II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte
13 a 15 de setembro de 2010 - Belém (PA)
Grupo de Trabalho: GT 4 - Estado, Políticas Públicas, Eleições e Sociedade
Título do Trabalho: A FRAGMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NA RESERVA
EXTRATIVISTA “VERDE PARA SEMPRE”
Michelle Teodoro Garcia – Assistente Social, Especialista em Políticas Sociais e
Gestão de Serviços Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR) e
Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Alexandre Rossetto Garcia – Médico Veterinário. Pesquisador Doutor, Nível A, da
Embrapa Amazônia Oriental – Belém-PA.
Ariberto Venturini – Assistente Social, Doutor em Sociologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC). Professor da Faculdade de Serviço
Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal
do Pará (UFPA).
1
A FRAGMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS NA RESERVA EXTRATIVISTA
“VERDE PARA SEMPRE”
1. Introdução
A Amazônia sempre despertou o interesse internacional, desde a primeira
descida do Rio Amazonas, realizada durante a expedição comandada por Francisco
Orellana (1541/1542), na busca motivada pela crença de riquezas e fabulosas
cidades de ouro e prata, mitos transmitidos por lendas indígenas dos Andes
(HOMMA, 2007). Atualmente, movimentos ambientalistas nacionais e internacionais
exercem pressões em defesa da Floresta Amazônica, em conjunto com povos
indígenas, comunidades tradicionais, pesquisadores, ambientalistas, acadêmicos,
políticos, empresários, governos, formadores de opinião, entre outros.
Por isso, as questões sócio-econômicas, de ocupação e as alterações de
origem antrópica na paisagem amazônica vêm sendo motivo de discussões em
vários segmentos da sociedade contemporânea. É neste contexto que se dá a
implantação de Reservas Extrativistas (RESEX), territórios de uso sustentável cuja
criação traz consigo uma visão de mundo que aceita os habitantes tradicionais como
verdadeiros beneficiários dos recursos naturais locais, com direito a seu usufruto,
desde que conservem a biodiversidade para o seu bem-estar e reprodução social.
Assim, o acesso das famílias moradoras da maior Reserva Extrativista
(RESEX) do Brasil, a RESEX “Verde Para Sempre”, às Políticas Sociais de
Educação, Saúde, Previdência Social e Assistência Social merece ser discutido,
para que essas possam ser contempladas, com a finalidade de aumentar a
qualidade de vida das comunidades tradicionais e a sustentabilidade da Reserva.
Esse foi o cenário que motivou o presente estudo e as análises nele realizadas.
2. Parâmetros Teóricos
O presente trabalho buscou contribuir para a compreensão da questão
amazônica e teve como objetivos: (i) Estudar o acesso da população às Políticas
Sociais de Educação e Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência
2
Social) na RESEX “Verde Para Sempre”; (ii) Discutir como essas Políticas Sociais
podem contribuir para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental da reserva.
Este estudo teve caráter inédito, pois configurou a primeira pesquisa
sobre políticas públicas realizada no interior de uma RESEX no Brasil, sendo
executada in loco, diretamente junto às comunidades tradicionais, com participação
ativa de seus moradores. A pesquisa foi desenvolvida com apoio do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) e da Embrapa Amazônia Oriental.
Para tal, foram utilizados os métodos de pesquisa bibliográfica,
documental e de campo. A pesquisa bibliográfica e documental teve como fonte as
bases de dados secundários, cedidos por instituições relacionadas ao tema. Na
pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com moradores
da RESEX “Verde Para Sempre” que fazem parte do órgão gestor da reserva. Os
dados qualitativos foram submetidos à análise de conteúdo.
3. As Políticas Sociais
As políticas sociais podem ser definidas como o conjunto de reflexões,
ações e gastos estatais na área social, com a finalidade de compensação de certas
perdas e desgastes da força de trabalho e, assim, possibilitar sua reprodução em um
nível que, ao mesmo tempo, garanta a produção e a paz na sociedade (FALEIROS,
1986, p. 31). É uma política de mediação entre as necessidades de valorização e
acumulação do capital e as necessidades de manutenção da força de trabalho
disponível para o capital.
Como as Políticas Sociais são demandas estabelecidas pela sociedade e
suas ações são um esforço planejado pelo Estado, sua implementação constitui uma
estratégia governamental de intervenção. As Políticas Sociais são, a todo o
momento, desafiadas a intervir para a democratização do poder público e para a
universalização dos direitos sociais básicos, a fim de que sejam reduzidas as
desigualdades sócio-territoriais, sem perder os vínculos com as particularidades e
diversidades locais.
Na conjuntura atual, com o ideário neoliberal imbuído no modo de
produção e reprodução social, as estratégias do Estado compreendem a redução de
3
sua ação no campo do bem-estar social, além da redução de gastos sociais, com a
eliminação de programas e benefícios, focalizando o gasto para os chamados
grupos de indigentes (SOARES apud VIEIRA, 2007, p. 114). Assim, o neoliberalismo
trouxe para as Políticas Sociais o trinômio articulado de privatização, focalização e
descentralização. As políticas sociais são privatizadas, ou seja, transferidas ao
mercado e/ou inseridas na sociedade civil. Por sua vez, contra o princípio
universalista e de direito de cidadania, são focalizadas, isto é, dirigidas
exclusivamente aos setores portadores de necessidades pontuais, o que permite
sua precarização. Finalmente, são descentralizadas administrativamente, levando as
regiões pobres a conviverem com a administração de recursos insuficientes para
suas demandas sociais.
Apesar do trinômio do ideário neoliberal também estar presente nas
ações estatais, a Constituição Brasileira propicia a construção de um padrão público
universal de proteção social. Mesmo com as dificuldades para a implementação dos
direitos sociais, o Estado os instituiu em sua legislação, e todo cidadão brasileiro
deve ter garantidos educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência social
(BRASIL, 2001).
A emancipação política e social da população deve ser direcionada pelos
direitos sociais e pelas ações das políticas sociais, tendo como objetivo a elevação
do padrão de vida e, conseqüentemente, da qualidade de vida. As Políticas Sociais
de Educação e a de Seguridade Social, a qual engloba as políticas de Saúde,
Previdência Social e Assistência Social, são ações importantes que contribuem para
que a população possa de alguma maneira, ter suas necessidades básicas
satisfeitas.
4. A Questão Ambiental
Atualmente, muitas iniciativas de proteção à natureza, como a
manutenção da biodiversidade, derivam de um ideal romântico de natureza virgem,
uma natureza externa ao homem. Ou seja, um ideal em que prevalece a concepção
de natureza externa à sociedade. Diegues (1996) revela que a relação que o homem
mantém com a natureza é a idéia de natureza intocada, com todas as virtudes
4
atribuídas à natureza, ao mundo natural, da mesma forma que todos os vícios são
atribuídos à sociedade. Para Veiga (2006), a dimensão ambiental envolve tanto as
bases das amenidades naturais, quanto várias fontes de energia e biodiversidade,
as quais são cada vez mais valiosas à qualidade de vida e bem-estar da população.
Nesta conjuntura, o conceito de sustentabilidade perpassa pelos
caminhos econômico, ecológico, cultural, social, individual e pedagógico, não
podendo ser focada apenas nos quesitos ambientais. Ainda não existe uma
definição clara e universalmente compartilhada sobre o conceito de sustentabilidade,
pois, segundo Michael Redclift, “seus significados costumam ser distintos para
ecologistas, planificadores, economistas e ativistas ambientais”. Segundo o mesmo,
enquanto “existirem países preocupados com o uso eficaz dos recursos naturais e
outros preocupados com o combate à miséria, dificilmente haverá eficiência no
conceito do desenvolvimento sustentável” (apud CAPORAL e COSTABEBER, 2007,
p. 28).
O Relatório de Brundtland, publicado em 1987 pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, consolidou o desenvolvimento sustentável
como marco conceitual e estratégico para pautar discussões sobre a problemática
ambiental e a conservação dos recursos naturais, numa perspectiva política de
longo alcance. Desta forma, desenvolvimento sustentável é o “desenvolvimento que
satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras
gerações satisfazerem suas próprias necessidades" (CMMDA, 1991).
A sustentabilidade configura um processo de transformação no qual a
exploração
dos
recursos,
a
direção
dos
investimentos, a orientação
do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o
potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas
(SACHS, 1986). Construir um novo padrão de desenvolvimento sustentável significa
construir uma cultura organizacional (ação coletiva do ser humano) que mude
mentalidades e comportamentos da humanidade, e isso exige que, ao mesmo
tempo, se amplie o acesso da população à educação, aos serviços de saúde, à
informação, enfim, a melhores condições de vida (CMMAD, 1991).
A preservação ambiental é um dos objetivos da Agenda 21 Brasileira, que
recomenda ações prioritárias para conservação dos biomas brasileiros. Desta forma,
o Governo Federal instituiu, em 18 de julho de 2000, a Lei nº. 9.985, que criou o
Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC). Em maio de 2004, pelo
5
Decreto nº. 5.092, o governo definiu as regras para identificação de áreas prioritárias
para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da
biodiversidade, no âmbito das atribuições do Ministério do Meio Ambiente.
As
diversas
categorias
de
Unidades
de
Conservação
estão
regulamentadas no SNUC, e o grupo das unidades de uso sustentável abrange as
unidades cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela de seus recursos naturais. Ou seja, essas unidades visam
conciliar a exploração do ambiente com a garantia de perenidade dos recursos
naturais renováveis, considerando os processos ecológicos de forma socialmente
justa e economicamente viável (BRASIL, 2000).
Dentre as unidades de uso sustentável, as Reservas Extrativistas foram
criadas com a finalidade de buscar formas de viabilizar a convivência do homem
com a natureza, visando à conservação ambiental e à qualidade de vida e bem-estar
das populações tradicionais. A criação das RESEXs se iniciou a partir da década de
1990, sendo a categoria cuja criação foi mais incentivada pela Política Nacional
Ambiental desde então.
5. A Reserva Extrativista "Verde Para Sempre"
A RESEX “Verde Para Sempre” está localizada na Amazônia Brasileira,
na Macrorregião Norte do Brasil, no estado do Pará (Figura 1). Situada na
Mesorregião do Baixo Amazonas e Microrregião de Almeirim, esta RESEX está
implantada no município de Porto de Moz, e possui uma área de 1.288.717 hectares,
o equivalente a 60% da área do estado de Sergipe ou a 5,2% da superfície do
estado de São Paulo. Suas dimensões são relevantes para a percepção não
somente de sua vastidão geográfica, mas também de uma zona que congrega
diferentes características naturais e manifestações culturais, sociais e econômicas,
destacando-se como um território claramente identificável e distinguível da região
onde se localiza.
6
Figura 1 – Mapa de localização da Reserva Extrativista “Verde Para Sempre”, em Porto de Moz-PA
(Fonte: IBAMA, 2006).
Na região da RESEX “Verde Para Sempre”, o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é de 0,678, inferior ao do Brasil (0,813) e do Estado do Pará (0,755).
Apresenta, também, um elevado grau de desigualdade na distribuição de renda, com
Índice
de
Gini
de
0,67
(PNUD,
2009).
Em
função
das
características
socioeconômicas locais, no ano de 2009, o município de Porto de Moz, onde se
localiza a RESEX “Verde Para Sempre” foi incluído pelo Governo Federal no
Programa “Territórios da Cidadania”. Por isso, faz parte do Território da
7
Transamazônica-PA, o qual engloba também os municípios de Anapu, Medicilândia,
Vitória do Xingu, Uruará, Pacajá, Altamira, Senador José Porfírio, Placas e Brasil
Novo.
O Decreto Presidencial não numerado, de 08/11/2004, criou a RESEX
“Verde Para Sempre”. A sua criação foi motivada principalmente pela luta das
comunidades tradicionais contra a exploração ilegal da madeira. Conforme relatos
de moradores das comunidades e integrantes de instituições não governamentais,
até 2004, o processo de grilagem de terras e a exploração ilegal dos recursos da
floresta foram atividades normalmente articuladas pelos grandes grupos econômicos
e políticos locais. É importante destacar que muito antes da idéia de criação da
RESEX, as famílias residentes naquele território já vinham construindo ao do longo
do tempo uma lógica comunitária, a qual garante a reprodução social dos grupos.
Esta ação comunitária e participativa contribui para o processo de gestão da RESEX
"Verde Para Sempre", uma vez que, segundo o SNUC, cada Reserva Extrativista é
gerida por um Conselho Deliberativo constituído por representantes de três
categorias: órgãos públicos, organizações da sociedade civil e populações
tradicionais residentes na área.
A criação da reserva trouxe consigo uma diversidade de fatores, como a
vastidão de sua área, as particularidades do bioma amazônico, a quantidade de
moradores, a tradicionalidade expressa em diferentes atividades econômicas e no
modo de vida das comunidades. Atualmente, 2.101 famílias residem na RESEX
“Verde Para Sempre”, o que representa um total de 10.145 habitantes, distribuídos
em 57 comunidades e 37 localidades (IBAMA/ICMBio, 2006) (Figura 2).
8
Figura 2 – Comunidade na RESEX “Verde Para Sempre” (GARCIA, 2008).
As famílias moradoras da RESEX sobrevivem de atividades como a pesca
artesanal, a agricultura de subsistência, produção de alguns animais domésticos, o
extrativismo de sementes e frutos, a produção de óleos vegetais, resinas e
artesanato de produtos não madeireiros. As principais fontes de renda das
comunidades são a bubalinocultura e a pesca, desenvolvidas nas áreas de várzea, e
a roça tradicional, instalada nas áreas de terra firme (SOARES et al., 2005).
Portanto, para existir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos
processos ecológicos, com manutenção da biodiversidade e dos demais atributos
ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável, as ações
governamentais na RESEX “Verde Para Sempre” são imprescindíveis, sejam elas da
União, do Estado ou do Município.
6. As Políticas Sociais na RESEX “Verde Para Sempre”
Em cada Política Social estudada, foi possível notar que legalmente as
ações estão direcionadas ao bem-estar da população, mas na sua execução para
promoção dos direitos sociais fundamentais, existe o predomínio do pensamento
neoliberal. Segundo a legislação brasileira, as ações na Educação são de
responsabilidade do Estado, a fim de desenvolver o educando, para o exercício da
cidadania e qualificá-lo para o trabalho. O sistema de Seguridade Social é o
instrumento estatal específico protetor de necessidades sociais, individuais e
9
coletivas. Na Saúde, o Estado deve garantir a redução do risco de doenças e outros
agravos, com acesso universal e igualitário. Na Previdência Social, os benefícios
são contributivos e possuem condicionalidades, com o objetivo de assegurar aos
seus
beneficiários
meios
indispensáveis
de
manutenção,
por
motivo
de
incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário,
encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam
economicamente. Já na Assistência Social, o Estado deve prover o atendimento das
necessidades básicas, visando proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência, à velhice e à pessoa com deficiência, sem que haja contribuição.
No âmbito da Educação, a presença da escola nas comunidades da
RESEX deveria ser um forte elemento na preservação de valores que mantêm as
populações vinculadas aos seus modos de vida e convivência. Constatou-se que a
escola é o lugar das reuniões comunitárias, dos encontros, sendo espaço também
para festas e comemorações. A Política de Educação traz em seu escopo a
ideologia de transformação da realidade social em que se encontra o indivíduo e/ou
a comunidade, elemento este muito presente na RESEX. No entanto, o acesso de
seus moradores à Política de Educação ocorre em nível insuficiente para se
alcançar esta transformação. Foram percebidos diversos processos de exclusão e
empobrecimento dos aspectos organizacionais e didáticos da educação, os quais
interferem diretamente na formação dos alunos e sua preparação para a vida futura,
elemento fundamental em um território de uso sustentável (Figura 3).
Figura 3 – Sala de aula com turma multisseriada (VENTURINI, 2008).
10
Na RESEX “Verde Para Sempre”, são necessárias melhoria e ampliação
da infra-estrutura escolar. Percebe-se que não há salas de aula, sanitários,
refeitórios e cozinhas adequados para favorecer a qualidade do ensino. Ainda, é
preciso que haja adequação do material didático e de móveis, bem como bibliotecas
e áreas para prática de esportes, sendo estes dois últimos itens inexistentes no
território e sequer mencionados como importantes pelos moradores entrevistados
para a formação das crianças. Para a manutenção das escolas, há necessidade de
contratação de pessoal, como merendeiras e assistentes de serviços gerais, os
quais poderiam ser pessoas das próprias comunidades, favorecendo o engajamento
destes na educação comunitária e na elevação da qualidade do ensino. O transporte
escolar necessita ser prestado de modo mais profissional e com garantia de
segurança aos educandos.
Para atender a demanda dos alunos da RESEX, é preciso a contratação
de professores, bem como estímulo à sua formação e capacitação continuada. O
currículo e pedagogia escolar precisam ser adaptados à realidade local. A ampliação
na oferta de vagas para Ensino Fundamental, a inclusão do Ensino Médio, e a
implantação da educação de jovens e adultos são medidas que em muito
contribuiriam para a escolaridade local, evitando a migração de jovens e crianças
para o centro urbano, os quais muitas vezes permanecem sem a devida supervisão
dos pais, agravando problemas de ordem social.
A criação de uma escola de ensino técnico regional, que oferecesse
cursos nas áreas ambiental, enfermagem, agropecuária, produção vegetal,
agroindústria, produção de móveis, contabilidade, informática, entre outros, poderia
qualificar localmente não somente os moradores da RESEX, mas também os
habitantes da zona urbana, ajudando a suprir a demanda local por mão-de-obra
qualificada e, de certo modo, oportunizando novas alternativas de produção e
geração de renda. No entanto, para que essas ações básicas na área educacional
sejam implementadas, é imprescindível que haja realização de pactos de priorização
dos diversos níveis governamentais (Federal, Estadual e Municipal).
Na área da Saúde, as ações dentro do território da RESEX são ínfimas
para atender o objetivo do Sistema Único de Saúde (SUS), que é dar assistência à
população, baseada no modelo da promoção, proteção e recuperação da saúde. A
implantação do SUS trouxe consigo uma nova concepção do sistema de saúde,
descentralizado e administrado democraticamente, com a participação da sociedade
11
organizada. O SUS prevê mudanças significativas nas relações de poder político e
na distribuição de responsabilidades entre o Estado e a sociedade. No entanto, é
necessário que os gestores da região da RESEX tomem como responsabilidade o
papel fundamental na concretização dos princípios e diretrizes da saúde pública.
O atendimento médico da população residente na RESEX é realizado
sempre na zona urbana (Figura 4), contando esta população apenas com
atendimento dos agentes comunitários de saúde, os quais não possuem estrutura e
treinamento para realizar atendimento de qualidade. Portanto, os agentes
comunitários de saúde necessitam de capacitação continuada e adequação de suas
funções junto às equipes do Programa Saúde da Família (médico, enfermeiro,
auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde), as quais não existem na
RESEX. Para atender a população da RESEX, são necessárias a construção de
novas unidades de saúde em locais estratégicos e a reforma dos postos de saúde
existentes. A infra-estrutura mínima recomendada inclui consultório médico,
área/sala de recepção, local para arquivos e registros, sala de cuidados básicos de
enfermagem, sala de vacina e sanitários, além de equipamentos e materiais
adequados para execução do elenco de ações programadas pela equipe de Saúde
da Família.
Figura 4 – Hospital Municipal de Porto de Moz (GARCIA, 2009).
Para o atendimento de serviços de saúde especializado, de urgência e
emergência, a população da RESEX deveria contar com transporte seguro e
eficiente para as pessoas doentes. As principais doenças que ocorrem na RESEX
12
poderiam ser evitadas se houvesse ações de prevenção, como nos casos de
doenças diarréicas agudas, em que ações de saneamento básico são extremamente
efetivas. Assim, se faz necessária a implantação ou a expansão de sistemas de
saneamento e captação de água, para abastecimento comunitário ou familiar, além
de adequada destinação e tratamento dos resíduos de esgoto e lixo. Portanto, atuar
na prevenção de agravos e na promoção, na manutenção e recuperação da saúde,
contribuiria para o fortalecimento da integralidade da atenção à saúde e incentivaria
o desenvolvimento da solidariedade e do apoio social, com melhorias sensíveis para
a qualidade de vida, sob o ponto de vista da sustentabilidade.
A Previdência Social está presente no cotidiano de algumas famílias da
RESEX, seja no recebimento do salário-maternidade ou aposentadoria, pois a
previdência rural brasileira universalizou o acesso dos segurados especiais aos
benefícios. Mas, o acesso aos benefícios na RESEX ainda esbarra em diversos
fatores, entre eles a falta de informação dos requerentes sobre os documentos
comprobatórios. Por não haver agência da Previdência Social próxima da RESEX, a
população não obtém as informações necessárias para acessar seus direitos, pois
são atendidos pelas agências móveis, batizadas pelo Ministério da Previdência
Social de “PREVBarco” (Figura 5). Essas agências oferecem todos os serviços de
uma agência fixa, a fim de que o barco possa percorrer as comunidades ribeirinhas,
principalmente as localizadas na Amazônia.
Figura 5 – Agência móvel do INSS (PREVBarco II), atracado em Porto de Moz (GARCIA,
2009).
13
O PREVBarco permanece na região apenas o tempo necessário para
executar a inclusão dos requerentes às carteiras de benefícios pertinentes, não
havendo ação educativa e informativa para a população. Como o PREVBarco
também não realiza incursões na área da RESEX, é necessário que haja a
implantação de uma Agência do INSS nas proximidades da RESEX, com todo
aparato para o atendimento. Isso permitiria aumentar a eficácia do atendimento à
população, bem como a realização de parcerias com entidades sociais, que
poderiam executar as ações educativas.
Na Assistência Social, o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) se
faz presente na RESEX apenas nas concessões do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e do Programa Bolsa Família. Não há nenhum atendimento social
no território da RESEX, sendo que as inscrições para esses benefícios são feitas
apenas nas sedes dos municípios circunvizinhos (Figura 6). Não há qualquer
estrutura física instalada e nem equipe atuando na RESEX, o que dificulta os
serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização
das famílias e dos indivíduos que vivem em situação de vulnerabilidade. Uma
alternativa seria a implantação do Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) itinerante, como já ocorre no município de Coari, no Estado do Amazonas.
O CRAS itinerante é um barco que possui toda a estrutura de um Centro de
Referência de Assistência Social, que vai até as comunidades ribeirinhas levar à
população os serviços socioassitenciais. Essa é uma estratégia de garantia dos
direitos sociais e atendimento pela equipe de assistentes sociais e psicólogos do
município.
14
Figura 6 – Prédio da Secretaria Municipal de Trabalho e Promoção Social de Porto de Moz
(GARCIA, 2008).
Os beneficiários do BPC advêm de famílias em estado de extrema
pobreza, pois a concessão desse benefício é extremamente restritiva. Como 12%
das famílias moradoras da RESEX são beneficiárias do BPC, verifica-se que parcela
da população tradicional vive atualmente em condições de extrema pobreza. Esta
conjuntura apresenta a necessidade de ações que garantam a proteção social, não
com intuito de submeter o cidadão ao princípio da tutela, mas para a conquista de
condições de autonomia, sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades,
capacitações e serviços. Enfim, ações que permitam ao cidadão ter condições de
convívio e socialização, de acordo com a capacidade individual, dignidade, projeto
pessoal e social.
Já o Programa Bolsa Família atende 42,83% das famílias moradoras da
RESEX, sendo que os beneficiários são atendidos apenas com a transferência de
renda, a qual isoladamente não garante a superação da pobreza. Ainda, é
necessário que haja ações para o cumprimento das condicionalidades nas áreas de
saúde e educação, as quais prevêem a garantia do exercício de direitos sociais
básicos, articulação com programas complementares de geração de trabalho e
renda, além da integração com outras ações e programas dos governos federal,
estadual e municipal.
15
7. Considerações Finais
Desse modo, o diagnóstico de execução das Políticas Sociais de
Educação e Seguridade Social na Reserva Extrativista “Verde Para Sempre”
possibilitou verificar que o acesso das populações tradicionais a essas políticas
ocorre de modo fragmentado, pontual e descontínuo. Isso acontece porque não há o
princípio da universalização, mas uma prática de políticas altamente excludentes e
seletivas, as quais estimulam cada vez mais as desigualdades sociais, naturalizando
a pobreza. A fragmentação, a pontualidade e descontinuidade das ações dificultam a
sustentabilidade da reserva, pois a pobreza reduz a capacidade das pessoas em
usar os recursos de modo sustentável. Complementarmente, percebeu-se a
necessidade de articulação das Políticas de Educação, Saúde, Previdência e
Assistência Social executadas na RESEX “Verde Para Sempre” a outras políticas
públicas, de igual relevância e não executadas na RESEX. Dentre elas, citam-se as
políticas de saneamento básico, ambiental, energia, transporte, emprego e renda,
habitação, segurança alimentar, agropecuária, extensão rural, esporte e lazer,
justiça e turismo. Esta tarefa somente ocorrerá se houver interesse comum pelo
desenvolvimento sustentável e atuação conjunta das esferas governamentais, da
sociedade civil organizada e da população tradicional.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº. 9.985, 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I,
II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília,
DF,
19
jul.
2000.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm>. Acesso em: 10 nov. 2006.
______. Constituição (1988).
Brasília, DF 2001.
Constituição da República Federativa do Brasil.
CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, José Antônio. Agroecologia e
Extensão Rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento rural
sustentável. Brasília: MDA/SAF/DATER, 2007. 166p.
CMMAD - Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso
futuro comum. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1991. 430p.
16
DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo:
HUCITEC, 1996. 169p.
FALEIROS, Vicente de Paula. O que é Política Social? São Paulo: Brasiliense,
1986. 83p. (Coleção primeiros passos; 168)
GARCIA, Michelle Teodoro. Políticas Sociais na Reserva Extrativista “Verde
Para Sempre” - Porto de Moz, PA. 2009. 122p. Dissertação (Mestrado em Serviço
Social) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas,
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Belém, PA.
HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Agricultura na Amazônia: Desafios, Oportunidades e
Limitações. In: Semana da Fruticultura, Floricultura e Agroindústria, 2, Belém, 2007.
Anais..., Fortaleza, Instituto Frutal, 2007.
IBAMA. Roteiro para Criação e Legalização das Reservas Extrativistas. 2006.
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2006.
IBAMA/ICMBio. Diagnóstico Sócio Ambiental da Reserva Extrativista Verde para
Sempre - Porto de Moz-PA. 2006.
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atlas do
Desenvolvimento Humano do Brasil. Brasília: 2009.
SAHCS, Ignacy. Ecodesenvolvimento - Crescer sem destruir. São Paulo: Vértice,
1986. 208p.
SOARES, João Paulo Guimarães ; SKORUPA, Ladislau Araújo; COSTA, Norton
Amador da; VASCONCELOS, Steel Silva; GAWRYSZEWSKI, Felipe Malheiros;
BAKER, Fábio Isaias. Visita técnica à Reserva Extrativista (RESEX) Verde Para
Sempre-Porto de Moz-PA - Relatório de Atividades - Embrapa. 9p. 2005.
VEIGA, José Eli da. Nascimento de outra Ruralidade. Estudos Avançados, v.20,
n.57, 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 10 out.
2006.
VIEIRA. Os Direitos e a Política Social. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2007. 224p.
17
Download

Acesse o artigo completo aqui - II Encontro da Sociedade Brasileira