UCAM
Psicologia Jurídica
DELINQÜÊNCIA
JUVENIL
Por Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
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Psicologia Jurídica
Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
DELINQÜÊNCIA JUVENIL
Trabalho
apresentado
à
Universidade
Cândido
Mendes,
Pós-Graduação
em
Psicologia Jurídica.
Rio de Janeiro
Junho - 2003
Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
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Agradecimentos
“À minha filha Ivna Lúcia, razão do meu orgulho, pelo apoio e estímulo que me
deu.”
Com carinho,
Rita de Cássia
Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
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ÍNDICE ANALÍTICO
Sinopse ................................................................................................................................... 5
A delinqüência juvenil.......................................................................................................... 6
Problema social e legal ...................................................................................................... 6
Concepções sobre a reação do Estado frente à delinqüência juvenil.............................. 11
O aumento da ação da polícia....................................................................................... 12
O aumento e o endurecimento das penas ..................................................................... 13
O aumento do número de menores detentos................................................................. 15
As recomendações das Nações Unidas ............................................................................ 17
A adolescência do ponto de vista biológico e cultural ................................................. 18
A responsabilidade do jovem ....................................................................................... 19
As opções das Nações Unidas ...................................................................................... 21
A prevenção antes da repressão.................................................................................... 22
Conclusão ......................................................................................................................... 23
Referências bibliográficas................................................................................................ 25
Eventos................................................................................................................................. 26
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Sinopse
Esse trabalho visa especificar e documentar grupos de jovens e adolescentes
qualificados em “risco social” por suas atitudes, costumes, situações de vida.
Esses nomes variam: turmas, bandos, quadrilhas, marginais, vândalos.
Mas esses adjetivos têm em comum duas coisas: por um lado a preocupação
e o alarme social que provocam e, por outro, a falta de distinção entre o que
constitui uma atividade delitiva propriamente dita e um comportamento
simplesmente desviado dos costumes e tradições, ou o que é pior, “desviado”
pelos condicionamentos socioeconômicos em que se encontram e pela ausência
de uma família.
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A delinqüência juvenil
Problema social e legal
O problema alcançou uma magnitude tal que pretende motivar e determinar
a totalidade da incipiente política criminal referida aos menores de idade. Isto é
grave em virtude de que o problema da delinqüência é bastante heterogêneo e vai
além das condutas e atitudes desses grupos.
Quando se fala dos jovens e de sua relação com uma segurança e
cidadania, surge, em nossas mentes, as questões da segurança física nas ruas e
nas casas. Porém, não se deve esquecer que um verdadeiro conceito do vocábulo
devesse incluir também outras liberdades públicas e privadas, conformadas por
direitos básicos e fundamentais: como os direitos políticos, os direitos econômicos
e os direitos sociais, os quais nunca se vêem afetados – nem ameaçados – pela
existência desses grupos.
Por certo, se considerarmos o problema do tráfico de drogas no Brasil, e a
presença cada vez mais ativa de menores neste tráfico, teremos um elemento
complicador. Porém, ainda assim, pode-se afirmar que não se deve transformar
um problema existente com se este fosse o único problema existente – ou, ainda,
que é a raiz destes problemas. No Brasil, particularmente, a presença de crianças
e jovens no crime tem uma relação com os problemas sociais do país.
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Na década de 1980, o conjunto de rock Capital Inicial cantava uma das
primeiras músicas que buscavam retratar as impressões que a juventude de então
tinha sobre a nova estrutura social violenta das cidades brasileiras.
Cuidado pessoal, aí vem vindo a veraneio / toda
pintada de preto, branco, cinza e vermelho / Com
números do lado / dentro, dois ou três tarados /
Assassinos armados, uniformizados / Veraneio
Vascaína vem dobrando a esquina / Porque pobre
quando nasce com instinto assassino / já sabe o
que vai ser quando crescer desde menino / Ou
ladrão pra matar, marginal pra roubar / Papai eu
quero ser policial quando eu crescer / Veraneio
Vascaína vem dobrando a esquina / Se eles vem,
como ensino / É melhor sair da frente / Tanto faz,
ninguém se importa se você é inocente / Com uma
arma na mão / boto fogo no país / Não vai ter
problema, eu sei / Vou estar do lado da lei (Capital
Inicial, 1982).
Por isso a visualização da cidade assinala a música não só como fenômeno
urbano mas também como possibilidade de um novo campo de experiências
cotidianas a serem conhecidas, enfrentadas e, mesmo que implicitamente,
modificadas.
A democracia brasileira incipiente tem dificuldades para modificar as
condições econômicas oriunda das ditaduras e incorporar o jovem como elemento
participante da estrutura econômica e social do país. Neste contexto, os jovens
não encontram facilidades para incorporar-se à educação ou ao trabalho como
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conseqüência das políticas de ajuste que implicam a concentração da tomada de
decisões. Ao mesmo tempo, não se observa, nos dias de hoje, entre a juventude,
instrumentos ou ações de mobilização social como busca de novas formas de
organização social e política.
Alba Zaluar1 analisou a tensão entre as expectativas de mobilidade social e
o mundo do trabalho, a escola e o bairro em um estudo sobre a vida dos jovens de
setores populares na periferia de São Paulo.
Seu estudo indica, em princípio, a coexistência de distintos modos de
socialização em especial nos migrantes urbanos com respeito a seus pais que
suporta um contraste entre a cultura familiar e a escolar.
Deste modo, a socialização da família e da escola como espaços de revisão
das condições de apropriação desigual do capital cultural, soma-se a socialização
pela televisão e o rádio, geralmente dirigida a setores médios urbanos.
Mas as expectativas expostas no alto grau de urbanização se enfrentam
com a deterioração de acesso à educação formal, o desemprego ou a incerteza e
precariedade do trabalho, a economia informal e, portanto, exclusão dos jovens
dos sistemas de segurança social e da legislação trabalhista ou o risco de
marginalização.
É de se analisar, também, uma imagem de juventude afirmada pelo
abandono do sistema escolar que lhes remete a um contexto de marginalidade. A
1
ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.
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quebra entre educação e possibilidades de trabalho converte esta relação com a
marginalidade não em uma condição acidental, mas em uma opção válida de vida.
Opta-se pela marginalidade, como se poderia optar pelo trabalho (mas não há
trabalho) ou pela educação (que está elitizada).
O prefeito Pereira Passos do Rio de Janeiro, no início do século XX,
pretendia construir uma capital para o país que não fizesse inveja a nenhuma
capital européia.
Nessa busca pela remodelação da capital brasileira, iniciou o chamado
"bota-abaixo": a demolição de prédios pobres do centro da cidade, especialmente
os fétidos cortiços, com a intenção de construir novos prédios públicos, suntuosos,
com avenidas largas; pretendia, assim, redefinir a aparência da capital da
república.
Os moradores desabrigados buscaram nos morros ao redor do centro da
cidade um novo local para morar; nesses morros não havia nada senão um mato,
conhecido como "favelas": surgia, na história e no imaginário brasileiro, a figura do
favelado.
Esse aspecto da história carioca é relevante para a compreensão do atual
estado de coisas que costumou-se denominar de "poder paralelo do tráfico de
drogas" em alguns estados do Brasil (como Alagoas e Espírito Santo), mas que se
clarificam na cidade do Rio de Janeiro.
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Afinal, a constituição de um poder paralelo como este, com tamanha força
de violência e persuasão, não é resultado da ação desastrosa de um ou dois
governantes; é o resultado de um processo histórico que não apenas
menosprezou o poder de influência que têm as drogas, mas também, do descaso
em relação à população mais pobre que acabou por virar, ao mesmo tempo e
paradoxalmente, protagonista e refém desta violência.
Participar do crime de alguma forma – e, particularmente do tráfico de
drogas –, neste sentido, pode ser compreendido como uma solução possível para
este jovem.
É uma opção como tantas outras: desta forma, tem-se a institucionalização
da participação no tráfico, a institucionalização da violência. O tráfico de drogas
não é um caminho diverso, uma opção difícil: é uma situação disponível no
cotidiano, possibilitada por determinada situação social.
Porém, isto é apenas parte da questão: afinal, a institucionalização desta
opção, a sua presença constante no cotidiano de uma grande cidade só é possível
se existir uma estrutura, já fundada e organizada, que coopte este jovem. São dois
pólos de uma mesma situação: há o jovem com poucas opções; e há a opção já
estruturada do crime.
Mas há, também, as razões jurídicas próprias responsáveis por este
aumento. Há inúmeras explicações para tal crescimento vertiginoso da
delinqüência juvenil: aumentou o número de crimes cometidos em co-autoria com
menores inimputáveis, em que o menor é o executor (autor direto) e o maior
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imputável, na tentativa de se subtrair à aplicação da lei penal, figura como
mandante do crime; o menor infrator adquiriu a consciência da impunidade, pois o
Estado não dispõe da estrutura necessária para a aplicação das medidas de
proteção e das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente, por exemplo.
Concepções sobre a reação do Estado frente à delinqüência juvenil
Dentro do marco constitucional (dentro dos quais se localizam, além da
sociedade civil, também órgãos repressivos do Estado e os Tribunais, assim como
os meios de comunicação) propõem as soluções tradicionais ao problema da
delinqüência em geral, e da delinqüência juvenil em particular.
Estas respostas tradicionais estão inspiradas na idéia de "endurecer" o
sistema penal dentro dos limites constitucionais, com algumas medidas que são
as utilizadas com maior freqüência para combater a criminalidade:
̆ aumentar e aparelhar a polícia;
̆ aumentar e endurecer as penas;
̆ aumentar o número de pessoas detidas.
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O aumento da ação da polícia
É certo que é necessária uma maior presença dos corpos de polícia nas
ruas. Com isso se acautelam feitos delitivos e se facilita uma intervenção rápida
para impedir maiores conseqüências, consegue-se emprestar algum auxílio às
vítimas. Entretanto, o aumento do número de policiais ou sua militarização, não se
traduzem necessariamente em uma maior segurança para os cidadãos.
Em primeiro lugar porque uma grande quantidade de delitos que provocam
alarme social não se realiza nas ruas, mas em âmbitos da intimidade; em segundo
lugar, e principalmente, porque a eficiência do sistema depende do bom
funcionamento da totalidade de seus componentes (polícia, fiscais, juizes, sistema
penitenciário, etc.) e a polícia, isoladamente, tem pouca ação efetiva contra a
estrutura da criminalidade, quando não possui um conjunto de fatores de apoio.
Em terceiro lugar, como pôs em evidência a criminologia, não tem sentido
pretender reduzir a violência das ruas (em especial as agressões e os homicídios)
aumentando o número de pessoas armadas nas ruas.
Como muito bem afirma Trindade2
nos países que optaram pelo aumento puro e
simples da ação policial, não se registrou redução
da criminalidade, e se gerou em troca um
fenômeno circular: os delinqüentes sancionados
pelo sistema penal pertencem proporcionalmente
2
TRINDADE, A. Cançado Trindade. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e
instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991
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aos grupos mais pobres da população, e a
numerosa polícia que os persegue, com salários
miseráveis, pertence também ao mesmo estrato.
E ambos os grupos interagem multiplicando uma
violência espantosa que, obviamente, não pode
ser detida a não ser multiplicando cada vez mais
dessa maneira.
Isto não significa, certamente, que descartemos a necessária intervenção
policial. Pelo contrário, sabe-se que é indispensável para uma adequada e correta
aplicação da lei penal, a especialização e a um melhoramento da totalidade das
condições de trabalho e sociais em que se encontra a polícia, incluindo aspectos
como o salário, a capacitação, instrumentos de trabalho, etc.
O aumento e o endurecimento das penas
Outra das respostas que estamos acostumados a encontrar com maior
freqüência para combater a criminalidade em geral, é a de aumentar e fortalecer a
dureza das penas previstas no Código Penal e leis especiais, com a esperança de
que constituam uma forma de desestimular a conduta propensa ao delito. Os
advogados criminalistas denominam esta a função de prevenção geral ou
intimidação, reservada à pena incluída no tipo penal.
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Embora em matéria de menores os montantes da pena da prisão previstas
em cada figura delitiva não têm aplicação direta, a verdade é que sempre tem
alguma incidência porque os tribunais de menores tendem a estabelecer o tipo de
"medida tutelar" em proporção à gravidade do fato e à gravidade da pena prevista
para os adultos na lei, mais que às necessidades de tratamento e atenção que
seriam necessárias para o menor.
De acordo com esta idéia, as pessoas (menores ou maiores) não vão
cometer feitos delitivos se a pena prevista na lei para esses delitos é dura e grave.
Tem-se a crença que existe uma relação direta entre quantidade e
gravidade da pena por um lado e não inclinação para o delito, por outro. Vemos
uma tendência em alguns países da América Latina a aumentar as penas da
prisão, aumentando seus prazos, assim como também a defesa da volta da pena
de morte como opção.
Novamente os criminologistas se encarregaram de nos desencantar. Por
meio da "teoria da indiferença das sanções", as investigações mostraram que
qualquer que seja a sanção prevista na lei (prisão, morte, inabilitação, prova,
trabalho, serviço comunal, multa, etc.) nenhuma em especial teve incidência ou
eficácia em gerar menos níveis de delinqüência que outra pelo só feito de
encontrar-se prevista em abstrato e com independência de sua aplicação real.
As razões pelas quais as pessoas decidem realizar feitos delitivos são
outras, e a pena prevista na lei conta só algumas vezes para determinar os custos
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do fato (risco), como ocorre em matéria de drogas, homicídio, ou em delitos como
o aborto3.
Observe-se que, para tentar diminuir a criminalidade, em 1990 foi
promulgada a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), sendo que de lá para cá
a violência só aumentou.
Por quê? Porque não adianta fazer leis severas, aumentar a quantidade de
crimes a serem previstos, etc., devem-se dar condições à sociedade para coibir a
criminalidade, pois aumentar quantidade de pena não faz o delinqüente parar de
delinqüir.
Ou seja, o caminho do aumento e do endurecimento das penas não foi
eficaz para diminuir ou atenuar os índices de criminalidade.
O aumento do número de menores detentos
Assim como o aumento e o endurecimento da pena, o aumento do número
de pessoas detidas constitui uma das respostas mais populares para combater a
criminalidade. Popular porque existe uma crença generalizada – sobretudo em
setores externos ao sistema penal – de que quanto maior a quantidade de
pessoas detidas menor será o índice de delinqüência.
3
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer."Direito penal no futuro: paradoxos e projeções". RT 773/476.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de internação
do menor infrator, e especifica os casos em que a aplicação da medida é possível:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser
aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante
grave ameaça ou violência à pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras
infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável
da medida anteriormente imposta.
A defesa da posição da pena de reclusão para menores tem duas
vertentes. Por um lado se propugna um maior uso da prisão preventiva com o fim
de "tirar da circulação" o mais breve possível os menores que seriam aqueles que
violam a lei penal; e por outro também se propugna que a "medida tutelar" definida
em sentença, quando se determina que o menor efetivamente realizou o fato
delitivo, aplique-se em centros fechados, de maneira que também seja retirado
das ruas.
Esta é a resposta que com maior freqüência clama a polícia frente aos
Tribunais. Sua queixa constante é que eles detêm os delinqüentes e os juizes os
deixam em liberdade, lesando assim – em sua opinião – a segurança dos
cidadãos.
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Os cidadãos, por sua vez, também têm uma grande confiança na prisão
(preventiva ou não), pois acreditam que é possível por esse meio frear os índices
de delinqüência.
Na realidade não existe nenhum estudo técnico que permita afirmar que
quanto maior a quantidade de pessoas na prisão haverá menor quantidade de
delitos, mas sim há estudos que assinalam que os países que aplicaram
desproporcionalmente a prisão preventiva não diminuíram os índices de
criminalidade, e multiplicaram seus problemas4.
Além disso, sabe-se que a prisão não se constitui como um meio eficiente
para obter a reeducação, a re-socialização ou a reabilitação de uma pessoa, nem
sequer serve para reafirmar nela a prática de uma vida sem violação da lei.
Em resumo, tampouco a prisão constituiu um meio eficaz para diminuir os
índices de criminalidade, nem para resolver os conflitos provocados pelos fatos
delitivos, embora constitua a resposta mais procurada pelos cidadãos para esses
fins.
As recomendações das Nações Unidas
Há muito tempo a adolescência é considerada como um período de
desenvolvimento mais difícil que o dos anos da infância. Entretanto, o conceito de
adolescência como etapa psicologicamente complexa, digna de estudo científico,
4
TRINDADE, A. Cançado Trindade op. cit.
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não apareceu a não ser a fins do século XIX e recebeu novo impulso em princípios
do século XX.
Ainda hoje se tem a concepção de que a adolescência seja um estádio
perturbado parece ser exagerada, a adolescência é ainda um período de rápidas
mudanças físicas, sexuais, psicológicas, cognitivas e sociais aos que tem que se
ajustar o jovem. As mudanças fisiológicas da puberdade, entre os que cabe
considerar a maturação sexual e ao crescimento adolescente, iniciam-se devido a
um incremento na produção de hormônios ativadores secretados pela glândula
pituitária anterior.
A adolescência do ponto de vista biológico e cultural
A adolescência começa na biologia e termina na cultura. No ocidente
começa dos 12 ou 13 anos e termina aos 19 ou 20. Por um lado, os processos da
maturação dão lugar a uma rápida aceleração do crescimento físico, à mudança
das dimensões do corpo, a modificações hormonais e a impulsos sexuais mais
fortes, ao desenvolvimento das características sexuais primárias e secundárias,
assim como a um novo crescimento e diferenciação das capacidades cognitivas.
Estes desenvolvimentos biológicos e a necessidade em que se vê o
indivíduo de adaptar-se aos mesmos dão à adolescência algumas características
próprias e a separam de períodos anteriores ao desenvolvimento. Estas
características definem as propostas que devem ser feitas em relação à
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criminalidade; afinal, os jovens estão em formação5. Diferentemente do adulto já
formado, portanto, a relação entre a justiça e a delinqüência juvenil deve
considerar essas especificidades etárias.
A responsabilidade do jovem
A declaração com caráter geral de irresponsabilidade dos jovens tem
portanto conseqüências negativas muito importantes.
Em primeiro lugar, faz perder aos jovens o "status" de normalidade – que
vai sempre aparelhado em nossa cultura à responsabilidade – com a difusão de
imagens do adolescente ou jovem como distinto, anormal, doente, etc, e o
conseguinte agravamento de suas condições a de segregação e marginalização;
introduz, por outro lado, uma ruptura incoerente com o que foi o modo normal de
inter-relação do jovem com a sociedade, – através da família, a escola, etc. –
apoiada até esse momento na exigência de responsabilidade; impede que
apareçam e se desenvolvam no jovem atitudes "responsáveis", fomentam a
submissão e a passividade no processo educativo e em definitiva, acentuam a
"irresponsabilidade"; substitui, por último, o critério da responsabilidade por outros
critérios muito mais confusos, e sobretudo, muito mais arbitrários de resposta,
apoiados em último extremo no parâmetro da "periculosidade social", que
historicamente serviram para controlar a determinados setores sociais, os mais
débeis econômica, cultural e socialmente.
5
SAITO, M.I.; LEAL, M.M.; SILVA, L.E.V.; COLLI, A.S.; MARCONDES, E. O caso da Disciplina.
Pediatria Preventiva e Social III. Departamento de Pediatria. FMUSP. Pediatria São Paulo 1999; 21 (1): 10-4.
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Por tudo isso, parece-nos indisputável que a partir de determinada idade –
treze ou quatorze anos – o único critério coerente de resposta frente aos atos
delitivos dos adolescentes e jovens tem que ser o critério da responsabilidade.
Isso não quer dizer, obviamente, exigência de responsabilidade igual a
como se tratasse de um adulto. Em definitivo se tratará, como dizíamos antes, de
limitar, garantir e adequar a resposta penal à fase evolutiva do adolescente e
jovem.
Limitar quer dizer que o jovem tem que ser ajuizado só por feitos
constitutivos de delito, mas não por todos os fatos constitutivos de delito.
Especialmente neste campo terá que entrar em jogo o princípio de
oportunidade que supõe a não intervenção penal quando a escassa relevância
social do fato ou as específicas condições do menor façam ou desnecessária ou
prejudicial para seu desenvolvimento psico-educativo a adoção de qualquer tipo
de sanção.
Garantir, supõe, especificamente, que devem ser respeitados os direitos
que os menores têm como cidadãos, e especialmente o direito a um processo
rápido, compreensível para eles e dotado de todas as garantias jurídicas
estabelecidas na Constituição.
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As opções das Nações Unidas
Em contraposição às respostas que buscam o mero fortalecimento da
repressão existe toda uma gama de recomendações e diretrizes giradas pelos
setores profissionais vinculados diretamente com o tratamento dos menores em
risco (psicólogos, educadores, trabalhadores sociais, advogados, psiquiatras,
sociólogos, criminologistas, religiosos, orientadores, etc.), cujo propósito é o de
dirimir os conflitos provocados com a delinqüência juvenil, diminuir ou atenuar este
tipo de problemas e dar tratamento e orientação aos menores, tudo dentro da
ordem constitucional, os direitos humanos, e com profundo respeito para todos os
seres humanos envoltos no conflito.
Para expor essas "recomendações técnicas" é bastante interessante utilizar
principalmente as diretrizes da Organização das Nações Unidas, recolhidas em
quatro textos internacionais de aplicação constante nesta matéria:
̆ Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil
(Diretrizes de Riad, aprovadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas
mediante resolução 45/112 por recomendação do 8º Congresso das Nações
Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente)
̆ Regras das Nações Unidas para o amparo dos menores privados de
liberdade (Projeto de resolução apresentado à Assembléia Geral das Nações
Unidas pelo 8º Congresso sobre Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinqüente)
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̆ Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da justiça de
Menores (Regras da Beijing, Projeto de resolução apresentado à Assembléia
Geral pelo 7º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinqüente)
̆ Convenção sobre os direitos da criança (Aprovada no quadragésimo
quarto período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de
novembro de 1989)
Tais textos constituem o melhor testemunho e o mais adequado conjunto de
idéias que possamos encontrar para resolver este grave problema da delinqüência
juvenil, em especial para dar alguma resposta serena, profissional e efetiva frente
a cada vez maior quantidade de vozes que solicitam resolver o conflito recorrendo
a uma maior violência, como de fato está ocorrendo em nossos países.
A prevenção antes da repressão
Esta parece ser a regra básica em matéria de menores, e o ponto maior de
insistência dos maiores esforços institucionais. A melhor maneira de se prevenir
contra a delinqüência juvenil é a de impedir que surjam delinqüentes juvenis, para
o qual se requerem adequados programas de assistência social, econômica,
educacional e trabalhista.
Em relação outros setores da criminalidade o Estado realiza importantes
esforços para preveni-la. Porém, em matéria de menores observamos uma atitude
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bastante mais passiva. De fato, vemos que as instituições públicas e privadas
dedicam grande parte de seu tempo para prevenir delitos florestais, com
adequados mecanismos e programas de controle que alertem sobre o
desmatamento; apreciamos também preocupações em relação aos delitos
ecológicos em geral, em que se discutem os melhores e mais eficazes métodos
para produzir sem poluir; observamos que em matéria econômica a comunidade
procura previne-se dos abusos de poder das empresas; que existem programas
para prevenir acidentes de trânsito e evitar os delitos na circulação de veículos,
etc.
Mas quando levamos este discurso ao tema dos menores de idade parece
que a situação é distinta, porque se pensa mais na repressão e na necessidade de
submeter o castigo aos potenciais delinqüentes.
Conclusão
É óbvio que se deve prevenir a delinqüência juvenil, e nisto não acredito
que haja dissidentes. O problema está em ver se estivermos dispostos a tentá-lo,
e mais ainda, a transformar esse desejo em uma verdadeira política de governo
em todas suas implicações, pois requer da participação de uma grande
quantidade de setores, tanto públicos como privados.
A prevenção verdadeira implica o desenvolvimento de políticas e programas
que permitam uma maior distribuição da riqueza, mais adequados programas de
assistência social, o fortalecimento da educação em todos os níveis como uma
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prioridade, oportunidade de trabalho, enfim melhores oportunidades de vida em
todos os sentidos e para todos.
O tema da prevenção aparece claramente recomendado nas Diretrizes do
Riad (Diretrizes de Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil):
Artigo 5. Deverá ser reconhecida a necessidade e
a
importância
de
contar
com
políticas
progressistas de prevenção da delinqüência.
Essas políticas e medidas deverão compreender o
seguinte:
Fornecimento de oportunidades, em particular
educativas,
para
atender
as
diversas
necessidades dos jovens e servir de marco de
apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de
todos os jovens, em particular daqueles que estão
em perigo ou em situação de risco social e
necessitam um cuidado e um amparo especiais.
Doutrinas
e
critérios
especializados
para
a
prevenção da delinqüência, apoiados nas leis,
processos, nas instituições, e instalações de uma
rede de serviços, cuja finalidade seja reduzir os
motivos, a necessidade e as oportunidades de
comissão das infrações ou as condições que as
propiciem.
Uma intervenção oficial cuja principal finalidade
seja velar pelo interesse geral do jovem e se
inspire na justiça e a eqüidade.
Rita de Cássia Godinho de Brito Marques
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Referências bibliográficas
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer."Direito penal no futuro: paradoxos e
projeções". RT 773/476.
SAITO, M.I.; LEAL, M.M.; SILVA, L.E.V.; COLLI, A.S.; MARCONDES, E. O caso
da Disciplina. Pediatria Preventiva e Social III. Departamento de Pediatria.
FMUSP. Pediatria São Paulo 1999; 21 (1): 10-4.
TRINDADE, A. Cançado Trindade. A proteção internacional dos direitos humanos:
fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991
ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.
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