PANORAMA
ENERGIA NUCLEAR
Solução ou problema?
Ignacy Sachs
Luiz Reis
Professor Emérito da Escola de Altos Estudos em
Ciências Sociais em Paris.
C
om o acidente nuclear de Fukushima, no
Japão, provocado por um tsunami, o futuro da
energia nuclear voltou a ocupar lugar de destaque no debate internacional. O governo alemão acaba de tomar uma decisão histórica:
abandonar, definitivamente, no decurso dos próximos dez
anos, a energia nuclear. Na Alemanha funcionam atualmente
17 reatores, a comparar com 58 na França, 32 na Rússia, 19 na
Grã-Bretanha e 15 na Ucrânia. O total para a Europa alcança
195 unidades, de acordo com a publicação francesa Direct
Matin, n° 894, de 31 de maio de 2011.
Esta decisão corajosa colocou numa situação difícil os
políticos do principal aliado da Alemanha, a França. O Partido Verde francês se sentiu, como era de esperar, com o vento
em popa. Os governistas constrangidos ressaltaram a diferença entre os dois países. A França depende hoje entre 75 e
85% da eletricidade de origem nuclear, a qual cobre metade
do consumo energético total do país. No entanto, ela importa
a metade do urânio consumido. Em contraste, a eletricidade
de origem nuclear só responde por 22% do consumo de energia elétrica na Alemanha.
Por sua vez, os socialistas começam a admitir a necessidade de uma saída progressiva do nuclear, não sem ressaltar a
excelência da indústria nuclear francesa e o alto custo de uma
transição eventual para as energias verdes. Na imprensa alemã, as estimativas deste custo variam entre 15 e 40 bilhões de
euros. No entanto, a transição deveria se traduzir pela geração de 600 mil empregos novos graças ao crescimento verde
e transformar a Alemanha numa fonte de inovações tecnológicas nas energias renováveis. Faltam por enquanto as estimativas do que custaria a saída do nuclear à França que, como
vimos, depende numa escala muito maior desta energia.
Os meios oficiais franceses pretendem que a energia
nuclear passe a ser a mais barata na França, com um custo de
55 euros por megawatt/hora (MW/h), a comparar com 62
euros para a energia elétrica de origem hidraúlica. Porém a
Cour des Comptes, órgão governamental encarregado da fiscalização das despesas públicas, está empenhada num estudo dos
custos reais da cadeia de produção de energia nuclear. Há
quem pretenda que a inclusão dos custos efetivos do des-
monte das centrais nucleares saindo fora do uso aumentará,
significativamente, o custo unitário da energia de origem
nuclear. Isto sem falar das controvérsias ao redor da gestão
delicada dos resíduos radioativos, cujo volume alcançou, na
França, 1,153 milhões de metros cúbicos em 2007. É cedo
demais para dizer como a decisão alemã influirá nas relações
entre a França e a Alemanha.
Uma outra incerteza diz respeito à exportação de centrais
nucleares por parte da empresa francesa Areva, a maior
empresa pública do setor da energia nuclear no mundo. Não
deixa de ser significativo que no seu site, a Areva se apresente,
atualmente, como uma empresa buscando a produção de
uma energia que não emite o gás carbônico, com ênfase sobre
a energia nuclear e a intenção proclamada de se tornar em
2012 (amanhã!) um dos três líderes mundiais da produção de
energias renováveis: eólica, solar, bioenergias, hidrogênio
(http://www.areva.com/FR/groupe-57/leader-mondialdes-metiers-de-l-energie-nucleaire-et-energies-renouvelables.html).
Se a decisão da Alemanha for imitada por outros países
produtores de energia nuclear, os países emergentes que ainda não embarcaram nesta canoa poderão se dar por satisfeitos, tanto mais que a implantação das centrais nucleares só se
faz com investimentos altos e que, por outro lado, todos esses
países, dispõem de amplas oportunidades para ir desenvolvendo o leque das energias renováveis.
O caso do Brasil é um tanto diferente na medida em que o
país já entrou no clube dos países produtores de energia
nuclear. Felizmente, as centrais nucleares têm uma participação limitada na oferta da energia elétrica no país. No contexto
atual, faria pouco sentido tentar ampliar esta participação, se
não por outras razões, pelas excelentes oportunidades de
expansão da produção de energias renováveis, inclusive com
possibilidades de assumir a liderança internacional no desenvolvimento de algumas dentre elas, estreitando as relações
com outros países emergentes. Esta deveria ser a ambição do
país ao sediar a próxima Conferência Mundial sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, que voltará a ser realizada no
Rio de Janeiro no próximo ano, e não poderá se omitir a uma
discussão da segurança energética.
n
RUMOS - 13 – Maio/Junho 2011
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