Revista Eletrônica PRPE, fev. / 2004
Como se Faz Pesquisa de Opinião
Pública
João Marques Brandão Néto
Mestre em Direito - Procurador da República em Blumenau - SC
Introdução
O texto que segue é um capítulo reescrito da Dissertação de Mestrado que
defendemo sem 1986, perante o Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina. São informações e o relato do método utilizado na pesquisa de
campo realizada na região central da cidade de Itajaí – SC, sobre a Intenção de Cumprir a
Lei. Por ser uma pesquisa de opinião pública, cujo método é o mesmo usado em pesquisas
eleitorais, quer-se aqui noticiar a maneira pela qual é aplicado este método, seu grau de
credibilidade e eficiência. A idéia é fornecer ao profissional do Direito que se defronta com
uma pesquisa de opinião, informações que lhe permitam verificar o grau de seriedade e
confiabilidade desta enquete. Mas desde já se quer deixar claro que se as informações
abaixo podem ser um instrumental para avaliar uma pesquisa de opinião, jamais poderão ser
usadas para refutar tal pesquisa: é princípio basilar da ciência que uma pesquisa só pode
ser refutada com outra pesquisa.
Conceitos Básicos
Para que uma pesquisa possa ter resultados dignos de fé, é necessário que
a coleta dos dados seja feita com a maior precisão possível. Como quando se vai fazer
exames médicos em laboratórios há necessidade de se levar o material para exame num
frasco esterilizado, da mesma forma uma pesquisa científica necessita ter um instrumental
isento de quaisquer impurezas. E como se obtém um instrumental livre de impurezas nas
pesquisas sociológicas? Por diversos mei-os: evitar – no caso das entrevistas – a inquirição
de pessoas determinadas, ou aquelas mais fáceis de serem localizadas, por exemplo.
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No caso das pesquisas de opinião pública, são exemplos de situações que
podem viciar a investigação: o pesquisador evitar casas em que há cachorros ou em lugares
de difícil acesso, incluir amigos na amostra, ou dela excluir pessoas com quem antipatiza
etc. Destes exemplos, tome-se a inclusão proposital de amigos para explicitar melhor os
cuidados a serem tomados nas pesquisas de opinião. É que os amigos, como se sabe, são
escolhidos por afinidades. Assim, tendem a concordar com os pontos de vista defendidos
pelo pesquisador ou, em linguagem científica, confirmar hipóteses de trabalho. Pessoas do
mesmo grupo profissional também apresentam o risco de “refletirem o pensamento da
humanidade”, ou seja, fazer com que o observador acredite que “todo mundo” está
pensando ou agindo deste ou daquele jeito. Enfim, é o risco da falácia da generalização
apressada.
Para evitar estes e outros tipos de erros que viciam uma pesquisa e podem
colocar por terra todo um trabalho é que existem os métodos. “Método” é o caminho para
chegar a um objetivo. Um caminho que é feito de regras, as quais lhe dão cientificidade. E
algumas destas regras se traduzem em etapas que se deve seguir, para chegar ao objetivo.
Este objetivo é a prova científica, uma verdade relativa, sob eterna verificação e, portanto,
sempre e sempre sujeito à refutação.
A necessidade de constante refutação decorre da dúvida científica, mola
propulsora do conhecimento. Mas a dúvida científica não pode ser resolvida com uma falácia
do tipo argumento de autoridade, nem com o questionamento irresponsável que decorre da
descrença pela descrença do cético ou da certeza absoluta do fanático: a prova científica só
pode ser refutada com outra prova científica; ao resultado de uma pesquisa só pode ser
contraposto o resultado de outra pesquisa.
A primeira regra da obtenção da prova científica é ter claro o objeto de
pesquisa, ou seja, aquilo que se quer estudar. Frise-se: o que se quer estudar e não o que
se quer provar, pois se uma pesquisa se inicia com a finalidade de provar alguma coisa, já
nasce viciada. Assim, vê-se que a pesquisa científica é diferente de um processo judicial: na
pesquisa científica se busca verificar a veracidade de uma hipótese, mas o cientista se dá
por feliz tanto se provar que a hipótese é verdadeira, quanto que é falsa; no processo
judicial, quem o inicia o faz porque já tem a prova para demonstrar sua verdade (ou pelo
menos já deveria ter esta prova). Este objeto de pesquisa deve ser expressado por uma
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pergunta, que virá a ser o problema de pesquisa. Se se vai, por exemplo, estudar a intenção
de cumprir a lei, por parte de um determinado universo de pesquisa, o problema se traduzirá
na seguinte pergunta: “As pessoas de um dado universo têm intenção de cumprir as leis?”
Sabendo-se o que vai ser pesquisado e tendo-se o problema de pesquisa,
para este problema serão formuladas respostas prováveis: são as hipóteses de pesquisa, a
serem testadas mediante a investigação científica. Há que se ter também o lugar em que se
fará a pesquisa. Este lugar será o universo de pesquisa. Tudo que vai ser pesquisado deve
existir neste universo de pesquisa. Nas ciências sociais, da qual a Sociologia do Direito é
uma delas, existem diversos tipos de pesquisa: pesquisas quantitativas, qualitativas, estudos
de caso, pesquisas documentais etc. Nas pesquisas quantitativas, se quer saber quantas
pessoas pensam, agem ou agirão deste ou daquele modo; nas qualitativas, se procura saber
o que um determinado grupo pensa, ou como viveu certa situação etc; os estudos de caso
muitas vezes podem ocorrer com uma só pessoa, as partes de um processo judicial etc; a
pesquisa documental pode se basear em documentos primários (quando o próprio
pesquisador produziu ou encontrou o documento) ou secundários (quando o documento foi
produzido por uma outra pesquisa ou o documento original está sendo objeto de nova
abordagem). Evidentemente que os conceitos aqui são resumidíssimos e servem apenas
para uma noção básica dos temas. Doravante, porém, se falará apenas de pesquisas
quantitativas em ciências sociais, com abordagem específica de um método de pesquisa: a
amostragem simples casualizada, que é a utilizada em pesquisas eleitorais e outras em que
se medem opiniões ou intenções de grandes grupos de atores sociais. Exemplos concretos
serão extraídos da dissertação de Mestrado que defendemos em agosto de 1988, perante o
Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o título
“A Intenção de Cumprir a Lei” e que se constituiu no relatório de uma pesquisa de campo no
centro da cidade de Itajaí – SC, em 1986.
Numa pesquisa eleitoral, por exemplo, em que se quer saber a intenção de
voto dos eleitores do Estado de Santa Catarina, o universo de pesquisa será o grupo de
pessoas habilitadas a votar em Santa Catarina, ou seja, os eleitores com domicílio eleitoral
neste Estado.
Em geral, o universo de pesquisa é determinado pela questão problema.
Mas, quando esta é formulada pelo próprio pesquisador, a escolha pode ser determinada,
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entre outros fatores, pelas inclinações pessoais e pelos julgamentos de valor de quem
pesquisa. Ao contrário de viciar sua investigação, o cientista será mais capaz de evitar a
tendenciosidade (“bias”) quando tem esta consciência da que ele escolheu seu universo
(SELLTIZ, 1974:36-37).
No caso da pesquisa que serve de exemplo para este texto, a escolha do
universo de pesquisa decorreu do fato da cidade não ser atípica em relação ao Brasil, do
conhecimento geográfico do lugar por parte do pesquisador e face de menores custos com
hospedagem, que se dava em casa de parentes, uma vez que foi negado financiamento pelo
CNPQ.
Em função da questão problema e do universo de pesquisa, os objetivos do
referido trabalho foram os seguintes: a) verificar a intenção de cumprir as leis dos
elementos1 do universo de pesquisa; b) verificar qual é a interferência que têm sobre esta
intenção as variáveis idade, sexo, grau de instrução, profissão, origens étnicas, religião e
situação financeira; c) informar se existe uma lei ou conjunto de leis conhecido pelos
elementos do universo de pesquisa; d) descrever os meios pelos quais a população
pesquisada obtém conhecimento sobre as leis; e) identificar a quem a população pesquisada
atribui a produção das leis e (f) verificar o conhecimento que a população pesquisada tem de
uma lei municipal específica.
Um ponto de grande importância para a realização da pesquisa é o
conhecimento da delimitação geográfica e do contingente populacional do universo de
pesquisa. A delimitação geográfica é – por óbvio – para se saber exatamente onde realizar a
pesquisa; o contingente populacional serve para saber quantas pessoas serão pesquisadas:
a totalidade do universo, se se trata de pesquisa censitária, ou o tamanho da amostra
(mediante cálculo) se pesquisa por amostragem.
A Amostra
Amostra é a parte do universo de pesquisa que se toma para fazer a
pesquisa. Se se quer, por exemplo, saber se todos os parafusos de uma caixa estão
perfeitos, todos os parafusos da caixa compõem o universo de pesquisa. E tendo a caixa
dez mil parafusos, a parte que for tomada para fazer a pesquisa (300 parafusos, suponhase) será a amostra. A amostra é uma maneira mais econômica quanto a tempo, esforço e
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dinheiro, de se obter as informações desejadas, com alguns elementos do universo de
pesquisa, em vez de com todos (SELLTIZ, 1974:572).
Numa pesquisa de campo em que se quer saber a opinião das pessoas, há
necessidade de selecionar as que serão ouvidas da maneira mais neutra possível, evitandose, portanto, escolhas intencionais e subjetivas. Antes porém de selecionar as pessoas que
serão ouvidas, é necessário 1 Elementos do universo de pesquisa, nas ciências sociais, são
as pessoas que o compõem. saber a quantidade de pessoas a ouvir, ou seja, a quantidade
de componentes da amostra. Existem vários métodos para isso e vale, desde já, esclarecer
que não se trata de certo percentual, mas sim de um número a ser obtido mediante cálculo
matemático. O método utilizado na pesquisa aqui usada como exemplo foi o da Amostragem
Simples Casualizada.
O conceito básico de amostragem simples casualizada diz que, se extrairmos
uma amostra de N elementos de um universo de tamanho S, todos os
elementos de S devem ter a mesma probabilidade de estar na amostra. Para
assegurar este critério de equiprobabilidade, geralmente começamos por
numerar cada elemento do universo. Depois disto, será fácil consultar uma
tabela de números aleatórios (...) e ler N números consecutivos. Estes N
números identificarão os elementos do universo que devem ser tomados
como amostra. Como a tabela de números aleatórios é construída baseada
no , conceito de equiprobabilidade, o seu uso assegura que, na extração da
amostra, todos os elementos do universo terão a mesma probabilidade de
constituir a amostra, tendo-se então o critério para a amostragem
casualizada. (MAYNARD, 1970:42).
Usando este método, foi calculado1 (no trabalho que serviu de base para
este texto) o tamanho da amostra, considerando-se 3 elementos:
1 = Tamanho da amostra determinado estatisticamente;
1 O tamanho da amostra foi calculado pelo Prof. MSc. L.C.R. SALVADOR.
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2 = Na existência de grupos distintos da população, os mesmos devem ser
representados de forma proporcional;
3 = As amostras devem ser selecionadas de forma aleatória (igual
probabilidade de sorteio para todos os elementos).
1 - Tamanho da Amostra:
Foi calculado através da seguinte fórmula:
M=
N.z2.p’ q’
(N – 1)e2 + z2 p’ q’
onde
M = tamanho da amostra
N = tamanho da população
Z = número de unidades de desvio padrão, de acordo com a
probabilidade escolhida para ocorrência da diferença máxima entre
os resultados da amostra, em relação aos verdadeiros percentuais
da população.
PROBABILIDADE
Z
90%
1, 64
95%
1, 96
99%
2, 58
O número de unidades de desvio padrão igual a 1,96 é o mais usual
e, por isso, foi utilizado no cálculo desta amostra.
e = diferença máxima admitida entre os resultados percentuais da
amostra em relação aos verdadeiros percentuais da população (3% a
6%).
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p’ = percentual de respostas favoráveis a uma alternativa;
q’ = percentual de respostas desfavoráveis a uma alternativa;
Devem ser considerados os percentuais da alternativa que
apresentar maior variância (produto entre p’ e q’). O maior valor
possível ocorre para p’= q’= 0,5.
2 – Representatividade (proporcional)
Apesar de se tratar de pesquisa de opinião, a escolha dos
entrevistados se deu por domicílio. A representatividade levou em
conta os tipos de residência (casas de madeira, casas de alvenaria e
apartamentos) e as ruas em que se localizavam.
3 – Sorteio da Amostra
O sorteio da amostra foi efetuado por domicílio, em cada qual seria
entrevistada a primeira pessoa que atendesse à porta (critério
aleatório) e que correspondesse ao perfil previamente traçado (ser
totalmente capaz2, não freqüentar ou ter freqüentado curso de Direito
e residir no universo de pesquisa). Caso a pessoa que viesse a
atender à porta não preenchesse tais requisitos, ser-lhe-ia solicitado
que chamasse outro morador.
O contingente populacional pode ser obtido mediante banco de dados (por
exemplo: justiça eleitoral, em se tratando de pesquisa de intenção de voto; consumidores de
água ou energia elétrica cadastrados, em se tratando de outras pesquisas etc). Não havendo
um cadastro exato do contingente populacional existente no universo de pesquisa, há que se
2 Conforme os artigos 5o e 6o do Código Civil então em vigor ( LEI 3071 DE 01/01/1916), são totalmente capazes para os
atos da vida civil os maiores de 21 anos que não sejam loucos, nem surdos-mudos sem possibilidade de expressão da própria
vontade, nem pródigos; que não estejam ausentes (declarados tais por ato do juiz). Apesar de, na época da pesquisa, os
silvícolas serem considerados relativamente capazes, não surgiram tais como moradores dos domicílios sorteados. Também
são totalmente capazes os emancipados.
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recorrer a meios que garantam confiabilidade à contagem. No caso da pesquisa aqui usada
como exemplo, foi efetuada a contagem manual de domicílios, chegando-se a 2.448
residências, divididas entre apartamentos, casas de alvenaria e casas de madeira. A este
número foi aplicada a fórmula acima descrita, resultando no seguinte:
N = 2448
z = 1,96
e = 0,05
p’= 0,5
q’= 0,5
M=
2448. (1,96)2 . (0,5) (0,5)
=
(2448 – 1) (0,05)2 + (1,96)2 (0,5) (0,5)
(2448) (0,9604)_ = 2351,0592 = 332,16903
6,1175 + (0,9604)
7,0779
Portanto, M = 332,16903 ~ 333.
Por segurança, pode-se aumentar um pouco a amostra (nunca diminuí-la) e,
no caso usado como exemplo, a amostra teve 351 elementos. Nem sempre, porém, se pode
fazer a pesquisa por amostragem. Um pequeno universo de pesquisa comportará somente o
censo, já que seu tamanho dificilmente possibilitará uma amostra representativa.
O Sorteio da Amostra
A fórmula que foi mostrada no item anterior dá a quantidade de
componentes do universo que é suficiente para garantir uma probabilidade de 95% de que a
amostra represente a totalidade do universo. Ou seja, em cada 20 amostras, uma delas
pode não representar o universo, ou pode não refleti-lo corretamente. Uma amostra em que
esta probabilidade fosse de 99%, em vez de 95%, giraria em torno de 600 elementos.
Todavia não é só esta quantidade de elementos da amostra que lhe vai dar confiabilidade: o
sorteio de quem a comporá é que é a chave da sua representatividade. Desnecessário dizer,
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portanto, que a neutralidade na operacionalização do sorteio é que vai garantir sua isenção.
Esta neutralidade não significa que se deve abrir mão de qualquer controle sobre o sorteio.
O controle é necessário para garantir que as diferenças existentes no universo de pesquisa
sejam devida e proporcionalmente representadas na amostra. Assim, se há no universo de
pesquisa 49% de homens e 51% de mulheres, a amostra deve conter esta proporção; se há
85% de católicos e 15% de outras religiões, também esta diversidade há que se refletir na
amostra e assim por diante. Estas diferenças devem, entretanto, ser conhecidas antes do
sorteio, mas somente serão levadas em conta se interessarem ao objetivo da pesquisa.
Como hoje, em geral, o sorteio é feito por computador, as diferenças do universo devem ser
informadas à máquina que fará a escolha. No caso da pesquisa que serviu de base a este
texto, a única informação prévia que havia – e que foi registrada no computador - era a
quantidade de casas de alvenaria, de madeira e apartamentos existentes no universo, e as
ruas em que se encontravam. O sorteio indicou, na Rua X, por exemplo, a 4ª, a 10ª, a 15ª e
a 20ª casa de alvenaria; a 3ª, 10ª e 14ª casa de madeira e o 20º, 25º e 30º apartamento; na
Rua Y, a 1ª, 8ª e 12ª casa de madeira, a 6ª, 18ª e 30ª casa de alvenaria e o 5º, 6º e 13º
apartamento. E assim por diante. Além dos domicílios que compuseram a amostra, também
foram mapeados 41 que serviram como reserva, os quais foram usados para os casos em
que não foi possível entrevistar alguém no domicílio originalmente sorteado. Os casos de
impossibilidade de entrevista foram os seguintes: recusa de ser entrevistado, não haver no
domicílio quem preenchesse os requisitos para ser entrevistado, viagem prolongada do
morador, constatação de que não se tratava de imóvel usado como moradia, demolição do
prédio posteriormente à contagem e ser a pessoa entrevistada excessivamente falante,
calada ou obtusa, a ponto de inviabilizar a entrevista. O mapa da pesquisa, contendo os
endereços para entrevista, é não só o guia para a realização da pesquisa, mas também a
prova de que esta se realizou. Convém lembrar, porém, que as informações constantes do
mapa (que permitem se associe a entrevista à pessoa do entrevistado) são protegidas pelo
sigilo profissional.
Ainda sobre a necessidade de conhecimento prévio do universo de
pesquisa: deste
conhecimento decorrem informações a respeito da diversidade dos
elementos que compõem aquele universo: se se trata de bairro de classe econômica “A”, “B”
ou “C”, se predominam determinadas profissões etc. Uma pesquisa de mercado requer
informações prévias do universo diferentes de uma pesquisa eleitoral, por exemplo.
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Algumas variáveis que venham a ser consideradas na pesquisa podem não
permitir uma prévia determinação. No caso acima exemplificado (casas de alvenaria,
apartamentos e casas de madeira) é possível previamente determinar aquelas a serem
visitadas pelo pesquisador. Mas há outras variáveis que não são adredemente verificadas:
sexo, profissão, religião etc. Estas precisam ser controladas durante a pesquisa. E até o
período ou a hora da entrevista podem influenciar no aumento ou diminuição das variáveis,
nelas incluída a boa ou má vontade para atender o pesquisador. No caso da pesquisa que
serviu de base para este texto (A Intenção de Cumprir a Lei), observou-se o seguinte:
a) entrevistas em dias úteis, no período comercial (08 às 12 e 14 às 18h)
faziam com que predominassem mulheres e aposentados;
b) aos sábados à tarde as mulheres cuidavam de afazeres domésticos,
mesmo quando tinham atividade profissional fora de casa:
c) as pessoas, já em 1986, ficavam com medo de atender estranhos à noite
(a partir da hora que escurecia);
d)as manhãs de domingo eram boas ocasiões para entrevistas: as pessoas
estavam descansadas e com boa vontade. Mas as entrevistas deviam começar às 8h30min
e terminar às 11h30min, pois a esta hora começam a chegar os convidados para o almoço
dominical, já que é costume reunir outros membros da família nesta ocasião (tios, primos,
avós etc). Nas tardes de domingo, as entrevistas deviam começar a partir das 15h, pois até
esta hora as pessoas dormiam (faziam a sesta);
e) entre 20 e 21h as pessoas não gostavam de atender, pois assistiam ao
Jornal Nacional da Rede Globo; também não gostavam de atender durante jogos de futebol;
f) aos sábados à noite as pessoas costumavam sair de casa a título de lazer;
g) houve casos em que terceiros, que acompanhavam o entrevistado,
interferiram nas respostas. Crianças chegavam a desmentir os pais, em respostas que
achavam falsas. Por isso o ideal é estar só o entrevistado e o pesquisador.
h) Pessoas que moram em edifícios costumavam relutar a atender o
pesquisador; quando o edifício possuía porteiro eletrônico, a quantidade de recusas à
entrevista era maior;
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i) Em geral havia muita desconfiança com desconhecidos, principalmente
nas classes econômicas e/ou sociais3“A” e “B”, situação que se resolvia se o pesquisador
tivesse alguma atividade paralela bem vista (estudante de medicina, por exemplo) ou
pertencesse a alguma família conhecida no lugar;
j) nos locais de trabalho dos entrevistados havia mais interrupções durante a
entrevista, mas as entrevistas em casa – apesar do local ser mais apropriado –
apresentavam os problemas acima narrados.
O Instrumento de Pesquisa
Há diversos instrumentos para realizar pesquisas sociais (anotações de
observações, entrevistas, questionários e outros). A entrevista se caracteriza pela presença
do pesquisador junto ao pesquisado, enquanto que o questionário se caracteriza pela
remessa ao pesquisado, que o preencherá e fará a devolução ao pesquisador. A entrevista
permite maiores observações por parte do pesquisador, mas exige-lhe maior tempo e
deslocamento, que se traduzem em maiores custos. O questionário, se por um lado torna a
pesquisa menos dispendiosa – pois é preenchido pelo próprio componente da amostra –
apresenta também seus inconvenientes: risco de extravio pelo componente da amostra,
desinteresse deste em responder ou falta de educação formal que lhe permita entender e
responder aos questionamentos, conforme aponta SELLTIZ (1974:270).
Quando são feitas entrevistas em pesquisas quantitativas, é conveniente a
padronização das perguntas, para assegurar que todos responderão as mesmas
indagações. As perguntas, porém, podem ter alternativas fixas ou serem “abertas”.
A característica distintiva das perguntas abertas é o fato de apenas
apresentarem uma questão, mas não apresentam nem sugerem qualquer
estrutura para a resposta; a pessoa tem a oportunidade de responder com
suas palavras e com o seu quadro de referências.(SELLTIZ, 1974:270).
As perguntas abertas também se prestam para aquelas pesquisas em que
3 Classes sociais “A” e “B” são aqui entendidas com as formadas por aqueles que não têm poder aquisitivo para tanto, mas
se comportam como as classes econômicas “A” e “B”. São os chamados “nobres sem fortuna”.
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não se tem noção das prováveis respostas dos entrevistados, problema que é causado, em
geral, quando não são conhecidas pesquisas anteriores sobre o mesmo tema. Mas se as
perguntas abertas permitem maior espontaneidade do entrevistado e lhe dão oportunidade
de responder com suas palavras e seu quadro de referências, por outro lado implicam – em
se tratando de pesquisas quantitativas – num custo significativamente maior do que as
perguntas com alternativas fixas. Mesmo existindo atualmente programas de computador
que permitem a contagem de palavras, sua tabulação e colocação em gráficos, estes
programas ainda não conseguem contar idéias expressas por palavras diferentes. Ou o
fazem com imprecisão, pelo menos. Assim, as perguntas abertas precisam ser, após as
entrevistas, ser fechadas, até para adquirirem algum significado. Se se quer saber, por
exemplo, se as pessoas gostam de farinha de mandioca e algumas dizem gostar de pirão,
outras de farofa, outras da farinha pura, todas estas variações de respostas a perguntas
abertas poderiam ser resumidas num “sim” ou “não”. No exemplo, teríamos uma
pulverização de respostas sem o resumo (1. não gostam; 2. Gostam de pirão; 3. Gostam de
farofa; 3. Gostam de farinha de mandioca) e uma concentração com o resumo (1. Não
gostam; 2. Gostam). Se em 6 pessoas, 3 dissessem “não gosto” e 1, “pirão”, 1 “farofa” e 1
“farinha de mandioca”, a quantidade de não (3) seria maior que sim (1), pois gostar de pirão
e gostar de farofa poderiam ser excluídos da conta “gostar de farinha de mandioca”. Com o
resumo, teríamos 3 “não gostam” e 3 “gostam”, pois pirão e farofa seriam considerados
“gostar de farinha de mandioca”. Resulta, pois, que, nas perguntas abertas, após as
entrevistas estas acabam tendo de ser fechadas, para que se possa ter uma contagem
melhor e mais significativa.
Quando se faz cruzamento de variáveis, as perguntas abertas também se
mostram problemáticas – em se tratando de pesquisas quantitativas. Um leque muito grande
de variações de respostas pode gerar cruzamentos sem significado algum, face à excessiva
pulverização de variáveis. Estes cruzamentos servem para verificar o quanto uma variável
influencia em outra, para verificar a consistência de respostas (se respondeu “a” na pergunta
2, deveria responder “c” na pergunta 8, por exemplo) etc. Por exemplo: quer-se saber se a
idade influencia na tendência ao cumprimento da lei. Tomam-se, na pesquisa que serviu de
base a este texto, as respostas à pergunta em que se inquire se o entrevistado se considera
uma pessoa que cumpre as leis e se a cruza com a pergunta relativa às faixas etárias.
Verifica-se que dizem sempre cumprir a lei 45% dos que têm entre 21 a 30 anos; 71% dos
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que tem entre 31 a 40 anos; 71% dos que estão entre os 41 e 50 anos; 86% dos que tem de
51 a 65 e 87% dos que têm mais de 65 anos. E se conclui que, à medida que aumenta a
idade, aumenta a intenção de cumprir a lei. Percebe-se que, se há uma variação muito
grande de faixas etárias (21 a 25 anos; 26 a 30 e assim por diante) pode-se ter um
quantidade de pequenos percentuais que não permita inferências estatísticas seguras. Daí
porque as perguntas abertas, com grande diversidade de respostas, podem inviabilizar
pesquisas quantitativas ou deixar-lhes com pouco significado. Enfim, o ideal – para que se
possa ter significados estatísticos apreciáveis – é que o número de variações de resposta
numa determinada pergunta gire em torno de dez. E, pois, para evitar um trabalho posterior
de aglutinação (para fins de “fechamento”) de várias respostas abertas, conclui-se que, em
pesquisas quantitativas, especialmente aquelas em que se quer cruzar variáveis, o tempo (e,
conseqüentemente, as despesas) serão menores se – sempre que possível – as perguntas
tenham alternativas fixas.
As perguntas abertas também são conhecidas como de “resposta
espontânea” e as fech adas, ou com alternativas fixas, de “resposta induzida”. Nas
pesquisas eleitorais, por exemplo, abertas são as perguntas em que se questiona o
entrevistado sobre quem ele votaria, sem apresentar- lhe uma lista de candidatos; fechadas
são as perguntas em que, ao se inquirir o entrevistado, lhe é mostrada uma lista de
candidatos. Mas a leitura de alternativas pelo entrevistado, ou a indicação oral destas
alternativas também tem seus inconvenientes: no caso da leitura, ele pode – por preguiça de
ler – optar pela primeira alternativa; no caso da indicação oral (leitura pelo pesquisador em
voz alta), o entrevistado pode memorizar somente as últimas alternativas e por elas optar.
Assim, o ideal é ter-se, na caderno de anotações (ou aparelho em que são digitadas as
respostas) as alternativas prováveis, sem indicá-las ao entrevistado, e assinalá-las quando
da resposta. Salvo, evidentemente, se o objetivo da pesquisa é comparar produtos ou
preferências, quando então será parte da entrevista oportunizar ao entrevistado opões entre
“a”, “b” ou “c”. De se ponderar que a existência de alternativas prováveis, para serem
assinaladas pelo pesquisador, conforme o que responder o entrevistado, pode exigir – por
parte daquele - um certo juízo de valor, ao ter que aproximar respostas dadas pelo
entrevistado com o sentido das alternativas que tem para assinalar. Este é um risco que
deve ser assumido, em prol da diminuição de despesas da pesquisa e da supressão de um
trabalho muito desgastante e penoso que é o “fechamento” posterior de respostas.
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Tanto a entrevista quanto o questionário, tanto as perguntas abertas quanto
as alternativas fixas exigem uma série de cuidados quando da elaboração das perguntas.
Alguns destes cuidados são os seguintes:
a) as perguntas devem ser fáceis de entender, para que possam ser
compreendidas por pessoas com qualquer grau de instrução (salvo, evidentemente, se a
pesquisa for dirigida a um universo composto de pessoas com o mesmo grau de instrução,
ou quando a mensuração do grau de compreensão faz parte do objeto da pesquisa);
b) pode ser muito difícil a comunicação de uma pessoa com alto grau de
informação e/ou instrução escolar com outra pessoa de baixo grau de informação e/ou
instrução;
c)perguntas difíceis, que exijam algum raciocínio do pesquisado, devem ir no
início da entrevista, para não lhe esgotar logo a paciência; mas não podem estar as
primeiras, para não espantá-lo;
d)pessoas com maior grau de informação e/ou instrução podem relutar em
dizer que não sabem alguma coisa, ou se irritarem diante de uma pergunta corriqueira cuja
resposta desconhecem;
e) as perguntas devem se referir a fatos concretos e passados. Se se quer
saber se o entrevistado gosta de cinema, não se pergunta: “O(a) Sr(a). gosta de ir ao
cinema?”. Nem tampouco perguntas do tipo: “Se na sua cidade existissem mais cinemas, o
(a) Sr(a). assistiria mais filmes?”. O correto é perguntar: “O Sr(a). foi ao cinema no último
mês”?. Ou se pode também perguntar variações do tipo: “Quantas vezes o(a) Sr(a). foi ao
cinema nos últimos seis meses?”;
f) a gravação da entrevista, em lugar da anotação, pode constranger o
entrevistado, ou deixá- lo pouco à vontade para dar as informações que o pesquisador
deseja;
g) a quantidade de perguntas a serem feitas a entrevistados em pesquisas
quantitativas deve ser pequena, sendo ideal fazer em torno de dez perguntas, pois: g.1) há
menos desgaste do pesquisador; g.2) o custo da pesquisa é menor; g.3) o entrevistado não
se cansa de responder nem se aborrece com o tempo gasto; g.4) a tabulação e análise dos
dados fica mais compreensível, já que o excesso de perguntas pode, inclusive, torná-la de
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difícil compreensão, ou torná-la extremamente cara;
h) nas pesquisas quantitativas, é recomendável que as perguntas que não
forem com alternativas fixas (a serem apresentadas ao entrevistado), contenham respostas
prováveis, a serem assinaladas (pelo pesquisador); mas sempre convém deixar espaço em
branco para uma resposta não prevista;
i) na elaboração de perguntas devem ser evitadas expressões que gerem
emoções (salvo quando fizerem parte do objeto de pesquisa); exemplos de expressões que
geram emoções: “procurar seus direitos” (traz a conotação de conflito); “ficar em situação
difícil” ou “meter-se em complicações” (em geral significam transgressão de leis ou de regras
morais, ou, ainda, participação em confusões, sendo, assim, termos que podem ser vistos
como ofensivos);
O primeiro roteiro de entrevista ou questionário que se elabora não é o
definitivo, pois se deve fazer um pré-teste. Pré-teste é a aplicação prévia do roteiro da
entrevista ou questionário da pesquisa, com a finalidade de verificar se as perguntas estão
bem formuladas, se estão compreensíveis, numa ordem agradável etc. Só depois de
verificar se as perguntas estão inteligíveis, se os entrevistados estão se comportando
positivamente perante elas e o pesquisador, é que se fará a versão definitiva do instrumento
de pesquisa.
Análise dos Resultados e Relatório de Pesquisa
A aplicação do instrumento de pesquisa será o momento em que se irá a
campo para efetuar as entrevistas. Após esta aplicação, será feita a análise das informações
coletadas com verificação de hipóteses, seja pela leitura do conjunto de respostas, seja pelo
cruzamento de variáveis. O passo seguinte é a elaboração do relatório de pesquisa. Este
relatório – que é a comunicação ordenada e em linguagem científica do resultado da
pesquisa – tanto pode ser dirigido à comunidade científica (se se trata de pesquisa pura ou
aplicada para fins meramente científicos), ou a quem encomendou (se se trata de pesquisa
eleitoral ou de mercado). Quando o relatório é uma comunicação à comunidade científica,
pode se traduzir num trabalho de conclusão de curso, numa dissertação de mestrado ou
tese de doutorado, ou num relato a quem financiou a pesquisa.
Revista Eletrônica PRPE, fev. / 2004
Considerações Finais
Não se pretendeu aqui discorrer sobre métodos estatísticos, as apenas
trazer algumas informações da estatística quando usada nas pesquisas sociais. Há outros
pontos (especialmente sobre estatística) que ficaram de fora, os quais podem ser estudos
em obras específicas desta ciência. Mesmo em se tratando de pesquisa social, nem de
longe se pretendeu aqui esgotar o tema, mas apenas compartilhar informações assimiladas
quando da realização da pesquisa que foi relatada em nossa dissertação de mestrado e que
poderão auxiliar o profissional do Direito quando este se defrontar com a análise de alguma
pesquisa. Se este texto motivar profissionais do Direito e enveredarem pelos caminhos da
pesquisa em Sociologia do Direito, estará aí nossa maior gratificação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAYNARD, H. B. Manual de Engenharia de Produção. Tradução de Adilson
Simões, Clóvis Martins Filho e Geraldo Oppenheim. São Paulo, Edgard
Blücher Ltda./EUSP, 1970. 239 p.
SELLTIZ, Claire et alii. Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais.
Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo, E.P.U., 1974. 687 p.
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Como se Faz Pesquisa de Opinião Pública