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O SERVIÇO SOCIAL E SUA IMAGEM SOCIAL: ajuda ou defesa de direitos?
Carolina Lima Chagas. Assistente Social1
Fátima da Silva Grave Ortiz. Doutora em Serviço Social2
Mariana Fernandes Alcoforado Beltrão3
RESUMO
O trabalho que se apresenta é produto de uma pesquisa concluída em fins de 2011, cujo
objeto é a constituição da imagem do Serviço Social para os sujeitos em geral, não
assistentes sociais ou discentes. Para analisar a imagem do Serviço Social, partimos do
pressuposto que sua configuração está atravessada pelas contradições da ordem burguesa,
pela posição periférica do Brasil nessa mesma ordem, pelo processo de construção das
políticas sociais no país, e também pela inserção particular do Serviço Social na divisão social
e técnica do trabalho.
Palavras-chave: imagem social, autoimagem, ajuda, direitos.
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Mestranda em Serviço Social.
Professora Adjunta da Escola de Serviço Social – UFRJ
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Estudante de Serviço Social.
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1. INTRODUÇÃO
O trabalho que se apresenta é produto dos resultados da pesquisa “A imagem do
Serviço Social: a perspectiva dos usuários” concluída no final de 2011 e teve como objetivo
central: identificar como possíveis usuários concebem a imagem do Serviço Social, o
profissional e também o exercício da profissão com o intuito de verificar e captar, a partir
deste público, eventuais traços da imagem socialmente consolidada da profissão.
Para analisar a imagem do Serviço Social, partimos do pressuposto que sua
configuração está atravessada pelas contradições da ordem burguesa, e mais, pela posição
periférica do Brasil nessa mesma ordem, pelo processo de construção das políticas sociais no
país, e diante disso a inserção particular do Serviço Social na divisão social e técnica do
trabalho, o que incide diretamente sobre ação cotidiana do assistente social.
Do ponto de vista metodológico, além da análise bibliográfica, optamos pela
realização de pesquisa empírica com a aplicação de questionários junto a um público-alvo
composto de cem (100) sujeitos aleatoriamente escolhidos em cinco localidades da cidade
do Rio de Janeiro. Destes, observou-se majoritariamente que eram residentes de bairros da
zona norte da cidade do Rio de Janeiro, possuidores do nível médio a superior em termos de
escolaridade, com renda mensal familiar em torno de dois (02) a quatro (04) salários
mínimos, do sexo feminino e relativamente jovens com idades entre 26 a 40 anos.
Observou-se também que dentre os entrevistados, 66% alegou nunca ter tido contato com o
Serviço Social.
A análise das respostas pautou-se no entendimento de que a imagem consiste em
uma parte da realidade, pois expressa a aparência de um dado fenômeno. No entanto, ela
não está desconectada da essência do mesmo; ao contrário, a revela. Assim, partimos do
pressuposto que a imagem é um nível do real, e não pode ser identificado como o real em si,
é parte dele. É aquilo que as pessoas imaginam, representam, e o fazem da maneira como
conseguem apreender. E esse processo particular de apreensão vincula-se ao grau de
alienação em relação à realidade, que por sua vez é histórico e sempre em movimento.
Conforme Ortiz (2010), no Serviço Social, sua imagem tem sido constituída pela
coexistência de traços tradicionais, claramente assentados na concepção da profissão como
uma forma de ajuda, em constante tensão com traços renovados, ou seja, relacionados à
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defesa dos direitos. A imagem do Serviço Social vai se constituir nessa relação tensa entre
traços tradicionais e renovados, o que é claro nas respostas dos entrevistados.
Com efeito, no Brasil a maneira como se constitui o enfrentamento das expressões
da ‘questão social’ (pautado em processos como o clientelismo, paternalismo e pouquíssima
participação das massas nas decisões nacionais) incide diretamente na forma como o público
de modo geral concebe e define a profissão e o fazer profissional. A imagem da profissão,
como já foi dito, revela a aparência e esta carrega traços e sentidos de sua essência, e isso
aparece refletido nas falas dos entrevistados.
A realização de entrevistas com usuários (ou possíveis usuários) do Serviço Social
explicita a convivência e tensão entre o tradicional e o renovado na imagem da profissão,
colocando o desafio de, partindo de uma perspectiva dialética, sermos capazes de analisar
criticamente como se constitui a imagem do Serviço Social brasileiro, quais esforços são
necessários para a superação da concepção tradicional e construção de uma imagem e
autoimagem correspondente ao projeto profissional hegemônico.
2. Sobre o desenvolvimento da pesquisa: que traços da imagem estão presentes?
Objetivando identificar quais concepções de profissão estavam presentes entre os
entrevistados, foi feita uma questão, dentre muitas, que indagava diretamente o que é o
Serviço Social.
Como já esperado, o Serviço Social não é reconhecido pelos entrevistados como uma
profissão assalariada; ao contrário, é caracterizada majoritariamente como uma forma
especializada de ajuda, a qual se define a partir de várias formas:
a) profissão que atende necessidades: as falas que apontam nesta direção revelam uma
profissão e seu profissional capazes de solucionar os mais variados problemas e minimizar
demandas sociais, tanto a partir do encaminhamento aos demais serviços existentes nas
redes de apoio, quanto a partir do aconselhamento e da escuta, conforme fala a seguir:
O Serviço Social é para atender as necessidades de cada indivíduo, principalmente,
questão de usuários de drogas, de adolescentes/crianças abandonadas, interferir
no relacionamento da família para dar conselhos. (questionário nº 34)
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b) profissão que ameniza conflitos: decorrente da concepção anterior se atribui ao Serviço
Social a função de amenizar desavenças e conflitos tanto no âmbito individual quanto
familiar e institucional. Não identificando as diferenças entre o assistente social e um
terapeuta, o profissional é indicado pelos entrevistados como aquele que é capaz de atenuar
tensões decorrentes das mais variadas motivações. Cabe destacar que estas em nenhum
momento são entendidas a partir do caráter desigual e contraditório da sociedade, mas
naturalizadas como problemas do comportamento do indivíduo dentro de um grupo familiar
ou institucional.
Faz acompanhamento de pessoas em situação de conflitos dentro da sociedade,
seja no âmbito familiar, área da saúde, em algumas situações e em conflitos
individuais ou em grupo. (questionário nº 7)
Cabe destacar que ambas as concepções autoimplicadas aparecem claramente em cerca de
52% das respostas dos entrevistados. As demais – 48% são distribuídas da seguinte forma:
c) não conseguem verbalizar com precisão sobre o que é o Serviço Social (25% das
respostas), indicando alguns aspectos identificados pelos entrevistados no exercício
profissional como a intermediação entre usuário e instituição (em 5%), ou como “anteparo
institucional” (3%), ou como o profissional que realiza visitas e entrevistas (14%), ou como
uma profissão de caráter polivalente (3%).
Assistente Social quando faz visita domiciliar, ou faz atendimento, tenta saber o
que pode ser feito pela pessoa e os familiares. (questionário nº 54)
É o que mais necessita para área de risco, problemas familiares, separação, doença.
É para várias coisas muito necessárias, ‘pau para toda a obra’. (questionário nº 66)
É uma atividade que realiza a intermediação entre os indivíduos com problemas
pessoais ou familiares e a instituição. (questionário nº 8)
d) da mesma forma, não sabem qualificar exatamente o que é a profissão, mas indicam
claramente seu vínculo com a esfera pública, em especial com a política de assistência social
(17%).Também determinam claramente a condição de assalariamento de seus profissionais
em detrimento do agente voluntário.
Está ligado aos programas governamentais (BF, adoção). Atua com medidas sócioeducativas (menores infratores). (questionário nº 53)
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Assistência às pessoas mais desamparadas. Não acredito que professores e pessoas
com mais recursos vão procurar o assistente social. (questionário nº 5)
e) ainda que não saibam efetivamente qualificar a profissão, alguns entrevistados (9%)
conseguem vinculá-la a existência de um “déficit social”, com as lacunas do poder público.
Essa perspectiva observada nas respostas desses entrevistados evidencia que os mesmos
compreendem a intervenção profissional vinculada a um carecimento em termos sociais, à
prevalência de um déficit, contudo, esta intervenção do Serviço Social aparece
majoritariamente desvinculada de uma perspectiva macrossocietária, não identificando que
as respostas profissionais não resultam simplesmente das lacunas institucionais fruto da
ineficiência do Estado, mas da forma como a sociedade capitalista se organiza, gerando
estruturalmente desigualdades na apropriação da riqueza socialmente produzida.
Atua suprindo a ausência do poder público, nas demandas que o Estado não dá
conta. (questionário nº 46)
f) profissão que defende direitos sociais: esta concepção aparece surpreendentemente em
7% das respostas, majoritariamente entre os que nunca foram atendidos pelo assistente
social. Ainda que absolutamente minoritária, a relação da profissão e de seu profissional
com a esfera da defesa dos direitos começa a aparecer junto aos entrevistados,
aproximando-se de uma perspectiva renovada para a imagem da profissão. No entanto,
ainda que nesta perspectiva possamos observar a dimensão da defesa de direitos e sua
relação com o exercício da profissão, se evidencia também nas mesmas respostas certa
ambiguidade à medida que se mantém o entendimento de que o profissional é capaz de
resolver problemas, ajudar o usuário a chegar à solução destes, e garantir direitos. Ou seja,
identificamos uma tensão entre aspectos renovados e tradicionais na maneira dos
entrevistados qualificarem o Serviço Social e seu profissional. Apenas em três questionários,
os entrevistados relacionaram o Serviço Social exclusivamente à perspectiva da defesa dos
direitos sociais.
Trabalha em prol da defesa dos direitos humanos e sociais. (questionário nº 19)
É uma pessoa que orienta as outras pessoas necessitadas em relação aos direitos
que elas têm, mas desconhecem. (questionário nº 25)
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g) vinculação da profissão e do profissional com o atendimento aos mais pobres: É clara em
10% das respostas esta vinculação. Com efeito, o cruzamento das respostas nos mostra que
o reconhecimento do Serviço Social como uma profissão voltada aos mais pobres e
expressivamente presente na esfera pública e nesta, na política de assistência social, nos
revela um traço importante para nossas análises quanto à imagem social do Serviço Social
no Brasil. Entendemos que a tendência de corte neoliberal à hipertrofia da política de
assistência social (e nesta os programas de transferência de renda) em detrimento das
outras políticas que compõem a seguridade social, direcionando recursos e investimentos
aos setores mais pauperizados da classe trabalhadora, gera uma falsa compreensão de
contenção da miséria e de redução da pobreza. Ao mesmo tempo, corre-se o risco de que a
própria perspectiva do direito social seja reduzida à assistência e aos programas de
transferência de renda. Entendemos que isto tem impactos importantes para o Serviço
Social, considerando todos os traços apontados anteriormente que tocam direta ou
indiretamente a imagem da profissão.
É um acompanhamento de vários casos de pessoas que precisam, ou seja, pessoas
carentes. Até porque é difícil que pessoas de classe média alta precisem de
assistente social. Apenas a população que é carente procura. (questionário nº 17)
É um serviço para atender os mais pobres, necessitados, pessoas com pouca
condição financeira, na área da saúde, educação. (questionário nº 60)
É uma forma de dar soluções às pessoas mais carentes, mais necessitadas através
de programas sociais, por exemplo. (questionário nº 70)
Na maternidade é uma espécie de ajuda às pessoas carentes, que necessitam de
roupas, cestas básicas, etc. (questionário nº 91)
3. Principais resultados e conclusões
Dentre os principais resultados obtidos com a análise dos dados empíricos à luz do
acúmulo teórico já existente sobre o tema, podemos identificar pelo menos dois (02)
grandes aspectos que se encontram em nossa opinião autoimplicados.
O primeiro deles é o fato de que o Serviço Social é concebido por ampla maioria dos
entrevistados como sinônimo de um tipo de ajuda, ora identificado ao trabalho voluntário,
ora às instituições públicas. Observamos desta forma, nas falas dos entrevistados, a
assimilação da profissão com suas protoformas (NETTO, 1996) e o predomínio dos traços
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tradicionais da imagem do Serviço Social ao relacionar a profissão e seus agentes à prática
do controle, do aconselhamento, da ajuda, da individualização e psicologização dos
problemas dos usuários, dentre outros. Estes elementos aparecem independentemente do
perfil dos entrevistados e do fato de terem ou não algum contato com o Serviço Social.
Ressaltamos, assim, que possivelmente tais elementos estão presentes no imaginário da
população, apontando-nos para uma imagem socialmente concebida da profissão que a
confunde com suas protoformas até os dias atuais.
O segundo é o fato de que, apesar de seu caráter minoritário, surge nas falas de
alguns entrevistados a relação entre o Serviço Social e a esfera da defesa dos direitos, o que
nos impõe algumas ponderações, pois partimos do entendimento que para analisarmos a
questão dos direitos e a forma como estes foram apreendidos pelos entrevistados, é
necessário que o próprio direito seja investigado a partir da perspectiva da totalidade,
considerando a relação dele com a ordem burguesa, e neste sentido, com a limitação
estrutural que tal sociedade lhe impõe. A análise dos questionários nos mostrou que a
relação entre o Serviço Social e a defesa dos direitos, quando observados pelos
entrevistados, não os identifica como concessões do Estado e ao mesmo tempo conquistas
da classe trabalhadora, e, portanto, produtos históricos da luta de classes; mas como
expressão daquilo que os sujeitos em geral deveriam naturalmente ter e não tem. A defesa
do direito está diretamente associada à perspectiva do direito natural burguês.
Deste entendimento, outros se derivam como a associação do Serviço Social (ou seja,
a profissão que opera a ajuda ou o acesso ao direito) aos que mais necessitam, ou seja,
àqueles que deveriam ter acesso aos bens e serviços e não tem. Da mesma forma, a
identificação do Serviço Social à assistência social, que apesar de consistir em uma tendência
antiga entre alguns estudiosos do Serviço Social e sua concepção como “racionalização da
assistência”, se renova a partir da prevalência contemporânea da assistência social entre as
demais políticas, e nesta sua redução aos programas de transferência de renda.
Diante de tais resultados, novas questões se põem para a pesquisa. Em primeiro
lugar, é inconteste a necessidade de analisarmos a natureza e o papel dos direitos na ordem
burguesa, sob pena de abstrairmo-nos de seu caráter efetivamente histórico e nesta
medida, processual. Neste sentido, é inegável a premência dos estudos sobre o papel e os
limites da cidadania e da democracia na ordem capitalista.
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Em segundo lugar, é preciso entender os limites e reais potencialidades presentes
para a identificação histórica do Serviço Social à defesa dos direitos. Tomá-los como meio,
considerando as expressivas desigualdades na apropriação da riqueza social, e não como
finalidade, é um aspecto central para a defesa de outra sociedade de caráter emancipado.
Neste sentido, conhecer a lei e os marcos regulatórios a ela subjacentes não pode substituir
o conhecimento do processo social que atravessa a constante luta entre as classes e a
disputa de projetos societários.
Em terceiro e último lugar, a necessidade de ruptura com uma imagem tradicional do
Serviço Social – pautada na ajuda e nos traços a ela implicados – não prescinde da
necessidade de decifrarmos criticamente o sentido assumido pelos direitos na sociedade
burguesa, bem como da urgência de nos associarmos à luta mais ampla pela democratização
da informação contra a mistificação da ordem social. Sem tais atitudes e ações, em nossa
opinião, será muito difícil que os esforços empreendidos pela categoria profissional, por suas
entidades e agências de formação, consigam de fato superar esta imagem tradicional
marcada pela ajuda e pelos aspectos a ela vinculados e materializados de certa forma a
partir das requisições institucionais que nos são apresentadas e das respostas que muitos
profissionais ainda oferecem no cotidiano profissional.
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Referências bibliográficas
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: Fundamentos ontológicos. São Paulo:
Cortez, 2001.
GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social, São Paulo: Cortez, 1995.
_________.; FORTI, Valeria (org.). Ética e Direitos, ensaios críticos. Coletânea Nova de
Serviço Social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço
de uma interpretação histórico-metodológica; 5ª ed., São Paulo: Cortez, 1986.
MONTAÑO, Carlos. A natureza do Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora, 2007.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social, 2ª Ed., São Paulo, 1996.
ORTIZ, Fátima Grave. O Serviço Social no Brasil: fundamentos de sua imagem social e da
autoimagem de seus agentes, Rio de Janeiro: E-papers/FAPERJ, 2010.
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