ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA E O CONJUNTO ESCULTÓRICO
DOS PASSOS DA VIA-SACRA DO SANTUÁRIO DO SENHOR BOM
JESUS DE MATOSINHOS EM CONGONHAS, MINAS GERAIS –
DADOS HISTÓRICOS, ASPECTOS ICONOGRÁFICOS E TÉCNICAS
DA FATURA DO ESCULTOR: Antônio Francisco Lisboa, mestre
Aleijadinho e os aspectos da fatura do conjunto escultórico dos
Passos de Congonhas.
ELIAS, LUCIENNE MARIA DE ALMEIDA.(1); SOUZA, LUIZ ANTÔNIO CRUZ (2);
SANTOS, ANTÔNIO FERNANDO BATISTA (3)
1. Universidade Federal de Minas Gerais / DAPL / LACICOR / CECOR
EBA/ DAPL - Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha 31270-901/BH/MG
[email protected]; [email protected]
2. Universidade Federal de Minas Gerais / DAPL / LACICOR / CECOR
EBA/ DAPL - Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha 31270-901/BH/MG
[email protected]
3. FUMEC
EBA/ DAPL - Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha 31270-901/BH/MG
[email protected]
RESUMO
Esta pesquisa apresenta a execução de sessenta e quatro esculturas realizadas pelo mestre escultor
Antônio Francisco Lisboa. O estudo parte da contratação desse trabalho a pedido da administração
do Santuário, para o período 1796 a 1799, como descrito no Livro de despesas que cobre o período
de 1757 –1834. Quanto ao tema retratado, o escultor reporta aos principais episódios iconográficos
dos passos da Via-Sacra de Cristo, sendo as cenas correspondentes ao nome das capelas, ou seja,
Capela da Ceia, Horto, Prisão, Flagelação e Coroação de Espinhos, Cruz-às-Costas e Crucificação,
ou seja, foram construídas seis capelas para sete grupos escultóricos. Dentre as principais
características da história da arte técnica, será tratada a tecnologia construtiva das capelas assim
como a análise dos materiais constitutivos da intervenção realizada na área externa das paredes e
cúpulas. Questão relacionada a procedimentos anteriores inadequados seja nas esculturas e nas
pinturas parietais, parietais, para isso foram realizados exames e análises específicas que
envolveram o Laboratório de Ciência da Conservação da Escola de Belas Artes / UFMG, o
Laboratório de Engenharia de Materiais. A técnica construtiva das esculturas apresenta curiosidades
quanto à tipologia das esculturas que variam em escultura de vulto inteiro, esculturas em meio corpo,
uso estrutural de madeira maciça e obras escavadas na parte posterior. Contudo, a importância
desse estudo transdisciplinar apresenta a reunião dos fatores desencadeadores das deteriorações e
também degradações que interferem na Conservação e consequente Preservação, desse tão
importante acervo, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade.
Palavras-chave: Aleijadinho, Esculturas em madeira, Santuário de Congonhas.
DADOS HISTÓRICOS
A construção do Santuário de Congonhas teve como precursor o minerador Feliciano
Mendes, consta que depois de acometido por uma grave doença e recebendo a graça da
cura, alcançada pela devoção ao Senhor Bom Jesus, assume como pagamento da
promessa a construção da Basílica (ex-voto). Primeiramente realiza a doação de seus
pertences registrados no 1º Livro de Despesas que cobre o período de 1757 a 1834,
(OLIVEIRA, 1984. P.18, 23), e após algum tempo quando os recursos começam a se tornar
escassos, Feliciano passa a trilhar os caminhos de Minas Gerais, carregando um oratório
esmolar pedindo donativos para a continuidade dos trabalhos de construção. Com o fato da
arrecadação das doações a construção do Santuário é retomada seguindo a cronologia
iniciada pela Igreja datada de 1757; Via-Sacra de 1796 a 1799; construção das Capelas de
1800 a 1808, 1808 a 1819 e 1864 a 1872; e os Profetas de 1800 a 1805, (FIG.01).
Figura 01- Santuário Senhor Bom Jesus de
Matosinhos em Congonhas, vista da Basílica.
Foto Lucienne Elias, 2003.
Na arte culta devemos ver o que é recorrente e o que não é, o que é
simétrico e o que não é. A interpretação buscou o sentido cultural do
movimento expressivo, de qual percepção parte e para quais valores se
inclina quando o artista retoma um traço ou uma palavra. (Bosi, 1992).
Vários artistas foram contratados para trabalhos de ornamentação do templo dentre eles a
pintura do forro foi realizada por João Nepomuceno Correia e Castro Bernardo Pires da
Silva, para a talha e esculturas os artistas Jerônimo Felix Teixeira e Francisco Vieira Servas,
os ourives Felizardo Mendes, entre outros. A partir de 1796 foram também contratados
Antônio Francisco Lisboa, (que mantinha um grupo de oficiais) iniciando neste período a
fatura das 64 esculturas em madeira policromada, dos Passos da Via-Sacra e em 1800 os
Profetas em pedra sabão. Outro artista contratado no mesmo ano, 1796, trata do
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
policromador Manoel da Costa Ataíde, responsável pela policromia de três conjuntos
escultóricos, dos sete Passos da Paixão, e possivelmente de três das sete pinturas parietais
das capelas da Ceia, Horto e Prisão.
O Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos é um complexo artístico de singular valor
histórico, estético e social, de propriedade da Mitra Arquidiocesana de Mariana.
O histórico referente à política de tombamento1 da cidade de Congonhas teve seu início com
a mobilização de setores diversos como a Diretoria Regional do SPHAN, Pró Memória, a
Prefeitura Municipal, e ainda lideranças comunitárias. Em seguida foram executados
levantamentos para identificação dos bens integrantes do acervo histórico, arquitetônico e
paisagístico da cidade. Para isto foi utilizado todo o material disponível, como plantas e
outros. Criou-se um plano de preservação e ocupação da região, conforme sua importância
histórica com critérios específicos para sua preservação e manutenção quanto às
características originais urbanísticas e arquitetônicas. As construções novas passam então a
conviver com as antigas, disciplinadas por volumetria, taxa de ocupação e tipologia
arquitetônica2.
O Tombamento é a primeira ação a ser tomada para a preservação dos
bens culturais, na medida em que impede legalmente a sua destruição. No
caso de bens culturais, preservar não é só a memória coletiva, mas todos
os esforços e recursos já investidos para sua construção. A preservação
somente se torna visível para todos quando um bem cultural se encontra em
bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização
3
O Santuário foi integralmente tombada em 1939 de acordo com processo no 75-T do registro
239, e recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade em 1985, pela United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO)4.
1
Tombamento- <HTTP//:www.iphan.gov.br> - Tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público
com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico,
cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser
destruídos ou descaracterizados.
2
Tipologia Arquitetônica- Análise feita pelo Departamento de Química da UFMG, a pedido do Prof. Abdias
Magalhães da Engenhara de Materiais, UFMG
3
Arquivo IPHAN (Adaptado da publicação “Tombamento e Participação Popular” do Departamento do Patrimônio
Histórico, do município de São Paulo).
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
Cruz-àsCostas
Prisão
Ceia
Flagelação
e Coroação
de Espinhos
Crucificação
a)
b)
Ceia
Horto
Prisão
Horto
Figura 02. Planta de localização das seis capelas dos Passos da Via-Sacra, da Basílica e logo abaixo
as curvas de nível do terreno: a) corte longitudinal – da Igreja (
), até a Capela da Ceia, b) corte
transversal: direção da lateral da Capela da Prisão em direção a lateral da Capela do Horto. Fonte da
planta baixa: Arquivo IPHAN e IGA. Foto: Lucienne Elias, 2004.
As intercessões dos cortes longitudinais e transversais do terreno demarcados pelas curvas
de nível aponta que a capela da Ceia está localizada no ponto de inclinação mais baixo do
Santuário.
Após inúmeras intervenções, hoje o local possui um jardim composto de vegetação rasteira
(grama) e em alguns pontos árvores do tipo palmeiras e ipês, com características de grande
e pequeno porte, mantendo o projeto original do paisagista Burle Max, sendo inclusive
tombado com conjunto.
O local representa um programa de peregrinação religiosa emergente na Europa a partir da
Idade Média, com o intuito de reproduzir os sítios de Jerusalém onde ocorreram os
episódios da paixão de Cristo, o projeto de construção da “Via Crucis” completou o conjunto
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
arquitetônico do Monte Maranhão, sendo que inicialmente o projeto datado de 1794, era
composto, por duas séries: “Os passos da Paixão” e “Os passos da Ressurreição” 4.
Segundo Bazin: “O viajante partindo da base da colina, faz suas devoções, nos passos;
recebe, então, a lição dogmática dos profetas, depois penetra no santuário, onde vai venerar
a estatuária jacente, do Senhor Bom Jesus”.
O Santuário segue uma organização sequencial, o devoto sobe a colina em caminhada
percorrendo a subida em “zigue-zague” visitando cada um dos Passos, em seguida chega
ao adro e em seguida adentra no templo onde o homem é levado a vida celeste. Trata de
uma relação seriada de purificação e transmutação para o caminho da salvação. Ocorre
uma visão organizacional do mundo legível ao mundo ilegível.
A construção de Santuários, já era comum em Portugal, desde princípios do séc. XVIII,
sendo o tema inaugurado na Itália, no período renascentista. O estudo comparativo
realizado por Jonh Bury localiza o Santuário de Congonhas no contexto dos monumentos
portugueses similares, ou seja, santuários construídos em colinas, com capelas ladeadas
por caminhos de acesso, pois havia regras fixas para as cenas representadas no interior das
capelas.
A Via Sacra de Congonhas trata do drama religioso encenando a Crucificação do Cristo
Salvador. A Imagem aproxima a estrutura mística à devoção do fiel, fazendo uma religação
com o divino, com Deus, ou seja, é a aplicabilidade da dialética e da retórica enxergando a
mentalidade da época em que o sistema oferece o deleitar, o emocionar e o convencimento.
A Via Sacra de Congonhas demonstra sua linguagem através do cenário embriagante que
parte da entrada inferior do Santuário e com a aproximação da primeira dentre as seis
capelas construídas e os sete Passos representados, uma subida obrigatória para que o
peregrino passe pelo sofrimento. O Santuário segue um arranjo até chegar ao templo, onde
o homem é levado à vida celeste ao adentrar na Igreja, relação seriada de purificação e
transmutação para o caminho da salvação. Ocorre uma visão organizacional do mundo
legível ao mundo ilegível.
Segundo São Tomás de Aquino, Aristóteles afirma que o homem não pode compreender
sem o apoio de imagens, sua memória artificial trata de objetivar as imagens interiores.
4
UNESCO - HTTP//:Site UNESCO – “Está entre as propriedades incluídas na lista de patrimônio do mundo.
o
Nome dos critérios da propriedade que submetem o n . the nomination da propriedade de acordo com a
convenção O Santuário Senhor Bom Jesus de Matosinhos de Congonhas, é citado no número 334. da lista, que
segundo o comitê, expressou o desejo que a integridade deste local estivesse preservada, no detalhe,
assegurando-se de que estivesse cercado por uma zona grande da proteção, e registrando com satisfação uma
indicação de Congonhas dando garantias que as autoridades relevantes tomariam cuidado estrito para preservar
seus arredores.”
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
No caminho dos Passos visualizada a caminhada de Cristo representada em cenas
movimentadas, em que o expectador alheio ao acontecimento é mobilizado pela emoção,
pela fonte de impacto Este ato parte de uma perspectiva ascendente do Jardim dos
“Passos”, alusão aos marcos originais da Via Sacra de Jerusalém, tradicionalmente medidos
em passos, sugerindo a participação ativa do expectador no drama encenado e convidandoo a movimentar-se pelo amplo local, detendo-se em certos pontos previstos no roteiro. Estes
pontos são as capelas que totalizadas em seis, guardam em seu interior grupos
representativos e apresentados em cada cartela sobre as portadas.
Desde os séculos XV e XVI a representação do “Sacromonte”, segundo Germain Bazin, é
considerada tema recorrente na Europa, sendo estes locais de peregrinação em substituição
às paragens sagradas da Palestina.
Quanto ao tema retratado, o escultor Antônio Francisco Lisboa reporta aos principais
episódios
iconográficos
dos
passos
da
Via-Sacra
de
Cristo,
sendo
as
cenas
correspondentes ao nome das capelas. Quando a edificação de cada capela era finalizada,
as esculturas recebiam a policromia e eram cenograficamente posicionadas na capela
correspondente. Vale salientar que foram executadas sete cenas expostas em seis capelas.
A três primeiras capelas foram construídas no período de 1800 a 1819 e para a construção
das últimas três capelas ocorreu um intervalo de 45 anos para ser iniciada, isso se deve ao
descontrole financeiro. Portanto, a questão de guarda das esculturas em um galpão remete
a 45 anos de pelo menos 36 esculturas não finalizadas e não expostas, (QUADRO 01).
Para assinalar o diagnóstico do estado de conservação realizado em período anterior à
Restauração de 2004, destacam-se algumas causas e fatores
que desencadearam a
degradação e deterioração nas esculturas. Dentre eles a constante presença de sujidades e
excrementos de pássaros, intervenções inadequadas como abrasão presente em todas as
esculturas localizada na parte frontal das vestes e a presença na parte posterior de todas as
esculturas um total de cinco a seis camadas de repinturas, dentre outros. No caso dos
fatores desencadeadores de deterioração temos a
incidência do excesso de umidade,
insolação, ataque de insetos xilófagos em alguns dos grupos, remoção de repinturas com
ferramentas metálicas dando aspecto de área “picotada”, exemplo a face do Cristo da Cruzàs-Costas, dentre outros. (ELIAS, 2002)
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
QUADRO 01
Dados referentes ao conjunto escultórico e das capelas
Capela
Escultor
Conjunto
Escultórico
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
15 esculturas:
9 meio corpo
6 em vulto
inteiro
5 esculturas
Cruz-àsCostas
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
11 esculturas
Crucificação
Antônio
Francisco
Lisboa e
oficina
11 esculturas
Ceia
Horto
Prisão
Flagelação e
Coroação de
Espinhos
Tempo de
Construção da
capela
De 1800 a 1809
Policromador
Manoel da
Costa Ataíde
Finalizada em
1818
Manoel da
Costa Ataíde
8 esculturas
Finalizada em
1819
Manoel da
Costa Ataíde
6 esculturas
Intervalo de
aproximadamente
45 anos.
Retomada em
1864
Intervalo de
aproximadamente
45 anos.
Retomada em
1864
Intervalo de
aproximadamente
45 anos.
Retomada em
1864
Possivelmente
Francisco
Xavier Carneiro
8 esculturas
Possivelmente
Francisco
Xavier Carneiro
Possivelmente
Francisco
Xavier Carneiro
Numa análise realizada no ano 2002, as edificações apresentavam
uma série de
patologias, como a presença na área interna da capela da Ceia de salinização devido à
presença de capilaridade por umidade do terreno e na área externa não havia a mesma
patologia, neste exemplo citado foram realizadas coletas de amostras da argamassa
aparente e área de salinização (parede interna) e análise da pintura e argamassa externa.
As amostras foram coletas e levadas para o Laboratório de Engenharia de Materiais pelo
coordenado pelo Prof. Dr. Abdias Magalhães. Os resultados apontaram a presença de sais
na argamassa interna, apontando sua deterioração, presença de cimento na argamassa
externa e pintura com base vinílica na parte externa. A junção desses resultados com
demais patologias e fatores apontaram que as capelas tinham similaridades como uma
estufa.
A importância de conhecer o universo que se inseri esse conjunto escultórico, é fundamental
para conhecer dados essenciais da fatura e técnica aplicada pelo escultor Antônio Francisco
Lisboa. Estas obras estão inseridas na 3ª fase do artista datada de 1790 a 1812,
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
considerada a fase da espiritualidade sublimada.
Portanto, tratamos de obras autorais,
apesar do grupo de oficiais que auxiliavam o mestre escultor.
Não há um registro
comprobatório de quais as esculturas foram esculpidas por Aleijadinho e ainda há
questionamentos quanto àquelas entalhadas por seus auxiliares e talvez discípulos de uma
possível escola.
A plateia somos nós, espectadores privilegiados, que visitamos essa
Jerusalém mineira na dupla condição de peregrinos, tocados pela
representação pungente e do sofrimento de um Deus feito Homem, e de
viajantes, estetas extasiados com a beleza das esculturas do Aleijadinho,
dotados de extraordinária força expressiva. (Oliveira, 2006. P. 15).
Quando tratamos das obras executadas pelo escultor Antônio Francisco Lisboa devemos
levar em consideração estudos já realizados que distinguem fases de seus trabalhos. Esses
períodos englobam o início das atividades, a fase áurea e a fase final, sendo que dois
pesquisadores apontam certas diferenças:
Segundo John Bury, Aleijadinho apresenta duas fases importantes que compreendemos
períodos de 1770 – 1794 sendo denominada a “Época de sua maturidade artística:
caracterizado pelo elevado e sólido padrão de execução, harmonia, clareza e serenidade” –
Exemplo: as esculturas realizadas em 1779 referentes a São Simão Stock e São João da
Cruz. A segunda fase compreendendo o período de 1796 – 1809 – “Embora inclua suas
maiores obras-primas, nem sempre mantém o mesmo nível” – Exemplo: 1796 a 1799: ViaSacra de Congonhas.
Segundo Myriam Ribeiro, Antônio Fernando Batista dos Santos e Olinto Rodrigues, no livro
“Aleijadinho e sua Oficina”, o artista apresenta três fases importantes que compreendem de
1760 – 1774 – “Formação de estilo”, exemplo: Chafariz do Alto da Cruz, 1774 – 1790 – “A
realidade idealizada”, exemplo: risco da Portada de São Francisco, Ouro Preto e de 1790 –
1812 – “A espiritualidade sublimada”, como exemplo: Passos e Profetas em Congonhas.
.
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
QUADRO 02
ANÁLISE ICONOGRÁFICA DAS CENAS
DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA / ICONOGRAFIA
CEIA
Essa cena trata inicialmente da Ceia de
Cristo com os apóstolos, a qual se refere à
instituição da Eucaristia, e remete também a
outro tema em que o Cristo anuncia aos
apóstolos a traição de um deles.
PRISÃO
DE
CRISTO
Retrata a prisão de Cristo e a cura de Malco,
servo do sumo pontífice máximo de
Jerusalém.
CRUZ-ÀSCOSTAS
“Tomando sobre si a Cruz”
Encontro com as filhas de Jerusalém no
caminho para o calvário - o cortejo.
HORTO
DAS
OLIVEIRAS
...E tendo caído em agonia, orava com mais
instância. A força dramática da cena advém do
contraste entre a expectativa angustiante do
Cristo (no momento que antecede a Paixão) e a
serenidade tranquila do sono dos apóstolos
Pedro, Tiago e João escolhidos para secundar
o Mestre nesse momento sombrio.
FLAGELAÇÃO
COROAÇÃO
DE
ESPINHOS
ECCE HOMO – Eis o Homem”.
Cristo aqui suporta com altivez Como os
Cristos medievais, o suplício da flagelação.
CRUCIFICAÇÃO
“Ao lugar chamado calvário onde o
crucificaram e com ele outros dois, um de cada
lado”
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
A Iconografia representada em cada grupo escultórico refere-se no caso à cartela presente
na entrada de cada capela, observa-se no (QUADRO 02).
Aleijadinho trabalha em Congonhas num período com colaboração de auxiliares para
execução das 64 imagens num período de 3anos e meio aproximadamente. O artista marca
sua genialidade na grandiosidade do fazer escultórico, ou seja, no modo de esculpir em
madeira com dimensões pouco convencionais para o período, a aplicabilidade da técnica do
baixo relevo (muito utilizadas na ourivesaria, neste caso a partir de uma área plana escavar
o volume), influência árabe à moda turca na representação das vestimentas (Centurião –
Crucificação), caracterização de vestes da época como a do Servo à esquerda (Ceia) e
possível influência “gótica” com a representatividade dos olhos rasgados e demais
caracterizações.
Aleijadinho trabalha com a emulação, caracterizando o que foge ao
controle da Colônia e superando a imitação, isso demonstrado através da teatralidade, da
enfatização dos Cristos resignados, as caricaturas representativas dos soldados, as
vestimentas setecentistas entre outros.
“A impressão que predomina nas representações de Cristo é a da
Inocência da Santa Vítima que, no sofrimento, permanece estranha ao
desencadeamento do mal que o acabrunha. Ignorando tão profunda
maldade, o Puro Mártir não pode compreender esse pecado de que se
revestiu e pelo qual morre...” Em momento algum o sofrimento altera a
beleza imortal”. (BAZIN, 1963).
Trata de um conjunto em madeira policromada que apresenta como características
diferenciadas parte das esculturas da capela da Ceia executadas em meio corpo e
escavadas na parte posterior, assim como o Cristo do Horto, Pedro, João e Tiago. As
demais foram trabalhadas em tamanho natural, a altura varia de 87,5 cm (João da Capela
da Ceia) a 205,0 cm (Centurião da Capela da Crucificação).
O suporte em madeira possivelmente caracterizado como cedro, sendo realizados apenas
exames organolépticos o que sugeri também outro tipo de madeira na base de várias
esculturas. A coleta de amostra não foi realizada por considerar até o momento uma ação
invasiva.
Após ser esculpido, este conjunto escultórico ficou por um período guardado em um galpão,
para em seguida serem policromadas num primeiro período por Manoel da Costa Athaíde e
possivelmente após o intervalo e retomada a construção das três capelas restantes,
possivelmente Francisco Xavier Carneiro. Neste momento podemos questionar as
características apresentadas nas esculturas através das tonalidades fortes em contraposto
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
aos tons suaves trabalhados por Ataíde. Em exames estratigráficos também observou
diferenças de camadas aplicadas na policromia.
“A importância do conhecimento das técnicas e materiais utilizados na
construção de obras de arte ou de valor histórico ou de valor cultural reside
no fato de que, somente a partir desse conhecimento poderemos
caracterizar o desenvolvimento da tecnologia de produção das obras e as
características dos diversos estilos ou períodos históricos. Além disso,
através do conhecimento de seus materiais constituintes pode-se elaborar
uma estratégia de conservação preventiva das obras, pois sem o
conhecimento de seus materiais constituintes é praticamente impossível o
estudo de suas causas e processos de degradação”. (SOUZA, 1996).
Toda a pesquisa referente á tecnologia de construção foi permeada por observações
globais e pontuais, através de exames organolépticos e execução de exames de
estratigrafia. Também foram feitas análises de materiais e constituintes, através de cortes
estratigráficos realizados pelo Laboratório de Ciências da Conservação.
A madeira possui como vantagens ser de fácil manuseio possui uma massa específica baixa
e alta resistência mecânica. Como conseguinte, é bastante vulnerável aos agentes externos,
possui uma durabilidade limitada, quando desprotegida e é material combustível. 5Possui em
termos médios em sua composição química 60% de celulose (massa), 28% de lignina (fibras
- o que dá a resistência à madeira) e 12% de outras substâncias, é um material orgânico e
higroscópico.Tratamos de um dos mais antigos materiais utilizados pelo homem, sendo
precedido à própria pedra. A durabilidade da madeira é uma característica que depende de
sua resistência natural e os agentes de deterioração e das condições de umidade no local
onde estão presentes.
Segundo o inventário do IPHAN as esculturas são compostas de madeira do tipo cedro. Não
foi executada análise científica do tipo de madeira, pois seria necessário a coleta de várias
amostra com dimensão aproximada de 1cm3, exigidas pelo Instituto de Pesquisa
Tecnológica - IPT, e no caso esse exame seria danoso às obras desse acervo, tanto pelo
acesso a locais sem policromia, quanto pelo orifício deixado na obra.
O Cedro em sua classificação é considerado uma madeira fina, macia sendo muito
empregado por escultores até hoje, devido à facilidade do manuseio Foram identificadas
marcas de ferramentas utilizadas para esculpir as esculturas, verificadas na região posterior
das esculturas em meio corpo tratamos de goivas e formão,
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
As esculturas são compostas de blocos sendo que o número varia de acordo com cada uma
especificadamente. Resumindo trata de uma construção com um bloco maior para o corpo,
cabeça e vestes, por vezes bloco dos braços e bloco das mãos, esculpidas separadamente
e o encaixe macho e fêmea, pequenos blocos para complementação de áreas. Para a
fixação desses blocos observamos a presença de cravos. A face apresenta corte para a
colocação de olhos.
A técnica de fatura empregada pelo artista consta de técnicas tradicionais em que usa o
desbaste que trata do uso de goivas de canutilho ou meia-cana, que se situam formando
ângulo elevado em relação à superfície da madeira. Modelação que é o uso de goivas
menores, mais planas e afiadas e o Acabamento feito com uso de Cinzel, grosas, tecido
embebidos em cera, fricção no local com areia ( para alisar ao máximo a escultura). As
marcas de ferramentas possíveis de serem definidas vão do uso da goiva que é uma
ferramenta usada para lavrar superfícies curvas, havendo uma vasta tipologia devido as
duas principais variantes: a forma longitudinal (pá) e a forma de perfil de corte (ou boca),
uso do formão que tem formato retangular e é usado para desbastar planos, talha
obliquamente e necessitam de um “Maço” para golpear.
No caso do conjunto escultórico de Congonhas,
tratamos de obras policromadas,
encontramos as marcas de ferramentas apenas em locais secundários, ou seja, nas áreas
sem visibilidade e de difícil acesso. Possivelmente locais em que o mestre não trabalhava
passava para seus auxiliares. Este estudo é de interesse, pois pode apresentar hábitos de
trabalho,temperamento e possivelmente diferenciar técnicas de preparo, mas ainda há uma
série de questionamentos para a aplicabilidade desse estudo.
A técnica de ornamentação encontrada nas esculturas seja na carnação, nos olhos e
também na vestimenta, trata de pintura á óleo, constituída por camadas de tinta preparadas
a partir de pigmentos inorgânicos sintéticos ou naturais fixados em uma camada através de
um meio oleoso, que com o passar do tempo forma uma retícula tridimensional que mantém
coesa, a camada de pintura e os pigmentos nela presentes. Possui carnação nas áreas do
rosto, cabeça, mãos braços, pernas e pés. Foram realizados estudos estratigráficos com
auxílio de uma lupa binocular, totalizando 15 exames.
As camadas estão compostas por encolagem, base de preparação branca com aspecto
granulado, camada de policromia e verniz, que evitam por um lado o contato direto do
suporte com o meio. Ao mesmo tempo, materiais que possuem uma constituição diferente,
sobrepostos, reagem diferentemente às condições ambientais e aos agentes externos,
podendo gerar descolamento, fissuras, rachaduras, ou seja, problemas derivados de
movimentação diferenciada do suporte e da policromia e também dos entre os materiais que
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
constituem a policromia. Ao mesmo tempo ela faz o papel de barreira de proteção do
suporte.
Foram coletadas microamostras para análise da camada pictórica, realizadas no Laboratório
da Ciência da Conservação. Outros exames executados referem-se aos cortes
estratigráficos para a análise das camadas e também o FTIR, que determina os materiais
componentes de cada camada. As microamostras foram coletadas de áreas com perdas e
desprendimentos referentes á carnação e vestimenta. Sobre a camada de policromia há
presença de verniz ou cera com características de translucidez e
aspecto oxidado
observado em pontos dispersos.
Os olhos das esculturas são do tipo calota, característica observada em área de perda e
descolamento, segundo análise é constituído de suporte em vidro recebendo em seguida
uma camada parcial de policromia, referente á íris e por última uma camada pictórica que
envolve todo o globo ocular, (FIG.03).
Suporte
vidro/
área
externa
SUPORTE
em vidro
POLICROMIA
Policromia
/ área
interna
Figura 03 - Tecnologia construtiva dos olhos. Foto e Esquema: Lucienne Elias, 2002.
Para a incustração dos olhos foi executado o corte seccionado na face de todas as
esculturas. Possivelmente os olhos foram confeccionados e a policromia foi executada a
pincel e em seguida foram fixados pela parte de dentro do bloco facial.
CONSIDERAÇÕES
Ainda há muito a considerar quanto a obra executada pelo escultor Mestre Antônio
Francisco Lisboa, desde análises diferenciadas, releituras, ar de família, falsificações. A
cada dia surgem novas indagações sobre atribuições equivocadas ou em massa, muitas
vezes a partir de estilemas, usados principalmente na região facial da obra já se torna de
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
sua autoria ou atribuição e mesmo quando estes não apresentam características de seu
estilo.
Contudo ainda desejamos saciar de respostas nossas indagações e questionamentos sobre
as obras desse artista ímpar, sendo indiscutível
a qualidade de seu trabalho, o qual
atravessará as centenas de anos, ilustrando nossas mentes e buscando novas descobertas,
novos dados que manterão acessa nossa contínua procura de informações sobre o artista e
sua obra. Buscando juntamente com a Conservação e consequente Preservação, desse tão
importante acervo, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade.
REFERÊNCIAS
BAZIN, Germán. Aleijadinho et la Sculpture Baroque au Brésil, Le Temps, Paris, 1963.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BURY, John. Arquitetura e Arte no Brasil Colonial, Brasília, DF: IPHAN / MONUMENTA, 2006. 256 p.
o
______, Antônio Francisco Lisboa - O Aleijadinho. N .15, Ministério da Educação e Saúde,
Publicações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1951. 115 p.
COELHO, Beatriz; Quites, Maria Regina Emery. Duas Esculturas do Aleijadinho: São Simão Stock e
o
São João da Cruz, Boletim do CEIB, n 40, 2008.
ELIAS, Lucienne Maria de Almeida. Diagnóstico de Conservação do Conjunto Escultórico da Capela
da Ceia do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Minas Gerais, Brasil. Dissertação de
Mestrado do Curso de Artes, área Conservação Preventiva, Escola de Belas Artes, UFMG, 2002.
IGA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIA APLICADA Mapas de curva de nível/ tipo de solo. Disponível
em:<http://www.iga.br>.Acesso em 19/04/2001 às 08h06min.
IPT
INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICA. Dados sobre madeira. Disponível em:
<http://www.ipt.br>. Acesso em: 03/06/2001 às 15 h.
a
MACHADO, Lourival Gomes. “Barroco Mineiro”, São Paulo, Editora Perspectiva, 3 Edição, 1978. 446
p.
a
MACHADO, Lourival Gomes. “Barroco Mineiro”, São Paulo, Editora Perspectiva, 3 Edição, 1978. 446
p.
_____________. “Aleijadinho”, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1983.
Número Especial. 1983. 75p.
MARTINS, Judith. “Dicionário de Artistas e Artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais”. 2
volumes, MEC, Rio de Janeiro, 1974.
MAINIERI, C. Fichas de características das madeiras brasileiras. Instituto de Pesquisas tecnológicas.
São Paulo, Publicação IPT, 1971
SOUZA, Luiz Antônio Cruz. “Evolução da Tecnologia de Policromia nas Esculturas em Minas Gerais
no séc. XVII: O interior inacabado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas
do Mato Dentro, um monumento exemplar”.UFMG-ICEX, Belo Horizonte, MG, 1996.294p.
RIBEIRO, Myriam Andrade Ribeiro de. “As relações entre a História da Arte e a Restauração: Estudo
de Caso – Os Passos do Aleijadinho em Congonhas”.
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
RIBEIRO, Myriam Andrade Ribeiro de. “Aleijadinho – Passos e Profetas”. Editora Itatiaia Limitada e
Editora da Universidade de São Paulo. 77p.
RIBEIRO, Myriam Andrade Ribeiro de. “O Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos de
Congonhas”. Roteiro histórico - artístico. In: Culturano 31, Brasília, 1979.
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro. Passos da Paixão. Editora Alumbramento / Livro Arte Editora, Rio de
Janeiro, 1989. 130 p.
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro. O Aleijadinho e o Santuário de Congonhas, Brasília, DF: IPHAN /
Monumenta, 1984.p.18-23.
OLIVEIRA, Myriam A. Ribeiro de; SANTOS FILHO, Olinto; SANTOS, Antônio Fernando Batista. O
Aleijadinho e sua oficina – Catálogos das Esculturas Devocionais. Editora Capivara. P.355.
VASCONCELOS, Sylvio de. “Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”. São
Paulo,1979. 186 p.
IX Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte em homenagem aos 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho
De 02 a 05 de Novembro em Belo Horizonte/MG
Download

Baixar artigo completo