Cultura organizacional: o interjogo da permanência e da mudança
Professor Dr. Luiz Arnaldo Stevanato
O tema da cultura organizacional ou, como preferem alguns, os aspectos
simbólicos da vida organizacional, não constitui um tema propriamente novo.
Contudo, podemos dizer que foi nos últimos 35 anos que o assunto passou a
receber a atenção centrada tanto de pesquisadores acadêmicos, como de
profissionais de mercado.
Em razão de suas complexidades e implicações, o tema desde o seu início
tendeu a despertar reações ambivalentes entre gestores e consultores. Por um
lado, tende a despertar o interesse por ser capaz de explicar muito do que
ocorre no cotidiano empresarial. Por outro lado, tende também a levar alguns a
sentir aversão pelo assunto, principalmente, em razão de ser um fenômeno de
difícil apreensão e mensuração e, mais ainda, por ser praticamente impossível
administrá-lo. Mas isso não foi aprendido de maneira fácil.
Os anos da década de 1990 popularizaram os assim chamados programas de
gestão de mudanças, ou em inglês simples “change management”. Hoje,
passados mais de vinte anos, sabemos que a maioria dessas iniciativas foi um
gigantesco e custoso fiasco. Mesmo quando, aparentemente, a cultura havia
sido mudada, bastou o tempo passar e, com ele, deixado para trás o ímpeto
inicial da mudança, para que a cultura voltasse a se mostrar, novamente, com
as mesmas características e força inicial. A abundância de evidências
empíricas levou os pesquisadores a compreender uma das principais
características da cultura – sua resiliência, ou seja, mesmo quando submetida
a persistentes esforços de mudança, a cultura, ou mais precisamente, o núcleo
cultural tende a resistir e permanecer estável ao longo de muito tempo. Isto é
particularmente verdade para empresas com uma longa história de sucesso e
cuja cultura encontra-se consolidada. Casos recentes como o da Kodak
ilustram bem o que se acabou de dizer. Embora a companhia tenha inventado
a fotografia digital, não foi capaz de incorporar as inovações decorrentes dessa
tecnologia em sua cultura e estratégia e acabou, por assim dizer, vítima de sua
própria criação.
É bem verdade que os esforços de inovação tendem a mudar as camadas mais
superficiais da cultura, mas não conseguem atingir seu núcleo, ou ainda, os
pressupostos culturais.
O quadro descrito pode parecer desolador, mas longe disso. As mudanças nas
camadas periféricas da cultura são capazes de operar transformações e
ajustes significativos na operação de uma empresa. A ponto de poder afirmar
que, se no momento oportuno uma empresa na situação da Kodak tomasse
providências adequadas, a situação poderia terminar com final bem mais
animador. O problema aqui parece ser a afirmação de que as mudanças
tendem a se dar nas camadas “superficiais” da cultura.
O termo – superficial – pode dar a falsa impressão de que é pouco, insuficiente,
ou ainda incapaz de entregar resultados. Ao lado disso, vive-se em um tempo
que se da extremo valor ao novo, à novidade e, paralelamente, desdenha da
tradição, ou de qualquer fato ou fenômeno que receba o rótulo de “velho” ou
“antigo”. A mistura dessas duas características do espírito da época atual
infunde nos gestores um desejo tão difuso quanto intenso de mudar
radicalmente tudo e por qualquer razão, bastando que os motivos aparentes
sejam convincentes. A este fenômeno deu-se o nome de moda e modismos
gerenciais. E por ele já se cometeram erros gigantescos com graves
consequências. Lembram-se da reengenharia de processos propostos por
consultores famosos como Thomas Davenport e Michael Hammer entre
outros?
A Mudança e a ave de Minerva
Mudanças culturais, mesmo que superficiais, são demoradas e exigem
compromisso das lideranças e suporte político. Aliás, recomenda-se aos
gestores que eles cuidem dos processos, estruturas e comportamentos.
Realizem esforços no sentido de inovar e mudar esses três elementos e não
tentem “gerir” a cultura. Devem, por outro lado, cuidar para que seus esforços
de mudança e inovação sejam coerentes com os valores centrais da cultura da
empresa em que estão atuando. Esta competência é chamada
de
sensibilidade cultural, que é habilidade de “ler” o ambiente cultural e simbólico
da organização e utilizá-lo como força ou alavanca a favor dos processos de
mudança. Aliás, mais recentemente, grandes consultorias estão adotando uma
postura muito semelhante a esta. O discurso dessas empresas parece ter
abandonado as pretensões egocêntricas e narcísicas de mudar a cultura
segundo os planos e projetos da hora, em favor de uma atitude mais madura,
de aproveitar a força da cultura e da tradição como elemento competitivo, que
agrega um diferencial difícil, senão impossível de ser copiado pela
concorrência.
Parece que tanto os estudos acadêmicos como as abordagens mais aplicadas
das consultorias estão atingindo aquele ponto de maturidade, depois de muitos
embates, em que se reconhecem as possibilidades e aceita-se os limites com
tranquilidade. Como o mito de Minerva, deusa grega da inteligência, relata que
a coruja, associada à deusa e que simboliza a sabedoria, alça voo apenas ao
entardecer, dizendo que a sabedoria chega com a idade e com a experiência.
O Professor Luiz A. Stevanato é doutor e mestre em Administração de
Empresas pela FEA-USP. Pisicólogo formado pela USP. É professor e
consultor em temas relacionados à gestão de mudanças na cultura
organizacional, marketing, metodologia de pesquisa, comportamento do
consumidor e comportamento organizacional.
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