AS AVENTURAS DO FEIO
Salgado é reconhecido mundialmente como um dos mestres da fotografia documental contemporânea
O feio e as relações do homem com o mundo:
1. Teórico Cognoscitiva:Não atribuímos fealdade ao objeto real do nosso
conhecimento, nem tampouco ao objeto teórico (conceito, lei ou
hipótese) que produzimos para produzir esse conhecimento. Ao cientista
não interessa a beleza ou fealdade do objeto ou fenômeno que pretende
explicar (para o botânico não existe a rosa “bela” ou o matagal “feio”) O
que busca em sua prática é a verdade, tentando descartar o erro e a
falsidade. Portanto, uma teoria não é verdadeira por ser bela, nem por
outro lado, é falsa por ser feia.
2. Moral: ”Bem” e “Mal”. A estética tradicional, particularmente a grega (S e
P) associa o bem com o belo e mal com o feio. E historicamente,
inclusive nos nossos dias, essa situação também ocorre em sentido
moral na TV, cinema, contos de fadas.
3. Prático-Utilitária: regida pelos valores do útil e do inútil, do eficiente e do
ineficiente, não se pode atribuir aleatoriamente uma dimensão estética
positiva ou negativa. Um objeto útil, eficiente não necessita ser belo por
sua aparência sensível.
A dimensão Estética do Feio:
O feio tem uma dimensão estética que não se identifica com outras
dimensões ou valores negativos (o falso, o mal, o inútil), com os quais
costuma ser associado por sua negatividade. Consequentemente, não é
sinônimo de não-estético ou de Indiferente. Como todo o estético, o feio
ocorre em um objeto concreto-sensível e na experiência de um sujeito ao
percebê-lo sensivelmente.
O Feio na Realidade:O território do feio é extenso. E o é, na natureza: uma
fruta podre, certos animais: sapos, vermes..., ao serem percebidos
suscitam em nós, a experiência estética do feio. O mesmo ocorre com o
corpo humano em seu conjunto ou em partes. Junto com o feio natural
encontramos na realidade a fealdade dos produtos criados pelo homem,
quer sejam objetos técnicos, industriais ou objetos usuais da vida
cotidiana. O feio ganha cada vez mais amplos espaços em nossos centros
urbanos na medida em que estes crescem, com suas construções caóticas
e sua publicidade agressiva. Sem contar com seus cinturões de misérias,
cortiços e no rosto e vestimenta de seus esfarrapados moradores. Portanto,
se compararmos o lugar do feio na realidade com aquele que ocupam
outras categorias estéticas, e especialmente o do belo, veremos que
preenche uma ampla faixa tanto na natureza quanto nas concentrações
urbanas.
O Feio na Antiguidade Grega: A sensibilidade estética que aflora na Grécia
clássica, vive sob o império do belo. O feio para o grego antigo, dificilmente
cabe nele. E quando é forçado a representá-lo o faz idealizando-o, ou seja,
negando-o. Pois para ele, o feio não é somente uma antítese do belo, mas
também do bom em sentido moral; é o lado escuro, mau, da vida. Com relação
à arte, Platão refere-se negativamente ao feio como dissonância e discórdia.
Não pode ter cabimento o que -como a arte- é, por sua natureza, belo. Já
Aristóteles, é o primeiro -e durante séculos solitariamente- a dar certidão de
cidadania ao feio. Com sua concepção de que não só as coisas belas na
realidade, mas também as feias, podem ser representadas na arte, desde que
sejam de forma artisticamente criadora.
O Feio na Idade Média: reaparece o dualismo do ideal e do real, entendido
como dualismo do celestial e do terreno, do divino e do humano. O feio neste
mundo terreno é o limite do belo. E por esse caminho, ao acolher o feio a arte
mostra o rosto enganoso do belo mundano e permite assim descobrir o divino
como o verdadeiramente belo.
O Feio no Renascimento: Com o Antropocentrismo, a beleza se
desdiviniza e é procurada sobretudo na natureza e no homem, e a arte só
se justifica como arte bela. Para a consciência estética ocidental até o
séc. XIX, o paradigma renascentista do belo , a natureza ou o homem
devem ser representados segundo a beleza ideal, que é incompatível com
a presença do desarmônico, desproporcional ou disforme; quer dizer,
com o feio.
O Feio nos Tempos Modernos: Já ocorrem algumas tentativas de abrir
passagem a fealdade na arte. Mas o modo de estar nela não deixa de
apresentar sérios problemas ao pensamento estético, sobretudo se
tratando de artes que, por sua própria natureza, são ou hão de ser belas.
O feio aqui se salva, quando belamente representado.
A entrada do Feio na Arte:
No séc. XVII o feio já havia entrado na arte, pelas mãos de três
grandes pintores: Velázquez, Rembrandt e Ribera. E entra com seu próprio
ser, sem se converter ao seu oposto: o belo. Entram assim em seus
quadros bufões, monstrengos, mendigos...O boi esfolado ou caça
pendurada de Rembrandt
O Pé Aleijado
Ribera (1588-1656)
Quadro famoso, exposto no
Museu do Louvre, no qual o Ribera
mostra com muita felicidade e muitos
detalhes
um sorridente menino, com seu pé
deformado, provavelmente indo para a
escola.
Ou a monstruosa mulher barbada de Ribera.
O feio como tal,com sua realidade própria, está aí na
pintura deles para expressar certa relação do homem com o
mundo: uma relação tensa, que não pode ser expressa com a
serenidade e o equilíbrio do belo. O feio irrompe, e agora não
diminuirá seu ímpeto até adquirir status de cidadania estética com
a arte Contemporânea.
A Rebelião prática do Feio e a salvação teórica do Belo:
E seguindo essa ruptura feia do campo estético, na arte
contemporânea encontramos Picasso, Orozco, Bacon ou José Luis Cuevas.
Francis Bacon
CABEÇA ENTRE OS QUARTOS DE UM BOI ESQUARTEJADO
Francis Bacon 1954 foto John Deakin
(estudo para retrato), 1978 - Francis Bacon
A arte contemporânea, que surge com as revoluções
artísticas a partir dos finais do século XIX contra a arte acadêmica
burguesa, é de fato uma rebelião contra a beleza à qual se rendeu
culto desde a Antiguidade Grega e, sobretudo, a partir do
Renascimento. O feio assegura sua consagração estética. Mas o
que o feio ganhou praticamente na criação artística dificilmente é
reconhecido ainda no séc. XIX e XX , no campo da teoria. Pois os
teóricos, se ocupam especificamente do feio girando em torno do
belo.
A fealdade existe na arte porque existe no mundo real. E
não se trata de salvá-la embelezando-a , mas mostrá-la com sua
condição própria.
O Sujeito diante do Feio diante do Feio na Realidade e na Arte:
Papa Inocêncio X, óleo s/ tela, 1953
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Categoria estetica do feio