Aulas de Saúde Mental para Equipes do
Programa de Saúde da Família
Coordenadoria de Educação Permanente - CEP
Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
Elaboração: Ana Marta Lobosque
2007
AULA 3
O TRATAMENTO DOS
PORTADORES DE
SOFRIMENTO MENTAL NA
REDE SUBSTITUTIVA AO
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO
3.1 INTRODUÇÃO
•
A primeira parte desta aula procura mostrar como
devem ser tratados os portadores de sofrimento
mental, com o respeito devido à sua dignidade e
cidadania.
Alguns tópicos são de interesse direto dos
trabalhadores do PSF, podendo ser realizados por
eles: o
acolhimento,
a entrevista
abordagem inicial da crise, e outros.
inicial, a
–
Outros tópicos dizem respeito ao trabalho específico da
equipe de Saúde Mental, sobre os quais o PSF deve
conhecer pelo menos as noções básicas.
Na segunda parte da aula, trataremos da rede de serviços
substitutivos ao hospital psiquiátrico, cuja implantação é
indispensável para oferecer aos portadores de sofrimento
mental o tratamento adequado.
•
Muitos destes serviços são especializados, não
contando com profissionais de PSF; mesmo assim,
é importante conhecer seu funcionamento e lugar
na rede.
A unidade básica, onde as ações de Saúde Mental
envolvem mais diretamente a equipe do PSF, será
mais longamente abordada nesta parte.
3.2 O PROJETO TERAPÊUTICO:
PASSOS DECISIVOS
–
3.2.1 O ACOLHIMENTO
A chegada do paciente ao serviço de Saúde
O acolhimento na unidade básica pode ser feito por
qualquer profissional de Saúde, de preferência um
técnico de nível superior.
Nos CAPS, é feito por um profissional de Saúde
Mental.
Após a primeira abordagem, o técnico que acolheu
poderá necessitar do apoio imediato de um outro
profissional, ou poderá ele mesmo tomar as primeiras
condutas.
Primeira questão: independentemente do diagnóstico,
este
usuário
apresenta
problemas
psíquicos
cuja
gravidade justifica seu encaminhamento para a Saúde
Mental?
O profissional que fez o acolhimento pode a qualquer
momento recorrer a um colega da Saúde Mental para
discutir o caso.
–
Caso se decida pelo encaminhamento à Saúde
Mental, seguem-se os próximos passos
Encaminhamento do paciente à Saúde
Mental: próximos passos
–
Inicialmente,
avaliar
qual
a
premência
deste
atendimento: imediatamente? dentro de alguns dias? de
algumas semanas?
A seguir: definir qual o tipo de serviço no qual o
atendimento deve ser feito: na unidade básica, no
CAPS?
O próximo passo encaminhá-lo de forma responsável
para a equipe de Saúde Mental que o irá acompanhar no
serviço indicado.
Chegando à equipe de Saúde Mental, esteja ela na
unidade básica, no CAPS, no ambulatório especializado,
etc, o paciente será acompanhado por um profissional de
nível superior desta equipe, com o auxílio dos demais.
Num determinado momento do tratamento, pode ser
necessária a transferência do usuário para um serviço
mais adequado ao seu caso. Também nestes casos, o
encaminhamento deve ser feito cuidadosamente.
–
O paciente em atendimento pela equipe de Saúde
Mental, seja no CAPS ou na unidade básica,
freqüentemente se beneficia da utilização simultânea
de um outro tipo de equipamento ou atividade
(Centro de Convivência, atividades de cultura e lazer,
etc)
Quando o paciente foi avaliado e atendido pela Saúde
Mental por algum tempo, e o profissional constata que já
cumpriu sua função naquele caso, o mesmo deverá ser
encaminhado ou reencaminhado para a Equipe do PSF.
3.2.2 A ENTREVISTA: ENTRANDO EM
CONTATO
–
Convém atender o paciente a sós em alguma ocasião
deste primeiro contato. Os acompanhantes devem
também ser ouvidos, mas garantir a privacidade do
paciente é fundamental.
–
Deve-se ouvir seu relato, atentando não só para o
quê, mas também para como ele nos responde.
Cabe-nos conduzir a entrevista, formando uma noção
–
sobre qual é o problema e uma avaliação de sua
gravidade.
Conduzir uma entrevista não significa ter uma lista de
–
perguntas prévias a fazer: as perguntas surgem na
medida em que o paciente fala.
Contudo, deve-se intervir quando necessário para
–
esclarecer e avaliar a situação.
–
Cumpre escutar atentamente o quê, no entendimento
do paciente, o trouxe até nós - mesmo que seus
motivos
não
coincidam
com
os
de
seus
acompanhantes.
–
O profissional não se deve contentar com queixas
inespecíficas, do tipo “Eu tenho depressão”, ou “Tomo
remédio controlado e vim buscar a receita”.
–
É sempre importante tentar precisar quando e como o
quadro atual do paciente se manifestou, assim como
as circunstâncias de sua vida na ocasião.
Deve-se verificar como evoluiu o quadro.
–
A história dos sintomas não pode dissociar-se da
história da vida do paciente. Um breve esboço
biográfico é importante.
Também se deve perceber, em linhas gerais, como o
sujeito se posiciona em relação aos pais, aos irmãos, ao
trabalho, à vida social, etc.
Quando estas questões não forem suficientemente
esclarecidas pela entrevista com o paciente, pode-se
recorrer às informações dos acompanhantes.
Algumas vezes eles nos dirão algo que o paciente
sequer mencionou - por exemplo, que faz uso de
bebida ou drogas, ou que bateu no filho, ou que está
falando coisas estranhas.
Nestes casos, não convém pressionar nenhum dos
lados. Ao longo do atendimento, encontraremos o
momento e a maneira oportuna para esclarecer
eventuais contradições.
Para avaliar o estado psíquico atual do paciente, devese observar como fala, se movimenta e se comporta,
procurando avaliar quais as alterações psíquicas mais
importantes no momento.
É sempre importante formular, durante a primeira
–
entrevista, ao menos uma hipótese diagnóstica do tipo
de transtorno psíquico apresentado pelo paciente.
–
Além da gravidade atual do quadro clínico, é
importante verificar quais são os suportes com que o
paciente pode contar para enfrentá-lo: apoio da
família; dos amigos, da comunidade, de órgãos
públicos, etc.
O pedido de ajuda com o qual o paciente chega ao
atendimento nem sempre é o mesmo com o qual ele
sai.
Esta transformação de uma demanda prévia, ou a
–
construção de alguma demanda onde não havia
nenhuma, é um movimento importante do manejo clínico.
3.2.3 CONSTRUINDO O PROJETO
TERAPÊUTICO: A DIREÇÃO DO
TRATAMENTO
A partir da entrevista inicial que define a admissão do
paciente em um determinado serviço, seja no CAPS ou
na unidade básica, seja por um profissional da Saúde
Mental ou um profissional do PSF,
elaboração de um projeto terapêutico.
passa-se à
Princípios do projeto terapêutico
O projeto terapêutico nos indica a direção que se
–
pretende dar ao tratamento.
Deve-se caminhar no sentido de propiciar ao paciente a
–
retomada da voz e do poder de decisão sobre as
questões que lhe concernem.
–
Cumpre buscar, com o paciente, um lugar possível para
ele nas redes sociais de convívio e trocas, sem
abandono ou exclusão.
–
É essencial a busca do consentimento do paciente, ou
seja: a busca da aceitação passiva do tratamento, mas a
provocação do desejo de se tratar.
Há algumas situações-limite, em que não conseguimos
fazer com que o paciente queira ou aceite tratar-se;
porém, isto acontece muito raramente.
Quando o paciente percebe que a equipe que o atende
está realmente atenta para as suas questões, e não
apenas
preocupada
em
satisfazer
as
demandas
familiares e sociais com relação ao seu comportamento,
torna-se possível para ele apreciar a nossa ajuda.
Não devemos tentar fazer do paciente uma outra
pessoa - por exemplo, querer transformar um sujeito
psicótico em alguém que pensa e age como uma
pessoa “normal”.
Sem pretender eliminar ou corrigir sua psicose,
cumpre-nos apenas intervir nas suas manifestações
desreguladas e excessivas, que podem trazer danos
ao paciente e àqueles que o cercam.
O mesmo vale para um paciente neurótico: não se trata
–
de
fazer
dele
uma
pessoa
com
características
inteiramente diferentes, e sim de verificar até que ponto
podem modificar-se certas formas de agir e posicionarse que estão lhe fazendo mal.
Elementos e recursos para o projeto
terapêutico
O atendimento individual pelo técnico de referência:
–
Faz parte do projeto terapêutico, em todos os casos, o
atendimento individual do paciente por um profissional
da Saúde - seja da Saúde Mental, seja do PSF.
Este atendimento deve ser feito preferencialmente por
um técnico de nível superior - que pode ser a
enfermeira, o psicólogo, o generalista, o psiquiatra, etc.
Este profissional costuma ser chamado de técnico de
–
referência do paciente.
Naturalmente, os casos mais complexos e graves
–
devem ter um profissional de Saúde Mental como
referência, no CAPS ou na unidade básica.
Casos mais brandos podem ser referenciados pelo
enfermeiro ou generalista do PSF.
•
A frequência do atendimento é modulada conforme cada
caso e seu momento.
•
Através dele, o paciente é convidado a elaborar seus
delírios, procurar um sentido para as vozes que escuta,
refletir sobre uma situação difícil em que se encontra, e
assim por diante.
•
Quando é escutado com respeito e isenção, o paciente
percebe que aquilo que diz é realmente levada em conta.
Por conhecer mais de perto as questões do paciente, o
–
técnico de referência que o atende individualmente é
também aquele que define vários aspectos de seu
projeto terapêutico: o contato com a família, a busca de
outros pontos de suporte para o paciente no espaço
social, a garantia de certos direitos eventualmente
lesados, a sugestão para freqüentar esta ou aquela
atividade, no serviço ou fora dele, a definição da alta, e
assim por diante.
Isto não quer dizer que o técnico de referência deva
executar sozinho todas estas medidas: pode e deve
contar com o apoio de seus colegas de equipe.
A definição da freqüência ao serviço
–
Deve-se definir a forma e a freqüência do paciente no
serviço, seja este um CAPS ou CERSAM, uma unidade
básica de Saúde, ou qualquer outro.
–
Alguns exemplos: pode ir à unidade básica para
atendimento todos os dias, ou uma vez por mês; pode
frequentar o CERSAM o dia inteiro, ou apenas parte do
dia; e assim por diante.
Estas definições consideram a gravidade do quadro e a
–
intensidade dos cuidados necessários, variando caso a
caso.
São feitas através de um acordo entre o técnico de
–
referência, o paciente e a família, modificando-se
ao
longo do tratamento, conforme a evolução
do
caso.
A busca de outros recursos necessários
ao tratamento
–
Se o paciente necessita de prescrição ou reavaliação
da medicação, e seu técnico de referência não é
médico, cabe assegurar seu atendimento também por
este profissional (o generalista ou o médico psiquiatra,
conforme o caso).
–
Deve-se viabilizar a participação do paciente nas
atividades que possam ajudá-lo
- uma oficina, um
grupo de produção, um passeio, etc - dentro ou fora
do serviço de Saúde que frequenta.
É preciso escutar e acolher a família, e convocá-la
–
quando necessário.
O trabalho de “secretariado”
–
Certos pacientes, sobretudo os psicóticos mais graves,
necessitam
de
uma
espécie
de
trabalho
de
“secretariado”, para diversos aspectos de sua vida.
Alguns exemplos: - a marcação de uma ida ao dentista,
um auxílio na administração de seu dinheiro, um contato
com seus professores na escola ou com seu chefe no
trabalho, e assim por diante.
Ajudá-los nestes aspectos, enquanto não podem ainda
fazer isto por si mesmos, é um aspecto imprescindível do
tratamento.
Qualquer membro da equipe pode ajudar nestas
atividades.
O recurso aos psicofármacos
–
Usados de forma criteriosa, e dentro de indicações
estritas, os psicofármacos são um recurso importante
do tratamento. Por tratar-se de um tema extenso, que
necessita ser melhor conhecido pelas equipes do
PSF, será abordado ao longo de toda a próxima aula.
3.2.4 A ATENÇÃO À CRISE
Alguns sinais da crise
Desvitalização intensa.
Inquietude psicomotora acentuada.
Desorganização importante da fala.
Desorganização importante do comportamento.
Ruptura drástica com as atividades habituais.
Isolamento acentuado.
Errância (fugas de casa, mudanças de cidade,
andanças pelas ruas ou estradas).
Atividade delirante-alucinatória intensa.
Perda de controle sobre os próprios pensamentos e
atos.
Perturbação de funções vitais, como a alimentação e
o sono.
Situações de risco para o paciente ou terceiros.
É importante observar:
A crise muitas vezes envolve o paciente em
situações que
não podem se prolongar, porque
acarretam sérios danos para a sua saúde, segurança
e projetos de vida.
Sempre que se constata a ocorrência de uma crise,
está
indicada
a
intervenção
imediata
de
um
profissional de Saúde - se possível, da Saúde Mental.
A abordagem inicial da crise
As
situações
de
crise
devem
ser
atendidas
preferencialmente por um profissional de Saúde
Mental.
Contudo, na ausência deste, a Equipe do PSF deve
estar
apta
necessárias.
para
tomar
as
primeiras
medidas
O acesso ao atendimento no serviço de Saúde deve ser
imediato, quer se trate de uma unidade básica ou de um
CAPS.
Caso o paciente se recuse a comparecer ao serviço,
temos várias estratégias possíveis, conforme a situação.
É importante romper a associação habitualmente feita
entre crise e periculosidade. O medo de aproximar-se
do paciente a sós costuma ser infundado.
Sua reação depende muito
da nossa forma de
abordagem: não pode ser brusca ou autoritária, nem
soar como uma intromissão.
Em todo caso, se o profissional tiver receio justificado
pela própria segurança, deve aproximar-se com
cautela, e/ou na presença de terceiros, evitando
situações
em
que
ele
próprio
e
o
permaneçam encurralados em local fechado.
paciente
O principal objetivo do contato com o paciente em crise
deve ser o de levá-lo a consentir em se tratar.
As
situações
de
crise
costumam
envolver
a
necessidade de uma intervenção medicamentosa.
A
prescrição
e
a
administração
de
qualquer
medicamento devem ser precedidas pela conversa com
o paciente, procurando obter sua concordância.
A primeira opção é a da medicação oral, muito menos
invasiva e mais fácil de ser aceita.
A primeira abordagem deve avaliar qual a intensidade
dos cuidados necessários, e qual o serviço capaz de
oferecer tais cuidados.
Alguns exemplos: uma crise mais branda pode ser
tratada na própria unidade básica,
desde que o paciente seja atendido diariamente pelo seu
técnico de referência; outra, mais grave, pode necessitar
de permanência-dia no CAPS, ou ainda, de pernoite, no
próprio CAPS ou em hospital geral.
Se o paciente discorda das medidas sugeridas pelo
profissional, devemos considerar o que diz, e verificar
quais as negociações possíveis.
Contudo, não podemos em hipótese alguma abrir mão
daquilo que nos pareça realmente essencial
um tratamento adequado.
para
O recurso a medidas involuntárias
As situações muito graves, envolvendo risco iminente
para o paciente e com recusa radical do mesmo em
relação às
providências terapêuticas
necessárias,
podem justificar o recurso a medidas involuntárias.
–
Contudo, tais medidas devem ser consideradas e
utilizadas sempre como medidas de exceção.
Deve-se sempre verificar os seguintes pontos:
Há real necessidade para o emprego desta medida?
A necessidade é inadiável?
As razões para o emprego da medida em questão
são legítimas?
•
Estas razões estão sendo devidamente registradas
no prontuário do paciente e no livro de ocorrências
do serviço?
Caso
•
uma
medida
deste
tipo
seja
realmente
necessária, estão sendo tomados os cuidados
necessários para efetuá-la?
3.2.5 VISITAS DOMICILIARES:
ALGUMAS SUGESTÕES
Não
sendo
incapaz
de
andar,
nem
estando
acamado, o ideal é que o próprio paciente vá até o
serviço.
Nas ocasiões em que isto é impossível, sendo
necessária a ida dos agentes de Saúde à sua casa,
há alguns aspectos a considerar.
É interessante ter o primeiro contato com o paciente
num espaço mais neutro, que não faça pensar numa
invasão de sua privacidade
Alguns exemplos: convidá-lo a ir até a rua, à porta,
ao alpendre, etc.
–
Se o paciente se recusa a nos receber, a nossa
insistência em falar com ele naquele mesmo dia será
proporcional à urgência da situação.
Se o paciente em quadro de crise aguda e grave não
aceita receber-nos, ou mostra-se pouco receptivo à
nossa
possível
abordagem,
muitas
convencê-lo
a
vezes
aceitar
costuma
ao
ser
menos
parcialmente um tratamento.
Quando um paciente que requer cuidados imediatos
e urgentes recusa definitivamente qualquer ajuda,
deve-se considerar a possibilidade de medicá-lo ou
levá-lo ao serviço de Saúde Mental, mesmo contra a
sua vontade.
3.2.6 ALGUNS ASPECTOS DA
ATENÇÃO À FAMÍLIA
Sempre quando a família nos procura, convém recebê-la
e escutá-la - preferentemente, com o conhecimento e o
acordo do paciente.
Este contato costuma tranquilizar a família e assegurar
seu compromisso com o tratamento.
Escutar a família não significa ensinar-lhe o que ela deve
fazer, e nem fazer aquilo que ela quer.
A parceria com a família não pode ser sinônimo de
–
cumplicidade: não devemos associar-nos à família em
qualquer tipo de ação que desrespeite os direitos do
paciente, mesmo que as intenções sejam ou pareçam
boas.
Trata-se, sobretudo, de acolher a família e ajudá-la a
orientar-se numa situação difícil.
Muitas famílias que aceitaram para seus parentes
portadores de sofrimento mental algumas medidas
prejudiciais - internações em hospitais psiquiátricos,
eletrochoques, etc - só o fizeram este acolhimento, nem
formas de tratamento diferentes destas.
Cumpre mostrar que existem outras saídas, viáveis e
melhores. A grande maioria das famílias se mostra
receptiva e grata a este estilo de abordagem.
Certas vezes, contudo, por motivos diversos - por
–
exemplo, uma internação prolongada que enfraqueceu
os laços familiares - a família não se
sente de forma
alguma comprometida ou empenhada no tratamento do
paciente.
3.3 A REDE DE SERVIÇOS
SUBSTITUTIVOS AO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
Agora, você já conhece um pouco dos princípios e das
formas de tratamento que respeitam a dignidade e a
cidadania do portador de sofrimento mental.
Logo, pode ver também que as estruturas anteriormente
•
existentes
para
receber
estas
pessoas
-
hospitais
psiquiátricos, asilos e afins - são totalmente incompatíveis
com estas novas formas de cuidado.
•
É indispensável um Projeto de Saúde Mental que
implante e planeje os serviços, ações e iniciativas
necessários
•
para
realizar
adequadamente
seu
tratamento.
A III Conferência Estadual de Saúde Mental define com
clareza as diretrizes gerais para os projetos municipais de
Saúde Mental:
•
Reorientar o modelo de assistência, através de uma
rede de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico,
que possibilitem sua superação.
Promover esta reorientação através da parceria entre o
poder público, os trabalhadores e as instâncias de
controle social
•
A superação do hospital psiquiátrico requer diferentes
serviços e ações:
Os CAPS ou CERSAMs.
Atenção à Saúde Mental nas unidades básicas.
Centros de Convivência.
Grupos de Produção Solidária.
Moradias (serviços residenciais terapêuticos).
Controle e avaliação dos hospitais ainda existentes.
Ações intersetoriais.
–
Mobilização e controle social.
Estes diferentes serviços e ações devem ser:
–
Criados conforme as necessidades locais (um ex:
municípios
muito
pequenos
não
necessitam
de
nenhum CAPS; os de grande porte necessitam de
vários).
–
Bem articulados uns aos outros, funcionando em rede.
–
Feitos para toda a população do município, e não
apenas para parte dela.
3.3.1 OS CAPS OU CERSAMS:
ATENDENDO AS CRISES
•
Os CAPS são equipamentos essenciais para os Projetos
de Saúde Mental da Reforma Psiquiátrica:
Funcionam durante todo o dia, ou dia e noite.
–
Possibilitam o atendimento do paciente a qualquer
hora.
Possibilitam sua permanência no serviço pelo tempo
que for necesssário.
Destinam-se ao atendimento de pacientes com
transtornos severos e persistentes.
São territorializados.
Funcionam em área física e independente de qualquer
estrutura hospitalar, com equipes interdisciplinares
próprias.
A necessidade de possuir um CAPS, assim como o número
de CAPS necessários, depende do porte do município. Uma
média
razoável seria a de um CAPS para cada 100.000
habitantes.
Os CAPS devem ter como clientela prioritária os pacientes
•
em crise, que necessitam de um acompanhamento próximo
e cuidados intensivos, em permanência-dia, e permanêncianoite, se necessário.
•
Conforme as diretrizes da III Conferências Nacional e
Estadual de Saúde, os CAPS devem ser substitutivos e
não complementares aos hospitais psiquiátricos.
O que se faz no CAPS?
Atendimento individual diário do paciente pelo
seu
técnico de referência.
Ajuda
para a sua higiene e cuidados com o próprio
corpo.
Participação em atividades coletivas, como oficinas,
reuniões, assembleias, passeios.
Oferta de condução ao paciente para seu deslocamento
de casa ao CAPS (oferta de vales-transporte, condução
pelo carro do serviço, etc).
Atendimento à família.
Estabelecimento de laços com o bairro, a comunidade, a
cidade.
Prescrição adequada da medicação.
Oferta
dos
cuidados
intensivos
que
se
façam
necessários.
Contato próximo e constante do paciente com a equipe.
O CAPS no acolhimento das crises graves
Um CAPS inserido num Projeto de Saúde Mental da
Reforma Psiquiátrica, deve acolher os casos de crise,
mantendo-os consigo enquanto preciso for, sem recorrer ao
hospital psiquiátrico.
Para isto, o Projeto de Saúde Mental deve caminhar para
ter um número de CAPS tal que assegure o atendimento
em situações de crise para toda a população do município.
Deve assegurar atendimento e pernoite noturno quando
necessário,
seja
funcionando
também
à
noite,
seja
assegurando pernoite em hospital geral.
Enfim, devem tornar desnecessário o recurso ao hospital
psiquiátrico.
O encaminhamento de pacientes dos CAPS para o hospital
psiquiátrico significa problemas no Projeto Municipal de
Saúde.
O CAPS como espaço terapêutico
O empenho em evitar o uso da força na relação com os
usuários é essencial.
Para que o uso da força não se imponha, é preciso criar
um clima acolhedor e ativo no serviço.
É
indispensável
a
oferta
constante de
atividades
interessantes, que atendam a gostos diferentes e respeitem
as escolhas individuais.
Não pode haver barreira física ou hierárquica que dificulte
o acesso do paciente a qualquer profissional da equipe.
As equipes devem ser realmente interdisciplinares, sem
centrar-se na ação e na presença do psiquiatra.
A participação dos usuários nas decisões que dizem
respeito ao funcionamento do serviço é essencial – por
exemplo, através as reuniões gerais e
assembleias.
O CAPS como serviço aberto
Os CAPS devem ser serviços abertos, em todos os
sentidos: tanto pela ausência de muros e grades, quanto
pela ligação constante com o espaço social.
Os CAPS não são pequenos hospitais. O cuidado que
oferecem dispensa as tecnologias hospitalares: opera
pelos laços que estabelece.
O tratamento oferecido pelos CAPS não se faz o tempo
todo dentro dele: inclui saídas
até a padaria, passeios
no parque, idas ao cinema, participação na reunião da
Associação de Usuários - e assim por diante.
O mesmo vale para os técnicos: buscar em sua casa o
paciente grave que não quis vir; acompanhar um grupo
de
usuários
numa
intersetorais, etc.
excursão;
articular
parcerias
Esta troca constante entre o serviço e a cidade deve ser
uma marca dos CAPS.
O CAPS deve ser um local de passagem - ou seja, a
permanência-dia ou noite no serviço é uma etapa na
vida do paciente, e não um meio de viver.
Outros serviços e atividades podem atendê-lo melhor
numa outra etapa: a unidade básica, o centro de
convivência, um grupo de produção, uma
associação de usuários.
O tratamento
visa abrir perspectivas em sua vida: o
namoro, as amizades, o estudo, o trabalho, o lazer.
Isto não quer dizer que se deva “dar alta” uma vez
passada a crise: para alguns pacientes muito graves, a
frequentação do CAPS pode ser necessária por muito
tempo.
Contudo, cabe à equipe despertar os usuários para o
desejo de partir - não porque queremos livrar-nos deles,
mas porque existem no mundo horizontes mais amplos.
3.8.2 A ATENÇÃO EM SAÚDE
MENTAL NAS UNIDADES BÁSICAS DE
SAÚDE
Inversão das prioridades da saúde mental: um
problema a enfrentar
Frequentemente,
usuários
“problemáticos”
são
encaminhados para os profissionais de Saúde Mental da
unidade.
Há também a grande clientela dos usuários habituais de
benzodiazepínicos e antidepressivos, com diagnósticos
equivocados de “depressão”, “transtorno do pânico”,
“transtorno bipolar”, etc.
Outra clientela assídua é a de crianças e adolescentes
com problemas de aprendizagem ou comportamento.
Enquanto
a
equipe
de
Saúde
predominantemente destes casos,
Mental
os
ocupar-se
portadores de
sofrimento mental grave não encontrarão espaço e tempo
para eles nas unidades básicas.
É preciso operar uma inversão: os casos mais graves
devem ser priorizados pela equipe de Saúde Mental.
Ao mesmo tempo, toda a equipe da unidade básica deve
reconsiderar a forma de abordagem dada à sua clientela
habitual de mulheres infelizes e meninos levados,
procurando outras saídas e alternativas.
A realização deste duplo movimento
é indispensável
para assegurar à unidade básica o seu importante papel
na rede de Saúde Mental.
A parceria SAÚDE MENTAL - SAÚDE
DA FAMÍLIA
Esta parceria é necessária, desejável e possível: a lógica
dos projetos de Saúde Mental inspirados na Reforma
Psiquiátrica tem grandes afinidades com aquela dos
Programas de Saúde de Família.
As equipes do PSF, por sua proposta mesma de trabalho,
costumam ter com sua clientela uma relação muito
diferente daquela que se estabelece nas práticas mais
tradicionais de Saúde.
Estas equipes podem, portanto:
Escutar o paciente cuja queixa traduz essencialmente a
demanda de ajuda para um problema emocional.
Acompanhá-lo, procurando com ele as razões deste
problema, e formas possíveis de enfrentá-lo.
Evitar o máximo possível o recurso aos psicofármacos,
e, quando necessário, usá-los de forma criteriosa.
Reduzir gradualmente as dosagens de antidepressivos
e benzodiazepínicos, com o consentimento do paciente.
Contudo, os problemas suscitados por esta clientela não
se resolvem simplesmente transferindo seu atendimento
da Saúde Mental para o PSF.
Estes pacientes costumam ser de trato difícil: muitas
vezes mantêm uma relação utilitarista e até mesmo
hostil com o serviço de saúde.
Contudo, eles não começaram esta forma de relação:
foram profissionais de Saúde que lhe prescreveram
equivocadamente estes remédios pela primeira vez,
em lugar de acolhimento e escuta.
É fundamental
relação
com
estabelecer uma outra forma de
estes
usuários,
tratando-os
com
urbanidade, e solicitando idêntico tratamento da parte
deles.
Acolher bem não significa fazer aquilo que o paciente
quer, na hora em que ele quer: exigências de
privilégios não devem ser aceitas, nem se pode
admitir qualquer tipo de intimidação e ameaça.
É interessante e agradável promover atividades de
cultura, lazer e outras, que convidam estes pacientes e
o próprio centro de saúde a sair da rotina.
Os próprios trabalhadores da unidade básica - os do
PSF ao lado dos da Saúde Mental - podem desenvolver
eventos culturais, atividades esportivas ou de lazer,
festas, encontros.
- mostrando a estes usuários que podemos estar próximos
a eles de uma outra maneira, sem atrelar nossa
presença a consultas ou remédios.
Também são importantes parcerias com trabalhadores e
serviços do Desenvolvimento Social, da Educação, dos
Direitos Humanos, etc.
Na abordagem desta clientela, deve-se considerar:
Os profissionais de Saúde sentem-se irritados e
impotentes diante da demanda desta clientela.
Em sua formação, os profissionais de Saúde
foram
não
preparados para considerar a dimensão
subjetiva de seus pacientes - sejam eles doentes “de
verdade” ou não.
É indispensável oferecer às equipes do PSF noções
básicas de Saúde Mental.
A disponibilidade da equipe de Saúde Mental é
essencial para dar respaldo às equipes do PSF.
A atuação da equipe de Saúde Mental
nas unidades básicas
A lotação ou não da equipe de Saúde Mental numa
unidade básica depende de aspectos epidemiológicos,
demográficos, e outros, que devem ser levados em
conta na organização do Projeto de Saúde Mental local.
Uma vez lotada numa determinada unidade, esta equipe
deve atender também os pacientes de outras unidades
próximas, que não contam com profissionais da área.
A equipe de Saúde Mental necessita organizar bem a
sua agenda, em contato contínuo com as diferentes
unidades básicas que ela referência.
A priorização dos casos mais graves e complexos é o
princípio que deve orientar esta organização.
Devem ser avaliados e, preferencialmente, seguidos
pela equipe de Saúde Mental:
Psicóticos com agutização do quadro.
Egressos de hospitais psiquiátricos e CAPS.
Psicóticos “estáveis”, porém vivendo em situação de
isolamento e apatia.
Psicóticos que vivem conflitos constantes com suas
famílias.
Psicóticos cuja integridade psíquica foi gravemente
prejudicada.
Neuróticos graves.
benzodiazepínicos e antidepressivos, os psicóticos já
estabilizados, etc, devem ser atendidos pela equipe
do PSF.
Mesmo quando o paciente é atendido pela Saúde
Mental, ele deve ser vinculado à Equipe de Saúde de
Família, como qualquer outro paciente de sua área de
abrangência.
Deve haver contato freqüente e regular entre as
equipes de PSF e de Saúde Mental.
A equipe de Saúde Mental deve manter constante
disponibilidade para orientações, interconsultas,
discussões de caso, etc, com a equipe de PSF.

Os encaminhamentos da equipe de PSF
para a equipe de Saúde Mental não devem
ser feitos de forma automática, mas após a discussão
de cada caso.
Havendo necessidade de cuidados intensivos, em
qualquer caso, o encaminhamento ao CAPS mais
próximo deve ser feito, pela equipe de PSF, da Saúde
Mental ou por ambas.
A equipe de Saúde Mental deve empenhar-se na prática
da referência e contra-referência com os outros serviços
da rede.
As unidade básica devem efetuar encaminhamentos para
os Centros de Convivência e serviços afins.
O portador de sofrimento mental, como qualquer outro
paciente, pode participar dos grupos de hipertensos,
diabéticos, de mulheres, etc, realizados na unidade
básica.
3.3.3
OS CENTROS DE CONVIVÊNCIA
Os Centros de Convivência não são voltados para o
atendimento psicológico e psiquiátrico.

Sua
grande
importância
consiste
na reabilitação
psicossocial.
As pessoas que trabalham ali não são profissionais de
Saúde, nem da Saúde Mental: são artistas, artesãos,
“oficineiros”.
Embora sua
clientela seja composta também por
portadores de sofrimento mental grave, recebem estas
pessoas num momento já posterior à crise, quando se
torna necessário avançar os passos já iniciados no
CAPS ou na unidade básica.
O usuário continua sendo atendido pela equipe de Saúde
Mental de um destes serviços, enquanto frequenta o
Centro de Convivência.
O usuário vai até lá apenas em determinados horários,
para participar das atividades que aprecia e escolhe.
Estes equipamentos não são simplesmente locais “para
fazer oficinas”.
Fazem atividades diversas que visam sempre propiciar
produções, convívios, encontros, trocas.
As
atividades
desenvolvidas
são
várias:
oficinas,
assembleias, passeios, festas, bazares, jogos, idas ao
cinema.

A arte é o elemento orientador do trabalho, abrindo
outros caminhos para perceber e habitar o mundo.
Agenciando transformações culturais, abrem novos
espaços na cidade, viabilizando a presença social
do portador de sofrimento mental.
Propiciam a retomada de experiências
envolvem o afeto, o trabalho, a política.
que
3.3.4 GRUPOS DE PRODUÇÃO E
ASSOCIAÇÕES DE PRODUÇÃO
SOLIDÁRIA: A CONQUISTA DO
TRABALHO
O trabalho do homem em nossos dias:
Condições cada vez mais adversas retiram do trabalho
humano o seu potencial de criação e transformação.
Quem exerce um trabalho - mesmo aqueles poucos que
são bem pagos! - não tem como lhe conferir um sentido
próprio, fazendo valer suas idéias, desejos e talentos
naquilo que faz.
Portanto, quando falamos em conquista do trabalho, esta
não é uma questão que afeta apenas os portadores de
sofrimento mental, e, sim, a todos nós.
A conquista do trabalho para os
portadores de sofrimento mental:
Assegurar o direito ao trabalho não consiste em torná-los
aptos para a “disputa de mercado”: nesta lógica,
certamente, sairiam perdendo.
Também não se trata simplesmente de “arranjar
emprego” para eles.
As experiências que buscam a conquista do trabalho
para os portadores de sofrimento mental articulam-se a
outras experiências hoje em andamento no mundo, na
perspectiva da chamada economia solidária.
As concepções de economia solidárias vêm sendo
trabalhadas por autores diversos
- no Brasil, destacam-se os textos do economista Paul
Singer - e amplamente debatida, por exemplo, em
espaços como os Fóruns Sociais Mundiais.
Na perspectiva da economia solidária, os portadores de
sofrimento mental vêm constituindo os Grupos de
Produção e Associações Solidárias como a estratégia
mais adequada.
que faça apelo à responsabilidade de todos, levando em
conta os limites e o ritmo de cada um.
Na perspectiva da economia solidária, os portadores de
sofrimento mental vêm constituindo os Grupos de
Produção e Associações Solidárias como a estratégia
mais adequada.
Estes grupos são geridos pelos próprios usuários, com o
apoio constante dos profissionais de Saúde, pela
aquisição de noções de cooperativismo.
Habilitam seus participantes para atividades diversas lapidação, marcenaria, etc – por exemplo, através de
cursos
de
qualificação
profissional
promovidos
intersetorialmente (por ex.: parcerias com o Fundo de
Amparo ao Trabalhador).
Empreendem a venda de seus produtos ou a prestação
de serviços, através de uma organização solidária de
trabalho,
O poder público deve operar como catalisador e
parceiro, incentivando o empreendimento através de
financiamentos, cessão de equipamentos de trabalho e
espaços físicos.
Através de programas diversos, já existentes ou a ser
criados, outras políticas públicas ligadas à questão do
trabalho devem ser convocadas a ajudar e participar,
promovendo efetivamente ações intersetoriais.
3.3.5 SERVIÇOS RESIDENCIAIS
TERAPÊUTICOS OU MORADIAS:
HABITANDO A CIDADE
As moradias correspondem aos chamados Serviços
Residenciais Terapêuticos (que constam nas portarias
ministeriais com esta denominação).
Preferimos utilizar o termo “moradia”, pois não se trata de
serviços, e sim de locais que aspiram ser casas.
São um dispositivo de grande importância para a
reinserção social de usuários cronificados por longos
anos de internação em hospitais psiquiátricos.
Muitas destas pessoas tiveram seus vínculos sóciofamiliares já perdidos, ou pelo menos seriamente
prejudicados.
Neste caso, é de responsabilidade do poder público
oferecer a estes pacientes uma moradia.
Alguns habitantes destas moradias necessitam de certo
grau de proteção: não
uma tutela, mas um suporte
indispensável para a lenta reconstrução da autonomia
destas pessoas.
Daí o primeiro grande desafio: como um grupo de
pessoas que se encontravam aleatoriamente reunidas
numa instituição psiquiátrica, isoladas de todo contato
social, irão viver juntas, e juntas recriar uma casa?
O segundo desafio: como irão reaprender a circular,
frequentar, enfim habitar verdadeiramente a cidade?
São estes os desafios que vêm sendo enfrentado com
coragem e sucesso em centenas de moradias
de todo país.
3.3.6 A DESCONTRUÇÃO GRADATIVA
DOS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS
Hospitais psiquiátricos: definitivamente não!
Os hospitais psiquiátricos, piores ou melhores, operam
segundo uma lógica incompatível com aquela defendida
pela Reforma.
Desde sua arquitetura até seu funcionamento cotidiano,
mostram
o caráter de estrutura fechada, rígida e
coercitiva, sem relações com os horizontes da cidade e da
vida.
O tratamento é uniformizado, sem consideração às suas
singularidades e desejos de cada um.
A relação entre trabalhadores de Saúde e usuários é
distante, autoritária e fortemente hierarquizada.
Os pacientes geralmente estão ali contra a sua vontade,
através do recurso constante a medidas de força e
imposição.
Por conseguinte, a Reforma Psiquiátrica preconiza o fim
dos hospitais psiquiátricos.
Recursos necessários para a superação
do hospital psiquiátrico
Os CAPS, em número adequado e em tempo de
funcionamento adequado, atendendo crises
cobertura
a
toda
população
do
e dando
município,
são
equipamentos indispensáveis para a desconstrução dos
hospitais psiquiátricos.
O atendimento às crises deve ser assegurado também
no período noturno.
Os leitos em hospital geral podem ser um importante
recurso auxiliar.
Alguns exemplos:
Num município de menor porte, o CAPS pode
funcionar diariamente, de segunda a segunda, por 12
horas; aqueles casos que necessitarem também de
pernoite podem ser encaminhados ao hospital geral.
Numa grande cidade, ainda que os CAPS funcionem
24 horas, não faz sentido equipar todos eles
com a estrutura necessária para o atendimento de certos
casos mais complexos.
Nestes casos, uma retaguarda psiquiátrica pode ser
montada num hospital geral.
A relação da rede de serviços substitutivos com os
hospitais psiquiátricos
deve fazer-se nos termos de
uma coexistência provisória:
Encaminhar o paciente apenas quando todas as
outras possibilidades tiverem sido esgotadas.
Exigir a implantação de novos serviços que tornem
desnecessária a internação em hospital psiquiátrico.
Ter clareza de que este encaminhamento não é a
melhor opção para o paciente, e sim a única possível
naquela conjuntura da rede assistencial disponível.
Planejar o Projeto de Saúde Mental local de tal forma
que seus próximos passos permitam dispensar a
utilização do hospital.
Compete aos gestores locais dos municípios de gestão
plena realizar o controle e a supervisão dos hospitais
psiquiátricos
existentes
em
seus
municípios,
assegurando:
Critérios mínimos de cuidados técnicos, humanização
do tratamento, adequação da área física, etc,
Participação, juntamente com a Secretaria de Estado de
Saúde, do Programa Nacional de Supervisão e Avaliação
Hospitalar - PNASH - versão psiquiátrica.
O processo de controle e avaliação é de grande
importância, pois - enquanto ainda existirem -
os
hospitais psiquiátricos devem funcionar da maneira
menos nociva possível.
3.3.7 AÇÕES INTERSETORIAIS
Poucos princípios são aceitos com tanta unanimidade, e,
ao mesmo tempo, tão pouco praticados como este da
“intersetorialidade”.
Como produzir intersetorialidade, afinal?
Quando nos refugiamos em nossas identidades
profissionais e institucionais, impera a lógica do “não é
comigo”: o juiz manda para o médico, o médico para a
assistente social, a assistente social para a professora,
a professora para o psicólogo, numa ronda inútil que
todos conhecemos muito bem.
Contudo, sabemos também de iniciativas, projetos,
ações, que realmente produzem intersetorialidade.
Na interface com a Justiça, há interessantes
parcerias da Saúde, particularmente na área dos
portadores de sofrimento mental e das crianças
e adolescentes infratores.
Há também a Promotoria Pública: em muitos
municípios, é importante aliada na apuração de
denúncias contra maus tratos aos portadores de
sofrimento mental, e na garantia de seus direitos.
Na interface com a Educação, há vários exemplos em
que as escolas se articulam com as unidades básicas de
saúde e outras instâncias da comunidade, para pensar
conjuntamente as questões das crianças consideradas
“difíceis”,
sem
transformá-las
clientes da Saúde Mental.
automaticamente
em
Parcerias com órgãos públicos ligados à promoção
do desenvolvimento social e do trabalho produzem
frutos interessantes nos projetos de produção e
geração de renda de portadores de sofrimento
mental.
Na Atenção em Saúde Mental nas unidades básicas
de saúde, são necessárias ações intersetoriais para
uma melhor abordagem
benzodiazepínicos.
dos usuários crônicos de
Também a abordagem dos usuários de álcool e outras
drogas
necessita
articular-se
intersetorialmente,
no
combate à violência, pela produção de cultura e oferta de
trabalho e lazer.
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Aula 3 - Espaço Saúde Mental