LIVRO INFANTIL: UMA NOVA VISÃO DE MUNDO.
CAROLINE PINTO DA SILVA, CAROLINE PINTO DA SILVA, NATALIA SALVATO CODO
(UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA).
Resumo
O nosso projeto tem como base o livro “O gato e o Escuro”, de Mia Couto, que fo
seu primeiro livro de histórias infantis. “O Gato e o Escuro“ é a história do gatinho
Pintalgato, o tema gira em torno do medo do escuro ou do desconhecido. Muitas
são as questões filosóficas que poderiam ser identificadas no texto, porém, esse
não é o nosso principal objetivo. Pretendemos, neste trabalho, apresentar o livro
como uma ferramenta para trabalhar alfabetização no primeiro ano do ensino
fundamental. Utilizamos diversas ferramentas para a aplicação do projeto, a fim de
proporcionar aos alunos uma melhor compreensão do desenvolvimento da leitura e
da escrita e como suporte teórico diversos autores, como Joset Jolibert em
“Formando crianças leitoras”, Paulo Freire em “A importância do ato de ler” e Maria
Lajolo em “Do mundo da leitura para a leitura do mundo”. O livro proporciona aos
alunos uma leitura de mundo que faz refletir sobre os seus próprios medos. A
leitura de mundo permite a leitura da palavra e, desta forma, surge a alfabetização
concreta. A experiência da leitura possibilita qualidade e visão crítica tornando a
experiência de ler, significativa. A finalidade deste trabalho é ,além de tornar o livro
conhecido pelo meio acadêmico, discutir a importância da leitura para as crianças,
sendo que esta prática tornou–se massificada, trazendo o esgarçamento do
significado do texto e o envelhecimento rápido dos textos e conteúdos.
Palavras-chave:
Leitura de mundo, Alfabetização, Literatura infantil.
Projeto: Livro Infantil: Uma nova visão de mundo.
1.Introdução
"Aprender a ler e a escrever é Ter acesso a um mundo distinto daquele em que a
oralidade se instala e organiza". (Osakabe)
O Aluno aprende apenas quando se torna sujeito da sua aprendizagem. E
para que isso aconteça é necessário participar das decisões que dizem respeito ao
projeto de sua escola, tornando este processo significativo também para sua vida.
Neste sentido a escola não deve apenas transmitir conhecimentos, porém
preocupar-se com a formação global dos alunos, numa visão em que o conhecer e o
interesse do aluno se encontrem. Para isso é preciso saber trabalhar com as
diferenças: reconhece-las, e não camufla-las, aceitando que para conhecer a si
mesmo é preciso conhecer o outro, e assim ampliar a visão de mundo do aluno.
O ato de ler, quando bem trabalhado pelo professor como um momento de
descoberta e prazer, propicia ao aluno um olhar amplo para a realidade, além de
desenvolver habilidades necessárias, bem como criatividade, leitura de mundo,
organização do pensamento, entre muitos outros.
Partindo deste pressuposto, cabe ao educador buscar ferramentas para
tornar a leitura significativa ao aluno, e contribuir desta forma para sua
alfabetização, não apenas de códigos, mas também das entrelinhas.
(...) "processo que envolvia uma compreensão critica do ato de ler, que não se
esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que
se antecipa e se alonga na inteligência do mundo." (FREIRE, p.11, 2003)
Desenvolvendo trabalho nas disciplinas de "Alfabetização" e "Conteúdo,
Metodologia e Prática do Ensino de Língua Portuguesa", no curso de Licenciatura
Plena em Pedagogia, na Unesp Campus de Rio Claro, realizamos este projeto em
um Primeiro Ano de uma Escola Municipal de Rio Claro, utilizando o livro de Mia
Couto "O Gato e o Escuro" como ferramenta, e assim apresentaremos as facetas da
leitura descrevendo o dia a dia do projeto e as ações dos alunos.
2.O Projeto
Nosso projeto teve como base o livro "O Gato e o Escuro" de Mia Couto, sendo este
o primeiro livro de histórias infantis de sua autoria. "O Gato e o Escuro" é a estória
do gatinho Pintalgato, um conto que gira em torno do medo do escuro e do
desconhecido. Muitas são as questões filosóficas que poderiam ser identificadas no
texto. A criação do livro foi muito bem trabalhada, pois destaca assuntos
pertinentes ao público infantil, como o desejo da descoberta, os riscos da
desobediência, o gosto pela aventura e a necessidade de autonomia.
Utilizamos de diversas ferramentas para a aplicação do projeto para
proporcionar aos alunos uma melhor compreensão do desenvolvimento da leitura e
da escrita, nos baseando em vários autores. O texto de Joset Jolibert "Formando
crianças leitoras" nos auxiliou para trabalharmos os sete níveis de conceitos
lingüísticos e os sete níveis de indícios de leitura que serão descritos em nossos
relatos, levando em conta que:
"É preciso ter em mente que se trata, na verdade, de conceitos, a serem
construídos como tais tanto pelas crianças como pelos adultos (...) Não nos seriam
de nenhuma ajuda se fossem considerados como meros "conhecimentos
gramaticais". As competências lingüísticas a serem construídas devem, ser
representadas como competências conceptuais" (JOLIBERT, 1994, P. 142).
Partindo destes pressupostos escolhemos este livro para ser desenvolvido
com as crianças, pois possui uma história que prender a atenção dos alunos por ter
um contato com a língua materna (português de Portugal) e os temas acima
citados.
A experiência de leitura deve ser significativa, assim como as bases teóricas de
FREIRE, LARROSA e LAJOLO, considerando ainda que o ato de ler, ou o tecer da
leitura, compreende um valor amplo de emancipação[1].
O livro proporciona aos alunos uma leitura de mundo, que os faz refletir
sobre seus próprios medos, assim as crianças se comparam com as atitudes e
ações de Pintalgato. A leitura de mundo, na concepção de Freire permite a leitura
da palavra, e desta forma surge à alfabetização concreta. A experiência da leitura
possibilita qualidade e visão crítica da mesma. No entanto, a criança só aprenderá a
ler se estas experiências forem significativas[2].
Partindo destas experiências cabe aos professores conceder aos alunos um
maior contato com livros e histórias infantis, pois com o passar do tempo a leitura
se tornou massificada trazendo o esgarçamento do significado do texto e o
envelhecimento rápido dos textos e conteúdos. Assim, surge a necessidade de
novos textos constantemente. Nestes aspectos, o papel do professor é de mediar
entre o aluno e o texto, para isso, quebrar esta cadeia de alienação.
Após a leitura destes teóricos e algumas indagações planejamos este
projeto com o objetivo de desenvolver a leitura e a escrita de uma forma
significativa com as crianças do primeiro ano do ensino fundamental.
3.Descrição das atividades.
As observações e a regência do projeto na Escola foram feitas em onze
dias, sendo que dois foram para observações e interação com a sala de aula e nove
para regência.
3.1.Observações
O panorama geral da sala de aula é bem acolhedor. Há muitos trabalhos
dos alunos expostos pela sala; o teto é recheado de nuvens e por entre elas um
arco-íris, tornando o ambiente agradável e motivador. Ao adentrar na sala de aula
é possível notar, devido a um nuance de cores, um painel chamado "Projeto
carambolas" nos quais as crianças expõem seus trabalhos de poesia que são
realizados com o auxílio da professora em certo período de tempo. Na parede da
lousa há um abecedário criado pelos próprios alunos com colagem, em cada letra
tem uma figura representando esta inicial.
Para motivação da leitura, os alunos confeccionaram um tapete de TNT colorido,
onde toda semana é realizado o "cantinho da leitura". O tapete fica ao centro com
vários livros e as crianças sentam ao redor dele para que façam suas escolhas e
realizem uma leitura silenciosa. Neste momento a professora senta individualmente
com as crianças que tem dificuldades e os ajuda na leitura. A disposição das
carteiras varia conforme as atividades que são realizadas pela professora, os
recursos didáticos foram poucos utilizados durante a observação, sendo este a
televisão.
No decorrer das aulas a professora "E" manteve uma boa interação na sua
relação com os alunos, orientando e mediando todas as atividades desenvolvidas
pela mesma. A turma tem um bom relacionamento entre si o que facilita seu
trabalho possibilitando uma relação de ensino-aprendizagem. Durante a aula, no
término individual de cada atividade a professora orienta que os alunos auxiliem
seu amigo com dificuldades, esta parceria ocorre em todos os momentos, mas é
vista claramente quando a sala é distribuída em grupos. Nestes aspectos,
observamos que sua atuação como professora é sempre a mesma, não alterando
sua voz em nenhuma ocasião, mantendo sempre a calma e a tranqüilidade para
todos os fins.
No decorrer das aulas a professora "E" desenvolve atividades pedagógicas
sempre com um tema a ser trabalhado. Quando estávamos presente na sala de "E",
o projeto que estava sendo desenvolvido era relacionado com o ESPAÇO. Iniciou
sua aula com a entrega de um texto, trazendo informações reais e atuais, referente
ao assunto para cada aluno, onde a leitura deveria ser individual e silenciosa.
Durante a leitura dos alunos, a professora auxiliava cada um individualmente,
principalmente os que tinham mais dificuldades. Quando todos os alunos
terminaram a leitura silenciosa, um aluno realizou a leitura oral. Após, E conversou
com as crianças sobre o texto, o tema e o que poderiam estar fazendo para
desenvolver atividades referentes ao assunto.
As crianças solicitaram que fizessem os planetas para colocar no teto da
sala de aula, já que havia o céu. Outras tiveram a idéia de fazer um cartaz para
comunicar os alunos das outras salas sobre este assunto. E outras queriam fazer
uma ilustração do texto.
A participação neste tipo de atividade foi de todos os alunos, pois a
professora indagava sempre os alunos que estavam mais quietos para que eles
também participassem da aula. A professora anotando as idéias na lousa pediu
então, para que os alunos começassem a escrever alguns tópicos importantes que
eles encontraram no texto para montarem o cartaz, atividade que já havia sido
realizada na sala com outros projetos.
A sala foi dividida em grupos, onde cada aluno iria dividir suas anotações
para que assim, montassem o cartaz. A professora em todos os momentos estava
auxiliando seus alunos e estes, em sua maioria realizam as atividades, apenas os
alunos com dificuldades se sentiam recalcados, mas a professora estava em todos
os momentos presente.
"O professor seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete. Como um
presente, como uma carta." (LARROSA, p.140, 2003)
Ao terminarem de montar suas anotações finais "E" corrigiu algumas
palavras que poderiam estar escritas de maneira errada, entregou as cartolinas e
as crianças iniciaram a construção do cartaz informativo. Fizeram uma ilustração
para "chamar a atenção", como as crianças colocaram, e espalharam pelo pátio da
escola.
A montagem dos espaços foi realizada no dia seguinte. As crianças fizeram
os espaços com bolinhas de isopor, papel maché e pintura com guache, a
professora só orientou os alunos de como seria realizada a atividade e eles mesmos
foram direcionando a pintura e a montagem. Todas as crianças participaram e se
entusiasmaram. Quando as pinturas secaram os planetas foram colocados no teto
da sala de aula, tornando o ambiente escolar diferente.
Como seqüência do mesmo assunto, E pediu que os alunos escrevessem
individualmente um texto descrevendo o que eles aprenderam com a atividade, o
que fizeram e o que desenvolveram. Após a escrita, os textos foram trocados pelos
alunos para que comparassem o que os outros colegas escreveram. Novamente em
grupo, os alunos montaram a partir das idéias que haviam surgidos uma só história
e ao final apresentaram com fantoches suas criações.
A professora observada possuía apenas formação em Pedagogia, ou seja,
não possuía especialização em mais nenhuma área do conhecimento, porém
observamos que sua prática vai ao encontro daquilo que temos discutido. "E" torna
a leitura como um ato agradável e que têm um significado ao aluno.
3.2.Regência - Dia a Dia
Após as observações, percebemos que a classe estava pronta para as
atividades sugeridas com a leitura dos teóricos, e desta forma iniciamos nossa
regência partindo dos "Sete Níveis de Conceitos Lingüísticos/ Sete Níveis de
Indícios de Leitura", contidos no Livro de Joset Jolibert, "Formando crianças
Leitoras".
3.2.1 - O primeiro dia.
No primeiro dia de regência, entregamos aos alunos o livro "O Gato e o
Escuro" de Mia Couto, para que fizessem uma leitura individual e silenciosa, e
assim tendo um primeiro contato com o livro, analisando as figuras e reconhecendo
palavras.
Após este momento, os alunos perceberam que no livro havia muitas
palavras desconhecidas, e com a nossa ajuda foi feita à leitura oral do texto,
partindo para uma discussão do que havia chamado mais a atenção no livro,
pontuando na lousa os aspectos mais relevantes.
3.2.2 - Segundo dia.
Retornando ao texto, no segundo dia de regência, realizamos com a classe
um roteiro de leitura[3], para que em duplas iniciassem um trabalho mais
aprofundado de compreensão do livro.
No roteiro constavam as seguintes perguntas: Quem é o autor?, A quem o
livro foi dirigido?, Para quem foi produzido?, O que nos chamou mais a atenção?,
Que tipo de texto é esse?, Quais tempos cronológicos encontro no texto? Qual a
silhueta do texto? Respondendo as questões individualmente em um primeiro
momento, e discutindo oralmente no grupo classe com a intervenção das regentes.
Ao chegarem na silhueta[4] do texto a discussão foi mais acentuada, partindo
então para uma analise da capa do livro.
3.2.3 - Terceiro dia.
Como a capa foi motivo de interesse, desenvolvemos no terceiro dia, a criação de
uma nova capa para o livro.
As dúvidas com relação a algumas palavras desconhecidas do texto permaneceram,
então foi preciso utilizar o dicionário. Percebemos que as crianças nunca tiveram
contato com o dicionário, então resolvemos fazer um dicionário da classe, e assim
eles puderam aprender a utilizá-lo. Para isso partimos da pergunta: "O que é um
dicionário e para que ele serve?" e assim desenvolvemos a idéia da importância de
usar o dicionário, bem como sua praticidade quando escrevemos um texto.
Após este primeiro momento, as crianças escreveram um texto contando
em uma história o que entenderam sobre um dicionário, utilizando este como uma
avaliação.
3.2.4 - Quarto dia.
Com os textos escritos na aula anterior cada aluno se apresentou para a
sala lendo suas histórias. Depois de conversarem definiram a importância do
dicionário de maneira coletiva.
Voltando na história do livro, solicitamos que as crianças buscassem no
texto as palavras que elas não conheciam e tinham dificuldade em reconhecer.
Assim cada grupo acrescentou no dicionário da classe as mesmas, acrescentado
seu significado.
3.2.5 - Quinto dia.
As crianças concluíram o dicionário e ilustraram-no.
3.2.6 - Sexto dia
Após a identificação textual, iniciamos uma compreensão mais profunda do
texto. Iniciamos com uma pergunta: "Qual medo eu tenho?", e assim o grupo
classe realizou uma discussão, sendo pontuado na lousa todos os medos
destacados pelos alunos. Quando esta atividade estava sendo desenvolvida, alguns
alunos pediram para desenvolverem um livro contando uma historia relacionada
aos próprios medos. A idéia foi bem aceita pela classe, mudando um pouco nosso
planejamento.
Desta forma entregamos a eles folhas de linguagem para iniciarem uma
primeira escrita.
3.2.7 - Sétimo dia
Neste dia, após avaliarmos os textos, digitamos os mesmos e entregamos
aos alunos para que fizessem a correção textual de gramática, pontuação e
ortografia com ajuda das regentes, assim houve a troca dos textos, onde cada
aluno corrigiu a história de um colega, circulando a palavra ou expressão, que para
ele estaria "errada", escrevendo acima da mesma a fora certa.
3.2.8 - Oitavo dia.
Com as correções os alunos realizaram sua reescrita do texto e partiram
então para a criação do livro de histórias, construindo-o individualmente.
3.2.9 - Nono dia.
Este ultimo dia de regência direcionamos as atividades para o termino da
produção do livro e suas ilustração, e assim os alunos que foram terminado
puderam apresentar sua história aos colegas de classe.
4.Conclusão.
"O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz" (Paulo Freire)
Acreditamos ter alcançado nosso objetivo nas atividades que propomos aos
alunos, pois durante todo o desenrolar da aula foram muito participativos,
interessados e entretidos.
Os teóricos utilizados foram de grande valia para o desenrolar das
atividades, e assim pudemos perceber que de fato, quando o aluno está
empenhado sua aprendizagem é mais significativa, e assim mais amplo torna-se
sua visão.
Partindo do interesse do aluno, a aula é mais dinâmica, e a relação de
aprendizagem, tanto entre o professor e o aluno, quanto aluno e aluno, alcança um
nível de equilíbrio que facilita o ensino/aprendizagem, e desta forma, a leitura é
uma ferramenta prazerosa.
5.Bibliografia
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas/ 4. ed./
texto Jorge Larrosa, tradução de Alfredo Veiga-Neto, - 4.ed., 1º imp. - Belo
horizonte; Autentica, 2003.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam.
22 ed. São Paulo: Cortez, 1988.
JOLIBERT, J. (coord.) Formando crianças leitoras e produtoras de textos.
Trad. B. C. Magne. Porto Alegra, 1994 b.
JOLIBERT, J. (coord.) Formando crianças leitoras. Trad. B. C. Magne. Porto
Alegre, 1994 b.
Lajolo, m. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,
1993.
[1] Tornar-se emancipado nos remete: "(...) conota artesanato, solidariedade e
diálogo, construindo uma metáfora que sublinha aspectos relevantes para uma
reflexão sobre o papel da leitura numa sociedade democrática" (LAJOLO, p. 104,
2004).
[2] FREIRE, p.11, 2003.
[3] Parâmetros da Situação de Comunicação que remete o texto na relação autor X
leitor, segundo Nível de Conceitos lingüísticos ( JOLIBERT, p. 142, 1994).
[4] Quarto nível de conceitos lingüísticos - a identificação da silhueta do texto.
(JOLIBERT, p.143, 1994)
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livro infantil: uma nova visão de mundo. caroline pinto da silva