Discurso do representante docente Geovani Jacó de Freitas, para a Solenidade de
Colação de Grau do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará,
em 06 de setembro de 2013..
Magnífico Reitor da UECE, professor Dr. Jackson Sampaio; Excelentíssima
professora Dra. Letícia Adriana dos Santos, Diretora do Cento de Humanidades, por
meio dos quais saúdo demais integrantes da Mesa.
Estimados Formandos e Formandas,
Sempre que faço parte de uma solenidade de Colação de Grau, fico tomado de
emoção. Trata-se, pois, de um ritual simbólico, de significação emblemática para a
quase totalidade dos que aqui estão presentes.
Esta solenidade torna-se emblemática por muitos motivos. Primeiro, enuncia-se
como corolário de muitas expectativas individuais e coletivas. Em um país como o
Brasil, onde a educação, embora garantida como direito universal, ainda é um privilégio
para grande maioria da população, para vocês que chegaram até aqui certamente tem um
sentido memorável.
O sistema educacional, sobretudo o de ensino público, funciona como um funil,
com muitas malhas e seus traçados. Enquanto mais se eleva o grau de escolarização,
menor e mais trançada é a tecitura da rede no funil. Esta seleção não é aleatória nem
natural. Tem suas diversas motivações, ordens e imposições. Tornam-se mais ou menos
perversas de acordo com a quantidade de capitais econômico, cultural e simbólico de
cada estudante e de suas famílias.
Quantos não ficaram para trás. Lembro-me de um aluno meu, vindo do interior
que, na aula da saudade de sua turma, afirmou em depoimento: “de todos meus colegas
de infância lá em Fortim, só eu consegui me formar!. Uns casaram, trabalham por lá
mesmo, outros viajaram pra trabalhar fora. Eu quase ia nessa também. Foi por pouco!”
É por este motivo que, a Colação de Grau, embora um ritual de passagem, neste
momento, tem sabor de conquista e de vitória. Tem gostinho de Futuro concretizado no
presente. Funciona deste jeito: chegamos até aqui. Isto nos dá prazer devido ao
cumprimento de um sonho individual realizado. Também significa cumprimento da
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responsabilidade social e familiar a que nos foi conferida. A partir de agora, temos um
distintivo: um título, uma profissão e um status que nos dão ‘distinção’ intelectual e
social.
No entanto, neste percurso, somos, por assim dizer, peixes na piracema,
transpondo barreiras, nadando contra a correnteza, em um rio caudaloso e cheio de
obstáculos, muitos deles criados não pela natureza, mas pela intervenção humana e seus
interesses nem sempre coletivos.
Esta experiência significativa da conquista de um título universitário, no
entanto, é mais que um distintivo de ascensão social. Pode ser apenas isto, para alguns.
Certamente, para todos que aqui estão, espero que seja a demarcação de uma vida e seus
traçados futuros. Aqui, portanto, começa outra etapa do caminho.
Neste momento, estamos recebendo o título de Cientistas Humanos.
Diferentemente dos peixes na piracema do rio, nosso compromisso é com a Criação e
não apenas com a procriação no sentido apenas da reprodução instintiva da espécie.
Creio que o Cientista Humano lida com a cultura humana e sua capacidade de
por em suspenso todas as formas de conhecimentos sobre nós mesmos, como
indivíduos, e sobre a sociedade, como coletividade humana.
Aqui situo meu deslumbramento com os vários saberes que constituem as
Humanidades, como campo científico, e os desafios que cada um de nós, como
cientistas humanos, tem pela frente, no sentido de não nos perdermos nos processos de
abestalhamento coletivo que a sociedade de mercado se nos revela como impositivo
categórico de esvaziamento da cultura. O que se pode observar e a inexorável
autonomização entre forma e conteúdo da nossa experiência societária contemporânea.
Talvez seja este um dos grandes desafios da formação de pensadores, estudiosos,
professores, cientistas humanos, na verdadeira acepção da palavra, de um Centro de
Humanidades. Nossa formação acadêmica não pode estar descolada dos processos
sociais concretos de constituição e construção permanente de sujeitos autônomos e
livres para pensar e para agir, com liberdade e criatividade.
Espero que, após nosso aprendizado, no período de nossa graduação, na
Universidade Estadual do Ceará, neste Centro de Humanidades, não esqueçamos o
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compromisso de manter o pensamento e a ação engajados, seja como Cientistas Sociais,
como filósofos, como profissionais das Letras, como Historiadores, como Músicos e
como Psicólogos.
No plano das Ciências Humanas, seremos melhores cientistas humanos na
medida em que tivermos, como escreveu Fernando Pessoa, “a capacidade de
entendimento dos símbolos e dos rituais simbólicos. Isto exige do intérprete, diz ele,”
cinco qualidades ou condições, sem as quais serão para ele mortos, e ele um morto para
os símbolos”. Neste rol das cinco capacidades citadas por Pessoa, estão a simpatia, a
intuição, a inteligência, a compreensão e, por última, ele não bem define. Diz ele talvez
seja, para uns, a graça, para outros, a mão do Superior Incógnito, ou, para outros, o
Conhecimento e Conversação do Santo Anjo da Guarda...
Com base nestas cinco qualidades, e as tendo como ferramenta para o nosso
modo de pensar e agir, acho importante destacar:
- mesmo que venhamos experimentando o desleixo e a falta de atenção dos
gestores públicos do Estado do Ceará em relação às Instituições Estaduais de Ensino
Superior no Ceará, com suas sucessivas gestões esvaziando as Universidades estaduais;
- mesmo que o mercado imponha e exija não mais pensadores, apenas técnicos
com capacidade inventiva, embora não criadora, e preparados para serem dirigidos e
não dirigentes; e, finalmente,
- ainda que a fragmentação e atomização dos conhecimentos pareçam ser a
tônica que orienta o fazer profissional da chamada modernidade, não podemos nem
devemos abandonar o ideal do conhecimento totalizador da condição humana. Somos
humanos justamente por não sermos redutíveis a apenas uma linhagem de pensamento
ou de ação. Somos humanos porque produzimos cultura, em seus sentidos diversos.
Despeço-me lembrando, como cientista social, que a arte e a ciência devem
andar de mãos dadas, e devem servir de inspiração e cuidado para não desumanizarmos
as próprias Humanidades.
A partir de hoje, muitos de vocês seguirão carreira solo. Espero que logrem
sucesso como profissionais. A experiência desta coletividade ficará na memória de
todos nós. Vocês como estudantes, entre si, e nós professores e gestores, com vocês.
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Este sentido espiritual transcende a experiência unicamente intelectual da e na
Universidade. O que restou é o que ficará de mais lindo e válido para o resto das nossas
vidas. Disse, certa vez, Carlos Drummond de Andrade:
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
As coisas findas, como esta nossa experiência coletiva que aqui se conclui,
tornam-se dialeticamente renovadoras: acaba-se este círculo para dar início a outro,
como novos desejos e novos desafios na bagagem.
Vejo-os, queridos e queridas estudantes, doravante colegas, como jardineiros do
tempo, com seus conhecimentos sendo aprimorados permanentemente, no confronto das
experiências azeitadas pelo senhor tempo, como disse outro poeta, não identificado:
eu sou o jardineiro do tempo!
cultivo as horas em grandes vasos de barro logo na
entrada do jardim
os minutos eu planto em canteiros cobertos, para que
floresçam até no inverno.
os segundos, estes são plantados aos milhares, à
lanço. Assim todo o jardim tem segundos preciosos!
Com os dias eu faço cercas vivas, formando o desenho
do jardim
As semanas eu planto em lugares especiais, aqueles que
só você e eu conhecemos.
Os meses, ah os meses! esses cultivo na meia sombra,
pois são muito sensíveis ao sol de todo dia!
Tenho também alguns anos, que fui plantando aqui,
plantando ali e já somam uns quarenta! ainda espero
continuar...plantando, plantando, plantando, plantando...
Parabéns a todos e todas formandos e formandas aqui presentes, e a todos os
seus queridos familiares e amigos presentes.
Obrigado.
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