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Simulação e Determinação dos Parâmetros da Cinética de
Transferência de Íons do Chorume para o Solo
Adriana S. Forster Araújo, José Adilson de Castro e Alexandre José da Silva
Departamento de Pós Graduação da Escola de Engenharia Industrial Metalúrgica de Volta Redonda,
Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, Brasil
Elisabeth Ritter, Virgilio de Oliveira Campos
Departamento de Engenharia Sanitária, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Brasil
RESUMO: A técnica de aterros sanitários para disposição de resíduos sólidos é a mais difundida em
todo o mundo. Os mecanismos de decomposição da matéria orgânica, a influência da composição
no comportamento da massa de lixo, a eficiência na atenuação de sua carga contaminante, tipos de
tratamento e os riscos ambientais são aspectos relevantes que não foram ainda completamente
investigados. Este trabalho tem por objetivo realizar estudos de interação solo-chorume e da
determinação de coeficientes de transferência de massa de íons do chorume que possam ser
incorporados em um modelo baseado em equações de transporte. Os resultados experimentais
permitiram o desenvolvimento de um código computacional para simular os possíveis impactos
ambientais originados da infiltração dos íons do chorume no solo do Aterro Metropolitano de
Gramacho, localizado na cidade de Duque de Caxias – RJ.
PALAVRAS-CHAVE: Chorume, Cinética de Transferência de Massa e Coeficiente de
Transferência.
1
INTRODUÇÃO
No Brasil, o sistema de gerenciamento de
resíduos sólidos urbanos tem o aterro sanitário
como uma solução sanitária e economicamente
adequada para a disposição final dos resíduos
sólidos, uma vez que ainda existe
disponibilidade de área na maioria dos
municípios. Além disso, o aterro sanitário
apresenta boa viabilidade econômica na
execução e operação, requerendo menos
investimentos em relação à alternativas como a
incineração,
unidades
de
triagem
e
compostagem, dentre outros.
Nos aterros tem-se o chorume gerado pelo
processo de degradação do lixo e pela passagem
de águas da chuva, através do meio poroso
(solo). Ao ser drenado do aterro, o chorume
resultante da mistura das duas fontes, carreia
materiais em suspensão e dissolvidos.
Os resíduos sólidos urbanos acumulados de
maneira contínua em aterros não são inativos.
Esta mistura de uma grande variedade química,
sob a influência de agentes naturais (chuva e
microrganismos) é objeto de evoluções
complexas, constituídas pela superposição de
mecanismos físicos, químicos e biológicos.
Além da dissolução dos elementos minerais e o
carreamento pela água de percolação das finas
partículas e do material solúvel, o principal
fator que contribui na degradação dos resíduos é
a bioconversão da matéria orgânica em formas
solúveis e gasosas.
Propõe-se neste trabalho avaliar o solo do
Aterro Metropolitano de Gramacho com ênfase
nos processos de sorção e difusão, aliados à
técnica da simulação computacional com o
objetivo de se construir uma ferramenta de
cálculo para análise dos impactos ambientais
causados pela deposição de lixo urbano.
O processo de transporte de contaminantes
no solo do Aterro Metropolitano de Gramacho
vem sendo bastante discutido através dos
mecanismos de sorção e difusão dos íons do
chorume para o solo. Logo, esta pesquisa
propôs avaliar tal processo de transporte através
de parâmetros cinéticos de transferência de
massa nos quais obteve-se um coeficiente de
transferência de massa que melhor representa os
fenômenos envolvidos.
2
As simulações foram realizadas utilizando-se
o programa MPHMTP (Multi Phase Heat and
Mass Transfer Program) implementado em
linguagem Fortran (Castro, 2000). Tal programa
permite a utilização de vários componentes para
cada uma das fases envolvidas no fenômeno
físico.
2
MODELAMENTO
2.1
Equação do balanço de massa
Simulações para previsão e caracterização do
processo de transporte de poluentes são
realizadas através da discretização das equações
de transporte, utilizando-se o método de
volumes finitos (Patankar, 1985).
O programa utilizado, o MPHMTP, permite
que as condições de contorno sejam definidas
de acordo com o fenômeno físico envolvido.
O modelo aqui representado consiste em
formular os fenômenos de transporte de
contaminantes que ocorrem entre as fases
líquidas e sólidas do Aterro de Gramacho,
tratando-o como um sistema de duas fases que
interagem entre si transferindo momentum,
massa e energia. De modo geral, o fenômeno de
transferência de massa num escoamento
multifásico, pode ser representado pela equação
da continuidade (eq. 1), a qual é uma equação
diferencial que expressa o balanço pontual de
massa. Neste tipo de escoamento, os
componentes encontram-se misturados, logo é
possível caracterizar a presença de cada íon por
sua fração molar ou por sua fração mássica.
∂
(ε j ρ j φ ij ) + ∂
∂t
∂x k
−
∂
∂x k
(ε
j
r
ρ jU
j
φ ij
.


∂
 ε j D ij
φ ij  = S esp
∂x k


)
(1)
O termo φij representa a fração mássica, εj
porosidade de cada fase, ρj a densidade de cada
fase em cada ponto do meio poroso e Dij o
coeficiente de difusão de cada componente i em
cada fase j e direção k. A velocidade da fase é
representada por Uj, que é obtida por solução do
balanço diferencial de quantidade de
movimento da fase no meio poroso e Sesp o
termo fonte onde estão contemplados os
acoplamentos
entre
fases
tais
como
transferência de momentum, energia e massa.
Neste trabalho procurou-se modelar o
cálculo do termo fonte em função de um
coeficiente (ou taxa) de transferência de massa
βe. Neste caso, o termo fonte está associado à
cinética de transferência de massa (absorção ou
liberação) das espécies químicas pelas
partículas do solo em função do tempo. Tal
termo pode ser representado pela seguinte
equação:
 dC 
S esp = R i L = − R Si = 

 dt 
(2)
Onde i representa a espécie química (íon), RiL é
a taxa de absorção da espécie química (i) pela
fase líquida (kg/m3 s) e, igualmente, RiS é a taxa
de absorção pela fase sólida (kg/m3s).
A área de contato efetiva entre a fase sólidolíquido, AS-L, (m2/m3) pode ser determinada pela
equação:

 AS− L = 6εsolo

dsolo





(3)
Onde ε é a porosidade do solo.
O coeficiente de transferência de massa pode
ser conhecido:
L
Sh Di
βe =
d solo
(4)
Sendo βe o coeficiente de transferência de
massa (m/s) e DiL o coeficiente de difusão da
espécie química i na fase líquida (m2/ano), dsolo
é o diâmetro das partículas de solo (µm) e Sh é
o número de Sherwood, calculado pela equação:
Sh = 1,17 (Re l −s )0,585(Scl )1 / 3
(5)
Onde Rel-s é o número de Reynolds modificado
entre as fases líquido e sólido e Scl o número de
Schmidt, definidos a seguir:
Re i− j =
ρ jε i U i − U j d j
µi
(6)
3
ρ é a densidade dos grãos de solo (kg/m3).
µi
Sc i =
(7)
ρ i D ij
Então, a equação 2 pode ser escrita da seguinte
maneira (Richardson & Zaki, 1954; Poirier &
Geiger, 1994; Kawasaki et al, 2004):
S esp = R i
[ρ
líquido
L
ε sólido
S
= − R i = kβ e A S− L
]  C
L ,S
− Ceq
i
L ,S
i


n
* v
(8)
Sendo k a constante cinética, CiL,S a
concentração da espécie química na fase líquida
(chorume) em função do tempo, CeqiL,S a
concentração de equilíbrio da espécie química
na fase líquida contida nos interstícios do solo,
n o expoente que indica a ordem da equação e v
(m3) o volume de controle do sistema.
Assim, as equações para o termo fonte
associado à taxa de transferência de massa para
cada íon envolvido nesta pesquisa, foram
formuladas, para fins de simulação, da seguinte
forma:
Íon Potássio (K+)
[
L
K
+


ε
líquido
sólido
[
L
 L

C NH+4 − CeqNH+4 
 L
 C Ca 2 + − Ceq

L
Ca
2+



líquido
ε
1 , 32
* v * C
L
K
+
(9)
líquido
]
sólido
1 , 54
(11)
* v
E para uma concentração de Ca2+ no chorume
menor que a concentração de equilíbrio, segue a
equação:
= k βe A
S esp
∆C

Ca 2 +


Sendo ∆C
S−L
[ρ
líquido
ε
sólido
(12)
* v
Ca 2 +
o valor máximo para uma
Íon Sódio (Na+)
[
L
Na +
− C LNa +
]
1, 50
]
*v
(13)
Íon Magnésio (Mg2+)
[
S esp = − k β e A S − L ρ líquido ε sólido
ε
sólido
1,75
*v*C
]
L
+
NH4
]
1 , 51
diferença entre concentrações de Ca2+ (no
chorume, no líquido intersticial do solo e
concentração de equilíbrio).
[Ceq
]
Íon Amônio (NH4+)
Sesp = −kβe AS − L ρ
[
S esp = k β e A S − L ρ
S esp = − k β e A S − L ρ líquido ε sólido
S esp = − k β e A S − L ρ
 C L − Ceq
 K +
dependência da concentração do íon no líquido.
Para uma concentração de Ca2+ no chorume
maior que a concentração de equilíbrio, o termo
fonte foi modelado da seguinte forma:
]
2
(10)
O sinal negativo indica o sentido da
transferência de massa, que neste caso é do
líquido (chorume) para o sólido (solo). Estes
íons (K+ e NH4+) são considerados íons
reativos, pois são sorvidos pelo solo.
Íon Cálcio (Ca2+)
Este íon apresentou um comportamento
atípico, logo a equação modelada que melhor se
ajustou aos dados experimentais, mostrou uma
L
 Ceq L
 * v
−
C
2
+
2+ 

Mg
Mg

(14)
Íon Cloreto (Cl-)
[
S esp = − k β e A S − L ρ líquido ε sólido
 C L − Ceq L 
−
 Cl −
Cl 

1, 05
* v * Co
S
Cl
−
]
*C
L
Cl
−
(15)
Onde CS0Cl- é o valor da concentração inicial de
Cl- no líquido intersticial do solo.
A concentração dos íons (Ca2+, Na+, Mg2+ e
Cl-) é maior no líquido intersticial do solo do
4
que no chorume, por isso a transferência de
massa se dá no sentido da fase sólida para a fase
líquida.
Os coeficientes n da ordem da equação
foram atribuídos aleatoriamente de acordo com
os ajustes obtidos entre as curvas da simulação
computacional e os pontos experimentais.
2.2
Equação de balanço de momentum
∂
(εj ρj Uj, k ) + ∂ (εj ρj Uj, k ) − ∂ εj µj ∂ Uj, k  =
∂t
∂xk
∂xk 
∂x

L
∂P
− FS, k + SUr k
∂xk
(16)
O escoamento da fase líquida em meio
poroso é representado através do termo fonte.
Na expressão acima, o termo fonte engloba
diferentes termos, entre eles os termos
diferenciais do balanço da quantidade de
movimento, que não se enquadram na forma
difusiva pura (termos cruzados). Os termos µj
representam a viscosidade de cada fase e FLS a
resistência que as partículas sólidas oferecem ao
escoamento do fluido através da força de arraste
por unidade de volume do meio, determinada
através da equação de Kozeny-Carman
modificada (Castro, 2000):
(
rL
r
r
r
0. 1
ρ r
FS = L U L − U S  5β + 0.4β  U L − U S


rh
)
(17)
Sendo ρL a densidade da fase líquida, UL a
velocidade da fase líquida, US a velocidade da
fase sólida, rh o raio hidráulico, β o coeficiente
de arraste, ambos definidos a seguir:
β =
µL
r
r
ρ L U L − U S rh
rh =
φ L ϕS d S
6 ⋅ φS
φS = 1 − ε
(20)
3 SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL
A equação vetorial abaixo expressa o balanço
diferencial de quantidade de movimento de
cada fase presente no meio poroso.
−
ϕS o fator de forma das partículas da fase sólida,
ds o diâmetro das partículas da fase sólida e φS a
fração volumétrica das partículas da fase sólida,
definida como:
(18)
(19)
Onde µL representa a viscosidade da fase
líquida, φL a fração volumétrica da fase líquida,
Utilizando-se o MPHMTP, juntamente com os
dados de entrada provenientes dos ensaios
realizados em laboratório (Ritter, 2003),
realizaram-se simulações de difusão molecular
e cinética de transferência de íons do chorume
para comparação e análise de resultados.
A fim de acompanhar e validar os estudos já
realizados sobre a caracterização do subsolo do
Aterro de Gramacho, foram realizados estudos
sobre a migração dos contaminantes presentes
no chorume para o solo local (Barbosa et al,
1994). Devido à alta salinidade característica da
argila local, testes de difusão indicaram um
fluxo químico entre os íons contaminantes (Cl-,
Na+, K+, NH4+, Ca2+ e Mg2+) presentes em
maior abundância no chorume, e a fundação de
argila orgânica. Esse fluxo químico ocorreu não
só do aterro para o solo da fundação, como
também deste para o aterro.
Os resultados experimentais, obtidos a partir
dos ensaios de difusão molecular realizados por
Ritter et al (2003), foram comparados com
simulações utilizando-se o software POLLUTE.
Posteriormente, Pinto (2004) também simulou
estes dados através do programa MPHMTP,
porém o termo fonte da equação de transporte
foi associado à sorção dos íons, representado
por um coeficiente de difusão efetivo. Já na
simulação realizada neste trabalho o termo
fonte foi associado à cinética de transferência
de massa (absorção ou liberação) das espécies
químicas pelas partículas do solo em função do
tempo.
Os valores dos coeficientes de difusão
molecular dos íons utilizados na simulação
foram aproximados dos valores para íons em
solução aquosa a 25ºC extraídos da literatura
(Leite, 2001).
5
4 RESULTADOS OBTIDOS
As figuras a seguir apresentam os gráficos dos
perfis de difusão molecular de alguns íons
presentes no chorume, através do reservatório e
da amostra de solo, ambos contidos na célula
experimental para ensaio de difusão.
Os gráficos mostram os valores das
concentrações presentes inicialmente no
reservatório de chorume e na amostra de solo.
Os valores das concentrações obtidas durante
os ensaios estão representados pelos pontos
azuis. Os pontos rosas representam os dados
numéricos obtidos através da simulação
utilizando-se o POLLUTE, e a linha contínua
verde os dados numéricos obtidos através da
simulação realizada por Pinto (2004) fazendo
uso do MHPMTP. A linha contínua vermelha
representa os dados numéricos obtidos com o
cálculo do termo fonte baseado na equação da
cinética de transferência de massa.
4.1
Componentes reativos com o solo
A seguir estão apresentadas as curvas
numéricas para os íons considerados reativos
com o solo por apresentarem sorção (K+ e
NH4+). Observa-se que aquelas obtidas pelo
programa MPHMTP através do modelo cinético
mostraram um melhor ajuste com os dados
experimentais, quando comparados com o
programa POLLUTE e com o modelo sorcivo
apresentado por Pinto (2004).
Figura 2: Perfil da difusão molecular do íon NH4+.
4.2
Componentes não reativos com o solo
Para os íons considerados não reativos, também
é possivel observar o bom ajuste entre as curvas
numéricas representadas pelo modelo cinético
com os dados experimentais. A simulação para
o íon Ca2+ realizada através do modelo de
transferência de massa apresentou um ajuste
bem melhor com os dados experimentais,
quando comparados tanto com o programa
POLLUTE quanto com o MPHMTP simulado a
partir do modelo sorcivo. Observa-se que este
íon apresenta um comportamente atípico com
relação aos outros íons.
Figura 3: Perfil da difusão molecular do íon Na+.
Figura 1: Perfil da difusão molecular do íon K+.
6
5 CONCLUSÕES
Figura 4: Perfil da difusão molecular do íon Cl-.
Os resultados da simulação realizada neste
trabalho mostraram que o processo de migração
dos íons inorgânicos do chorume no solo ocorre
por difusão. No entanto, somente a difusão
molecular não representa com fidelidade os
valores experimentais obtidos, sendo então
possível comprovar que ocorre também o
fenômeno de transferência de massa dos íons do
contaminante e do líquido intersticial do solo
para a própria partícula do solo e vice versa.
A transferência de massa, por vezes facilita o
processo difusivo devido ao aumento no
gradiente de concentração entre as fases líquida
e sólida.
REFERÊNCIAS
Figura 5: Perfil da difusão molecular do íon Mg2+.
Figura 6: Perfil da difusão molecular do íon Ca2+.
Barbosa, M.C. (1994) Investigação Geoambiental do
Depósito de Argila sob o Aterro de Resíduos Sólidos
de Gramacho-RJ. Tese de Doutorado, Programa de
Engenharia Civil. COPPE/ UFRJ.
Castro, J. A. (2000) A Multi-Dimensional Transient
Mathematical Model of Blast Furnace Based on
Multi-Fluid Model. Institute for Advanced Materials
Processing. Tohoku University, Japan.
Kawasaki, N., Kinoshita, H., Oue, T., Nakamura, T. and
Tanada, S. (2004) Study on Adsorption Kinetic of
Aromatic Hydrocarbons Onto Activated Carbon in
Gaseous Flow Method, Journal of Colloid and
Interface Science, Vol. 275, p. 40-43.
Leite, A.L. (2001) Migração de Ions Inorgânicos em
Alguns Solos Tropicais, com Ênfase nos Processos
de Sorção e Difusão Molecular. Tese de Doutorado –
Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade
de São Paulo.
Patankar, S.V. (1985). Numerical Heat Transfer and
Fluid Flow. Washington, Hemisphere Publishing
Company, 197p.
Pinto, I.C.R. (2004) Modelamento e Simulação
Computacional da Migração dos Íons do Chorume
em Meio Poroso. Tese de Mestrado, Programa de
Pós Graduação Universidade Federal Fluminense.
Volta Redonda.
Poirier, D.R. and Geiger, G.H. (1994). Transport
Phenomena in Materials Processing, TMS, 509 p.
Richardson, J.F. and Zaki, W.N. (1954) Sedimentation
and Fluidization: Part I, Trans. Instn. Chem. Engrs,
vol. 32, p. 35
Ritter, E. e Gatto, R. (2003) Relatório Interno
(PIBIC/UERJ).
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Simulação e Determinação dos Parâmetros da