MOLUSCOS EXÓTICOS COM IMPORTÂNCIA MÉDICA NO BRASIL
Silvana Carvalho Thiengo
André Favaretto Barbosa
Pablo Menezes Coelho
Monica Ammon Fernandez
Introdução
Os Moluscos compreendem o segundo maior filo de animais, com cerca de 150.000 espécies
viventes conhecidas, além de um vasto registro fóssil (NIELSEN, 2001). Vivem na terra, água
doce e oceanos e podem ser encontrados em quase todos os tipos de habitats, de desertos a
florestas tropicais, lagoas, riachos, poças de maré, costões rochosos e grandes profundidades
oceânicas (COWIE, 2004). São vulgarmente conhecidos, como caracóis, caramujos, lesmas,
ostras, mariscos, lulas e polvos.
Apesar da ampla variação morfológica existente entre os moluscos, trata-se de um dos filos de
mais clara definição (HYMAN, 1967), por apresentar pelo menos duas características exclusivas:
(i) o manto, uma membrana delgada que reveste o epitélio dorsal e secreta a concha; e (ii) a
rádula, um órgão raspador utilizado normalmente para obtenção de alimentos.
Tradicionalmente os moluscos podem ser divididos em oito grupos, sendo as classes Gastropoda
(caracóis e lesmas), Cephalopoda (polvos e lulas) e Bivalvia (ostras, mexilhões e mariscos) os
mais representativos em abundância e número de espécies, e que apresentam maior importância
econômica e para a saúde humana.
Datam da pré-história os registros da íntima relação humana com os moluscos, sejam na sua
utilização para alimentação, na fabricação de ferramentas ou adornos ou na transmissão de
antropozoonoses, as quais permanecem até hoje, e afetam milhões de pessoas, especialmente
nos países em desenvolvimento com precários índices de saneamento e saúde.
____________________________
Departamento de Malacologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Av.
Brasil, 4365, 21045-900, Rio de janeiro, RJ - Brasil. [email protected]
A dispersão natural ou introduções antrópicas de espécies de moluscos ao longo dos tempos vem
causando impactos econômicos, sociais, ao meio ambiente e à agricultura, além de favorecer a
disseminação de helmintos que necessitam dos gastrópodes (hospedeiros intermediários) para
completarem seu ciclo vital.
Importância Médica de Gastrópodes Exóticos Invasores
De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, “espécie exótica” é toda espécie
que se encontre fora de sua área de distribuição natural. “Espécie Exótica Invasora”, por sua vez,
é definida como sendo aquela que ameaça ecossistemas, habitats ou espécies (MMA, 2005).
Assim, neste trabalho, faremos uma análise dos principais gastrópodes exóticos introduzidos que
estejam de fato ou potencialmente envolvidos no ciclo de transmissão de zoonoses no Brasil.
Tais introduções de moluscos no Brasil tem sido corriqueiras e intensificada nas últimas décadas,
motivadas principalmente por interesses econômicos, especialmente relacionadas ao cultivo
(maricultura, ostreiticultura e helicicultura). A introdução acidental representa igualmente um
importante fator na disseminação de moluscos, que podem migrar vários quilômetros aderidos à
carrocerias de automóveis, máquinas ou equipamentos, bem como em água de lastro, cascos de
embarcações, plantas ornamentais e insumos agrícolas. A dispersão de algumas espécies pode
ainda relacionar-se á atividades desempenhadas por aquariofilistas e colecionadores, entre elas o
comércio de plantas aquáticas.
1- Achatina fulica Bowdich, 1822: o “Caramujo-Gigante-Africano”.
Originário do Leste da África, o “Gigante Africano” foi introduzido no Brasil na década de 1980
(TELLES et al., 1997) em uma tentativa de substituição de cultivo do “escargot” Helix aspersa
Müller, 1774. A espécie africana surgiu como uma boa opção aos criadores por apresentar
vantagens, como por exemplo, a maior adaptação ao clima dos trópicos, facilitando a criação e a
redução no tempo de no tempo de crescimento individual e populacional, o que aumenta a
produção. A perda de interesse na criação motivada principalmente pelo baixo retorno financeiro e
dificuldades para escoação da produção levaram alguns criadores a abandonarem exemplares no
ambiente, acarretando sua rápida dispersão pelo território brasileiro.
A. fulica é um gastrópode terrestre pulmonado, incluído na família Achatinidae, que se caracteriza
por apresentar concha cônica marrom com faixas de cores nas tonalidades que variam entre
castanho e levemente arroxeadas. Os adultos podem atingir 20 cm de comprimento de concha e
500g de peso total. O animal apresenta massa cefalopediosa cinza escura, pé largo e cabeça com
dois pares de tentáculos, sendo os superiores portadores dos olhos; são hermafroditas, com
capacidade de realizar autofecundação, com preferência à fecundação cruzada, podem colocar até
200 ovos por postura, várias vezes ao ano.
A espécie é herbívora e possui uma dieta generalista, já tendo sido observada alimentando-se de
plantas nativas, ornamentais, selvagens e de cultura (PAIVA, 1999), além de plástico, papel,
jornal e lixo em geral. Estabeleceu-se principalmente em áreas urbanas e periurbanas, invadindo
casas, jardins, hortas e terrenos baldios, trazendo transtornos à população afetada. Tornou-se
praga de pequenos cultivos de subsistência e é considerada uma ameaça à agricultura sustentável
em alguns países, demandando altos custos em tentativas de controle, as quais em sua maioria
resultaram em fracasso (BARBOSA & SALGADO, 2001). Achatina fulica listada entre as 100 piores
espécies invasoras do mundo, de acordo com “The Invasive Species Specialist Group (ISSG)”,
parte da “Species Survival Commission” (SSC) da “The World Conservation Union” (IUCN) (LOWE
et al., 2000).
No Brasil, recebeu alarmante tratamento pela grande mídia (BARBOSA et al., 2002), que veiculou
sua participação no ciclo de helmintos que trariam doenças graves tais como meningite,
dermatites e doenças abdominais. Assim, espalhou-se pânico entre as comunidades das áreas
afetadas, que começaram a relacionar óbitos de animais domésticos e outras doenças humanas
com a presença do caramujo ou com o contato com a sua “baba” (muco).
A invasão de áreas nativas, inclusive de Unidades de Conservação, pelo “Gigante Africano”
também já é uma realidade, o que pode causar desequilíbrios á fauna dessas áreas (FARACO,
Com. Pess.).
Sua importância médica está relacionada à atuação como hospedeira intermediária de
nematódeos metastrongilídeos, causadores da angiostrongilose abdominal e meningoencefalite
eosinofílica.
Faz-se importante ressaltar que até o momento não foram encontrados no Brasil exemplares de
A. fulica naturalmente infectados pelo Angiostrongylus costaricensis Morera & Céspedes, 1971,
agente etiológico da angiostrongilose abdominal, embora testes laboratoriais constatem a
susceptibilidade de A. fulica à infecção por A. costaricencis quando submetidas a altos índices de
exposição larvar (CARVALHO et al., 2003, NEUHAUSS, 2005).
Angiostrongylus cantonensis (Chen, 1935), agente etiológico da meningoencefalite eosinofílica
humana, ainda não foi oficialmente registrado para o Brasil, estando restrito nas Américas a casos
em Cuba, Porto Rico e EUA, mas com grande importância epidemiológica nos países IndoAsiáticos (CROSS, 1987; ACHA & SZYFRES, 1986).
A baixa especificidade destes nematódeos quanto aos seus hospedeiros intermediários, reflete a
preocupação quanto à potencialidade de A. fulica tornar-se um hospedeiro intermediário destes
parasitas, embora apresente baixa suscetibilidade à infecção
2- Bradybaena similaris (Férussac, 1821).
Espécie originária da Ásia, introduzida em todas as regiões tropicais facilitada pela ação antrópica.
São conhecidos como “caracol de jardim”, muito comum em áreas urbanas e periurbanas, onde
podem ser freqüentemente percebidos principalmente após períodos chuvosos em vasos de
plantas ornamentais, jardins e quintais. Embora não haja registros precisos, quanto á sua
introdução no Brasil, B. similaris apresenta populações bem estabelecidas em praticamente todo o
território nacional, o que indica uma antiga invasão.
B. similaris é um gastrópode terrestre pulmonado incluído na família Bradybaenidae, que
apresenta concha com cerca de 10 mm de altura e 15 mm de diâmetro, helicoidal, translúcida,
castanho clara, geralmente com uma faixa espiral escura mais notável na volta corporal. Linhas
de crescimento e estrias espirais regularmente dispostas; abertura da concha luniforme com lábio
externo refletido.
É hermafrodita e extremamente prolífera, podendo colocar de 100 a 250 ovos por postura
(CHANG, 2002). De hábito generalista, é considerada praga de cultura de hortaliças e flores
ornamentais (BOFFI, 1979). Sua dispersão é facilitada por apresentar reduzida dimensão,
podendo migrar aderida em plantas, terra ou amontoados de lama preso em carrocerias de
veículos.
Na região endêmica da angiostrongilose abdominal no sul do Brasil, exemplares de B. similaris
foram encontrados parasitados por A. costaricensis (GRAEFF-TEIXEIRA et al. 1993; RAMBO et al.
1997)
3 – Limax flavus (Linnaeus, 1758) e Limax maximus (Linnaeus, 1758).
Originárias do Oeste e Sul da Europa e região do Mediterrâneo, estes limacídeos são vulgarmente
conhecidos como “lesmas” no Brasil, por serem desprovidos de concha externa.
São gastrópodes terrestres pulmonados e caracterizam-se por apresentar manto pequeno
disposto anteriormente com pneumóstoma abrindo na metade posterior; pé com dorso quilhado e
porção posterior afilada. Hermafroditas, apresentam comportamento de corte antes da cópula.
No Brasil estas espécies parecem estar restritas ao Rio grande do Sul, onde foram introduzidas,
provavelmente, por imigrantes europeus. Limax flavus é acinzentada, com manchas amareloclaras no manto e rugas amareladas no corpo; os lados e a porção anterior do corpo são pálidos e
os tentáculos são azulados. Produz muco amarelado e espesso (BOFFI, 1979), enquanto que L.
maximus possui concha interna, oblonga, fina, recoberta por uma epiderme amarelada que se
projeta nos bordos; face inferior branca; manto e corpo amarelo-acinzentados com manchas
pretas irregulares; região posterior da cabeça, sola do pé e bordo da sola pálidos; muco incolor
(BOFFI, 1979).
Segundo THOMÉ (1993), somente há poucos anos as lesmas foram arroladas como vetoras de
parasitoses humanas. GRAEFF-TEIXEIRA et al. (1993) encontraram alto índice de infecção por A.
costaricensis em L. maximus e L. flavus coletadas no Sul do Brasil, região endêmica da
angiostrongilose abdominal. Segundo estes autores, estes limacídeos exóticos podem ser
facilmente encontrados próximos a casas, principalmente em hortas e jardins, podendo
desempenhar um importante papel na manutenção do ciclo do nematódeo A. costaricensis.
4- Helix aspersa Müller, 1774.
De origem européia, foi introduzido inicialmente no sul do Brasil na década de 1970, com objetivo
de comercializar sua carne. Conhecido como "escargot petit gris" é muito apreciado na culinária,
principalmente francesa. Adaptou-se facilmente no sul do Brasil onde a temperatura é amena
entre 16ºC e 24ºC, não se adaptando muito bem ao clima mais quente (VIVEIROS, 1996).
Helix aspersa é um gastrópode terrestre pulmonado, incluído na família Helicidae, que apresenta
concha helicoidal, globosa, com voltas de perfil convexo, áspera, opaca e subtranslúcida. Concha
na tonalidader castanho-clara ou escura com faixas espirais da mesma cor e faixas axiais obliquas
ou manchas mais claras. Abertura oblíqua, ovalada (BOFFI, 1979).
Foi também encontrado naturalmente infectado com larvas de A. costaricensis no Rio Grande do
Sul (THIENGO et al. 1993).
5- Deroceras laeve (Müller, 1774)
Originária da Europa, essa espécie habita locais com alta umidade: hortas, beira de rios e
banhados. São animais pequenos com aproximadamente 25 mm de comprimento, coloração
marrom-escuro e tentáculos escuros. O corpo é mole e translúcido, coberto por um muco aquoso.
A concha é central e ocupa metade do comprimento do corpo, medindo 3mm x 1,5mm. A região
ventral é marrom claro e o muco é transparente. A região cefálica é longa, característica marcante
dessa espécie (HÓRUS, 2005).
Este gastrópode terrestre da família dos limacídeos é freqüentemente encontrado em folhas de
verduras e hortaliças, podendo ser ingerido acidentalmente. Em estudo epidemiológico no sul do
Brasil (oeste do Estado de Santa Catarina) onde essas lesmas constituem praga agrícola e
importantes vetores do A. costaricensis, documentou-se pela primeira vez a infecção natural de D.
laeve com larvas de metastrongilídeos (MAURER et al., 2002).
6- Melanoides tuberculatus (Müller, 1774).
Originário do Norte e Leste da África e Sudoeste da Ásia, foi documentado pela primeira vez em
1967, e atualmente encontra-se em 17 Estados e no Distrito Federal (FERNANDEZ et al.2003).
M. tuberculatus é um gastrópode límnico, pertecente à família Thiaridae, é capaz de ocupar uma
vasta gama de ambientes lênticos e lóticos. São de hábitos noturnos, alimentando-se de
partículas orgânicas incorporadas ao substrato, com moderada resistência à dessecação, são
vivíparose podem reproduzir-se por partenogênese, o que facilita sua dispersão e colonização,
podendo atingir densidades elevadas, com até 17.000 indivíduos/m² (HÓRUS, 2005).
A espécie é caracterizada por apresentar concha turriforme com até 40 mm de altura, castanha,
geralmente com listras avermelhadas. Costelas verticais bem desenvolvidas a partir das primeiras
voltas até próximo à volta corporal; estriações espirais delgadas.
Podem transmitir zoonoses como a paragonimose e clonorquiose, dendemicas da Ásia Oriental
(FERNANDEZ et al.2003; BOGÉA et al. 2005). A primeira é uma infecção pulmonar crônica,
causada por um trematódeo do gênero Paragonimus, sendo o Paragonimus westermani (Kerbert,
1878) o que mais infecta o homem. É uma doença endêmica da Ásia Oriental, naAmérica do Sul,
há registros no Equador e no Peru considerados áreas endêmicas (JHAYYA et al., 2000), e no
Brasil, casos desta zoonose foram detectados em imigrantes (CORRÊA & CORRÊA, 1977).
A clonorquiose, causada pelo trematódeo Clonorchis sinensis (Cobbold, 1875), parasita das vias
biliares do homem, ocorre na China, Japão, Coréia, Vietnã e parte da Índia. Seu ovos eliminados
com as fezes do portador são deglutidos por caramujos, inclusive aqueles da família Thiaridae,
onde
irão
desenvolver-se
dando
origem
sucessivamente
a
esporocistos,
rédias
e
pleurolofocercárias, que podem penetrar e encistar-se em cerca de 80 espécies de peixes de 10
famílias. O hospedeiro definitivo infecta-se ao comer peixe cru ou mal cozido, conforme é hábito
nos países asiáticos (VAZ et al., 1986).O crescente interesse pela culinária do leste asiático no
Brasil, aumenta as possibilidades de introdução pelo C. sinensis no país, até hoje não registrada.
A centrocestose, helmintose transmitida pelo centrocestus formosanus (Nishigory, 1924), também
não possui registros no Brasil.
A capacidade de M. tuberculatus abrigar diferentes formas larvais, foi relatada por THIENGO et al.
(2001), BOAVENTURA et al. (2002) e BOGÉA et al. (2005) a partir da análise de exemplares
coletados em cursos d’água no Estado do Rio de Janeiro. Tais cercárias não foram relacionadas a
riscos para a saúde pública, embora os autores foram unânimes na recomendação de estudos
complementares.
Segundo GIOVANELLI (2005), M. tuberculatus pode ser utilizado com relativo sucesso no controle
biológico de Biomphalaria, gênero que inclui as três espécies vetoras da esquistossomose no
Brasil. Entretanto, os fatores da interação entre estes caramujos ainda não são totalmente
conhecidos e estudos complementares fazem-se necessários antes da introdução voluntária desta
espécie exótica com este objetivo.
A Angiostrongilose e sua Importância Epidemiológica
Duas espécies de nematódeos do gênero Angiostrongylus podem parasitar ocasionalmente o
homem: A. costaricensis e A. cantonensis. Ambas necessitam de um molusco gastrópode como
hospedeiro intermediário e roedores como hospedeiro definitivo naturais.
- A. costaricensis:
Causa no homem a angiostrongilose abdominal, doença caracterizada pela infiltração maciça de
eosinófilos na parede intestinal com reação granulomatosa e vasculite eosinofílica afetando
artérias, veias vasos linfáticos e capilares principalmente na região íleo-cecal. Com casos
registrados desde os Estados Unidos até a Argentina, ocorre preponderantemente na América
Central. No Brasil, a maioria dos casos ocorre na região Sul, mas já foi detectada em São Paulo,
Distrito Federal, Minas Gerais e Espírito Santo (MOTA & LENZI, 2005).
Na natureza, os roedores são os hospedeiros definitivos mais freqüentes, podendo afetar quatis e
macacos (SANTOS et al., 2002). Os vertebrados infectam-se ao ingerir moluscos contaminados ou
vegetais e água contendo o muco dos moluscos com a larva de terceiro estádio, depois de
ingeridas, essas larvas buscam a região íleo-cecal, onde penetram na parede intestinal e se
situam nos vasos linfáticos, tanto dentro quanto fora dos gânglios linfáticos da cavidade
abdominal. As larvas sofrem mudas e migram até seu habitat definitivo, que são as artérias
mesentéricas da região íleo-cecal. A oviposição inicia-se aproximadamente em 18 dias e as larvas
de primeiro estádio aparecem nas fezes 24 dias depois da infecção. O molusco se infecta ao
ingerir as fezes contaminadas, ou por penetração ativa das larvas através de seu tegumento
(THIENGO, 1996). No tecido fibromuscular do molusco, sofrem duas mudas e ao fim de
aproximadamente 18 dias já se encontram larvas infectantes (terceiro estádio) que podem
persistir durante muito tempo no molusco ou vão sendo eliminadas com a secreção mucosa. No
ambiente, as larvas sobrevivem cerca de 10 dias, em condições favoráveis de temperatura e
umidade (REY, 1991).
O homem atua como hospedeiro acidental no ciclo de A. costaricensis ao ingerir alimentos crus
e/ou mal lavados ou água contaminados por larvas do terceiro estádio eliminadas com o muco dos
moluscos. No Brasil, o consumo de gastrópodes crus não pode ser considerado um hábito
freqüente ou cultural, mas a possibilidade de ingestão acidental deve ser considerada. No homem
o ciclo biológico do A. costaricensis é abortivo e os ovos não são eliminados com as fezes,
mascarando a detecção em exames parasitológicos de rotina. Ainda não existe tratamento
específico porque os antihelmínticos não são eficazes e ainda podendo piorar o quadro clínico
(MOTA & LENZI, 2005).
As manifestações clínicas da angiostrongilose abdominal humana incluem febre moderada e
prolongada, dor abdominal difusa ou localizada na fossa ílica ou no flanco direito, astenia,
anorexia, emagrecimento, náuseas e vômitos (REY, 1991). AYALA (1987) estudou casos da
doença na região Sul do Brasil, todos provenientes de zonas rurais e atingindo igualmente adultos
e crianças, sendo estas com sinais de intensa desnutrição. O tratamento é cirúrgico e óbitos já
foram documentados, seja por deiscência de sutura da anastomose intestinal seja outro por
descompensação da cirrose, após sangramento alto, no pós-operatório imediato.
- A. cantonensis:
Causa no homem a angiostrongilose cerebral ou meningoencefalite eosinofílica, doença mais
grave que a anterior que pode levar ao óbito ou deixar seqüelas permanentes. Entre as principais
manifestações clínicas destacam-se intensas dores de cabeça, vômitos, febre moderada
intermitente, anorexia, mal-estar, constipação e sonolência; em alguns casos afeta intensamente
o sistema nervoso e o cérebro. A doença encontra-se em expansão em países Indo-asiáticos e
África, com registros em Cuba e Havaí/EUA (ACHA & SZYFRES, 1986). Esta zoonose é endêmica
nos países Indo-asiáticos e embora não haja registros no Brasil, há relatos de casos em Porto Rico
e nos Estados Unidos. (NEW et al., 1995).
O ciclo de A. cantonensis na natureza é similar ao de A. costaricensis. Os hospedeiros
intermediários são várias espécies de gastrópodes terrestres e límnicos. Os hospedeiros definitivos
podem infectar-se pelo consumo de moluscos, peixes e crustáceos crus e infectados ou através de
vegetais e água contaminada com as larvas de terceiro estádio que se desenvolvem no molusco.
No roedor atravessam o intestino e são levadas, via sistema circulatório, ao cérebro onde sofrem
duas mudas adicionais para transformarem-se em parasitos adultos imaturos. Do parênquima
cerebral migram para a superfície deste órgão onde permanecem por um determinado tempo no
espaço subaracnóideo até migrar para as artérias pulmonares, aonde atingem a maturidade
sexual e iniciam a oviposição. Os ovos eclodem nas arteríolas pulmonares e liberam a primeira
larva que migra até a traquéia sendo deglutida com as secreções e eliminada poteriormente com
as fezes. Os moluscos se infectam ao ingerirem as fezes dos roedores infectados. No homem, na
mesma forma que o A. costaricensis, não ocorre a eliminação de larvas nas fezes. Há também a
possibilidade da infecção ocorrer pelo consumo de hospedeiros paratênicos (de transporte), como
crustáceos, peixes, anfíbios e répteis que por sua vez teriam ingerido moluscos infectados (ACHA
& SZYFRES, 1986).
Até o presente não há relatos desta doença no Brasil, entretanto, devido ao grande número de
imigrantes orientais e a possibilidade de introdução de ratos infectados através de navios
provenientes de áreas endêmicas, associada a presença de hospedeiros intermediários suscetíveis
possibilitam a ocorrência do ciclo desse parasito no nosso país (THIENGO, 1995).
Recomendações
A entrada de espécies de moluscos no Brasil deve ser rigorosamente controlada, fiscalizada e
regulamentada mediante estudo prévio de impacto ambiental. Áreas portuárias e estradas
merecem especial atenção por representarem importantes vias de acesso. Para aquelas espécies
que já se encontram estabelecidas, recomenda-se a adoção de estratégias de controle, que
perpassam pelo estabelecimento de normas específicas (leis, decretos, instruções normativas
etc), treinamento de profissionais dos Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde, e
de agências nas esferas federal, estadual e municipal. Atividades de educação ambiental e de
conscientização da população são efetivamente importantes aliados ao controle das espécies
exóticas e na redução dos casos de doenças relacionadas.
Ações simples como, por exemplo, hábitos higiênicos na manipulação e consumo de água e
alimentos são eficazes na redução do número de pessoas acometidos por parasitoses.
O combate aos moluscos deve-se basear no correto reconhecimento e catação manual das
espécimes para posterior eliminação, preferencialmente por incineração. O uso de sal ou produtos
químicos para matar os moluscos deve ser visto com ressalvas, pois pode contaminar o solo,
lençóis d’água e afetar crianças e animais domésticos.
Referências
ACHA, P. N. & SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los
animales. 2ª.Ed., Organizacion Panamericana de la Salud, Washington. 989pp. 1986.
AYALA, M. A. R., 1987. Angiostrongiloidíase abdominal. Seis casos observados no Paraná e em
Santa Catarina, Brasil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 82(1): 29-36.
BARBOSA, A. F. & SALGADO, N. C., 2001. Quando o escargot vira praga. Ciência Hoje,
30(175):51-53.
BARBOSA, A. F., SALGADO, N. C., COELHO, A. C. S. & MONTEIRO, J. C., 2002. Achatina fulica
Bowdich, 1822, o “Caramujo Gigante Africano”: história, biologia e controle de uma praga em
expansão no Brasil (Mollusca, Gastropoda, Achatinoidea). Informativo da Sociedade Brasileira
de Malacologia, Rio de Janeiro, 33 (140): 4-5.
BOAVENTURA, M.F., THIENGO, S.C. & FERNANDEZ, M.A., Freshwater snails and schistosomiasis
mansoni in the State of Rio de Janeiro, Brazil: I - metropolitan mesoregion. Mem. Inst. Oswaldo
Cruz, Sept. 2001, vol.96 suppl, p.177-184.
BOAVENTURA, M. F., FERNANDEZ, M. A., THIENGO S. C., SILVA R. E. & MELO A. L., 2002. Formas
larvais de Trematoda provenientes de gastrópodes límnicos da microrregião Rio de Janeiro,
sudeste do Brasil. Lundiana, 3(1):45-49.
BÓGEA, T.; CORDEIRO, F.M. & GOUVEIA, J. S., 2005. Melanoides tuberculatus(Gastropoda:
Thiaridae) as intermediate host of
Heterophyidae (Trematoda: Digenea) in Rio de Janeiro
metropolitan área, Brazil. Ver. Inst. Med. Trop. S. Paulo. 47(2):87-90.
BOFFI, A. V. Moluscos brasileiros de interesse médico e econômico. Ed. Hucitec, São Paulo,
182pp. 1979.
CARVALHO, O. S., TELES, H. M. S., MOTA, E. M., MENDONÇA, C. L. G. F. & LENZI, H. L., 2003.
Potentiality of Achatina fulica Bowdich, 1822 (Mollusca: Gastropoda) as intermediate host of
the Angiostrongylus costaricensis Morera & Céspedes, 1971. Rev. Soc. Bras. Med. Trop.,
36(6): 743-745.
CHANG, C. P. Bradybaena similaris (de Férussac) (Bradybaenidae) as a pest on grapevines of
Taiwan. In: BARKER, G. M. (Ed.) Molluscs as crop pests. CABI publishing Ed., Oxon. 468 pp.
2002.
CORRÊA, L.L. & CORRÊA, M.D.A., 1977. Prevalência de ectoparasitoses entre migrantes chegados
ao Brasil oriundos de diferentes países. Rev. Inst. Adolpho Lutz, 37: 141-145.
COWIE, R. H. Mollusks. In: STAPLES, G. W & COWIE, R. H. (eds.) Hawai`i´s invasive species. Ed.
Mutual Publishing, Honolulu, 116pp. 2004.
CROSS, J. H., 1987. Public health importance of Angiostrongylus cantonensis and its relatives.
Parasitology Today 3(12):367-369.
FERNANDEZ, M. A., THIENGO, S. C. & SIMONE, L. R. L., 2003. Distribution of the introduced
freshwater snail Melanoides tuberculatus (Gastropoda: Thiaridae) in Brazil. Nautilus, 117(3):
78-82.
GIOVANELLI, A., 2005. Avaliação dos efeitos de Melanoides tuberculatus sobre Biomphalaria spp.
e seu impacto sobre a diversidade das comunidades de macroinvertebrados aquáticos em
Guapimirim, RJ. Tese de Doutorado, IOC-Fiocruz, Rio de Janeiro. 111pp.
GRAEFF-TEIXEIRA, C., THIENGO, S. C., THOMÉ, J, W., MEDEIROS, A. B., CAMILLO-COURA, L. &
AGOSTINI, A. A., 1993. On the diversity of mollusc intermediate hosts of Angiostrongylus
costaricensis Morera & Céspedes, 1971 in Sothern Brasil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz,
88(3):487-489.
HÓRUS,
INSTITUTO.
Espécies
exóticas
invasoras:
Deroceras
laeve.
http://www.institutohorus.org.br/download/fichas/Deroceras_laeve.htm.
Disponível
em
Capturado em Jul/
2005.
HÓRUS, INSTITUTO. Espécies exóticas invasoras: Melanoides tuberculatus. Disponível em
www.institutohorus.org.br/download/fichas/Melanoides_tuberculatus.htm. Capturado em Ago/
2005.
HYMAN, L. H. The Invertabrates. Vol. VI: Mollusca I. Ed. McGraw-Hill, New York, 792pp. 1967.
JHAYYA, T. J., COLOMA, M. A., PEREZ, M. & MONTAÑO, D., 2000. Pulmonary and pleural
paragonimiasis: report of two cases. J. Pneumologia.26 (2):103-106.
LOWE, S., BROWNE, M., BOUDJELAS, S., DE POORTER, M., 2000. 100 of the World’s Worst
Invasive Alien Species A selection from the Global Invasive Species Database. Publicado por
The Invasive Species Specialist Group (ISSG)/ The World Conservation Union (IUCN), 12pp. in
Aliens 12, December 2000. Capturado on line em 01/08/2005 www.issg.org/
MAURER,
R.L.;
GRAEFF-TEIXEIRA,
C.;
THOMÉ,
J.W.;
CHIARADIA,
L.A.;
SUGAYA,
H.
&
YOSHIMURA, K., 2002. Natural infection of Deroceras laeve (Mollusca: Gastropoda) with
metastrongylid larvae in a transmission focus of abdominal angiostrongyliasis. Rev. Inst. Med.
trop. S. Paulo, 44(1):53-54.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), 2005. www.mma.gov.br/port/sbf/invasoras. capturado
em 02/08/2005.
NEUHAUSS, E., 2005. Achatina fulica Bowdich, 1822 (Mollusca: Gastropoda) como hospedeiro
intermediário potencial de Angiostrongylus costaricensis Morera & Céspedes, 1971 e
Angyostrongylus cantonensis Chen, 1935 (Nematoda: Angiostrongylidae). Dissertação de
Mestrado, PUC-RS. 61PP.
NEW, D. ; LITTLE, M.D. & CROSS, J., 1995. Angiostrongylus cantonensis infection from eating raw
snails. New England Journal of Medicine. 332(16):1105-1110
NIELSEN, C. Animal evolution: interrelationships of the living phyla. 2a. Ed., Oxford University
Press, New York, 563 pp. 2001.
PAIVA, C. L, 1999. Achatina fulica Praga agrícola e ameaça à Saúde Pública no Brasil. Disponível
em: www.geocities.com/lagopaiva/achat.htm#naturais. Capturado em agosto/04.
RAMBO, P. R., AGOSTINI, A. A. & GRAEFF-TEIXEIRA, C., 1997. Abdominal Angiostrogylosis in
Southern Brasil- Prevalence and parasitic burden in mollusc intermediate hosts from eighteen
endemic foci. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 92(1): 9-14.
REY, L. Parasitologia. 2a. Ed. Guanabara Koogan Ed., Rio de Janeiro. 731 pp. 1991.
SANTOS, S.B., MONTEIRO, D.P. & THIENGO, S.C., 2002.
Achatina
fulica
(Mollusca,
Achatinidae) na Ilha Grande, Angra dos Reis, Rio de Janeiro: implicações para a saúde
ambiental. Biociências, 10(2): 159-162.
TELLES, H.M.S., VAZ, J.F., FONTES, L.O.R. & DOMINGOS, M.F. 1997. Registro de Acahatina fulica
Bowdich, 1822 (Mollusca, Gastropoda) no Brasil: caramujo hospedeiro intermediário da
angiostrongilíase. Rev. Saúde Pública, 31, (3): 310-312.
THIENGO, S.C. Gênero Pomacea (Perry, 1810). In: BARBOSA, F. S. (ed.). Tópicos em malacologia
médica. Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro. 314pp. 1995.
THIENGO, S.C., 1996. Mode of infection of Sarasinula marginata (Mollusca) with larvae of
Angiostrongylus costaricensis (Nematoda). Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 91(3): 277-278.
THIENGO S.C., AMATO S.B., AVENTINO A. & ARAÚJO J.L.B., 1993. Estudo sobre os hospedeiros
intermediários do Angiostrongylus costaricensis Morera & Céspedes, 1971. Rev. Bras.
Parasitol. Vet. 2: 64.
THIENGO, S.C., FERNANDEZ, M.A., BOAVENTURA, M.F., GRAULT, C.E. , SILVA, H.F.R., MATTOS,
A.C. & SANTOS, S.B., 2001. Freshwater Snails and Schistosomiasis Mansoni in the State of Rio
de Janeiro, Brazil: I - Metropolitan Mesoregion Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 96, Suppl.: 177-184.
THOMÉ, J. W., 1993. Estado atual da sistemática dos Veronicellidae (Mollusca; Gastropoda)
americanos, com comentários sobre sua importância econômica, ambiental e na saúde.
Biociências, 1(1):61-75.
VIVEIROS, A. T. M., 2005. Como manejar a criação de caracóis comestíveis. Disponível em
http://biblioteca.sna.agr.br/artitec_escargots.htm. Capturado em Agosto/2005.
Anexo
Quadro relacionando as antropozoonozes citadas no texto:
Doença
Agente
Etiológico
Formas de Infecção
Angiostrongilo
se abdominal
Angiostrongylus
costaricensis
(Nematoda)
Meningoencefa
lite eosinofílica
Angiostrongylus
cantonensis
(Nematoda)
Clonorquiose
Clonorchis sinensis
(Trematoda)
Centrocestus
formosanus
(Trematoda)
Paragonimus
westermani
(Trematoda)
Ingestão de Moluscos
crus ou mal cozidos;
Ingestão de água ou
alimentos (hortaliças)
contaminados com o
muco do molusco.
Ingestão de Moluscos
crus ou mal cozidos;
Ingestão de água ou
alimentos (hortaliças)
contaminados com o
muco do molusco.
Ingestão de crustáceos,
peixes, anfíbios e
répteis (hospedeiros
paratênicos).
Ingestão de peixes crus.
Centrocestose
Paragonimiose
Ingestão de peixes crus
Ingestão de camarões e
caranguejos límnicos
crus.
Moluscos exóticos
potencialmente
envolvidos no ciclo
Achatina fulica
Bradybaena similaris
Deroceras laeve
Helix aspersa
Limax flavus
Limax maximus
Achatina fulica
Ocorrência no Brasil
Principalmente Região
Sul, São Paulo, Espírito
Santo, Distrito Federal
e Minas Gerais.
Nenhum caso
oficialmente registrado.
Melanoides
tuberculatus
Melanoides
tuberculatus
Casos esparsos em
imigrantes asiáticos.
Nenhum caso
oficialmente registrado.
Melanoides
tuberculatus
Nenhum caso
oficialmente registrado.
Download

Moluscos Exóticos com Importância Médica no Brasil