramente mais acentuada, entre 85 e 48 %. Em termos de remoção de CQO
seguiu-se uma tendência semelhante com variações entre 87 e 53% no reactor contínuo e 83 e
43% no semi-contínuo. Durante toda a operação dos reactores, o teor de sólidos manteve-se
sempre abaixo dos 12%, característica de um processo por “via húmida”.
Para as cargas máximas testadas, as reduções de STV obtidas neste estudo, são mais elevadas do
que para a generalidade dos estudos reportados na literatura para processos por via húmida
(Kiely 1997; Marique, 1989). As CO aplicadas neste estudo de co-digestão de FORSU e lamas
biológicas de ETAR, são bastante superiores às usadas para digestores de lamas de ETAR’s,
onde não se ultrapassa dos 3 Kg(CQO).m-3.dia-1, com baixas reduções de STV e CQO.
12%
ST
contínuo
100%
10%
ST semicontínuo
Sólidos Totais (%)
8%
60%
6%
40%
Redução de STV e CQO (%)
80%
CQO
contínuo
STV
contínuo
4%
STV
semicontínuo
20%
2%
CQO
semicontínuo
0%
0%
Arranque
3
6
9
12
-3
14
17
19
-1
Carga (Kg(CQO).m .dia
Figura 4 Evolução do teor de sólidos nos reactores em conjunto com a redução de STV e CQO para
as várias CO testadas
Conforme observado na Tabela 2, atingiram-se neste estudo cargas elevadas quando
comparadas com outros processos por via húmida a funcionar em co-digestão, aproximando-se
muito de alguns processos por via seca como os processos DRANCO e BIOCEL. No que diz
respeito à produção volumétrica específica de metano (PVEM), os valores obtidos neste estudo
(3,1 m3(CH4).m-3.dia-1) para a carga de 17 Kg(CQO).m-3.dia-1 no reactor contínuo, são
superiores aos valores reportados geralmente na bibliografia para processos por “via húmida”
(Tabela 2), aproximando-se dos valores obtidos para os processos por “via seca”,
nomeadamente o processo BTA (Kubler et al., 2000) de co-digestão. Quando se compara com
sistemas por via seca a performance obtida em termos de CO e PVEM fica, muito abaixo dos
valores bibliográficos reportados para os vários sistemas (tabela 2), pelo facto de a concentração
de biomassa nesses reactores ser muito superior e assim permitir suportar taxas de reacção
muito mais elevadas também.
No que diz respeito à produção específica de metano (PEM), os resultados obtidos aproximamse muito mais dos valores máximos reportados na generalidade da bibliografia para cargas
semelhantes, assim como dos valores obtidos nos ensaios de biodegradabilidade efectuados
anteriormente com a mesma razão de mistura dos resíduos (Flor et al., 2003), embora este
parâmetro esteja sempre muito dependente do tipo de resíduo utilizado.
A percentagem de metano no biogás para ambos os reactores é na generalidade mais baixa
(entre 40 e 60%) do que o verificado noutros estudos de co-digestão, onde se obtiveram valores
a rondar 54% para todas as cargas experimentadas, (Kiely, 1997), 66% (Lafitte-Trouque and
Forster, 2000), ou 63% em instalações industriais (Wellinger et al., 1993), não tendo em conta
os sistemas de duas fases onde esses valores são sempre superiores a 65-70%, na saída do
reactor de metanização (Xu Hai-Lou et al., 2002).
Tabela 2 Desempenho de vários processos industriais e laboratoriais
Processo
ST
reactor
(%)
TRH
CO*
PEM **
PVEM
***
18,5
14
18-20
3,2-6,4
7,2
1,6-2,6
3-6
3-8.7
2
7,6
1-4,8
8
9,5
235
230
220
190
270
290-230
288-223
340-170
450
90
180
362
9,2
4-7
2
1,06-0,61
1,6-2,3
1,4-2,2
0,8
0,4
0,25-1,4
1,4
0,6
3-19
377-227
3-19
320-180
(dias)
DRANCO (a,2)
31
15,3
VALORGA (a,10)
20-30
15
BIOCEL (a,1)
30
9
SEBAC (a,11)
20
42-21
KOMPOGAS (a,3)
23
20-42
BIOMET (b,c,5)
7-10
27-19
BTA (c,4)
10
8-15
REFCOM (c,7)
5-10
27-6
CSTR 3 m3 (b,c,d,5)
3
18
CSTR 3 m3 (b,c,d,5)
3
17
CSTR 2 l (b,c,d,6)
4-7
40-15
CSTR 120 l (b,c,d,8)
16
CSTR 20 l (b,c,d,9)
Reactor
2-12
30-10
contínuo(b,c,12)
Reactor semi2-11
30-10
contínuo (b,c,d,12)
(1)
(Verstraete W. e de Beer D., 1995)
(2)
(De Baere, L., 2000)
(3)
(Wellinger A. et al., 1993)
(4)
(Kubler H. et al., 2000)
(5)
(Poli F., 1986)
(6)
(Kiely G., 1997)
(7)
(Schmit H. e Ellis T.G., 2001)
(8)
(Marique, Ph., 1989)
(9)
(Rivard, C., 1990)
(10)
(Cecchi F. e Travesco P.G., 1988)
(11)
(Chynoweth, D.P., 1991)
(12)
(Este estudo)
Redução
STV
Redução
CQO
(%)
(%)
45
65
-
49,7-36
-
48-41
54-41
43-75
28
75
66
-
94
-
0,9-3,1
88-56
87-53
0,7-2,9
85-48
83-43
(a)
Processos por “via seca”
Processos por “via húmida”
(c)
Co-digestão com lamas de ETAR
(d)
Processos semi-contínuos
(b)
Unidades:
*
(Kg(CQO).m-3.dia-1)
**
(m3(CH4).ton-1(STV))
***
(m3(CH4).m-3.dia-1)
À semelhança do que acontece neste estudo, a comparação entre os sistemas contínuos (Kubler
et al., 2000; Schmit and Ellis, 2001) e semi-contínuos (Poli de, 1986; Kiely, 1997; Marique,
1989; Rivard, 1990) apresentadas na bibliografia permite apenas notar uma maior dificuldade
do reactor semi-contínuo em lidar com as cargas mais elevadas.
Stenstrom (1983) verificou que para cargas elevadas, apesar de serem obtidas reduções de STV
elevadas, houve acumulação de sólidos não digeridos, o que levou à formação de espuma e
episódios de obstrução das saídas de biogás pela mesma, que são sempre inconvenientes por
alterarem o funcionamento hidráulico do reactor e originarem quebra momentânea do
desempenho do processo.
No reactor contínuo, o decréscimo da produção específica de biogás e de remoção de STV e
CQO, não foi acompanhada por um aumento da concentração de AOV’s em estado estacionário,
conforme se pode ver na Figura 5, onde se atingem valores de AOV’s entre 500 e 800 mg/l.
Pelo contrário, no caso do reactor semi-contínuo, houve um aumento da concentração de AOV’s,
principalmente nas duas últimas cargas testadas, o que levou a um menor desempenho deste
reactor nessas cargas. Genericamente, os reactores conseguiram lidar com os aumentos dos
níveis destes intermediários (AOV’s) aquando da alteração das cargas aplicadas, com excepção
das duas últimas onde a estabilização ocorre a valores mais elevados, tendo-se atingido valores
superiores a 1000 mg/l, principalmente para o reactor semi contínuo.
4.500
Reactor contínuo
4.000
3.500
AOV's (mg(AcA)/l
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
-
20
40
60
80
Carga 3
100
120
6
140
160
9
180
200
220
240
260
280
300
320
340
19
17
14
360
380
400
420
Carga 12
4.500
Reactor semi-contínuo
4.000
AOV's mg(Acac/l)
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
20
Carga 3
40
60
6
80
100
9
120
140
12
160
180
14
200
220
17
240
260
280
19
Figura 5 Evolução dos níveis de AOV’s ao longo do período de funcionamento dos reactores
Os valores máximos de AOV’s verificados neste estudo (entre 3500 e 4000 mg (acA)/l),
imediatamente depois das alterações de carga, são claramente inferiores aos registados na
bibliografia para processos semelhantes de co-digestão, 5500 mg (acA)/l nos estudos feitos por
(Demirekler and Anderson, 1998) e 1000 mg (acA)/l nos estudos de (Marique, 1989), o que
denota a boa estabilidade do processo de co-digestão para os dois tipos de reactores estudados.
De salientar o bom desempenho dos reactores para as duas cargas mais baixas (3 e 6
Kg(CQO).m-3.dia-1), onde se obtiveram remoções quer de CQO quer de STV superiores a 80 %,
e o sucesso dos arranques a que os reactores foram submetidos, ao serem operados de forma
descontínua no início da operação, com incremento do teor de sólidos com o aumento de carga,
algo que já tinha dado bons resultados anteriormente (Bolzonella et al., 2003; Marique, 1989).
4. Conclusões
A semelhança encontrada entre os resultados obtidos no funcionamento dos dois tipos de
reactores testados (contínuo e semi-contínuo) permitem concluir não ser o modo de alimentação
um factor importante no comportamento de um reactor tratando em conjunto a FORSU com LS,
pelo menos para cargas orgânicas inferiores a 17 Kg(CQO).m-3.dia-1. Em ambos os reactores, os
resultados podem-se considerar satisfatórios em termos de remoção de sólidos totais voláteis
(maiores que 50%), pois são mais altos que os obtidos em outros estudos feitos em condições
operacionais comparáveis (processos por “via húmida”-Tabela 2). O aumento da carga orgânica
em ambos os reactores, implicou sempre um decréscimo dos valores de remoção de STV e
CQO, assim como no teor de metano do biogás.
O comportamento dos mecanismos de agitação e alimentação dos reactores revelaram um funcionamento
simples e de fácil manutenção. Tendo em conta os resultados obtidos, a opção pelo sistema semi-
contínuo deve ser sempre que possível, a mais conveniente, dada ainda a maior simplicidade
mecânica do seu sistema de alimentação.
300
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Co-digestão anaeróbia da fracção orgânica dos resíduos sólidos