O CRONISTA
DA AMÉRICA
Ministério da Cultura apresenta
Banco do Brasil apresenta e patrocina
idealização
Paulo Ricardo G. de Almeida
FRANCIS FORD COPPOLA
organização editorial
Ana Rebel Barros
Paulo Ricardo G. de Almeida
produção editorial
José de Aguiar
Marina Pessanha
O CRONISTA DA AMÉRICA
Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação – cip
f818
Francis Ford Coppola : O Cronista da América /
org. Ana Rebel Barros e Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida.
Rio de Janeiro: voa!, 2015.
312 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
isbn 978-85-67153-01-8
1. Coppola, Francis Ford, 1939–.
2. Cinema – História e Crítica.
3. Cinema – Estados Unidos da América – História.
I. Barros, Ana Rebel.
II. Almeida, Paulo Ricardo Gonçalves de.
cdd 791.430973092
cdu 791(092)(73)
VOA !
Rio de Janeiro 1ª edição 2015
Ministério da Cultura e Banco do Brasil apresentam Francis Ford Coppola:
O cronista da América, retrospectiva completa do premiado diretor, produtor
e roteirista norte-americano.
A mostra reúne os 24 longas-metragens que Coppola dirigiu, incluindo
raros filmes do início de sua carreira e títulos consagrados como a trilogia
O Poderoso Chefão. Formado pela Universidade da Califórnia, tornou-se
um dos cineastas mais bem-sucedidos dos Estados Unidos e um dos precursores da chamada Nova Hollywood, que deu ênfase a produções mais
autorais e introduziu outras técnicas e linguagens no cinema americano
a partir da década de 1970.
Ao realizar este projeto, o Centro Cultural Banco do Brasil reforça o
seu apoio à arte cinematográfica e oferece ao público a oportunidade de
conhecer as diversas faces do “padrinho” de uma geração de diretores.
— centro cultur al banco do br asil
CRÔNICAS
EM MOVIMENTO
O cinema projeta realidades permeadas de tramas simbólicas, que
nos permite, dentre outras experiências, reexaminar nossa civilização.
Assim, testemunhamos na grande tela as infindáveis formas de acessar
as camadas sensíveis da complexa natureza humana, representada em
dimensões distintas, por olhares inquietos que tentam desvendá-la.
Nesse sentido, o roteirista, produtor e diretor Francis Ford Coppola desenvolveu sua obra, criando uma estética autoral. Iniciou sua filmografia
na década de sessenta e fez parte da geração de diretores norte-americanos que participaram da Nova Hollywood (1967–1980), período em que
conquistaram maior liberdade artística. Tal movimento foi influenciado pela propagação de Cinemas Novos em vários países, entre eles a
Nouvelle Vague na França.
Coppola fundou seu estúdio, projeto ambicioso que poucos diretores
experimentaram. Nessa fase, inovou com um formato cinematográfico
em série, composto por três partes, com O Poderoso Chefão. Seus trabalhos
recentes são produções independentes nas quais explorou os limites da
narrativa e as possibilidades estéticas, aproximando-se dos formatos
digitais e 3d.
Para trazer ao público um panorama da produção do diretor, o Sesc,
em parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil, realiza a mostra
Francis Ford Coppola: O Cronista da América, a qual revela sua trajetória e
homenageia os mais de cinquenta anos de sua carreira.
Assim, a presente iniciativa possibilita às novas gerações serem apresentadas à poética cinematográfica de Coppola, bem como oportuniza,
aos iniciados em sua obra, revê-la, movidos por outros olhares, com experiências decantadas pelo tempo, ascendendo fragmentos de memórias
ou celebrando novas descobertas.
— sesc são paulo
ix
APRESENTAÇÃO
Para estabelecer a American Zoetrope em 1969 (com os amigos Walter
Murch e George Lucas), Francis Ford Coppola pediu à Warner Brothers
um empréstimo de 600 mil dólares. Com metade do dinheiro, Coppola
adquiriu os mais modernos equipamentos de pós-produção e finalização
na Alemanha. Com a outra metade, o jovem diretor se comprometeu a
desenvolver e apresentar projetos para a aprovação do estúdio.
Coppola levou para a Warner os roteiros de A Conversação (The
Conversation, 1974), Apocalypse Now (1979) e Loucuras de Verão (American
Graffiti, 1973), bem como o material já filmado de thx-1138 (1971). O estúdio
concordou em finalizar e lançar o primeiro longa-metragem de Lucas,
mas rejeitou todos os roteiros. E mais: exigiu que a American Zoetrope
devolvesse o empréstimo que eles tinham concedido à produtora.
Atolado em dívidas, Coppola (que a esta altura vencera o Oscar de
melhor roteiro por Patton: Rebelde ou Herói? [Patton, 1970]) seguiu o conselho do pragmático George Lucas e aceitou dirigir O Poderoso Chefão
(The Godfather, 1972) para a Paramount. Apesar de todos os contratempos
que envolveram as filmagens – sobretudo as disputas entre o diretor e
o chefe do estúdio, Robert Evans –, a adaptação do best-seller de Mario
Puzo arrecadou us$ 134 milhões em sua primeira exibição, recorde
que seria batido no ano seguinte por O Exorcista (The Exorcista, 1973),
de William Friedkin.
Em meio à crônica depressão econômica da indústria cinematográfica no começo dos anos 70, faltou visão à Warner Brothers, que não
apostou nos jovens diretores que saíam, pela primeira vez, das universidades: Coppola da ucla; Lucas, Murch e Milius da usc; Scorsese da
nyu; Brian De Palma da Columbia. Ao exigir que Coppola pagasse o
empréstimo, a Warner devolveu os direitos dos roteiros que rejeitara à
American Zoetrope. A Conversação ganhou a Palma de Ouro em Cannes;
Loucuras de Verão se tornou o maior blockbuster do cinema independente;
xi
xii
e Apocalypse Now também venceu Cannes e foi um estrondoso sucesso de
bilheteria, apesar dos estouros no orçamento e da atribulada produção.
Apocalypse Now marcou o ápice do poder criativo e econômico de Coppola
em Hollywood, o que o cineasta tentou capitalizar com a compra do
General Studios e a fundação do Zoetrope Studios em 1980. Mas grandes produtores como David O. Selznick e Louis B. Meyer pertenciam ao
passado, na medida em que as decisões sobre os filmes estavam, agora,
nas mãos dos diretores de marketing dos conglomerados de mídia, dos
quais os estúdios eram apenas a menor parte.
O Poderoso Chefão foi, paradoxalmente, uma maldição e uma benção
para Coppola. Embora sempre tenha desejado que sua carreira fosse
pautada por pequenos filmes autorais, em que ele mesmo escrevesse o
argumento, como em Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) ou
em A Conversação, a saga da família Corleone o levou para as grandes produções, em que, não sem motivo, acusaram-no de megalomaníaco. Mas,
no alvorecer do século xxi, com as tecnologias digitais mostrando como
o “cinema eletrônico” de Coppola as havia antecipado em vinte anos, o
diretor finalmente retorna às obras pessoais e autobiográficas em Tetro
(2009) e em Virgínia (Twixt, 2011).
Francis Ford Coppola: O Cronista da América é a história do outsider dentro
da indústria. Do cineasta que tratou Hollywood como Las Vegas (cenário
de Do Fundo do Coração [One From The Heart, 1982]), apostou diversas vezes
contra a banca, e perdeu. E que maravilhosa derrota!
Ótima mostra a todos.
— paulo ricardo gonçalves de almeida
SUMÁRIO
parte i
parte ii
O INÍCIO,
ROGER CORMAN E A
AMERICAN ZOE TROPE
O AUGE DO PODER
De Shows de
Marionete a Demência:
Os Primórdios de um Cineasta
20
American Zoetrope
michael schumacher
52
michael schumacher
Se a História nos Ensinou
Alguma Coisa…
Francis Coppola, a Paramount
Pictures e O Poderoso Chefão
80
A Realização de
O Poderoso Chefão
106
mario puzo
Apocalypse Quando?
michael schumacher
138
jon lewis
parte iii
parte iv
O ZOE TROPE STUDIOS
E DO FUNDO DO
COR AÇÃO
JU VENTUDE E
RESSURREIÇÃO
A Nova Hollywood
jon lewis
Dor de Crescimento:
Vidas Sem Rumo e
O Selvagem da Motocicleta
174
230
EPÍLOGO
Seja Ouro, Francis, Seja Ouro
ana rebel barros e paulo
ricar do g. de almeida
jon lewis
Ídolos do Rei:
Vidas sem Rumo e
O Selvagem da Motocicleta
196
254
294
Noite Assustadora:
Drácula de Bram Stoker
274
gene d. phillips
david thompson e
lucy gr ay
gene d. phillips
parte v
Do Fundo Do Coração
SEÇÃO DE FOTOS
302
sobre os autores
351
FILMOGR AFIA
334
créditos finais
352
parte i
michael schumacher
— fr ancis ford coppola, em uma carta para sua mãe
Francis Ford Coppola, o segundo dos três filhos de Carmine e Italia
Coppola, nasceu no Henry Ford Hospital em Detroit, Michigan, no
dia 7 de abril, 1939. O irmão mais velho de Francis, August, que teve
grande influência na vida do cineasta, nasceu cinco anos antes, em 16 de
fevereiro, 1934, e sua irmã, Talia, que, sob o nome Talia Shire, viria a se
tornar uma atriz de sucesso, chegaria em 1946. Francis recebeu seu nome
do avô materno, Francesco Pennino, e do patrocinador de Ford Sunday
Evening Hour, um programa de rádio que empregou Carmine Coppola
como condutor assistente e arranjador musical. Depois que seu filho se
tornou um cineasta internacionalmente famoso, Italia Coppola chegou
a confessar um certo arrependimento por ter americanizado o nome do
filho, uma vez que Francis parecia absolutamente identificado com sua
ascendência italiana.
Os pais de Coppola faziam parte de uma primeira geração de ítalo-americanos, filhos de imigrantes que haviam deixado a Itália em direção
aos eua na virada do século xix para o xx. Grandes ambições e talento
artístico corriam nas veias de ambos os lados da família. Francesco Pennino, um músico e compositor, trabalhou por um tempo como pianista
de Enrico Caruso; seu neto o homenagearia usando um fragmento de
uma de suas peças musicais, um melodrama chamado Senza Mama, em
uma cena de O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather, Part ii, 1974). Mas
a principal contribuição de Pennino para a vida e a obra de Francis Ford
Coppola foi seu entusiasmo pelo cinema: ele operou diversas salas de
cinema na Grande Nova York e foi responsável por trazer alguns filmes
silenciosos italianos para os eua. Ele tinha contatos na Paramount Pictures e chegou a receber uma oferta para trabalhar como compositor das
trilhas dos filmes silenciosos do estúdio, mas, Pennino, por todo o seu
amor pelo cinema, não queria nada com Hollywood.
Augustino Coppola, o avô paterno de Francis, embora não fosse músico, encorajou toda a sua grande família a estudar música, e dois de seus
filhos, Anton e Carmine, acabaram seguindo a carreira musical.
Augustino trabalhava como maquinista e gabava-se por ter construído
o primeiro sistema sonoro Vitaphone para a Warner Bros. Ele também
foi imortalizado em uma cena de O Poderoso Chefão, Parte ii: um grupo
de mafiosos locais aparece e exige que um armeiro lubrifique suas metralhadoras, o que este faz enquanto seu filho toca flauta ao seu lado. Na
vida real, Augustino Coppola foi igualmente abordado por valentões de
seu bairro – ele pôs óleo em suas armas enquanto Carmine estava por
perto. “Quem é?”, os pistoleiros queriam saber. “Está tudo bem”, assegurou
Publicado originalmente
sob o título “From Puppet
Shows to Dementia: A
Filmmaker's Beginnings”
em schumacher,
Michael. Francis Ford
Coppola: A Filmmaker's
Life. Nova York: Crown
Publishers, 1999. p. 3–34.
Tradução de Julio Bezerra.
Texto traduzido e
publicado sob permissão
do autor, 2015.
21
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
OS PRIMÓRDIOS DE UM CINEASTA
“Querida mamãe.
Eu quero ser rico e famoso. Sinto-me tão desmotivado.
Não sei se isso se tornará realidade”.
par te i
DE SHOWS DE MARIONETE
A DEMÊNCIA
23
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
fato aconteceu. Todas as noites, quando as crianças da família Coppola
faziam suas orações, elas adicionavam um final, implorando a Deus “que
conceda um refresco a papai”.
A vida na família Coppola girava em torno da carreira tempestuosa
de Carmine. Eles se mudavam bastante, mesmo na zona da Grande Nova
York – de modo que Francis perderia a conta do número de escolas em que
havia estudado. Ele era sempre o garoto novo da escola, sempre lutando
para recuperar o atraso curricular, sempre um “outsider” – pelo menos
até revelar aos seus colegas que seu pai era um solista para Toscanini;
em seguida, ele se tornaria uma espécie de celebridade, um status que
ele claramente apreciava.
Segundo August Coppola, a carreira musical de Carmine teve uma
influência sutil, porém decisiva, no desenvolvimento de seus filhos.
“Nós fomos criados com um sentido de tempo musical, técnica e
disciplina – uma estrutura musical”, lembra ele. “A maioria das pessoas
é educada para ser consciente, sobretudo, a respeito do espaço. Nós estávamos cientes do tempo. Assim, enquanto as pessoas viviam um dia após
o outro, nós vivíamos nota por nota. Era preciso haver uma frase, uma
melodia – alguma coisa. Nós crescemos sob a técnica da música. Isso era
tudo o que ouvíamos”.
Para Carmine Coppola, a vida em torno do Radio City Music Hall
era uma questão de trabalho, mas, para Francis, as incursões ocasionais
por este reverenciado marco de Manhattan, a agitação nos bastidores, a
presença do famoso Rockettes e os crescendos de parar o coração eram
mágicos. No dia a dia, a vida na casa dos Coppola era tranquila. Embora
certamente não fossem ricos, levavam uma vida confortável de classe
média, que contrastava de forma significativa com a existência muito
mais modesta de Carmine quando menino. Sempre que podia, Carmine
trazia brinquedos e presentes para as crianças, e, quando adulto, Francis
olharia para o período pós-Segunda Guerra em Nova York como alguns
dos dias mais felizes de sua vida.
Carmine nutria sentimentos ambivalentes sobre o sucesso, semelhantes
aos que seu filho iria enfrentar muitos anos mais tarde como cineasta.
Como músico contratado, Carmine pôde construir uma vida decente,
mas nunca iria se transformar no tipo de artista que aspirava a ser; se
abandonasse a rota mais segura em nome de seu sonho, enfrentaria a
falência financeira – o maior dos fracassos em um país onde o sucesso
é medido em dólares e centavos e posses de terra. Os sentimentos de
Carmine, claro, não eram diferentes dos de qualquer artista sério tentando equilibrar arte e comércio, mas Carmine, como tantos filhos de
imigrantes, havia sido educado no sonho americano e na ideia de que o
sucesso servia como uma indicação de sua autoestima e merecimento.
Era uma questão complexa, e não facilmente solucionável, pois enquanto ele honrava aqueles que alcançaram fama e fortuna através de
muito trabalho, também tinha o mais profundo respeito por aqueles que
par te i
de shows de marionete a demência
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Augustino Coppola. “Este é o meu filho. Não se preocupem. Ele está estudando flauta”. Quando Augustino terminou o serviço, os homens lhe
deram dinheiro para a educação musical de Carmine.
Evidentemente, o lado Coppola de sua família teve um grande número
de personagens pitorescas em suas fileiras. Quando adulto, Francis se
lembraria das diversas histórias que ouvia a respeito de seus antepassados
– casos sobre roubos e assassinatos por “honra” e o tipo de caos que poderia se encaixar perfeitamente em um de seus filmes de O Poderoso Chefão.
Contudo, a maior parte das histórias falava de pobreza e das lutas
que os imigrantes italianos enfrentaram para viverem decentemente no
novo país.
A juventude de Carmine Coppola não tinha sido nada fácil. Ele era
canhoto e, como muitas crianças canhotas naquela época, teve de suportar
as palmadas em sua mão dadas por adultos e professores bem intencionados que tentavam “converter” os jovens a escreverem com a direita. Além
disso, Carmine gaguejava, condição que o fez sofrer algumas experiências
humilhantes em sala de aula. Aprender a tocar flauta tornou-se um meio
urgente de expressão.
A flauta também marcou os momentos mais emocionantes de sua
jovem vida.
“Meu pai era muito ligado a seu irmão mais velho, Archimedes”, lembra
Talia Shire. “Eles tinham mais ou menos um ano de diferença, e meu pai
o amava demasiadamente. Quando Archimedes entrou para o jardim de
infância, meu pai se tornou tão incontrolável que eles não podiam ser
separados, de modo que o professor foi sensível o suficiente para deixar
Carmine Coppola sentar-se de fraldas no fundo da sala e cursar todo o
jardim de infância com seu irmão mais velho”.
Quando, aos dezessete anos, Arquimedes estava no hospital à beira
da morte, meu pai tocava flauta desesperadamente para ganhar alguns
trocados para arcar com as transfusões de sangue. Meu pai visitou seu
irmão no hospital, e Archimedes disse: ‘Carmine, você tem um dom. Será
que você pode tocar para mim?’ Então, meu pai trouxe sua flauta e tocou
para ele. Foi devastador.”
Carmine estudou flauta com uma bolsa da Julliard, e saiu-se bem o
suficiente para receber ofertas de trabalho em orquestras de prestígio,
incluindo a Orquestra Sinfônica de Detroit. Não muito tempo depois do
nascimento de Francis, Carmine foi contratado pela Orquestra Sinfônica
da nbc em Nova York, onde tocou como primeiro flautista para Arturo
Toscanini – uma posição que teria orgulhado qualquer músico no país.
Carmine, no entanto, tinha grandes aspirações. Ele queria escrever todos
os tipos de música possíveis – canções e músicas sérias, talvez até um ou
dois musicais para a Broadway – e os seus 10 anos com a Orquestra Sinfônica da nbc foram marcados por muita insatisfação e a incapacidade
de fazer sucesso por conta própria. Ele trabalhou cuidadosamente para
estabelecer o tipo de conexões que esperava serem úteis, mas nada de
sua carreira” acabou levando-o a um dos episódios mais bizarros de sua
juventude. Ele tinha 14 anos de idade e trabalhava durante o verão para a
Western Union quando inventou a existência de um telegrama, supostamente escrito pelo diretor musical da Paramount Studios, que convidava
Carmine a compor a trilha sonora dos próximos filmes do estúdio. Tudo
o que Francis queria era ver seu pai feliz, e, por um breve momento, ele
conseguiu. “Chegou a minha hora! Chegou a minha hora!”. Carmine
gritou quando recebeu o telegrama falso, acenando-o para todos os lados.
Pouco tempo depois, ele foi ao chão quando seu filho lhe contou a verdade.
2.
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Ainda menino, Francis teria seus próprios problemas com aquilo que seus
pais chamavam de sucesso. Seu irmão mais velho provava ser o sonho
dos pais. Augie era inteligente, bonito e popular, e parecia destinado a
conseguir grandes coisas. Italia Coppola fazia questão de comparar seus
filhos – algo que poderia ter sido devastador para alguém como Francis,
que não gostava de seu nome (em sua opinião, aquele era um nome de
menina), se sentia desengonçado e amaldiçoado por um lábio inferior
muito grande, e que se esforçava para alcançar a média na escola. Para
Italia, “Francie”, como ela o chamava, era “o mais afetuoso da família”,
enquanto Tally era “a bela” e Augie, “o brilhante”. Contudo, ao invés de
se ressentir de Augie e se tornar competitivo em relação a ele, o que poderia facilmente ter evoluído para uma clássica rivalidade entre os dois,
Francis queria ser igual ao irmão.
“Ele era a estrela da família”, lembra Francis, “e quase tudo o que eu
fazia, fazia-o para imitá-lo. Queria parecer com ele. Queria ser como ele.
Cheguei até mesmo a pegar alguns de seus contos e apresentá-los como
se fossem meus quando passei a ter aulas de redação na escola… Eu diria
que o amor pelo meu irmão formou, em grande parte, o que eu sou”.
“Augie abria uma trilha interessante”, acrescentou Talia Shire, “mas ele
compartilhava esta trilha com os irmãos. Francis se beneficiou com isso”.
Francis tinha sorte. Augie não se ressentia por ter um irmão cinco
anos mais novo que vivia ao seu lado, perturbando-o. Muito pelo contrário. Augie pôs Francis sob suas asas, e não apenas permitia que ele o
acompanhasse em suas andanças pela cidade, como também o levava ao
cinema, ajudava-o com o dever de casa, aconselhava-o sobre como se vestir,
como atrair as meninas, e, sobretudo, encorajava-o a florescer em seus
próprios termos; os dois viveram anos juntos no mesmo quarto. Francis,
uma criança sensível, ficou profundamente tocado pela bondade de seu
irmão, e, ao longo de sua vida, o reverenciaria.
Os profundos laços familiares teriam um forte efeito sobre Francis
quando, adulto, alcançou grande riqueza e aclamação, deixando-o às
voltas com sentimentos mistos sobre suas realizações e as de seu pai e
de seu irmão. Devido à sua posição, Francis podia – e assim o fez – ga-
par te i
de shows de marionete a demência
24
se arriscavam, pelos inovadores. O montador automobilístico Preston
Tucker, com seus projetos arrojados para um carro mais seguro e eficiente
do que os que eram construídos pelas “big three” (General Motors, Ford
e Chrysler) de Detroit, era um de seus heróis.
“Meu pai se interessava por esse tipo de coisa. Comprou uma televisão
Motorola em 1946 e um gravador da Eicor”, lembra Francis. “Ele ouviu
sobre o projeto do Tucker e aquilo o deixou fascinado… Ele passou a
acompanhar Tucker, nos mostrava reportagens e revistas sobre o carro,
e, finalmente, chegou a investir us$ 5000. Ele ainda convenceu seus dois
irmãos a investir, e, em seguida, encomendou um Tucker”.
O entusiasmo de Carmine contaminou seu filho, e Francis estava em
êxtase quando seu pai o levou ao salão do automóvel em que um Tucker
estava sendo exibido. Ele esperava ansiosamente pela chegada do Tucker
da família, o que, contudo, jamais aconteceria. “Eu tinha oito anos e
continuava a perguntar-lhe: ‘Quando chegará o nosso?’ Eu via o Tucker
e acreditava se tratar de uma espécie de foguete. Não podia aceitar o fato
de que ele não seria feito”.
Tampouco Carmine. Ele não somente havia perdido um considerável
investimento, como também tinha aprendido uma lição sobre rejeição
e o sonho americano.
Com o tempo, Carmine foi ficando cada vez mais amargo no que
concerne ao progresso de sua carreira e ressentido em relação àqueles
que, embora tivessem menos talento, conseguiram um sucesso maior
do que o dele. A vida não era justa. Dizem que um dia, tomado pelo sentimento de frustração, correu para o quintal e ameaçou pôr fim em sua
carreira colocando a própria mão no cortador de grama. Décadas mais
tarde, seu filho contestou a veracidade dessa história, embora admitisse
que estava intrigado com o simbolismo daquilo que Carmine disse que
havia realmente acontecido.
“Meu pai estava com o coração partido no que diz respeito à trajetória
de sua carreira”, disse Francis. “Ele estava tentando desistir da flauta e
concentrar-se na composição, na condução, nos arranjos – em tudo, menos
na flauta. Um belo dia, ele estava aparando a grama, quando o cortador
escapou de suas mãos. Ele correu atrás dele, e acabou pulando na direção
do cortador para impedir que a máquina batesse em seu carro; mas, ao
fazê-lo, ele prendeu sua mão nas lâminas. Felizmente, só removeu as pontas de dois ou três dedos. Claro, isso era uma tragédia para um flautista.
No entanto, um cirurgião plástico trabalhou em sua mão a noite toda e
consertou-a da melhor maneira possível. Meu pai ainda era capaz de tocar
com a ajuda de algumas extensões que eram colocadas em seu instrumento. Era um tanto estranho, eu me lembro de pensar, que tal acidente
aconteceu depois dele tomar consciência do quanto aquele instrumento
o havia atrasado. Foi um acidente, mas pareceu mau presságio”.
A enorme esperança que Francis alimentava a respeito da possibilidade de seu pai superar o que ele mais tarde chamaria de “a tragédia de
A grande virada na juventude de Francis Ford Coppola se deu aos nove
anos de idade, quando pegou pólio. Ele tinha passado um fim de semana
em um acampamento de escoteiros, onde havia caído um dilúvio, encharcando as tendas. Na manhã seguinte, depois de dormir na umidade,
Francis acordou com uma rigidez no pescoço. Sob as ordens de seu pai,
ele tentou assistir às aulas, mas a enfermeira da escola, alarmada com a
sua condição, mandou-o para casa. Pouco tempo depois, ele foi levado
de ambulância ao Jamaica Hospital, no Queens, onde a doença mortal
foi diagnosticada.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
3.
“O hospital foi incrível”, disse Coppola ao biógrafo e crítico de cinema Peter Cowie. “A epidemia foi tão grande que eles tinham crianças
escondidas nos banheiros, três no alto das prateleiras, e nos corredores…
A primeira noite foi muito dolorosa, e eu ficava gritando pela minha mãe,
mas o que mais me assustava eram os gritos das outras crianças”.
Em um primeiro momento, Francis não fazia ideia do que o aguardava
e sentia pena das outras crianças. Isso mudaria em breve, quando tentou
se levantar da cama do hospital e caiu no chão. Seu braço esquerdo, perna
e a lateral do corpo estavam paralisados, assim como as suas costas. “Meus
pais, é claro, estavam histéricos”, lembrou ele. “Fui levado para o médico
que disse que eu estava paralisado. Ele me disse que eu não ia ser capaz de
andar novamente, que eu teria de me tornar um soldado. Eles me levaram
para casa e me colocaram no quarto. Eles me prenderam no lençol para
que eu não caísse. Foi quando percebi o que estava acontecendo”.
Durante a maior parte do ano seguinte, Francis esteve confinado em
sua cama, fazendo fisioterapia e recuperando lentamente a sua saúde.
Foi uma época terrivelmente solitária. Como a poliomielite é altamente
contagiosa, Francis não estava autorizado a receber visitas – especialmente
crianças – que não seus familiares mais próximos. Para uma criança, já
se sentia como um “outsider”, o isolamento era difícil e doloroso. No
entanto, ao refletir sobre esse período três décadas depois, Coppola descreveu o calvário como uma experiência formadora. “Eu acho que sobreviver a momentos difíceis, a crises reais, nos torna diferentes”, explicou.
“Geralmente, sinto que as pessoas que sofreram determinados traumas
tendem a desenvolver camadas e rugas que realmente agregam alguma
coisa a elas.”
Para Francis, isso implicou o crescimento de já ativa imaginação. Os
Coppola tinham um aparelho de televisão, a que Francis assistia de sua
cama, seu programa favorito era Hardart’s Children’s Hour nas manhãs
de domingo. Ele também tinha um toca-discos e rádio para entretê-lo, e,
quando recuperou o movimento do braço, passou a experimentar com
um gravador e um projetor l6mm que seu avô Pennino lhe havia dado
– o que daria início a uma obsessão por aparelhos eletrônicos. Grande
parte de seu fascínio inicial, Coppola explicaria anos mais tarde, nasceu
a partir da necessidade de encontrar uma solução pragmática para os
problemas decorrentes da sua deficiência física. “Eu morava em uma cama,
incapaz de andar, com uma televisão do outro lado do quarto”, disse ele.
“Minha frustração por não ser capaz de mudar os canais me levou a [meu
desejo por encontrar uma maneira de] colocar fios em toda a sala como
controle remoto”.
Já que não podia ver ninguém fora da sua família, Francis criou o seu
próprio grupo de amigos fantoches, inventando histórias e conversas. Ao
longo dos meses, ele se tornou um titereiro razoável. Ele tinha uma foto
autografada de Paul Winchell e Jerry Mahoney e um boneco ventríloquo
Jerry Mahoney, que ele aprendeu a manipular. Aquilo o ajudava a passar
par te i
de shows de marionete a demência
26
rantir trabalho para seu pai – compondo as trilhas de seus filmes –,
mas reverter o status de Carmine, uma questão delicada para famílias
ítalo-americanas como os Coppola, não foi algo fácil. Carmine Coppola,
um homem orgulhoso e com um conhecimento enciclopédico de música, estava, em essência, navegando na aba da reputação de seu filho, e,
enquanto ambos, Carmine e Francis, negavam veementemente, por uma
boa causa, as acusações cínicas de nepotismo, Francis teria sempre que
lidar, pelo menos em seus próprios pensamentos, com o fato perturbador
de que seu talentoso e frustrado pai só foi alcançar seu objetivo depois
que ele, Francis, encontrou o seu – na cerimônia do Oscar no início de
1975, quando Francis levou para casa três Oscars por O Poderoso Chefão,
Parte ii. Na mesma noite, Carmine Coppola recebeu um Oscar pela trilha
sonora de O Poderoso Chefão, Parte ii, uma honra que seu filho fez questão
de ressaltar em um de seus discursos de agradecimento. “Obrigado por
darem um Oscar ao meu pai”, disse Francis aos membros votantes da
Academia, acreditando piamente em cada uma daquelas palavras, mas
sem fazer ideia de que o discurso soava mais condescendente do que propriamente orgulhoso. “Depois de passar a vida inteira com um homem
frustrado e quase sempre desempregado que odiava qualquer um que
fosse bem-sucedido”, ele comentou mais tarde “vê-lo receber um Oscar,
acrescentou 20 anos à sua vida”.
Com seu irmão, a história era um pouco diferente. Augie não aspirava
ao mesmo tipo de carreira que seu pai e seu irmão mais jovem, e alcançou
uma posição diversa, altamente respeitada, em seus próprios termos, como
um escritor e professor de literatura comparada. Francis ficou muito feliz
com o sucesso de Augie, falaria bem dele em suas entrevistas, e se sentiria
responsável por aquele homem que tinha sido tão bom para ele quando
criança – um sentimento que o levava de volta à infância.
“Uma vez eu tive um sonho quando criança que me matou de susto”,
lembrou ele. “Eu estava em uma rua, onde havia um enorme bueiro, uma
grande tampa de bueiro, e algumas crianças valentonas estavam perturbando meu irmão e tentando colocá-lo lá dentro. E eu corri de casa em casa
para conseguir um telefone e chamar a polícia. Nunca esqueci esse sonho”.
4.
Carmine Coppola tinha grandes planos para seus filhos. August, declarou
ele, ia ser médico, e Francis, um engenheiro. Em hipótese nenhuma seus
filhos seguiriam carreira nas artes. Os meninos, no entanto, tinham outras
ideias. No momento em que Francis entrou no colegial, ele considerava
uma carreira como cientista, talvez como um físico nuclear, enquanto
Augie estudava filosofia na Universidade da Califórnia e queria ser escritor.
Não é nenhuma surpresa que, quando chegou o momento de contestar
os projetos que Carmine Coppola havia desenhado para o futuro dos seus
filhos, foi Augie quem abriu o caminho, embora tenha tomado um duro
golpe em seu ego ao longo deste processo.
“Era para eu ser médico”, lembrou ele, “e eu costumava receber kits de
médico a cada Natal, como um incentivo de meus pais para me orientar
na direção certa. Eu estava realmente me preparando para ser um médico.
Mas eu disse para o meu pai, ‘por que não posso ser um artista? Você é’.
Ele disse, ‘Sim, mas só pode haver um gênio na família, e como eu já sou
ele, que chance você tem?”.
Até aquele momento, a fascinação de Francis com a ciência e a tecnologia já havia se transformado em uma obsessão. Ele escondia microfones
em toda a sua casa, para que pudesse ouvir as conversas; ele grampeava o
telefone da família. Chegou a guardar dinheiro até juntar os cinquenta
dólares necessários para comprar um laboratório AC Gilbert de energia
atômica, equipado com um contador Geiger e uma câmara de nuvem com
uma agulha radioativa. Ele aprendeu a confeccionar pequenos artefatos
explosivos, que colocava em seu quintal e disparava por controle remoto.
Anos mais tarde, quando escreveu A Conversação, baseou o passado de
Harry Caul em algumas de suas experiências de infância.
“Em algum momento de sua vida, [Caul] deve ter sido uma daquelas
crianças que são as mais estranhas da escola”, disse Coppola. “Você sabe,
o tipo de aberração técnica que é o presidente do clube de rádio. Quando
eu era criança, eu era um daqueles caras. Na verdade, o meu apelido era
‘Ciência’. Você sabe, ‘Hey, Ciência, vem aqui e diga algo sobre bobinas
de indução’. E eu era presidente do clube de rádio. Eu me senti atraído
pelo teatro porque combinava os dois pólos da minha vida: as histórias
e a ciência”.
O ensino médio foi difícil para Francis. Sempre o forasteiro nerd, descobriu que era impossível adequar-se às panelinhas e atividades habituais da
escola. Ele nunca tinha sido muito atlético, mas a pólio o tinha limitado ainda mais, deixando-o com uma perna ligeiramente mais curta do que a outra,
cortando a menor chance de ser aceito pelos alunos populares¹. Ele ainda
1 Quando adulto,
Coppola se tornaria um
tanto roliço, mas ele era
bem magro no Ensino
Médio. Quando estudava
na escola militar, ele
praticou luta livre na
categoria até 63 quilos.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
para as Rockettes, ele estava em movimento novamente, trabalhando
com empresas de teatro de estrada e procurando o tipo de trabalho que,
finalmente, pudesse lhe oferecer alguma satisfação.
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de shows de marionete a demência
28
o tempo e a contornar a solidão, mas também proporcionava suas primeiras rudimentares experiências de direção. Quando ele foi finalmente
autorizado a receber visitas de fora, os entretia com shows de marionetes
e, pouco depois, com exibições de filmes caseiros. Coppola disse: “Tenho
certeza de que foi a partir desses shows que me veio a ideia de um estúdio,
um lugar onde pudéssemos trabalhar juntos como crianças, com música,
fantoches, cenário, luzes, ação dramática, tudo o que quiséssemos”.
Usando o gravador que seu pai lhe dera, Francis tentou encontrar formas de sincronizar som e diálogo para os filmes caseiros de sua família.
Editou alguns dos filmes e criou novas histórias, geralmente tendo ele
próprio como herói de suas próprias aventuras. “Eu estava realmente
apenas brincando”, lembrou ele, “e estava mais envolvido com a fase
de exibição. Eu estava muito mais interessado em física e engenhocas,
e, depois, passei a me envolver com teatro, porque o meu pai [era] um
condutor de comédias musicais. Dessa maneira, meus dois interesses – a
parte técnica das engenhocas e o gosto pelas peças de teatro, fantoches,
teatro e comédia musical – se reuniram no cinema, que era como uma
espécie de playground para todas essas coisas.”
Embora apenas alguns desses filmes tenham sobrevivido, nenhum
deles é mais do que uma brincadeira de criança – indicações precoces de
uma mente fértil trabalhando.
Um episódio da luta de Coppola contra a pólio – um pesadelo que
ele teve quando ainda estava paralisado – acabou virando um fragmento
de diálogo em seu filme A Conversação (The Conversation, 1974). Italia Coppola, que geralmente ajudava Francis a tomar banho, tinha deixado o
filho na água quente só para sair da sala por um breve período e atender
a campainha. Incapaz de ficar sentado na banheira, Francis começou a
deslizar para baixo da água, que logo atingiu o queixo e foi subindo até o
seu nariz. Italia retornou no último momento. O protagonista de A Conversação, Harry Caul, teve uma experiência idêntica em sua juventude, e
ele conta a história em um momento durante o filme. Quando terminou,
ele manifestou a sua decepção por não ter se afogado, falando muito sobre
o isolamento e o desespero que Francis sentia quando estava deitado na
cama, desabilitado pela poliomielite, ouvindo o barulho e as vozes das
crianças brincando lá fora.
Francis recuperou-se, quase milagrosa e inteiramente, de sua batalha
com a poliomielite – embora ainda manque levemente, o único indício que
permaneceu e que o faz lembrar de seu calvário. Ele continuou a construir
equipamentos rudimentares de filmagem a partir de artigos banais de
sua casa, e, ao longo dos meses seguintes, projetou um estúdio de televisão – com direito a câmeras falsas e um microfone – no porão da casa de
seus pais. Ele até tentou construir seu próprio aparelho de televisão.
Infelizmente, maiores perturbações estariam por vir. Carmine Coppola terminou seu mandato com a Orquestra Sinfônica da nbc, e depois
de uma temporada com o Radio City Music Hall, arranjando a música
quando ficasse famoso, iria comprar carros esportivos para elas. Eu não
sei quantas vezes isso deu certo, mas ele sempre prometia”.
Tudo isso só fez aumentar sua insatisfação com a Academia Militar.
Quando voltou para casa no outono, flagrou a si mesmo desanimado como
nunca. A gota d’água se deu no momento em que ele viu o livro que havia
escrito para um musical da escola ser totalmente alterado pelo corpo
docente. Como seus pais estavam fora de casa, pois Carmine trabalhava
neste período como condutor de orquestra para uma produção itinerária
de Kismet, Francis fugiu do campus da escola e perambulou por diversos
dias em Nova York, “dormindo onde fosse possível e tendo algumas experiências malucas”, disse ele.
“Quando voltei para casa”, continuou, “meu irmão meu deu um livro
e disse, ‘Leia isso’. Era O Apanhador No Campo de Centeio. Eu tinha acabo
de viver aquilo”.
A família Coppola se estabeleceu em Great Neck, Nova York, onde Francis se matriculou em outra escola. Ele se formaria na primavera de 1956.
31
Após suas andanças itinerantes, Francis estava pronto para a vida universitária e para uma possível carreira no teatro. Antes de seguir para
a ucla, Augie passou pela Hofstra University, em Long Island, e aconselhou seu irmão mais novo a fazer o mesmo. Era tudo o que Francis
queria ouvir. Ele mostrou alguns de seus escritos aos funcionários da
universidade, e, com base no seu potencial e talento, acabou recebendo
uma bolsa parcial.
Ele não se preocupou muito em se estabelecer no campus. Era brilhante
e enérgico, talvez um pouco pretensioso e ocasionalmente arrogante, amigável, sempre disposto a aprender, e, sobretudo, autoconfiante. O cinema
ainda era o seu grande amor, e em pouquíssimo tempo ele estaria comandando um clube chamado Hofstra Cinema Workshop e organizando
exibições de filmes clássicos. Como Francis recordaria mais tarde, os filmes de Sergei Eisenstein, particularmente Outubro (1928), foram decisivos
para se tornar cineasta. No mesmo ano em que entrou para Hofstra, ele
viu uma sessão de Outubro e foi completamente contaminado pelo filme.
“Na segunda-feira”, disse ele, “eu estava no teatro. Na terça, eu queria ser
um cineasta”.
Havia muitos talentos no departamento de artes cênicas da Hofstra –
alguns deles tornar-se-iam famosos como atores. James Caan, que seria
lançado por Coppola uma década depois em Caminhos Mal Traçados (The
Rain People, 1969) e atingiria o estrelato em seu papel de destaque em O
Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), estudava em Hofstra, assim como
Lainie Kazan, que se tornaria uma cantora e atriz de sucesso, e que trabalharia para Coppola em Do Fundo do Coração (One From The Heart, 1982). Joel
Oliansky, um futuro e premiado diretor e roteirista de televisão e cinema,
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era muito tímido com as meninas, mais inclinado a vê-las como fantasias inatingíveis do que como colegas de classe. Ele tentou andar com
uma pequena gangue por um tempo, mas ele não pertencia a este ou a
qualquer outro grupo. Afinal, ele era aquele garoto magro, quatro olhos,
que sabia todas as coisas em que ninguém mais estava interessado, e que,
como se já não fosse o bastante, tocava tuba, talvez o instrumento menos
glamoroso de uma orquestra, concebido para combinar e complementar,
mas sem jamais se destacar por conta própria.
O instrumento foi responsável pela inscrição de Francis na escola que
ele mais detestava, a New York Military Academy em Cornwall-on-Hudson,
somente para meninos. Ele havia ganhado uma bolsa para estudar tuba
nessa escola, e, por mais ou menos um ano e meio, Francis suportou o
ambiente machista, em que os das classes mais altas implicavam com os
das mais baixas, onde os atletas eram tratados como deuses, enquanto
ratos de biblioteca como ele eram tratados como desajustados. Francis
podia até estar infeliz, mas era muito engenhoso, colocando as já consideráveis habilidades de escrita para trabalhar a seu favor, cobrando
um dólar por página para compor cartas de amor. Os colegas de classe
forneciam fotos de suas namoradas e Francis se refugiava em sua terra
de fantasia particular, deixando sua imaginação guiá-lo na elaboração
de pronunciamentos certeiros para ficar bem na fita de meninas que ele
jamais iria sequer conhecer.
Ele também estava lendo muito, folheando as páginas de Ulysses e outros
clássicos, tentando seguir o caminho de seu irmão mais velho. Francis
queria escrever alguma coisa de sua autoria, sobretudo, sob a forma de
desenhos e contos, mas, quando chegou ao final de seu primeiro ano na
escola, seus interesses já se inclinavam em direção ao teatro. Essa não
era a melhor das notícias para seus pais, que ainda estavam em conflito
com os altos e baixos da carreira de Carmine e que temiam que o filho
caminhasse por uma trilha semelhante se não seguisse uma linha mais
estável de trabalho.
Os novos interesses de Francis receberam um impulso importante no
verão posterior ao seu penúltimo ano de ensino médio, quando foi para a
Califórnia viver com Augie. Seu irmão, três outros caras, e, ocasionalmente,
um par de meninas estavam vivendo em uma pequena casa em Westwood,
não muito longe do campus da ucla. Os dias eram ocupados com leituras,
escrita e apaixonadas discussões intelectuais. Para seu deleite, Francis foi
incluído nas atividades do grupo, e, por sua vez, começou a escrever mais
a sério. “Foi”, ele declarou mais tarde, “um verão maravilhoso.”
August lembrou a visita de seu irmão de maneira um pouco diferente,
e com algum humor.
“Para ser honesto, ele era um pouco chato”, disse August. “Ele teve que
ir para a escola de verão, e ele me acordava para levá-lo. Eu realmente queria dormir e ele tinha que ir para a escola. Era minha responsabilidade.
Ele conhecia todas as meninas que eu conhecia, e prometia a elas que
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e a coisa toda era tão amadora que o professor chegou a dizer, ‘Ah, nós
pensávamos que vocês iam passá-lo de mão em mão, um depois do outro.
Foi o Francis, claro, que deu um jeito de fazer um boom. Ele descobriu
uma maneira de colocar o microfone em uma vara de pesca. Esse sempre
foi o jeito dele, desde o início”.
Em seu segundo ano, Coppola sentia-se pronto para tomar as rédeas de
uma produção – uma peça de um único ato, The Rope, de Eugene O’Neill.
Coppola mergulhou de cabeça no projeto, testando os seus próprios limites,
bem como os de sua equipe, e acrescentando seu particular toque criativo
a uma produção que desafiaria qualquer diretor mais experiente. Coppola
havia decidido que a peça não seria uma mera produção estudantil, simplesmente encenada e rapidamente esquecida; a produção teria cenários
interessantes, trilha sonora e uma iluminação complexa. Os estudantes
reclamavam que seu líder ditatorial não sabia o que estava fazendo, mas,
quando as cortinas da peça se fecharam, o coordenador do departamento de teatro da Hofstra proclamou The Rope como o melhor espetáculo
já dirigido por um de seus alunos. Coppola foi premiado com o Dan H.
Lawrence Award – o primeiro de três que ele ganharia na Hofstra – pela
direção e produção marcantes. Coppola afirmava seu nome.
Esse era apenas o começo. Nos dois anos seguintes, Coppola correu
à frente do restante de sua turma, encenando peças e reorganizando o
departamento de teatro. Ele se destacou de tal maneira que acabou sendo honrado com um Hofstra’s Beckerman Award por direção discente.
(“Ele vinha com uma premiação de us$ 200, que era o que realmente
me interessava”, brincou Francis, anos mais tarde.) Ele ficou conhecido
em toda a universidade por sua enorme ambição, sua peças ficando cada
vez maiores, produções complexas que desafiavam o sistema tradicional.
Este foi o caso de Inertia, um elaborado musical encenado durante o
primeiro ano de Coppola em Hofstra – a primeira produção da história
da universidade a ser inteiramente escrita, produzida e dirigida por
alunos. Coppola inventou a história da peça, dirigiu e escreveu as letras
das músicas. Baseado na história de H.G. Wells “O Homem que Podia
Fazer Milagres”, Inertia contava com inúmeras mudanças de cenário, o
que seria um enorme desafio para diretores mais experientes. Coppola,
contudo, se sairia muito bem. A peça foi um grande sucesso e uma prova
incontestável do talento criativo de Coppola.
Sua capacidade de organizar as coisas era igualmente impressionante. Quando ainda estava em seu primeiro ano, Coppola foi eleito
presidente tanto do Green Wig – o clube de teatro da Hofstra – quanto
do Kaleidoscopians – clube de comédia musical da escola. Ele combinou os dois grupos em uma única organização chamada Spectrum
Players e anunciou que eles encenariam uma peça toda quarta-feira. Ele,
claro, dirigiria todas elas. Ao usar fundos extracurriculares, Coppola
foi capaz de juntar dinheiro suficiente para sustentar suas produções, e, para a sua alegria, as peças sempre se saíam bem na bilheteria.
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também estudava teatro, além de editar The Word, revista estudantil para
a qual Francis contribuiu com artigos e contos.
Oliansky, um estudante de transferência um ano à frente de Coppola,
gostava do espírito de aventura do departamento de teatro da universidade, que, em comparação com outras instituições, dava muita liberdade
aos estudantes.
“Eles tinham um departamento de teatro que entusiasmava”, explicou
ele, “e a faculdade era boa. Eles eram um pouco presos à tradição, mas
queriam que a gente tentasse coisas diferentes. Você sempre pode cometer erros. Eles gostavam de pessoas como Francis e eu; eles achavam que
nós éramos diferentes. Eles estavam interessados em qualquer um que
pudesse contribuir com algo novo”.
Oliansky e Coppola se tornaram amigos, e Oliansky acabou nomeando
Coppola para o cargo de editor de drama e música da The Word.
“Naquela época, a minha opinião sobre ele”, disse Oliansky a respeito
de Coppola em uma entrevista de 1999, “era exatamente a mesma que
tenho hoje: ele é incrivelmente talentoso e incrivelmente pretensioso;
ele não sabe o que está fazendo na metade do tempo, e na outra metade,
ele é brilhante. O que eu amo sobre Francis é que ele não mudou. Ele é
consistente. Eu gostei dele logo de cara. Publiquei seus contos na revista
da faculdade. Eu tinha uma coluna no jornal da faculdade, e fiz um perfil sobre ele em 1958. Eu dizia que ou ele iria até o fim ou se queimaria
para fora daquilo tudo, não haveria meio-termo. A coluna previa que ele
faria grandes coisas, e as pessoas me diziam: ‘Você está maluco? Ele é só
conversa fiada”.
Coppola estava ansioso para dirigir uma peça universitária, mas
Hofstra raramente permitia que seus alunos dirigissem grandes produções. Enquanto isso, ele foi absorvendo tudo o que podia aprender sobre
produção teatral, adquirindo grande parte do seu conhecimento na prática.
Ele trabalhou com iluminação e equipes técnicas; ele construiu cenários.
Ele acompanhou a maneira como os outros dirigiram seus atores. Ele interpretou pequenos papéis em várias peças. E continuou a escrever contos e
peças curtas, aperfeiçoando suas habilidades narrativas.
As pessoas logo tomaram conhecimento, sobretudo, das habilidades
técnicas de Coppola, que aumentavam por sua capacidade de improvisar
quando as coisas ficavam mais difíceis. Ele buscava soluções enquanto seus
colegas congelavam. Oliansky lembra quando foi convidado para dirigir
uma produção televisiva de Júlio César para um novo e experimental
canal de televisão de uma escola local; ele estava pronto para começar a
filmar quando percebeu que tinha apenas um microfone à sua disposição.
“Francis estava interpretando Casca para mim nessa produção”,
Oliansky recordou, “e graças a Deus ele estava conosco. Tudo o que ele
fez foi olhar para as bugigangas eletrônicas ao redor – ‘O que é isso? O
que é aquilo? Como isso funciona?’ –, como ele sempre fazia. Eu, por
outro lado, fingia não ver nada. Eles só tinham aquele microfone de mão
Coppola se formou pela Hofstra na primavera de 1960. Francis era,
como ele próprio descrevia, “figura central do departamento de teatro”,
um estudante que exercia poder tanto dentro quanto fora da Hofstra.
Ao longo de sua passagem pela universidade, ele se esforçou para aprender
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tudo o que fosse possível sobre teatro, orientando seus estudos de acordo
com o que dizia Eisenstein, que havia seguido por este mesmo caminho
antes de se estabelecer como cineasta. “Eisenstein, que era o meu Deus
naqueles dias, dizia que uma base teatral era essencial”, explicou Coppola,
“eu, então, me mantive longe do cinema por um tempo”.
Havia pouca dúvida de que, até o final de seus quatro anos na Hofstra,
Coppola tinha toda a intenção de dedicar a sua vida ao cinema. Tampouco
havia qualquer pergunta a respeito de onde ele continuaria sua educação.
Não só seu irmão mais velho havia cursado a mesma universidade, como
ela tinha a reputação de ser uma das melhores escolas de cinema do país.
O timing de Coppola não poderia ter sido melhor. Ele estava entrando
na ucla durante um período em que as escolas de cinema estavam prestes
a explodir em uma proliferação de talentos que, dentro de uma década,
iriam mudar a face da indústria cinematográfica. Como o escritor Dale
Pollock observou: “Por feliz coincidência ou predeterminação, um grupo
de cineastas emergiu das escolas de cinema em meados dos anos 1960,
o que seria uma espécie de equivalente cinematográfico aos escritores
de Paris do grupo da década de 1920”. Em apenas alguns anos, George
Lucas, John Milius, Caleb Deschanel, Randal Kleiser, Robert Zemeckis
e John Carpenter, entre outros, iriam passar pela escola de cinema na
University of Southern California, enquanto Martin Scorsese e Brian
De Palma deixariam suas marcas na Universidade de Nova York e na
Columbia, respectivamente. A ucla produziria Coppola, Carroll Ballard,
Steve Burum, Frank Zuniga e Jack Hill.
Embora sejam notáveis em retrospecto, a lista impressionante de estudantes da ucla, Southern Cal e nyu foi em grande parte o resultado de
uma nova atitude em relação a essas escolas como campo de treinamento
para futuros cineastas. No passado, um diretor aspirante não teria sonhado em frequentar uma universidade para aprender o negócio. Ele teria
trabalhado seu caminho até a indústria – a indústria, naquele momento,
era constituída por uma rede de meninos mais velhos – começando com
um emprego humilde e avançando através das fileiras ao longo dos anos.
Antes do início dos anos 1960, estudantes de cinema foram desprezados
por uma indústria que acreditava que era uma perda de tempo estudar
como fazer um filme, quando você poderia aprender com a experiência.
“Por um tempo, escolas de cinema pareciam ter um estigma”, observou Martin Scorsese, que apontou que, mesmo depois de Francis e seus
colegas terem rompido, ainda havia alguns esnobismos direcionados aos
novos cineastas. “Alguns escritores diriam que sua obra é abarrotada de
pretensões. Mas há muitos de nós agora. Na verdade, a escola de cinema
é um microcosmo da indústria”.
Quando relembra seu tempo na ucla, Coppola também costuma
elogiar o ambiente da escola de cinema. “Eles nos estimulam bastante,
oferecem a oportunidade dos jovens encontrarem alguém – um professor
ou outro aluno – que poderá influenciá-los”, comentou. “E, além disso,
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Coppola estava aos poucos comandando o departamento e ninguém
parecia se importar com isso, exceto alguns membros do corpo docente,
que acabaram criando uma nova regra estipulando que um estudante
poderia dirigir apenas dois shows por ano.
Apesar de todo o seu envolvimento com o teatro, Coppola ainda esperava trabalhar no cinema. Ele vendeu seu carro e usou o dinheiro para
comprar uma câmera de 16 mm, e, com ela, fez seu primeiro filme – um
curta sobre uma mulher que leva seus filhos para um passeio no campo.
Depois de brincar com os filhos, a mãe dorme, apenas para despertar e
não mais encontrá-los. Em sua busca frenética pelas crianças desaparecidas, a mãe começa a ver a zona rural, antes um lugar convidativo e
cercado de beleza, como uma ameaça para a segurança de seus filhos. “Eu
queria experimentar essa dualidade”, Coppola lembrou o filme, “mas eu
só filmei uma parte dele e nunca terminei o projeto. Eu ainda não tinha
experiência técnica”.
Sua primeira produção em seu último ano, uma comédia musical
intitulada A Delicate Touch, cujo texto e letras eram de autoria de Coppola,
era ainda mais ambiciosa do que Inertia. Desta vez, porém, ele viu seus
planos grandiosos serem dizimados por uma série de percalços, incluindo
o colapso da fachada de um cenário, que teria caído em cima das fileiras
da frente, se não fosse por uma fração de segundo e a atenção de um assistente de palco alerta, que conseguiu puxá-la de volta no último instante.
Coppola tinha imaginado um evento que rivalizasse com uma produção
da Broadway, com um enorme elenco, uma orquestra de trinta instrumentos, muitos números musicais, mas, devido justamente à ambição e
grandiosidade do projeto, nem Coppola nem seus colegas conseguiriam
tirá-lo do papel.
“Quando assisti, aterrorizado, a todo aquele excesso de Do Fundo do
Coração”, Joel Oliansky comentou, referindo-se ao desastroso filme de
1981 dirigido por Coppola, “Eu disse, ‘Não há nada de novo nisso’. Isso é
A Delicate Touch’. Era absolutamente a mesma coisa”.
Outra produção do último ano de Coppola, Um Bonde Chamado Desejo de
Tennessee Williams, conseguiu ser ainda mais memorável. Ironicamente,
dois de seus futuros sócios – Robert Spiotta, que se tornaria o chefe do
Zoetrope Studios no início de 1980, e Ron Colby, que apareceria como
ator em Finian’s Rainbow – competiriam pelo papel de Stanley Kowalski.
Spiotta, um jogador de futebol, ganhou a disputa, e seu desempenho
garantiu que a saída de Coppola da Hofstra fosse com louvor.
7.
Os filmes universitários só fizeram aumentar o apetite de Coppola. Outros
talvez pudessem sossegar vendo clássicos em salas escuras, discutindo
sobre teoria ou técnica, mas Coppola estava longe de estar satisfeito.
“Eles falavam muito, mas pouco ou quase nada acontecia”, ele reclamava.
“Eu tinha uma urgência muito grande por fazer filmes; não para ler sobre
eles ou vê-los, apenas para fazê-los. O que me faltava era oportunidade”.
Quando a oportunidade finalmente chegou, vinha de um lugar absolutamente inesperado. Russ Meyer, que seguiria uma carreira de sucesso no
gênero sexploitation, tinha lançado não fazia muito tempo O Imoral Sr. Teas
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a qual deveriam realizar um curta-metragem; era difícil pôr as mãos
em algum equipamento. Ele conseguiu montar um filme intitulado The
Two Christophers – um pequeno exercício sobre um garoto assassino que
quer matar outro menino de mesmo nome – e, no semestre seguinte, um
trabalho mais longo, Aymonn the Terrible, que contava a história de um
escultor narcisista que só queria criar esculturas de si mesmo.
Aymonn the Terrible ajudou a estabelecer a reputação de Coppola na
ucla. O roteiro era anos-luz à frente da média dos estudantes, e Coppola
demonstrou, como havia feito em Hofstra, uma notável capacidade de fazer
o que fosse necessário para realizar o trabalho. Para uma determinada
cena, ele precisava filmar o personagem principal ao lado do David de
Michelangelo. O Forest Lawn Cemetery tinha uma réplica em tamanho
natural da estátua, mas não era nada fácil conseguir autorização para
filmar nas suas instalações. Sem se deixar abater, Coppola conversou com
um funcionário do cemitério e, depois de explicar o que estava fazendo,
um modesto filme não comercial, recebeu permissão para rodar no local. Ele então contatou a Companhia Chapman, construtora da maior e
melhor grua do mercado naquele momento, e prometeu dar a Chapman
uma fotografia de alta qualidade de uma de suas gruas ao lado do David
de Michelangelo em troca de um breve empréstimo do equipamento.
Quando assegurou o empréstimo da grua, Coppola seguiu para Forest
Lawn, onde acabou chocando os jardineiros ao chegar por lá, não com
um grupo pequeno e amador, como era esperado, mas com uma equipe
de sessenta homens e uma grua Chapman.
“Ele era inacreditável”, disse Carroll Ballard, que trabalhou como
maquinista no filme. “Na época, eu era muito amargo sobre isso. Francis
apareceu na ucla e, dentro de um período muito curto de tempo, ele
parecia ter todo o departamento na palma da sua mão. Quem era esse
cara? Ele tinha tudo o que queria e todo mundo trabalhava para ele como
um bando de escravos. O que o qualificava a fazer aquilo? Desde então,
percebi que as qualidades que ele tinha – e em grande medida – eram
justamente as mais importantes para se estabelecer na indústria cinematográfica. Era incrível, que operador ele era”.
par te i
de shows de marionete a demência
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eles ainda permitem que você experimente com um equipamento cinematográfico de verdade. Você não pode fazer isso em qualquer lugar, a
menos que seja rico o suficiente para comprar o seu próprio”.
Em teoria, os alunos que entravam em um programa de dois anos
seriam expostos ao que geralmente levaria muitos anos para aprender
através de experiência no mercado de trabalho. Além de receber altas doses
de história do cinema, os alunos estudavam direção e, em muito menor
medida, interpretação, bem como os aspectos técnicos da animação e do
cinema e edição de som. Eles trabalhavam na verdade com câmeras de 8
mm ou 16 mm; eles aprendiam o básico de produção e a necessidade de
se adequar a um orçamento. Mas o mais importante era operar em um
ambiente criativamente fértil, onde poderiam encorajar uns aos outros,
trabalhar em projetos diversos e participar de discussões animadas de
fim de noite sobre cinema.
Coppola chegou à ucla em 1960. As coisas eram muito menos emocionantes do que se tornariam alguns anos mais tarde, quando alguns
de seus colegas mais jovens entrariam para a escola de cinema. De fato,
Coppola ficou muito decepcionado com a escola de cinema, e, por um
bom tempo, considerou voltar ao teatro. A escola de cinema da ucla era
localizada em uma área arborizada atrás da universidade, isolada do resto
do corpo discente. A maioria dos alunos era mais velha do que Coppola,
e ele estava deprimido por sentir algo como uma aura de negatividade
que emanava do grupo.
“Não havia a camaradagem que eu imaginava enquanto estava na
faculdade”, disse ele a respeito de suas primeiras impressões da ucla.
“Tudo o que faziam era criticar as estratégias preguiçosas dos produtores
de cinema de Hollywood, o que implicava dizer que somente eles poderiam ser capazes de dirigir grandes filmes.”
Carroll Ballard, que acabaria dirigindo O Corcel Negro (The Black Stallion,
1979) para Coppola, concordaria.
“Era uma coisa altamente competitiva e orientada para o ego”, lembrou.
“Todo mundo pensava em si como o próximo Kurosawa. Eu não me lembro
deste período como agradável. O que era bacana sobre a escola de cinema
não era propriamente a escola; mas o entusiasmo de tantos jovens que
alimentavam os mesmos sonhos, e a maneira como isso se cruzava de
maneira fértil. Os aspectos acadêmicos eram um grande aborrecimento
e um desperdício. Eu achava que a escola de cinema deveria ser como
uma oficina; você tem que aprender a bater no para-lamas e tudo aquilo.
Conversar não será jamais suficiente”.
Alguns poucos “para-lamas” estavam sendo “fabricados” na ucla.
Para alguém com o talento e a ambição de Coppola, o programa avançava
em um ritmo por demais lento. Apenas dois filmes de estudantes eram
financiados por ano pela universidade, e os trabalhos do dia a dia da
escola de cinema pareciam totalmente inadequados. Coppola se lembra
que os alunos recebiam uma quantidade irrisória de película 16 mm, com
8.
Coppola estava prestes a descobrir que não havia mesmo melhor maneira
de aprender a fazer cinema. Roger Corman, o rei indiscutível dos filmes
B, gostava de empregar estudantes de cinema como mão de obra barata,
e Coppola logo se tornaria o primeiro de uma longa linha de ilustres
aprendizes.
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que bate com a cabeça e passa a ver vacas como se fossem mulheres
nuas; Coppola aceitou juntar os dois filmes com uma trama levemente
diversa. Nascia Tonight for Sure (1961). Nele, os dois protagonistas, supostamente em uma cruzada moral para fechar algumas termas locais,
encontram-se e conversam: o personagem de Coppola fala de como é a
vida de um Peeping Tom e o outro conta a história de um amigo cowboy
que bateu com a cabeça e vê mulheres nuas quando olha para suas vacas.
Ao combinar os dois filmes, Coppola trabalhou um nível de erotismo e
nudez mais do que suficiente para agradar o mercado de então, e ainda
assegurou que lhe creditassem como o único diretor do longa, mesmo
que, segundo suas próprias contas, mais de 80% da nova obra tenha sido
filmada por outra pessoa.
Quaisquer que fossem suas reservas às cenas de nudez, Coppola
sabia: ele estava finalmente trabalhando como cineasta – e não apenas
estudando sobre isso na escola – e ainda ganhava dinheiro para fazê-lo.
Pouco depois de completar Tonight for Sure, ele recebeu outra oportunidade, desta vez para terminar um filme alemão de 1958 chamado Mit Eva
Fing die Sunde (mais tarde renomeado como The Bellboy and the Playgirls).
Mais uma vez: tratava-se de um filme alegre e voyeurista, envolvendo
um carregador de malas de um hotel que veste uma série de disfarces
num esforço para ingressar em um quarto ocupado por modelos de
lingerie. Neste filme, Coppola começou a rodar com June Wilkinson,
uma modelo da popular Playboy, e seu trabalho consistia na filmagem
de um número de cenas em cor e em 3d para inserir no filme alemão,
originalmente em preto e branco.
Como lembra Coppola, seus sentimentos mistos em relação à realização de cenas de nudez tornaram-se um problema durante as filmagens.
“Havia uma cena em 3d em que cinco meninas apareceriam nuas, e
elas tinham sido contratadas e pagas para fazer aquilo. Uma das meninas
veio até mim e disse: ‘Eu tenho apenas dezessete anos e meu pai vai me
matar’. Eu respondi: ‘Bem, ok, fique com seu sutiã’. Tínhamos então quatro meninas, mais uma com um sutiã, e eu fui demitido porque eles [os
produtores] reclamaram, pois haviam pagado us$ 500 para cada menina”.
Nos anos seguintes, os filmes eróticos de Coppola seriam embalados
e reembalados, às vezes sob diferentes títulos. Em essência, ele havia
passado pelo seu primeiro curso prático no cinema. Ele estava pronto
para outras experiências.
par te i
de shows de marionete a demência
38
(The Immoral Mr. Teas,1959), um filme erótico que conseguiu escapar do
rótulo de obsceno e acabou fazendo muito dinheiro. Em pouco tempo,
todo mundo iria querer fazer filmes de baixo orçamento, e os estudantes
de cinema eram candidatos perfeitos para as equipes de produção. Alguns colegas de Coppola esnobaram a oportunidade de investir em algo
que soava indigno ao talento deles. Coppola, contudo, não fazia reservas
deste tipo. Tudo o que ele queria era a chance de trabalhar atrás de uma
câmera, e, embora filmes eróticos fossem algo bem distante de Eisenstein
ou Kurosawa, eles ofereciam um aprendizado mais do que necessário.
Assim, quando um grupo de investidores contatou Coppola e perguntou
se ele toparia produzir um roteiro no estilo de O Imoral Sr. Teas, Coppola
não pensou duas vezes e pôs a mão na massa.
Os investidores gostaram do roteiro e queriam comprá-lo, mas, infelizmente, para Coppola, não estavam interessados em contratá-lo para
dirigi-lo – o que Coppola sublinharia mais tarde ser “a única coisa que
realmente me interessava”. Ele mostrou o roteiro para outros investidores e
conseguiu juntar algo em torno de us$ 2000 para rodar ele mesmo o filme.
Para os padrões de hoje, The Peeper, filmado em uma loja de departamento abandonada em Venice, Califórnia, e usando cenários construídos
pelo próprio Coppola, é bem menos provocativo que a grande maioria dos
filmes adultos. O próprio Coppola o compararia a Tom and Jerry – uma
comparação nada gratuita dada a natureza cômica da trama do filme, nada
mais que uma série de cenas engraçadas que descrevem as experiências
fúteis de seu personagem principal. Em The Peeper, o protagonista, um
verdadeiro Peeping Tom, descobre que uma sessão de fotos de uma modelo pin-up está sendo realizada em um apartamento ao lado, e o filme
se faz através das cômicas tentativas do personagem de flagrar a mulher
sendo fotografada. Ele tenta encontrar o lugar mais perfeito possível e
acaba caindo; ele arranja um poderoso telescópio, mas só consegue ver
pequenas partes do corpo da jovem.
Ironicamente, Coppola jamais se sentiria realmente confortável na
direção de cenas de nudez, mesmo depois de se tornar um cineasta renomado.
“Eu costumo hesitar muito no que concerne às cenas mais eróticas
de meus filmes”, ele admitiu quase duas décadas depois. “A minha mãe
era bem rigorosa quanto à necessidade de se respeitar as mulheres, e eu
cresci acreditando que se você gosta de uma menina, não deve passar por
cima da opinião dela. Ou seja: se a atriz me disser: ‘Ah, eu farei isso’, ok,
sem problemas, mas se eu tiver que perguntar para ela, eu começo a me
sentir como uma espécie de velho tarado…”
Fiel às suas convicções, Coppola tentou fazer de The Peeper algo mais
do que um filme erótico barato, e, consequentemente, não conseguiu
convencer ninguém a distribuí-lo. Um belo dia, um grupo de cineastas
o procurou. Eles também tinham feito um filme erótico e cômico – envolvendo um cenário bizarro de western e a história de um cowboy bêbado
de shows de marionete a demência
40
O momento, como Coppola notaria mais tarde, era perfeito. Ele estava
sem dinheiro e temia que seu telefone fosse desconectado antes de receber a ligação de Corman. Não que ele fosse enriquecer trabalhando para
o produtor-diretor: ele ganhou a bagatela de us$ 250 para trabalhar seis
meses no projeto de Corman.
Esse foi um grande passo para a carreira em franca ascensão de
Coppola, que provavelmente estaria disposto a pagar pela oportunidade
de trabalhar com Corman. “Naquela época, eu não reclamava de nada”,
referia-se Coppola ao seu mísero salário. “Ele tinha um pequeno escritório e algumas salas de edição. Era o máximo. Era como se eu tivesse
finalmente dado início à minha carreira”.
O primeiro projeto, um filme B chamado Battle Beyond the Sun, era em
um certo sentido uma extensão do tipo de trabalho que Coppola tinha
feito em Mit Eva Fing die Sunde. Corman tinha comprado algumas ficções
científicas russas e pretendia refilmá-las e distribuí-las para o mercado
americano. Para fazê-lo, no entanto, era preciso muita cautela, já que na
Guerra Fria de 1961, qualquer coisa remotamente russa era vista com
maus olhos (“Monstros funcionam muito bem em um drive-in”, sublinhou ironicamente Corman, “comunismo não”). A principal tarefa de
Coppola era reescrever o diálogo, que seria dublado nos filmes em inglês.
Ele também filmaria algumas cenas e planos.
Coppola conseguiu o trabalho dizendo para Corman que ele falava
russo – uma mentira que teria poucas consequências a longo prazo. Tudo
o que Coppola tinha que fazer era assistir ao filme e inventar diálogos que
fizessem sentido. A maior parte do diálogo da versão final do filme era
tão genérica que poderia entrar em qualquer ficção científica de Corman.
Coppola provou ser tão inventivo na filmagem das cenas de Battle
Beyond the Sun quanto havia sido nas peças de baixo orçamento na Hofstra
e nos filmes universitários de seus primeiros anos na ucla. Uma das
novas cenas demandava uma multidão de pessoas balançando bandeiras.
Sem dinheiro para contratar figurantes, Coppola teve que inventar uma
forma barata para alcançar seu objetivo. Ele e Jack Hill, um colega de classe
que estava trabalhando como diretor de fotografia do projeto, dirigiram
até Pasadena, pouco antes do início da Rose Bowl Parade⁴, e depois de
anunciarem que estavam fazendo um filme universitário, Coppola distribuiu pequenas bandeiras para as pessoas que aguardavam o início do
desfile. “Quando eu der o sinal”, Coppola instruiu as pessoas “balancem
as bandeiras com vontade”. A cena não custou quase nada.
De todo o trabalho que ele realizou neste filme, Coppola se lembraria
de uma cena em particular, tanto pelo que ela significou para ele em
termos de aprendizado, quanto a forma como ela simbolizava o método
de Corman para repaginar um filme.
“Há uma cena em um planeta, onde um astronauta vê a imagem de
um astronauta dourado segurando uma tocha dourada de esperança e
humanidade”, Coppola rememora. “Roger quis que eu deixasse tudo meio
4 A Rose Bowl Parade é o
desfile anual mais popular
dos Estados Unidos,
celebrado sempre no
primeiro dia do ano,
exceto quando este cai
no domingo. Desde 1923,
após o desfile, joga-se
a partida de futebol
americano denominada
Rose Bowl.
41
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
3 O Servicemen's
Readjustment Act de 1944,
também informalmente
conhecido como G.I. Bill,
era um programa
que estipulava uma série
de benefícios para os
veteranos da Segunda
Guerra, incluindo
bolsas de estudo.
Em 1961, não havia ninguém na indústria como Corman – na verdade,
jamais haveria alguém como ele. Numa época em que jovens cineastas
americanos aspiravam a seguir os passos de John Ford ou Orson Welles,
Corman escolheu um outro caminho. Os anos 1950 tinham visto o rápido
crescimento dos cinemas ao ar livre (drive-ins) nos Estados Unidos, e, ao
longo dos anos, esses parques de estacionamento cobertos de vegetação,
com suas telas enormes, seus quiosques bregas e os pequenos stands de
microfone tornaram-se um paraíso para os baby boomer², adolescentes
que procuravam um lugar barato para se reunir ou, melhor ainda, namorar. A indústria cinematográfica evoluiu para um mercado jovem, e
as crianças que frequentavam os drive-ins não estavam mais interessadas
em filmes com personagens complexos e enredos longos. A televisão já
estava chamando mais atenção, sem falar nas muitas distrações inerentes
ao drive-in, faziam do filme de ação simples e direto a opção ideal. Quanto
mais sensacional o filme, melhor.
Nascido em Detroit, em 5 de abril de 1926, Roger Corman tinha se
mudado para Beverly Hills com sua família quando estava para completar catorze anos de idade. Ele frequentou a Stanford University, onde
se graduou em engenharia industrial, sendo que sua educação foi interrompida por um período na marinha durante a Segunda Guerra
Mundial. Depois de se formar pela Stanford, ele arranjou um trabalho
na Twentieth Century-Fox. Corman começou como mensageiro, até
chegar ao posto de analista de roteiro. Insatisfeito com os rumos de
sua carreira, ele deixou o mercado e ingressou na Oxford University,
através do programa G.I. Bill³, onde estudou literatura inglesa moderna.
Depois disso, Corman se mudou para Paris, onde morou por um tempo,
antes de retornar aos eua e à indústria cinematográfica. Em 1955, ele
dirigiu seus primeiros filmes, Five Guns West e Apache Woman, ambos
westerns de baixo orçamento. Ele tinha uma misteriosa habilidade para
trabalhar rápido e com pouco dinheiro – alguns de seus filmes foram
rodados em poucos dias – e logo se estabeleceu como o produtor-diretor
dos filmes exploitation de Hollywood, produzindo longas em uma única
tacada, obras com títulos dúbios como Attack of the Crab Monsters, The
Viking Women and The Sea Serpent, Machine Gun Kelly, The Wasp Woman e
The Little Shop of Horrors. Estes e outros títulos não deviam passar pelas
cabeças das pessoas quando as indicações ao Oscar eram anunciadas todo
ano, mas os longas sempre pareciam fazer algum dinheiro. Quando ele
conheceu Coppola, Corman estava embarcando em uma série de projetos
mais ambiciosos, incluindo adaptações de clássicos de Edgar Allan Poe
– como The House of Usher, The Pit and the Pendulum, The Premature Burial,
Tower of London e The Raven.
Corman soube de Coppola através da diretora Dorothy Arzner, uma
professora da ucla e uma das primeiras entusiastas de Coppola. Corman
perguntou a Arzner se ela tinha algum aluno para recomendar para um trabalho de editor em um de seus filmes, e ela imediatamente falou de Coppola.
par te i
2 Baby boomers é uma
expressão geralmente
usada para se referir,
sobretudo, àqueles que
nasceram entre 1946
e 1965, um período
marcado por um boom
da taxa de natalidade.
[N.T.]
Os colegas da ucla não viam a relação com Roger Corman com bons
olhos. Para eles, Coppola havia se vendido. Ele estaria se tornando apenas
mais um hollywoodiano superficial.
Alguns desses sentimentos eram com certeza embalados por inveja,
pois Coppola havia se mostrado tão talentoso quanto engenhoso. Isso ficou
evidente quando um roteiro de Coppola ganhou o prestigiado Samuel
Goldwyn Award, um prêmio normalmente entregue a romances ou peças.
De acordo com Coppola, Pilma, Pilma, vagamente modelado a partir de The
Two Christophers, seu filme universitário anterior, foi escrito em um único e
longo fôlego. Coppola tinha que se apresentar para fazer um exame físico
no exército, e na noite anterior, na esperança de encontrar uma maneira
de ser reprovado e evitar o alistamento, ele ficou acordado a noite toda,
se empanturrando de café e escrevendo Pilma, Pilma. Na manhã seguinte,
um Coppola completamente exausto acabou passando no exame físico
5 Segundo Coppola e
outras publicações, não
se tratava de um roteiro
inteiro, mas de apenas
uma cena.
43
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
de shows de marionete a demência
9.
(embora nunca tenha sido convocado), mas tinha também um roteiro
completo para compensar por seu esforço. “Eu ganhei us$ 2000”, disse
Coppola a respeito de seu premiado roteiro, “e depois o vendi por us$ 5000.
Todo esse dinheiro por apenas uma noite de escrita apaixonada.”
Corman, por sua vez, estava muito satisfeito com todo o reconhecimento concedido a seu protegido, e chegou a recortar os anúncios nos
jornais que anunciavam o resultado do Samuel Goldwyn Award. Coppola
comoveu-se. Corman tinha um outro filme na manga, chamado The
Young Racers, a ser filmado na Europa, que teria imagens reais do Grand
Prix e seria mais um longa barato de ação simples e direto destinado
aos drive-ins. Corman perguntou a Coppola se ele conhecia alguém que
pudesse fazer o som do filme, e, sem se importar com o fato de não ter
nenhuma familiaridade com gravação de som, Coppola se candidatou ao
trabalho. Assim que foi contratado, ele correu para casa e leu o manual
The ‘Perfectone’ sound recorder, em uma espécie de curso intensivo sobre o
uso do equipamento.
De toda maneira, a experiência foi um tanto ambígua. Corman,
Coppola e o resto da pequena equipe viajaram corrida após corrida em
uma van da Volkswagen. A inexperiência de Coppola com gravação de som
enfureceu Floyd Crosby, o principal diretor de fotografia do filme. Ele reclamava que era possível ouvir o barulho da câmera na faixa sonora, o que
implicava a necessidade de refazer o filme. Coppola mantinha firmemente
que o problema não era culpa sua. De qualquer maneira, ele se saía bem
melhor como diretor da segunda unidade, levantando a sobrancelha quando assumia a câmera na mão até a lateral da pista e, deitando-se no chão,
filmava os carros passando com apenas alguns metros de distância.
As filmagens terminaram na Inglaterra e na Irlanda. O filme tinha sido
extremamente barato, mesmo para os padrões de Corman. Sabendo que
Corman gostava de cortar gastos filmando dois filmes em um, usando a
mesma equipe e os mesmos atores, Coppola sugeriu que ele poderia fazer
um outro longa com o dinheiro que havia sobrado de The Young Racers.
“Eu sabia que toda vez que Roger levava uma equipe para as ruas, ele
não resistia à ideia de fazer um segundo filme, uma vez que já havia pagado pelo trabalho de todo mundo”, contou Coppola. “Eu apostei nisso,
convencendo-o de que eu poderia dirigir o filme. Naquele momento, Roger
queria fazer um longa no estilo de Psicose (Psycho, 1960), então eu o vendi
uma picante cena de horror que o empolgou um pouco”.
“Quando estávamos filmando The Young Racers”, Corman relembra,
“eu me dei conta que ainda tinha algum dinheiro para fazer um segundo filme. Nós tínhamos todo o nosso equipamento em uma van da
Volkswagen, que poderia ser utilizado na realização de um longa barato
e rápido. Francis aproveitou a oportunidade. Ele passou a noite inteira
escrevendo um tratamento⁵. Era uma coisa inteligente, bem escrita e
extremamente demente. Convenientemente, aquilo virou Demência 13
(1963), seu primeiro filme”.
par te i
42
desfocado e transformasse aquilo em dois monstros brigando, com um
devorando o outro. Esta seria a diferença entre o filme de ficção científica
russo e o americano?”
Corman queria uma batalha entre uma monstra sexy e bonita e um
oponente masculino sexy e bonito, com ela vencendo a luta e devorando
seu inimigo, e instruiu Coppola a criar monstros que fossem “sutilmente masculinos e femininos”. Trabalhando em sua banheira, Coppola e
um amigo idealizaram os monstros com uma borracha esponjosa; um
parecia uma vagina gigante e dissimulada e o outro, um pênis gigante,
com direito a um único e hediondo olho. Corman ficou surpreso com
as criações de Coppola – “Fiquei surpreso com o que ele considerava sutil, mas não estava chocado” – e temia que elas jamais passassem pelos
censores. Coppola argumentou que ninguém notaria a diferença – uma
previsão que se comprovaria verdadeira.
Coppola queria impressionar seu mentor, indo às últimas consequências para que Corman apreciasse seu esforço. “Eu, deliberadamente, trabalhava a noite inteira para que, quando ele chegasse na manhã seguinte,
me visse caído de sono na moviola”, contou Coppola. “Ele passou a me
ver como um cara determinado”.
Corman recompensava Coppola abarrotando-o de trabalho. Havia
outras ficções científicas russas que precisavam ser dubladas e editadas,
bem como outros tipos de filmes que também demandavam os cuidados de
Coppola. Ele dirigiu os diálogos de Tower of London (1962) e foi o assistente
de The Premature Burial (1962). Para um estudante de cinema de vinte e
dois anos que almejava entrar na indústria cinematográfica, trabalhar em
um set com uma figura do calibre do veterano Vincent Price era tornar
um sonho realidade, uma experiência enriquecedora, que Coppola mais
tarde descreveria como “emocionante”.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
memorial de Kathleen. Louise escorrega a carta por debaixo da porta de
Lady Haloran e volta ao lago, onde se desfaz da máquina de escrever e
da mala do marido.
Na manhã seguinte, conhecemos o resto do clã Haloran. Eles são,
para dizer o mínimo, um conjunto estranho. Depois de sete anos, Lady
Haloran permanece de luto pela morte de sua única filha – ao ponto de
Justin Caled, o médico da família, preocupar-se com sua sanidade. Richard
Haloran, um escultor renomado, é uma presença depressiva que parece
estar sempre à beira do colapso; sua noiva, Kane, que chega na manhã do
memorial, parece ser uma força estabilizadora em sua vida. Billy Haloran,
o caçula, que estava brincando com sua irmã na hora do afogamento,
é assombrado por terríveis pesadelos e sentimentos de culpa. Saimon,
um amigo da família, vaga pela propriedade, caçando e, normalmente,
irritando as pessoas.
A cerimônia do memorial nos dá uma ideia de como Coppola lida
com rituais – um de seus pontos fortes como diretor – e ele não nos
desaponta: todos os membros da família carregam guarda-chuvas pretos e, no final da cerimônia, colocam uma flor no túmulo de Kathleen
– uma cerimônia simples, mas que transborda significados e implicações
um tanto misteriosas. Na medida em que o ritual se aproxima do fim,
Lady Haloran desmaia e Louise se oferece para cuidar dela. Ninguém
na família suspeita que Louise tem a intenção de deixá-la sozinha e
de enlouquecê-la.
Naquela noite, enquanto vagava pelo Castelo Haloran, Louise passa
pelo antigo quarto de Kathleen, que, suspeitamos, está do mesmo jeito
desde a morte da menina. Louise rouba algumas bonecas de Kathleen e
as leva para o lago. Ela amarra as bonecas juntas com um barbante, entra
no lago, e está prestes a levá-las até o fundo quando vê o que parece ser
o corpo de uma menina – Kathleen – boiando em um monumento submerso ao lado. Amedrontada, ela nada até a superfície. Quando alcança
a margem, ela é atacada por um homem empunhando um machado. Ele
a assassina antes que consiga escapar.
Sem saber do assassinato, a família especula sobre o súbito desaparecimento de Louise. Enquanto almoçam no gramado, a família toma um
susto com a visão das bonecas flutuando na superfície do lago. Robert
Haloran acredita ser nada mais do que uma brincadeira de mau gosto,
mas os outros não estão convencidos. Justin Caleb, intrigado com os
acontecimentos na propriedade dos Haloran, e conduzindo sua própria
investigação sobre os eventos, sugere que o lago seja drenado.
A esta altura, o caos já está instalado – uma reverência, sem dúvida, a
Corman. Enquanto caça, Simon tropeça no corpo de Louise, escondido
em uma pequena caverna, mas ele é atacado e decapitado pelo (ainda
desconhecido) assassino do machado antes que pudesse se defender ou
gritar por ajuda. Lady Haloran é atacada da mesma forma quando visita
o local onde Kathleen costumava brincar, mas ela consegue escapar.
par te i
de shows de marionete a demência
44
A cena de Coppola era puro Roger Corman: é tarde da noite e um
homem sozinho à beira de um lago. Ele tira cinco bonecas de dentro de
uma bolsa e as amarra juntas com um barbante. Ele então tira toda a sua
roupa e mergulha no lago, nadando cada vez mais fundo com as bonecas,
que ele pretende deixar no fundo do lago. Ele completa sua tarefa e está
prestes a retornar à superfície quando enxerga o corpo bem preservado
de uma menina de sete anos de idade no fundo do lago.
Corman amou a ideia. “Troque o homem por uma mulher”, ele disse
a Coppola, “e você poderá fazê-lo”.
A audácia de Coppola, mais uma vez, valeu a pena. Havia, contudo,
um detalhe importante com o qual Coppola teria que lidar: ele não tinha
nenhum roteiro e nenhuma ideia a respeito da direção que a história
poderia tomar – somente a cena que ele usou para convencer Corman a
deixá-lo fazer o filme. Coppola não estava preocupado. Como ele diria
mais tarde, sua vontade de aproveitar ao máximo cada momento era
justamente uma das características que o distinguia de seus colegas e
aspirantes a cineastas.
“Nós estávamos na Irlanda com uma equipe que implorava para ser
utilizada”, contou ele. “Eu sonhava com uma ideia para um filme enquanto todos os outros falavam sobre fazer um filme. O segredo por trás
das minhas realizações é o fato de que eu sempre assumi grandes riscos
com o meu envolvimento pessoal. Enquanto os outros suplicavam, ‘Roger,
deixe-me fazer um filme’, eu simplesmente sentei e escrevi um roteiro”.
Corman gostou do título Demência, e isso e a cena do lago formaram
a espinha dorsal do roteiro. Hoje, quando vemos Demência 13, identificamos uma estranha combinação de influências e talentos, em parte,
Coppola, e, em parte, Corman, com toques tanto de Psicose quanto dos
filmes de horror para drive-ins daquele momento. A obsessão de Coppola
pelas dinâmicas familiares está no coração da história, que nos fala de
uma família disfuncional que vive no Castelo Haloran, comandada por
uma matriarca meio louca e assombrada pela morte por afogamento de
uma de suas crianças.
No início da história, a família está reunida para comemorar o aniversário da morte de Kathleen Haloran. É tarde da noite e John Haloran e sua
esposa, Louise, estão remando um barco no grande lago da propriedade,
discutindo sobre o testamento de Lady Haloran. Lady Haloran, ao que
parece, quer doar toda a fortuna da família para a caridade – uma decisão
que não é bem aceita por Louise, que, muito provavelmente, casou-se por
dinheiro. John Haloran, ficamos sabendo, tem um problema no coração,
e enquanto rema o barco e discute com sua esposa, sofre um ataque fatal.
Ao se dar conta de que não será mais considerada um membro da família,
Louise joga o corpo de Haloran no lago, e, depois, quando retorna sem
aviso à propriedade, inventa uma história sobre a ausência do marido.
Ela redige e assina uma carta, supostamente escrita por ele, em que John
explica que teve de retornar para Nova York e não poderá participar do
de shows de marionete a demência
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Roger Corman tinha que voltar para os eua, e deixou Coppola sozinho
para filmar seu longa. Antes de partir, Corman entregou os vinte mil
dólares da produção para uma secretária, que deveria coassinar qualquer
cheque que fosse emitido. Coppola encontrou rapidamente uma maneira
de subverter essa ordem: ele fez a secretária assinar um cheque em branco, que ele preencheu com o valor de vinte mil dólares. Ele então usou o
dinheiro para abrir uma nova e distinta conta.
Receoso de que talvez precisasse de mais dinheiro para financiar o
filme, Coppola encontrou Raymon Stross, um produtor britânico, que
ofereceu a mesma quantia pelos direitos britânicos do longa. Como um
privilégio, Coppola poderia filmar no Ardmore Studio de Dublin. Coppola
estava empolgado. “Nós éramos jovens e estávamos fazendo um filme”,
ele se lembra. “Acho que aquele entusiasmo dizia respeito ao fato de que
quando se é jovem, seus padrões são mais baixos. Se você filma algo que
parece com um filme, isso te deixa eufórico”.
Com quarenta mil dólares à sua disposição, Coppola tinha todo o dinheiro que ele precisava para filmar por duas semanas no campo e nove
dias nos estúdios de Ardmore. Ele contava com um número de pessoas
que não estavam em The Young Racers, incluindo o diretor de arte Al
Locatelli, que vinha trabalhando com Coppola desde os filmes eróticos,
e o ator William Campbell, que interpretaria Richard Haloran. Luana
Anders, outra veterana de Corman, assumiu o importante papel de Louise
Haloran, enquanto Bart Patton, um amigo de Coppola da ucla, ficou
com Billy Haloran. Coppola completou seu elenco com atores locais que
topariam trabalhar por baixos salários ou, em alguns casos, por uma
pequena porcentagem dos lucros futuros do longa – se houvesse algum.
“Quando eu estava prestes a filmar Demência 13 na Irlanda”, relembra
Coppola, “eu avisei a muitos dos meus amigos da ucla que eu estava
fazendo um filme – palavras mágicas – e convidei alguns para fazer parte
da minha equipe, obviamente por pouquíssimo dinheiro. Eu esperava
que um deles, John Vicario, fosse o diretor de fotografia. Ele mencionou
que gostaria que sua namorada, Ellie Neil, pudesse ir com ele”.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
10.
Eleanor Neil estava três anos à frente de Coppola na ucla e era uma
artista talentosa. Ela era de Los Angeles, tinha se formado pelo departamento de artes com um diploma em design e viajado bastante, visitando
o México e o Peru, pedindo carona e dirigindo pela Europa. Ellie havia
chegado na Irlanda pensando que a indústria cinematográfica era algo
grandioso e glamouroso, mas, como ela se lembraria mais tarde, a primeira vez que pôs os olhos em Coppola, em uma fazenda que servia
de base para a produção, viu um personagem desalinhado, despenteado, sem camisa e vestindo somente os shorts do pijama, distribuindo
o roteiro de Demência em folhas mimeografadas. Ela soube naquele
momento que ele era um líder, e flagrou a si mesma absolutamente
atraída por ele.
“Eu fui tomada pela sua intensidade e energia”, conta ela. “Todos
estavam correndo de um lado para o outro, preparando-se para filmar
segundo sua direção, e eu estava impressionada com a maneira que ele
comandava a situação. Em um caos de baixo orçamento, ele tinha controle
de todos que trabalhavam para ele”. Além de estar atraída pela evidente
inteligência e pelo poderoso ar de autoridade de Francis, Eleanor foi
conquistada pelo que para ela parecia uma exótica personalidade italiana. “Eu nunca tinha conhecido um ítalo-americano antes”, admitiu.
“Ele era divertido, afetuoso e muito expressivo emocionalmente, comparado aos ingleses reservados com os quais estava acostumada. Eu o
achava emocionante”.
Naquele momento, Coppola estava saindo com uma jovem irlandesa
nos fins de semana, e ele e Ellie começaram o relacionamento como
amigos. No entanto, quando Coppola encerrou as filmagens, tanto ele
quanto Ellie haviam terminado seus respectivos relacionamentos e estavam prontos para transformar aquela amizade em algo mais romântico.
Logo tornar-se-iam companheiros.
Durante sua estadia na Irlanda, Coppola recebia mensagens de Roger
Corman, que vivia incitando-o a colocar mais sexo e violência no filme;
ele certamente não queria um thriller psicológico e artístico. Corman,
como veríamos mais tarde, tinha mais trabalho para Coppola, e assim
que este encerrou as filmagens de Demência, foi despachado para a Iugoslávia, onde supervisionou o roteiro de um mistério intitulado Operation
Titian. Ellie acompanhou Coppola até Dubrovnik, mas tinha que retornar
para a ucla, onde estava dando um curso, e o que havia se tornado um
interlúdio romântico chegou ao fim. Ellie voltou para os eua e Coppola
permaneceu na Iugoslávia para terminar o trabalho no filme de Corman.
Quando retornou, Coppola montou um primeiro corte de Demência
e o mostrou a Corman. O produtor achou o filme confuso em algumas
partes e queria mais violência – sobretudo, mais um assassinato – mas
estava “feliz” com os esforços de Coppola.
“Era um filme pequeno”, disse Corman. “Era preciso acrescentar mais
uma cena para chegarmos à sua duração, mas Francis estava ocupado,
par te i
No dia seguinte, o lago é drenado e a família encontra um misterioso
artefato – um busto, feito para Kathleen. Richard é imediatamente acusado como autor do busto, mas ele nega ter qualquer envolvimento com
isso. Depois de encontrar o corpo de Louise pendurado em um gancho,
Justin Caleb decide atrair o assassino para fora de seu esconderijo. Ele é
bem sucedido, colocando uma boneca similar a Kathleen em um chafariz
próximo à propriedade, e quando o assassino – Billy Haloran – aparece
com um machado, pronto para matar outro membro da família, o médico
atira. Quando Billy morre, seu segredo é revelado: ele havia empurrado
Kathleen no lago, e enlouqueceu com seus sentimentos de culpa.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
Com efeito, Nicholson havia trabalhado para Corman tempo suficiente para conhecer seus métodos. E estava um pouco impressionado com
o fato de Coppola tratar Sombras do Terror com a mesma seriedade que
ele, quando o filme na verdade tinha sido planejado como apenas mais
um longa de baixo orçamento. “Eu acho que Roger pegou pesado com
Francis”, especulou Nicholson, “porque nunca ninguém ultrapassava o
orçamento e ele deveria ficar por lá por dias e nós acabamos ficando por
onze ou algo assim. Nós achávamos que seríamos metralhados ou que
jamais trabalharíamos novamente”.
Nicholson relembra uma cena em particular – que Coppola, quando
perguntado anos depois, negou qualquer lembrança – em que quase se
afogou na arrebentação do Big Sur. De acordo com Nicholson, Coppola
o pediu que entrasse na água supostamente para procurar por um dos
personagens do filme. Nicholson, vestindo um uniforme militar pesado
da era napoleônica, deveria caminhar uma distância significativa para
dentro da arrebentação, mas, quando ele o fez, se viu em uma situação
temerosa.
“Nunca ficava fundo”, ele explicou, “então, para parecer que estava
desaparecendo – pensei nisso enquanto caminhava – eu me agachei até
os joelhos. Quando as primeiras ondas bateram em mim, elas me derrubaram. Quando afundei com o pesado uniforme do Tenente Duvalier,
achei que não conseguiria me levantar. Eu estava preso ao chão por causa
do peso do uniforme. Eu tive alguns segundos de pânico porque estava
debaixo d’água já por algum tempo. Saí correndo de lá e fui tirando aquela
porcaria de uniforme enquanto corria, morrendo de frio”.
(“Eu realmente não me lembro de nada neste sentido”, Coppola disse
quando contestado a respeito, embora admitisse que havia rodado cenas
com Nicholson no Big Sur. “Jack era um cara brilhante e cínico – não
consigo imaginar que ele pudesse me deixar colocá-lo em uma situação
como essa”).
Considerando a fama que ambos teriam em poucos anos, as filmagens
de Sombras do Terror tornaram-se um encontro passageiro e revelador de
um dos bad-boys mais famosos de Hollywood e um ambicioso e determinado jovem diretor. A história de Coppola sobre Nicholson à beira do
córrego seria uma das poucas lembranças que ele teria dessas filmagens.
“Em outro momento”, ele lembrou, “encontrei um lugar com milhares
de borboletas. Acho que tinham acabado de virar borboletas. Enviei algumas pessoas para juntarem aquelas borboletas, o que levou umas três ou
quatro horas. Eu preparei uma locação por onde Jack e sua então esposa,
Sandra Knight (que também aparecia no filme), deveriam caminhar amorosamente e depois se beijarem em meio a milhares de borboletas. Nós
nos preparamos e começamos a filmar. Quando Jack e Sandra entraram
em cena, indiquei que liberassem as borboletas. Jack caminhou na direção
da câmera e pôs sua língua para fora. Então, quando todas as borboletas
desapareceram, ele disse: ‘Ah, você estava rodando?’”
par te i
de shows de marionete a demência
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então nós contratamos Jack Hill para filmar a cena adicional. Francis
não estava satisfeito com isso, mas entendeu que era preciso para que o
filme tivesse uma duração correta. No final, o filme era muito bom – uma
estreia impressionante”.
A tutela de Coppola sob Corman estava claramente caminhando para
um desfecho, embora Coppola tenha se prontificado a ajudar Corman
com um trabalho absolutamente confuso que seria lançado como Sombras do Terror (The Terror, 1963). Corman tinha terminado de filmar The
Raven, uma de suas melhores adaptações de Edgar Allan Poe, e ao tomar
conhecimento que Boris Karloff, o protagonista do filme, ainda estava em
Big Sur, onde The Raven havia sido rodado, ele decidiu realizar um outro
longa. Como não tinha nenhum roteiro – ou mesmo uma ideia sobre o que
seria a história – ele convocou um roteirista para juntar algumas cenas
que pudessem ser filmadas enquanto Karloff ainda estivesse na região.
O fato daquilo não fazer nenhum sentido não preocupava Corman: ele
ainda tinha a estrela da ucla sob suas asas e ele daria um jeito de fazer
este longa.
Coppola fez o seu melhor, mas o filme era risível – terrível demais
para ser qualquer coisa além de uma péssima paródia de um dos próprios
filmes de Corman. O diálogo era incompreensível e a ação dava voltas sem
nenhum rumo. No entanto, Sombras do Terror deu a Coppola a oportunidade de trabalhar com um ator desconhecido chamado Jack Nicholson,
que também estava sob a tutela de Corman. Para alguém inexperiente
como Coppola, Nicholson poderia ser um desafio.
“Eu era do tipo estudante de teatro”, Coppola permitiu-se, “e muitas
das pessoas que Roger tinha reunido para Sombras do Terror – Dick Miller
e Jack Nicholson, para nomear dois – eram veteranos de alguns de seus
filmes de baixo orçamento. Quando cheguei, sugeri que nos encontrássemos aquela noite para ensaiar, Jack achou aquilo engraçado: como se
pode ensaiar um filme, especialmente um que se passa num bosque? Eles
eram um pouco mais velhos do que eu, e não tinham o menor receio em
utilizar uma estranha erva que viviam fumando”.
“Eu acho que o Jack se divertia me provocando. Um dia, nós estávamos
prestes a filmar uma cena em que ele deveria olhar para um córrego e,
ao ver peixes nadando, dizer, ‘Olhe, deve haver milhares deles’. Mas ele
se recusou a dizer essa linha. Quando eu o perguntei o porquê, ele me
respondeu, “Bem, uma vez Roger me pediu para fazer uma cena em que
Vincent Price dedilhava um alaúde que fazia twang-twang-twang. Eu tinha
que dizer, ‘Que adorável, foi você mesmo que compôs?’ Roger me disse
que ele substituiria o twang por um belo som de alaúde. É claro que, no
corte final, eu entro e digo ‘Que adorável, foi você mesmo que compôs?’ e
ainda estava lá aquele horrível twang-twang-twang. Eu me senti um idiota.
Então, se você me pedir para dizer ‘Olhe, deve haver milhares deles’, eu
sei que quando você editar essa cena vamos ver apenas três peixes dourados nadando”.
de shows de marionete a demência
50
Depois de duas semanas, Coppola chegou ao seu limite. Ele voltou para
Los Angeles e disse para Roger Corman que estava seguindo em frente.
Em retrospecto, o período em que Coppola esteve com Corman representou a melhor formação que ele poderia ter tido e, embora ele só
fosse conseguir fazer outro filme três anos depois, Coppola estava pronto
para seguir carreira como cineasta. Em entrevistas futuras, ele sempre
expressaria sua gratidão e dívida para com Corman por todas as oportunidades que ele lhe havia oferecido.
Para um primeiro filme, Demência 13 (renomeado porque o título
Demência já havia sido tomado, e porque Corman acreditava que com
o 13 o filme poderia ser exibido nos cinemas no décimo terceiro dia de
cada mês) não era lá muito original, mas estava longe de ser vergonhoso.
Em alguns momentos, a fotografia em preto e branco era criativa e bonita,
e se a história parecia fraca, algumas de suas fragilidades podiam ser
atribuídas à juventude de Coppola, à forte influência de Roger Corman
e ao fato do roteiro ter sido escrito em apenas três dias.
O filme, contudo, não se saiu bem nos drive-ins – ou com a crítica –
quando foi lançado em setembro de 1963. Era normal que os críticos dos
grandes jornais e revistas sequer escrevessem sobre os filmes adolescentes
de Corman, e Demência 13 não era nenhuma exceção. O The New York Times
publicou uma crítica, mas não o tipo de coisa a respeito da qual Coppola
poderia se gabar. “Não queira saber qual é o sentido de Demência 13 – ou o
que aconteceu com as outras 12 demências. Uma é suficiente”, escreveu o
crítico Howard Thompson, que descreveu a direção de Coppola como fria.
(“De cara, pensei que estivesse escrito “sólida”, sublinhou Coppola, “mas
meu irmão me corrigiu”) No New York Herald Tribune, a reação ao filme
foi um pouco mais positiva, mas não muito: “Demência 13 é um pequeno,
sangrento e misterioso filme que os amantes do horror e das histórias
de detetive podem talvez, quem sabe, gostar”.
A recepção do filme não teve muitas consequências para Coppola.
No momento em que seu primeiro e legítimo longa chegava aos cinemas,
ele já estava em outro momento, sem saber quando – ou mesmo se – voltaria a dirigir um filme novamente.
— francis ford coppola, discutindo sua mudança para São Francisco
Enquanto realizava O Caminho do Arco-Íris (Finian’s Rainbow, 1968), Francis
Ford Coppola assegurou a George Lucas que o sucesso do longa seria
uma espécie de carta branca para seus filmes futuros. Coppola usaria
sua influência para garantir o financiamento de seus projetos futuros,
e tudo o que Lucas precisava fazer era seguir na aba de Coppola. A autoconfiança de Coppola, no entanto, começou a se esvair quando finalizou
O Caminho do Arco-Íris – apesar das previsões da Warner Bros.-Seven
Arts de que se tratava de um sucesso de bilheteria. Coppola reconhecia
que O Caminho do Arco-Íris não funcionava muito bem, que um fracasso
poderia afundar projetos futuros da mesma maneira que um sucesso
poderia assegurá-los, e ao invés de esperar para ver como o filme se sairia
com os críticos e o público, decidiu que era urgente garantir o acordo
para a realização de Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) assim
que fosse possível.
Ele já tinha um roteiro parcial, escrito enquanto ainda filmava O Caminho do Arco-Íris. Era baseado em seu próprio conto The Old Gray Station
Wagon (mais tarde alterado para Echoes), redigido em uma aula de escrita
criativa na Universidade da Califórnia. Na história, três mulheres – uma
jovem dona de casa, casada há apenas algumas semanas; uma mulher
de meia-idade, com várias crianças; e outra mais velha – deixam seus
maridos e viajam juntas. Coppola se inspirou em um incidente de sua
infância: sua mãe, depois de uma briga com seu pai, deixou a família
por dois dias. Quando Italia voltou, disse à família que tinha ficado em
um motel – embora ela tivesse, na verdade, passado todo aquele tempo
na casa de sua irmã. Contudo, a ideia de sua mãe, fora de casa, sozinha
e com medo em um quarto de motel, era uma imagem forte e poderosa
para o jovem Francis. Embora tivesse começado a escrevê-la ainda em
Hofstra, Coppola nunca se satisfez com a conclusão da história.
Quando escreveu a adaptação cinematográfica da história, agora intitulada Caminhos Mal Traçados, Coppola decidiu se concentrar em apenas
uma mulher – a dona de casa mais jovem que descobre estar grávida – e
escreveu o roteiro especificamente para a atriz Shirley Knight, que ele
havia conhecido no início do ano no Festival de Cannes. Ele admirava o
trabalho de Knight – a atriz de trinta anos de idade já havia sido nomeada
para dois Oscars por Sombras no Fim da Escada (The Dark at the Top of the
Stairs), em 1960, e para Doce Pássaro da Juventude (Sweet Bird of Youth), em
1962 – e ela tinha entregado recentemente uma performance poderosa
no filme britânico Dutchman (1967). Coppola a conheceu justamente após
a exibição do longa em Cannes.
“Ela estava chorando porque alguém tinha sido rude com ela”, lembrou
Coppola. “Fui até ela e disse: ‘Não chore, eu vou escrever um filme para você.”
michael schumacher
Publicado originalmente
sob o título “American
Zoetrope” em
schumacher, Michael.
Francis Ford Coppola:
A Filmmaker's Life.
Crown Publishers: New
York, 1999. p. 62–86.
Tradução de Julio Bezerra.
Texto traduzido e
publicado sob permissão
do autor, 2015.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
“Em Los Angeles, a gente fala de negócios. Aqui, falamos de filmes”.
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AMERICAN ZOETROPE
nheiro suficiente, nem mesmo se contava com algum outro investidor
caso eles se recusassem.
Coppola manteve o blefe. Ele, na verdade, tinha pouco dinheiro, um
roteiro de filmagem inacabado e um orçamento incompleto, mas, quando
os executivos do estúdio o questionaram sobre os rumores que estavam
ouvindo sobre um novo projeto, Coppola agiu como se o filme fosse um
negócio certo.
“Olha”, ele disse a eles em uma sexta-feira no final do outono de 1967,
“eu estou começando a rodar na segunda-feira e preciso de algum dinheiro.
Se vocês não quiserem me dar o dinheiro, vou buscá-lo com outra pessoa”.
A Warner Bros.-Seven Arts, sem querer contestar seu blefe e arriscar
perder um talentoso jovem diretor, decidiu fazer, pelo menos, uma oferta mínima. O estúdio prometeu três quartos de um milhão de dólares
para Coppola – uma oferta longe de ser generosa, mas o suficiente para
começar o filme.
Ao longo de sua carreira, Coppola teria um relacionamento espinhoso
com os sindicatos, dos quais ele, com razão, reclamava por alavancarem
os custos de produção de um filme e restringirem a espontaneidade. Para
alguém como Coppola, que ainda abrigava a mentalidade de um estudante
de cinema e que, como de regra, desde o início teve pouca simpatia por
sindicatos, lidar com eles era um mal necessário, um fato que ele poderia
odiar, mas não ignorar.
Caminhos Mal Traçados (The Rain People, 1969) trouxe desafios especiais
para Coppola. Apesar de ter recebido pouco dinheiro para trabalhar, ele
tinha esperança de que, com alguma sorte, poderia manter suas despesas
ao mínimo. A produção era para ser modesta, envolvendo um pequeno
grupo de atores e técnicos que viajariam de cidade em cidade, em caravana, conectados por walkie-talkies. Paradas não seriam planejadas com
muita antecedência. Todos se hospedariam em hotéis baratos de beira
de estrada e seriam proibidos de trazer cônjuges, amantes ou membros
da família junto. Fazer o filme seria uma aventura.
Os sindicatos viam tudo isso de forma diferente. Durante décadas,
suas lideranças haviam trabalhado com zelo para estabelecer acordos
favoráveis e de longa data com a indústria cinematográfica, e alguém
como Coppola representava uma ameaça à ordem estabelecida. Como
admitiu o próprio diretor, ele sempre teve entre cinquenta e cem pessoas à disposição durante as filmagens de O Caminho do Arco-Íris (Finian’s
Rainbow, 1968); e ao viajar com uma pequena trupe de uma dúzia ou pouco mais para Caminhos Mal Traçados, ele estava eliminando dezenas de
postos de trabalho.
Além disso, como estava movendo sua empresa de estado para estado,
Coppola teria que lidar com os sindicatos locais, cada um querendo a sua
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2.
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E ela disse: ‘Você vai? Que fofo’. “Eu então voltei no tempo, tirei este projeto
de faculdade da gaveta e decidi falar de apenas um personagem”.
A ideia de escrever um roteiro para uma atriz, Coppola admitiu, agradava aos seus “preconceitos românticos”. Ele se via como Michelangelo
Antonioni, escrevendo roteiros para Monica Vitti. Caminhos Mal Traçados
seria um filme sobre autodescoberta. Natalie, personagem principal do
longa, apenas deixaria o marido, sem saber o que faria em seguida ou
mesmo se um dia voltaria para casa. Em algum lugar ao longo do caminho,
ela esbarraria com um ex-astro do futebol americano universitário. Este
jovem com sérios problemas mentais se tornaria muito dependente dela.
Coppola tinha escrito um roteiro para o filme, mas uma parte da ação,
bem como os cenários, decidiu, seriam selecionados ao longo do processo. Ele, seus atores e uma esquelética empresa de produção cairiam na
estrada, filmando o que quer que fosse, deixando que os diversos espaços
ajudassem a compor a ação do filme. A ideia era ousada e corajosa, mas
não do tipo que se poderia facilmente propor a potenciais financiadores,
que tendiam a querer detalhes sobre ambos o enredo do filme e custo
final do projeto.
Coppola, no entanto, tinha aprendido algumas coisas em suas experiências com Hollywood. De Roger Corman, ele havia conhecido
uma forma mais rápida e barata de trabalhar, improvisando sempre
que necessário. Desde seus dias como roteirista, ele tinha aprendido a
amarrar um roteiro em um curtíssimo período de tempo. Ele também
colecionara experiências suficientes com os estúdios para saber alguns
dos prós e contras de se obter a aprovação de um projeto. Coppola tinha
conseguido financiamento para Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy
Now, 1966) convencendo um estúdio de que ele faria o filme com ou sem
a ajuda da empresa; ele assumiria uma abordagem semelhante, embora
levemente diferente, em Caminhos Mal Traçados.
Percebendo que poderia fazer as fofocas trabalharem a seu favor,
Coppola deixou escapar algumas pistas para a Warner Bros.-Seven Arts
de que ele estaria desenvolvendo um novo e secreto projeto – que ele
começaria a filmar em breve. Ele então reuniu George Lucas, o ator
James Caan e uma pequena equipe de filmagem em Hofstra, onde rodou
algumas cenas muito secas de um jogo de futebol – elas seriam usadas
como flashbacks em Caminhos Mal Traçados. O estúdio não fazia ideia das
verdadeiras atividades de Coppola, mas, pelo pouco que sabiam, concluíram que o cineasta faria o filme de forma independente, se assim
fosse necessário.
Foi uma jogada inteligente – e mais um blefe bem-sucedido. Coppola
tinha investido oitenta mil dólares do seu salário de O Caminho do Arco-Íris
em equipamentos de última geração necessários para criar a unidade
móvel de filmagem e edição que ele levaria em sua viagem pela estrada, mas não tinha nem de longe o valor necessário para fazer Caminhos
Mal Traçados. O estúdio, é claro, não sabia se Coppola tinha ou não di-
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Lucas acabaria por comparar a realização de Caminhos Mal Traçados
com o tipo de experiência que ele tinha vivido na escola de cinema.
“A equipe de filmagem de Caminhos Mal Traçados era muito, muito
pequena, e todos contra o status quo”, disse ele. “Eu acho que havia apenas cerca de treze ou catorze pessoas em toda a equipe. E eu me tornei o
assistente geral de todo mundo. Eu fui o terceiro assistente de diretor, o
terceiro assistente de direção de arte, o terceiro assistente de câmera – o
terceiro assistente de tudo. Como éramos poucos, eu fazia o que era preciso em um determinado momento. Foi divertido. Nós todos compramos
aquela ideia, trabalhamos juntos e nos divertimos muito”.
Barry Malkin descreveria as filmagens de Caminhos Mal Traçados como
“uma das experiências mais interessantes que eu tive no cinema” – e por
um bom motivo. Tudo parecia ser feito às pressas, no mais rigoroso dos
orçamentos e da forma mais não tradicional possível, mas para o grupo
de jovens cineastas, tudo aquilo só fazia aumentar o espírito de aventura.
“Eu trabalhei em um trailer que servia a muitos propósitos no filme,”
lembra Malkin. “Era uma espécie de ilha de edição. E também carregava
os figurinos, a maquiagem e as películas do filme. Fizemos a transferência
do nosso som na parte de trás do trailer. Nós enviaríamos a película para
Nova York para ser processada e ela seria enviada de volta para nós via
Greyhound (empresa de ônibus) – era uma era pré-FedEx. Ocasionalmente,
alugaríamos um cinema tarde da noite, onde poderíamos projetar o que
havíamos feito com um problema de dez segundos de sincronia. Teríamos
um rádio na plateia, onde estaríamos sentados, e outro rádio na cabine
de projeção. Dizíamos ao nosso técnico de som para parar a máquina por
alguns segundos ou que ele a acelerasse. Essa era a maneira bizarra que
tínhamos para assistir ao material na tela grande. Foi uma experiência
inesquecível, e nós nos divertimos muito – e nem sempre podemos dizer
isso sobre a produção de um filme”.
A maior parte da viagem foi capturada em filme por Lucas, que estava filmando um curta documentário sobre o making of de Caminhos Mal
Traçados. Logo no início da produção, Lucas se aproximou de Coppola
com a ideia de fazer um documentário. Coppola aceitou, deu-lhe uma
câmera, película e doze mil dólares (retirados do orçamento para a fotografia) da produção. O documentário de Lucas, Filmmaker, conseguiu
captar a essência dos altos e baixos das filmagens de Caminhos Mal Traçados, desde a exuberância de trabalhar em um projeto arriscado, porém
gratificante, que desafiava a forma como os filmes eram normalmente
feitos em Hollywood, até o raivoso confronto ao telefone entre Coppola
e um executivo da Warner Bros.- Seven Arts, durante o qual o cineasta
ameaçava abertamente o sistema que ele aos poucos havia passado a odiar
tão intensamente. “O sistema vai cair por seu próprio peso”, Coppola
gritou ao telefone.
Para George Lucas, a filmagem de Caminhos Mal Traçados seria lembrada
como um momento em que as sementes para grande parte do seu futuro
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fatia do bolo – uma situação que o diretor, com suas limitações financeiras, não podia se dar ao luxo de ignorar. Após algumas negociações, eles
chegaram a um acordo.
“Nós fizemos um acordo muito criativo com os sindicatos locais”, lembra
Coppola. “Nós tínhamos uma equipe de nove homens, e se levássemos três
homens de Nova York, três de Chicago e três de Los Angeles, poderíamos
viajar por todo o país e trabalhar em qualquer jurisdição. Eu achei aquilo
realmente útil e muito criativo”.
A equipe de Coppola em Caminhos Mal Traçados era excelente. George
Lucas o ajudou de diversas maneiras, colaborando com o trabalho de
câmera e som e, em geral, agindo como uma espécie de faz-tudo. A direção de fotografia ficou com Bill Butler, que rodaria dezenas de filmes
no futuro, incluindo vários longas da franquia Rocky, Tubarão (Jaws, 1975)
e Um Estranho no Ninho (One Flew over the Cuckoo’s Nest, 1975) – pelo qual
ele receberia, juntamente com Haskell Wexler, uma indicação ao Oscar.
Barry Malkin, amigo de Coppola há mais de uma década, subiu a bordo
como montador do filme.
Embora Shirley Knight fosse a atriz mais famosa do elenco, Coppola
atribuiu papéis principais para dois atores que, dentro de poucos anos, se
tornariam grandes nomes da indústria cinematográfica. James Caan, um
aluno de Hofstra, que costumava em geral fazer pequenas participações,
assumiu seu primeiro papel principal, interpretando Jimmie “Killer”
Kilgannon, o ex-jogador de futebol americano. Robert Duvall, até então
mais lembrado por ter vivido Boo Radley em O Sol É para Todos (To Kill a
Mockingbird, 1962), ficou com o outro papel masculino, um policial conturbado chamado Gordon.
A viagem de Caminhos Mal Traçados começou no início de abril de
1968 em Long Island, Nova York, e seguiu por 18 semanas, atravessando
dezoito estados em 105 dias de filmagem e com uma pequena caravana
de sete veículos. Coppola ajustava o roteiro conforme a viagem avançava, adaptando algumas cenas para as locações pelas quais passavam.
Em Kentucky, a empresa se deparou com um obstáculo quando um operador de uma barca se recusou a autorizar que eles filmassem a bordo da
embarcação; Coppola apelou aos funcionários do Estado e acabou conseguindo a permissão. Em Chattanooga, Tennessee, o grupo assistiu a
um desfile de Dia das Forças Armadas, que Coppola filmou e incorporou
engenhosamente ao filme. (“Eu estava um pouco envergonhado”, disse
James Caan a respeito da experiência do desfile, “mas Francis era muito
corajoso. Claro”, Caan brincou,”é fácil ter coragem quando você só tem
que mandar seu ator ir para o meio do desfile”.) Quando eles chegaram
no Sudoeste, Coppola, Lucas e outros integrantes da equipe rasparam a
barba e tentaram parecer mais apresentáveis para o povo local, que tendia
a desconfiar de qualquer um que se assemelhasse a um hippie. “Coppola
estava irreconhecível sem sua barba”, lembrou Lucas com algum divertimento “e ninguém iria ouvi-lo.”
3.
Mas filmes, Coppola sabia muito bem, não são, necessariamente, reescritos ou revisitados. “Os filmes são como ex-namoradas”, observou ele,
em 1974, traçando uma comparação que o faria estremecer décadas mais
tarde, quando lembrado dela. “Uma vez que você já as teve e não quer mais
nada com elas, você não vai voltar.”
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permitir que ele a guiasse como diretor. “Quando olho para trás agora”,
declarou ele, “sinto que o verdadeiro problema é que ela tinha um gosto
ruim na boca de sua experiência em Hollywood; ela preferia o teatro. Eu
cheguei e prometi uma maravilhosa espécie idealista de cinema. Quando
começamos a trabalhar, ela percebeu que não era só aquilo, talvez tenha
começado a sentir que este era apenas mais um filme de Hollywood”.
As diferenças de opinião marcaram a personagem de Natalie na versão
final do filme. Como desenvolvido por Coppola, Natalie era para ser uma
mulher compassiva e decente, conduzida à beira do desespero pelo medo
e a incerteza de ter um filho. Algumas de suas ações menos elogiáveis
deveriam ser encaradas como resultado da intensa pressão provocada pela
gravidez e seu relacionamento com o infantil Kilgannon. No entanto, como
retratado por Knight, Natalie parecia às vezes muito antipática – distante,
egoísta e até mesmo cruel – e os espectadores encontravam dificuldades
para ver seu ponto de vista.
“O personagem que Francis estava procurando era um pouco mais
simpático”, comentou James Caan quando questionado sobre os problemas
que Coppola teve com sua atriz principal. “Mas ela era mesmo um pouco
má e isso dificultava a relação com o espectador. Lembro de uma vez em
que puxei os fios para fora do telefone em uma cabine. Era para a Shirley
sair da cabine de telefone e me repreender. Mas, de repente, ela me deu
um tapa no rosto e cravou as unhas na minha bochecha; ela arrastou as
unhas pelo meu rosto e me cortou, literalmente. Eu estava tão dentro do
personagem que eu gritei ‘Você me machucou’, mesmo que aquilo não
estivesse escrito no roteiro. Francis gostou e deixou aquilo no filme. Ela
tinha esse tipo de maldade”.
Os problemas da personagem, Coppola acabaria compreendendo,
também eram culpa sua. Quanto mais irritado ele ficasse por seus confrontos com Knight, mais ênfase ele colocava em Kilgannon. Uma grande
quantidade de atenção e substância foi atribuída a outros personagens,
em particular ao policial e a um guarda de zoológico que empregou
Kilgannon brevemente. A personagem de Knight acabou encolhendo e,
no processo, suas ações e motivações tornaram-se menos claras. A solução de Coppola para seus problemas com a atriz poderiam tê-lo poupado
mais sofrimento no set, mas em última análise, danificado seu filme. “Eu
me acovardei”, ele acabaria por confessar, acrescentando que gostaria da
oportunidade de reescrever o filme.
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estavam germinando. Ele estava ganhando experiência prática em cinema
e, através de diversas discussões com Coppola e outros membros da equipe, ele formava ideias que marcariam seus estúdios e carreira, primeiro
na American Zoetrope e, depois, nas empresas da Lucasfilm. Além disso,
quando estava rodando Caminhos Mal Traçados em Nebraska, Lucas começou
a planejar o filme com o qual ele seria mais frequentemente associado.
“George teve a ideia de fazer Guerra nas Estrelas enquanto fazíamos
Caminhos Mal Traçados”, lembrou Mona Skager, uma produtora associada
do filme de Coppola. “Estávamos sentados no lobby do motel, à espera
de Francis e Ellie, e George assistia a Flash Gordon (1980) na televisão.
De repente, ele começou a falar sobre como deveria fazer um filme como
esse, com hologramas e tudo. Eu nem sabia o que era um holograma. Mas
foi quando ele falou pela primeira vez em Guerra nas Estrelas”.
Embora a maioria das pessoas que trabalhou em Caminhos Mal Traçados
lembre com carinho da experiência, havia muita tensão ao redor do filme,
dentro e fora do set. A incerteza diária deixava Coppola emocionalmente
esgotado. Ele enfrentava, como na produção de seus dois longas anteriores,
responsabilidades dobradas. Esperavam que ele fosse um líder, mas, toda
vez que pisava atrás da câmera, Coppola tinha que lidar com seus próprios
sentimentos de insegurança, temendo não estar à altura da tarefa. “Eu
estou cansado de ser a âncora quando vejo meu mundo ruir”, confessou
Coppola no documentário de Lucas.
Na maior parte do tempo, Coppola se dava bem com seu elenco e equipe, embora tenha enfrentado alguns problemas quando, após emitir um
memorando proibindo a presença de familiares e amantes no set, trouxe
Ellie, Gio e Roman, sendo que eles passaram a acompanhar as filmagens
em uma minivan Volkswagen.
Eram, contudo, contratempos menores se comparados ao que Coppola
enfrentava com Shirley Knight. A atriz, acostumada a trabalhar em produções mais estruturadas, não gostava das improvisações de Coppola,
que, segunda ela, estava transformando completamente a personagem
que inicialmente retrataria. Ela odiava ver os outros membros do elenco e da equipe atenderem a todos os caprichos de Coppola, como se ele
fosse Orson Welles, e se ressentia das condições de trabalho, dormindo
em um motel diferente a cada noite, comendo comida ruim de estrada
e ainda tentando encontrar a história do filme. Ela e Coppola discutiam
com frequência a respeito do filme e de sua personagem, mas pouco se
resolvia seguindo suas vontades. “Se ele tivesse feito tudo o que disse que
ia fazer, teria sido um filme maravilhoso”, ela disse mais tarde.
Coppola se sentia mal sobre a forma como as coisas estavam, mas
ele não podia fazer muito. Ele e Knight tinham chegado a um impasse.
“Ela é muito talentosa, mas é a única atriz com que eu realmente não
me dei bem”, Coppola disse ao roteirista Stephen Farber anos mais tarde,
explicando que, em sua opinião, o coração de seus problemas residia em
uma básica desconfiança por parte de Knight e uma relutância dela em
4.
No final das filmagens de Caminhos Mal Traçados, Coppola estava confiante
o suficiente para anunciar que ele escreveria todos os roteiros de seus
filmes futuros. O cineasta disse ao The Hollywood Reporter que ele tinha
quatro projetos em mente, cada um custando menos de um milhão de
dólares, embora ainda tivesse que decidir qual filme seria levado adiante.
“Só ainda não fiz minha cabeça”, explicou ele, “porque quero passar os
próximos seis meses com Barry Malkin e Caminhos Mal Traçados”.
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o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
Os dois viajam de cidade em cidade, de uma autoestrada para outra,
até chegarem a Nebraska. Natalie para em uma pequena fazenda e tenta
convencer o proprietário a contratar Kilgannon para limpar gaiolas e cuidar
dos animais. O fazendeiro, no entanto, está mais interessado no dinheiro
de Kilgannon do que em contratá-lo. Natalie se sente confinada como os
animais e acaba fugindo daquele lugar. Não demora muito e ela é parada
por um policial rodoviário chamado Gordon, que emite uma multa por
excesso de velocidade e insiste que ela o acompanhe à cidade para pagar
a taxa. Eles acabam voltando à fazenda para ver como anda Kilgannon.
Como era de se esperar, as coisas não deram muito certo para Kilgannon.
Ele liberou todos os animais de suas jaulas e o proprietário da fazenda
quer o dinheiro de Kilgannon como compensação. Natalie socorre-o novamente, mas agora, sem emprego, sem casa e sem dinheiro, Kilgannon é
mais dependente dela do que nunca. Para piorar a situação, ele se tornou
tão possessivo como uma criança, quer Natalie apenas para si mesmo e
quebra o telefone quando ela tenta ligar para o marido. Enfurecida, Natalie
lhe dá um tapa e o deixa sozinho – dessa vez, para sempre.
No começo do dia, Natalie tinha concordado em se encontrar com
Gordon, que vive em um trailer com Rosalie, sua precoce jovem filha.
Tudo vai bem até que, tarde da noite, ao voltarem para o trailer, Natalie se
incomoda quando Gordon manda a filha sair de casa. Rosalie sai e Natalie,
mesmo contra seu melhor juízo, decide ficar. Enquanto caminha ao redor
do parque de trailers, Rosalie esbarra em Kilgannon. Ele conseguiu de
alguma forma seguir Natalie e Gordon, mas, sem um plano de ação, ele
sente prazer em ter companhia. Eles andam de trailer em trailer, olhando
pelas janelas e jogando conversa fora.
Enquanto isso, no trailer de Gordon, Natalie decide já ter ficado bastante tempo com o policial. Gordon tem seu próprio torturado passado,
incluindo o horror de ter visto sua mulher pegar fogo até a morte em um
incêndio em casa. Ele é muito carente e um tanto agressivo com Natalie.
Quando tenta agarrá-la, Natalie pega sua arma. Ele, contudo, é forte demais para ela. No último instante, Kilgannon aparece e começa a bater
em Gordon. Temendo pela segurança do pai, Rosalie arranca a arma e
atira em Kilgannon. Natalie chora por seu herói abatido, prometendo
cuidar dele para sempre, embora ele morra antes que ela possa pedir ajuda.
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No entanto, apesar de suas fragilidades – especialmente um final que
parecia desconfortavelmente maquinado – Caminhos Mal Traçados era
de longe o trabalho mais bem acabado de Coppola até aquele momento;
diante dos longas que ele faria nas décadas seguintes, a obra se destaca
como um filme bem-intencionado, muitas vezes brilhante e, em geral,
engenhoso, com uma história que ainda é atraente hoje.
A história começa em um bairro tranquilo, em Long Island. É início
da manhã, a luz do dia começa a dar as caras e uma chuva fina cai na rua
lá fora; Natalie Ravenna desperta e se move em silêncio pelo seu quarto,
na esperança de não perturbar o marido, Vinny. Depois de se vestir, ela
vai para a sala de jantar, onde se senta e escreve um bilhete para o esposo
dizendo que o está deixando por um curto período de tempo e que ele
não deveria se preocupar com ela.
Natalie não tem um plano, exceto o de que vai dirigir ao redor do país
em seu carro enquanto tenta resolver sua cabeça. Ela ama seu marido
e odeia fazê-lo sofrer, mas ela acabou de saber que está grávida e tem
sentimentos mistos sobre a responsabilidade de ser mãe. Ela mal teve
tempo de crescer sozinha. Antes que ela se dê conta, já deixou Nova York
e conduz na direção da Pensilvânia. Em sua primeira noite fora, solitária
em um quarto de motel, ela se lembra de sua lua de mel e reflete sobre
sua vida conjugal.
No dia seguinte, ela dá carona a um jovem; enquanto viajam, Jimmie
Kilgannon conta a sua história. Não muito tempo atrás, ele tinha sido
um jogador de futebol americano, a estrela da faculdade, mas agora está
sozinho e não frequenta mais a universidade. O pai de sua namorada
prometeu um emprego em West Virginia e ele estava a caminho quando
Natalie o pegou.
Naquela noite, eles dormem em quartos separados em um motel.
Natalie, atraída por Kilgannon, convida-o para o quarto dela, onde planeja seduzi-lo, mas, depois de dançarem e conversarem por um tempo,
ela percebe que há algo de errado com o jovem. Apesar do corpo atlético
e do fato de ter frequentado a faculdade, ele não passa de uma criança.
Ela o convida para brincar de “o mestre mandou”, o que acaba tomando
um rumo um tanto perverso quando Natalie exige que ele se ajoelhe e
se curve para ela. Ele o faz e Natalie percebe uma cicatriz em sua cabeça,
onde ele tem uma placa de metal – resultado, ele diz, de uma grave lesão
sofrida durante um de seus jogos. Kilgannon explica a ela que, após a
lesão, ele chegou a varrer a faculdade, mas os diretores da instituição lhe
deram um envelope fechado com mil dólares com a condição de que ele
fosse embora.
Comovida com a história, Natalie leva Kilgannon para West Virginia,
mas ele também é rejeitado por lá. Sua namorada, Ellen, não quer nada
com ele em sua atual condição. Natalie, que não queria nada mais do que
passar aquela responsabilidade para outra pessoa, se sente presa, mas se
recusa a abandoná-lo.
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forçado a fazer obras comerciais. Eu ainda estava interessado em fazer
filmes de vanguarda, sem narrativa, sem personagens. Cresci vendo Scott
Bartlett e Bruce Conner e toda a turma de realizadores underground de
São Francisco. Então, para mim, foi ótimo. Era o mundo para o qual eu
queria voltar”.
A ideia parecia ainda mais atraente quando, pouco tempo depois, Lucas
contou a Coppola de um encontro casual que teve com John Korty, que
tinha conseguido se firmar como um cineasta independente morando
em São Francisco. Por insistência de Lucas, Coppola falou com Korty e
explicou seus planos, e eles concordaram em se reunir após as filmagens
de Caminhos Mal Traçados. Quando Coppola, juntamente com Lucas e
Ron Colby, produtor de Caminhos Mal Traçados, foram ao estúdio Stinson
Beach de Korty, ficaram maravilhados com o que viram. Tratava-se de
um estúdio totalmente equipado, modesto, mas absolutamente funcional.
Era exatamente o tipo de instalação que Coppola e Lucas imaginavam.
A ideia do estúdio ganhou força – e partidários – ao longo dos meses
seguintes. Colby queria participar, assim como Mona Skager, uma das
assistentes de produção de Coppola (e uma das associadas mais leais do
diretor nos anos que se seguiram). Coppola começou a pesquisar mais a
sério as perspectivas em jogo. No final do ano, viajou para a Dinamarca
para conhecer Lanterna Film, sediada em uma linda mansão em Klampenborg, uma cidade litorânea a 50 milhas de Copenhagen. Ele estava
absolutamente encantado. Quartos foram convertidos em salas de edição
e o celeiro ao lado havia se transformado em uma ilha de edição. Lanterna também ostentava uma impressionante coleção de equipamentos
de produção de filmes antigos, como lanternas mágicas e zootrópios.
Ele ficou especialmente fascinado pelo zootrópio (zoetrope, em inglês),
um dispositivo em forma de cilindro que, quando girado, projetava uma
imagem em movimento. Em grego, zoetrope significa “movimento, vida”
– uma descrição mais do que adequada, pensava Coppola, para o tipo de
empresa que ele tinha em mente.
Para Coppola, a Lanterna Film tinha preservado o espírito de La
Bohème que ele e Lucas queriam para o novo estúdio de São Francisco.
A mansão e seus belos cenários, o ambiente discreto de trabalho, o sentimento de aventura e criatividade, o equipamento de alta tecnologia, tudo
teve um efeito muito sedutor sobre Coppola. Ele estava pronto para voltar
para a Califórnia, comprar uma mansão e começar. Depois de visitar
Lanterna, Coppola parou na Photokina, uma feira cinematográfica em
Colônia, na Alemanha, onde, em um momento de impulso, entusiasmo
com tudo o que tinha visto em Lanterna, Coppola encomendou oitenta
mil dólares em equipamento, incluindo uma ilha de edição de som de
alta tecnologia. Não parecia ser nenhum problema o fato dele não ter
nem dinheiro para pagar todo o equipamento e muito menos um lugar
para guardar aquilo tudo; Coppola, como lhe é característico, já estava
apostando novamente, confiante de que no fim tudo daria certo.
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Coppola também queria tempo para pensar sobre suas opções. Caminhos
Mal Traçados tinha sido um projeto relativamente fácil. Muito provavelmente, seu próximo filme seria mais difícil, exigindo, por exemplo, um
roteiro completo antes das filmagens, e, enquanto ele se orgulhava de sua
capacidade de escrever bons roteiros, admitia que se sentiria ainda mais
pressionado se realmente decidisse escrever todos os seus filmes futuros.
“Eu realmente estou tentando me virar como um escritor trabalhando
em roteiros originais”, disse ele. “Escrever é um problema muito mais
interessante nesse momento do que dirigir”.
Ainda assim, ele tinha razão para se sentir confiante. Coppola gastou us$ 740 mil em Caminhos Mal Traçados, menos do que o previsto no
orçamento, e fazer aquele pequeno filme pessoal tinha sido uma experiência bem mais prazerosa do que a de O Caminho do Arco-Íris. Ele estava
convencido de que Caminhos Mal Traçados seria melhor do que todos os
seus filmes anteriores, e isso o fez pensar. Talvez fosse melhor produzir
por conta própria e fazer o tipo de filme que ele queria fazer, ao invés de
traba lhar para os grandes estúdios realizando longas que não o satisfaziam.
Ele não estava sozinho. Carroll Ballard, seu antigo colega da ucla, que
tinha filmado uma excelente sequência para O Caminho do Arco-Íris, foi
uma das várias pessoas que sugeriram a Coppola que talvez fosse melhor
encontrar um lugar fora de Hollywood para realizar seus filmes.
“Lembro de um dia em que Francis ligou pra mim”, disse Ballard. “Ele
tinha comprado um veleiro e, sabendo que eu era interessado em vela,
perguntou-me se eu queria velejar com ele. Enquanto velejávamos, Francis
falou sobre como nós poderíamos tomar o mundo, como nós poderíamos,
finalmente, fazer os filmes que queríamos e ainda ganhar vantagem
sobre Hollywood. Sugeri que deveríamos seguir o caminho de César
contra Gália: César consolidou seu poder indo embora e montando um
exército gigantesco; em seguida, ele voltou para casa quando as coisas já
não estavam tão boas por lá. Foi aí que tivemos a ideia de sair de la”.
George Lucas, que odiava Hollywood, concordou. Quando ele e Coppola
estavam em Nebraska durante as filmagens de Caminhos Mal Traçados,
conversaram sobre a possibilidade de trabalhar a partir de São Francisco.
Eles poderiam operar um pequeno estúdio, assumindo projetos mais
modestos, como thx-1138 (1971) de Lucas, e viver uma existência muito
menos agitada do que a que encontravam em Los Angeles. Coppola adorou
a ideia. São Francisco seria um ótimo lugar para criar uma família, e a
comunidade boêmia da cidade oferecia exatamente o tipo de ambiente
artístico em que ele poderia prosperar. “Eu pensei que poderíamos optar
por temas ambiciosos, filmando com equipes pequenas e móveis e fazendo
uso da mais nova tecnologia”, comentou Coppola.
“Francis simplesmente não queria mais fazer parte da cena de
Hollywood”, acrescentou Lucas. “Ele queria ser mais independente. Eram
os anos 60 e nós queríamos quebrar o sistema. Não queríamos fazer parte
do status quo. Francis queria fazer filmes mais artísticos e não mais ser
Caminhos Mal Traçados estreou em 27 de agosto de 1969. Ocupado com os
planos da American Zoetrope, Coppola esperava que o filme conseguisse
ao menos um pequeno lucro, que, claro, seria reinvestido no estúdio.
As coisas, contudo, não saíram como imaginado. Embora Sem Destino
(Easy Rider, 1969), um filme de baixo orçamento, tivesse superado todas
as expectativas nas bilheterias, Caminhos Mal Traçados foi um fracasso.
As críticas indicavam que a imprensa ainda não estava preparada para
tratar Coppola como um grande cineasta – e sim como um realizador
universitário precoce que tinha sorte de conseguir dirigir o que quer que
fosse –, mas, como tal, ele estava andando em um caminho mais curto
e estreito do que no passado. Para piorar a situação, ele não era julgado
somente a partir de seu próprio talento e história; em muitos comentá-
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rios, o filme é comparado a Sem Destino, que, em seu lançamento, tinha
surpreendido os críticos. Os autores que haviam zombado da ideologia
hippie de Sem Destino, rotulando-a como sendo “forçada”, agora tinham que
reavaliar o valor de um filme que obviamente capturava a imaginação, se
não a aprovação, de muitos espectadores. Para Coppola e seu filme, essas
não eram boas notícias.
A maioria dos críticos considerava Caminhos Mal Traçados como um
experimento cheio de boas intenções, que no fim das contas não se saiu
muito bem. “Caminhos Mal Traçados é uma pequena falha de um grande
e jovem talento”, relatou o Washington Post, “mas é o tipo de falha que
tem implicações interessantes para o futuro dos filmes americanos.”
O San Francisco Chronicle foi mais duro em sua avaliação. “Caminhos Mal
Traçados é um filme que promete muito, mas oferece pouco”, escreveu
John L. Wasserman, acrescentando que o longa tinha uma “proposta
não narrativa interessante, e ainda incorpora algumas boas ideia ao logo
do caminho, [mas] tudo isso desaparece quando termina”. O texto da
Newsweek, assinado por Joseph Morgenstern, autor de comentários muito
favoráveis a Agora Você É Um Homem e O Caminho do Arco-Íris, incluindo a
comparação frequentemente citada de Coppola com Orson Welles, atacou
o roteiro do novo filme. “Poderia ter sido um filme agradável”, escreveu
Morgenstern, “se Coppola tivesse sido um viajante pior e um pensador
melhor, se ele tivesse passado menos tempo na estrada e mais tempo em
um quarto silencioso, sentado na frente de uma máquina de escrever,
deixando seus dedos conduzirem a coisa toda”.
A maioria dos críticos apontou para o final do filme como uma de suas
mais graves fraquezas. “É a pior coisa do filme, quer dizer muitas coisas
ao mesmo tempo e em uma execução um tanto irrefletida”, protestou o
crítico do New York Times, Roger Greenspun, “e por toda a sua estranheza,
Coppola tende quase fatalmente a domar um filme que poderia ter sido
mais rebelde, sensível e compassivo.” Gary Arnold, do Washington Post,
concordou. “Coppola não soube terminar este filme”, escreveu ele, “e [ele]
apenas finalizou o filme com um tipo de final violento que parece ser muito
popular este ano”. Arnold faz referência ao final sangrento de Sem Destino,
uma comparação que seria sublinhada por diversos críticos.
Como sempre, Coppola poderia focar em apenas uma crítica favorável.
Charles Champlin, escrevendo para o Los Angeles Times, também enxergou
um problema com a forma “decepcionante” como o filme terminava, mas
julgou a obra de Coppola como “gentil, sentimental, tradicional.” Champlin, como outros críticos, ficou intrigado com a maneira como Coppola
fez o longa, e, como outros colegas, foi agradavelmente surpreendido
como Coppola capturava a vida na América: “É um drama privado soberbamente interpretado, saturado com o olhar e a sensação de uma grande
amostra deste país nos anos 60… A America média espalhada ao longo
de uma estrada transcontinental é uma presença real em Caminhos Mal
Traçados: a América do néon incandescente e de uma fluorescência que
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Ao voltar para os eua, Coppola colocou sua casa à venda e tentou
consolidar alguns recursos financeiros. A nova produtora custaria uma
fortuna e apenas alguns dos seus entusiasmados colaboradores podiam
investir de maneira mais significativa. Lucas, depois de ver o estúdio de
John Korty e ouvir Coppola falar das instalações na Dinamarca, estava
ansioso para encontrar uma mansão em Marin County e montar uma
pequena produtora capaz de produzir filmes modestos de um certo número
de cineastas. O estúdio, ele pensava, tinha que ter um nome diferente –
algo como Transamerican Sprocket Works.
As ambições de Coppola cresciam a cada dia. Ele também queria
uma produtora que incentivasse jovens talentosos a fazer o tipo de filmes que em geral era rejeitado por Hollywood, mas seus planos para o
estúdio, consideravelmente maiores em escopo do que os de Lucas, agora
envolviam a montagem de uma grande instalação de última tecnologia,
completa com um heliporto e um amplo estacionamento para os estúdios
móveis da empresa. A empresa, insistia ele, devia ser chamada American
Zoetrope em grande parte porque, quando chegasse a hora de vender
ações, a produtora seria listada como uma das primeiras no quadro do
New York Stock Exchange.
Coppola, Lucas, Ron Colby e Mona Skager varreram Marin County
atrás do tipo de mansão que Lucas queria. Eles localizaram três casas
que se adequavam às suas necessidades, mas não conseguiram fechar
um acordo por nenhuma delas. Eles então passaram a procurar ao redor
de São Francisco por uma casa vitoriana, o que também se provou fútil.
Coppola estava ficando nervoso. Seu equipamento estava para chegar
da Alemanha a qualquer momento e ele não tinha lugar para guardar
tudo aquilo. Finalmente, ele ouviu falar de um armazém disponível na
827 Folson Street em São Francisco – um loft de três andares, com muito
espaço e que se localizava em um dos distritos mais desvalorizados da
cidade. A American Zoetrope encontrava sua primeira casa.
Por alguns gloriosos meses no final de 1969, a American Zoetrope era a
bola de neve proverbial que se movia para baixo, ganhando em tamanho
e força até já não parecer mais um sonho utópico. O armazém de São
Francisco foi sitiado por carpinteiros, eletricistas e outros especialistas
em construção, todos trabalhando febrilmente para converter o edifício
em um labirinto de escritórios e salas de produção. O equipamento chegou da Alemanha e foi temporariamente armazenado no corredor até
que a construção de algumas salas fosse concluída. George Lucas convidou alguns amigos da University of Southern California – John Milius,
Willard Huyck, Matthew Robbins, Walter Murch, Hal Barwood e Gloria
Katz – para participarem da nova aventura, enquanto Coppola telefonava
para diretores estabelecidos como Stanley Kubrick, John Schlesinger e
Mike Nichols, todos interessados no que a American Zoetrope tinha para
oferecer. Orson Welles chocou Coppola ao telefonar com a proposta de
rodar um filme em 16 mm no estúdio. Por um tempo, parecia que Coppola
e sua empresa estavam criando algo equivalente à explosão das artes em
Greenwich Village, na Nova York dos anos 1950. Eles tinham a visão, a
tecnologia, as mentes criativas – mas, infelizmente, não o dinheiro necessário. Como Coppola iria admitir com pesar, os jovens cineastas que
chegavam à American Zoetrope estavam se rebelando contra o sistema de
Hollywood, e, em seu idealismo, esqueciam totalmente que até mesmo
pequenos estúdios e filmes precisam de dinheiro para sobreviver.
“Meu entusiasmo e minha imaginação ultrapassaram de longe qualquer
tipo de lógica financeira”, Coppola confessou. “Eu não estava associado
com alguém que fosse o homem dos negócios. Estava tudo nas minhas
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mãos e eu avançava sem olhar para trás ou verificar se teríamos como
arcar com tudo aquilo.”
Ele conseguiu montar um acordo que envolvia diversos filmes com
a Warner Bros.-Seven Arts, que, se tivesse realmente acontecido, poderia ter ajudado imensamente. Segundo o acordo, a American Zoetrope
iria desenvolver sete filmes, todos com orçamentos de até us$ 1 milhão.
Entre os longas estavam A Conversação (The Conversation, 1974), de Coppola,
thx-1138, de George Lucas, Vesuvio, de Carroll Ballard, e um projeto que
estava sendo desenvolvido por Lucas e o roteirista John Milius, um filme
sobre o Vietnã chamado Apocalypse Now. A produção da Warner Bros.-Seven
Arts, realizada sob o comando de Ted Ashley, muito menos interessada
em criar arte do que fazer dinheiro, concordou em emprestar us$ 300
mil a Coppola, além de acrescentar um adicional de us$ 300 mil para o
desenvolvimento dos roteiros dos sete filmes, mas o dinheiro era para ser
considerado um empréstimo e o estúdio deveria ser reembolsado caso
decidisse sair do acordo. Se alguns dos jovens cineastas conseguissem um
sucesso, se um ou outro filme provasse ser rentável, todos ficariam felizes.
Caso contrário, Coppola seria responsável por reembolsar o empréstimo
de us$ 300 mil. Da perspectiva do estúdio, o negócio não só fazia sentido,
como estava garantido: nenhum dos cineastas da American Zoetrope, com
as exceções de Coppola e John Korty, tinha rodado um longa.
Coppola investiu a maior parte de seu dinheiro na Zoetrope – na
construção e nos equipamentos – e em pouco tempo o estúdio poderia se
orgulhar de ser uma das instalações mais modernas da indústria. Como
um verdadeiro amante de gadgets, Coppola se irritava com a relutância de
Hollywood para abraçar a nova tecnologia, que, segundo ele, iria revitalizar
a indústria e fazer filmes de maneira mais fácil, barata e rápida. Em menos
de dois anos, começando com a compra dos equipamentos para Caminhos
Mal Traçados, Coppola tinha acumulado uma impressionante variedade
de modernos equipamentos, incluindo uma mesa Keller de edição com
três telas – a única desse tipo nos eua – e máquinas de edição Steenbeck,
câmeras Arriflex e o sistema de som que ele tinha encomendado na feira
na Alemanha. Jornais e publicações comerciais começaram a tomar conhecimento e Coppola logo se encontrou com um fórum para espalhar
seu novo evangelho sobre a produção cinematográfica e tecnologia.
“Eu me tornei uma espécie de especialista apenas porque tentava descobrir como tudo funcionava”, explicou. “Se alguém me falasse de uma nova
maneira de fazer algo, na grande maioria das vezes eu dava uma olhada.
Talvez não gostasse da coisa, mas pelo menos eu pesquisava”. O problema,
Coppola insistia, era a resistência de Hollywood em mudar. Ao invés de
explorar as novas tecnologias, os tradicionalistas as rejeitavam. “Se você
chegar para um editor de Hollywood”, disse Coppola, “e perguntar sobre
Steenbeck, ele vai responder, ‘Ah, não dá para montar um filme nisso’.
É verdade que não dá para montar um filme num Steenbeck da mesma
forma que numa Moviola, mas se você se adaptar, poderá fazer tudo mais
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branqueia a alma, de estradas de acesso e as lojas de pequenas cidades em
decomposição, da expansão de mau gosto e vistas gloriosas repentinas
de colinas verdes e chaminés esfumaçadas”.
De todas as críticas, é a de Stephen Farber que mais se aproxima
da essência de Caminhos Mal Traçados. Em um longo ensaio para a Film
Quartely, Farber via um raio de esperança mesmo em uma produção fracassada como a de Caminhos Mal Traçados. “A possibilidade de falhar com
um material muito complexo e urgente para resolver de uma só vez é um
luxo que os cineastas em Hollywood nunca puderam bancar”, afirmou ele.
“E se a fragmentação da indústria gerar filmes independentes e de baixo
orçamento, os cineastas talvez tenham esse luxo novamente”.
A questão de Farber era importante. Como ele próprio ressalta em seu
ensaio, Sem Destino, Deixem-nos Viver (Alice’s Restaurant, 1969) e Dias de Fogo
(Medium Cool, 1969) –, todos filmes pequenos, independentes e pessoais
– foram lançados no mesmo ano de Caminhos Mal Traçados, indicando
uma sutil, mas extremamente importante transformação na indústria
cinematográfica. A “Nova Hollywood” estava para começar.
Caminhos Mal Traçados tinha sido o primeiro filme lançado sob a bandeira da American Zoetrope, mas thx-1138, de George Lucas, que havia
entrado em produção no dia 22 de setembro de 1969, seria o primeiro
longa a começar oficialmente sob a égide da nova empresa.
thx passou por um longo período de gestação. Lucas tinha falado
com Coppola sobre fazer um filme de longa-metragem baseado em seu
premiado curta universitário, quando os dois se conheceram no set de
O Caminho do Arco-Íris. Coppola o encorajou a escrever um roteiro, mas
Lucas achava muito difícil fazê-lo.
“Quando estávamos trabalhando em Caminhos Mal Traçados”, Lucas
lembrou: “Eu recebi uma oferta para fazer um roteiro para a Columbia.
Francis disse, ‘Não, fique aqui. Faz isso aqui e terá mais liberdade. Então,
ele me arranjou um emprego escrevendo thx, e eu escrevia o roteiro de
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thx enquanto fazíamos Caminhos Mal Traçados. Eu trabalhava em thx
das quatro até às seis da manhã e então ia ajudar nas filmagens”. Lucas, no
entanto, era ambicioso, queria muito fazer um filme, e, por isso, era um
roteirista relutante. Ele precisava da ajuda de Coppola para levar o roteiro
adiante. “Francis me forçou a escrever o roteiro. Eu queria alguém para
fazê-lo, mas ele disse: ‘Olha, você está no caminho para se tornar um bom
diretor, você vai ter que aprender a se tornar um roteirista’. Então ele me
treinou na escrita e me ajudou com os primeiros rascunhos do roteiro”.
Lucas mostrou um rascunho inicial para Coppola. Eles concordaram
que ainda era preciso muito trabalho. Depois de discutir o roteiro com
Lucas, oferecendo suas sugestões, Coppola o passou para o roteirista Oliver
Hailey. Desta vez, era Lucas que estava insatisfeito com os resultados. Ele
então se juntou com Walter Murch, um colega de faculdade, que havia
trabalhado no som de Caminhos Mal Traçados, e os dois escreveram um
roteiro peculiar e esotérico que conseguiu a aprovação de todos.
Todos, isto é, exceto os funcionários da Warner Bros.-Seven Arts.
Coppola tinha vendido pessoalmente o projeto de thx para o estúdio,
alegando que o filme poderia ser entregue rapidamente por uma soma
curiosa, mas improvável de us$ 777.777,77 (sendo que o sete é o número de
sorte de Coppola), mas a empresa não se convenceu. Coppola só conseguiu
fazê-lo quando o tornou parte de um pacote maior com sete longas. Ainda
assim, o estúdio insistiu que Coppola contratasse um produtor para o
projeto para assegurar que Lucas entregaria mesmo o filme dentro do
prazo e conforme o orçamento.
Não era difícil entender porque a Warner Bros.-Seven Arts estava
relutante em apoiar o filme. thx, embora peculiar o suficiente para
desfrutar de um culto que perdura até os dias de hoje e fascinante em seu
comentário sobre a tecnologia futurista e as relações humanas, era um
filme muitas vezes frio e cínico. O mundo subterrâneo de Lucas era um
lugar onde os seres humanos perderam suas identidades e caminhavam
vestidos em uniformes brancos e com cabeças raspadas, suas vidas diárias
supervisionadas por computadores e guardas robotizados, programados
por computador. As pessoas eram obrigadas a tomar drogas entorpecentes, que as mantinham em um estado obediente e dócil. No centro da
história estavam thx-1138 (interpretado por Robert Duvall) e luh-3417
(Maggie McOmie), que desafiam o sistema para terem relações sexuais
e acabam dando à luz uma criança. thx-1138 é capturado e preso, mas,
depois de escapar da prisão, foge para um mundo de superfície, onde
poderia começar uma nova vida.
Para ajudar Lucas a lançar o projeto, Coppola sugeriu uma abordagem
familiar – um tema frequente e muito bem-sucedido em sua própria
filmografia.
“Ele forçou a Warner a nos dar o sinal verde para fazer o filme”, explicou Lucas. “A atitude de Francis era, ‘Nós vamos começar a fazer isso
e eles vão ter que nos acompanhar’. Então, ele colocou um pouco de seu
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rápido. É como pegar um cara que voa um bimotor e apresentar a ele a
mesa de controle de um 707. Ele vai dizer, ‘Ah, não dá pra fazer isso voar’”.
Christopher Pearce, o gerente geral da Zoetrope, sublinhou as razões
práticas para o alto investimento de Coppola em tecnologia.
“Uma das razões para se ter uma instalação como aquela”, explicou
ele, “é saber que você poderá continuar a fazer seus filmes, mesmo com a
enorme insegurança da indústria. Você vai precisar de pouco dinheiro se
já tiver os equipamentos. Você sabe, por exemplo, que poderá mixar seu
filme com quase nada. Acho que esta é a filosofia por trás da montagem
do estúdio”.
A fundação da American Zoetrope representava uma nova divisão na
indústria entre os novos e veteranos cineastas. Coppola, um verdadeiro
visionário, estava liderando o caminho, desafiando um sistema testado
pelo tempo e suas leis econômicas, defendendo novas teorias de cinema
como uma espécie de lebre brilhantemente excêntrica que estimula a
vagarosa, porém sábia tartaruga. Hollywood, claro, poderia se dar ao
luxo de sorrir de “um jovem idealista, além de fazer graça dele enquanto
ele emitia suas proclamações: afinal, o que ele tinha realmente feito? Ele
tinha rodado um filme de suspense B, um charmoso, porém fracassado
filme de formação, um musical desatualizado e um interessante, se não
autoindulgente, longa de estrada. Nenhum tinha se saído bem – e tudo
em Hollywood acabava girando em torno disso –, e, se não havia como
negar que o garoto tinha talento, não seria fácil encontrar alguém para
financiar seus futuros filmes, muito menos ajudá-lo a levar a indústria
para um outro e excitante nível.
De fato, Coppola iria ver o seu sonho vacilar, não por falta de ambição,
mas porque ele tinha ultrapassado as suas próprias intenções. Como
Preston Tucker, seu antigo ídolo, ele teria o design, mas não os meios.
Mas ele deixaria sua marca.
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Além disso, era o primeiro longa de Lucas; as pessoas não podiam esperar
que viesse com um marco cinematográfico.
Enquanto Lucas trabalhava na pós-produção de thx-1138, Coppola
tentava comandar a American Zoetrope. O começo inebriante do estúdio
havia esmorecido nas realidades ásperas do dia a dia e o negócio não
andava bem das pernas. Sempre havia projetos e mentes talentosas querendo trabalhar, mas faltava dinheiro. Caminhos Mal Traçados não tinha
gerado lucro suficiente e, sem filmes novos para lançar no mercado, a
American Zoetrope teve de contar com o aluguel de suas instalações e
equipamentos para poder pagar as contas. Os equipamentos, contudo,
começaram a desaparecer. De repente, o paraíso de Coppola para jovens
cineastas tinha se transformado em um pesadelo.
“Descobri que muitos jovens aspirantes a cineastas são egoístas e
unilaterais”, lamentou. “De repente, ali estava aquele enorme parque
infantil e todo mundo queria um pedaço dele. Havia um bizarro ‘cada
um por si’ pairando”.
Como recordou Coppola, a American Zoetrope foi invadida por milhares de cartas e projetos não solicitados de filmes, tudo isso vinha de
jovens cineastas na esperança de encontrar um patrocinador no novo
estúdio. Em um determinado momento, Coppola contratou três mulheres, cujo único trabalho era abrir estes pacotes de cartas e telefonar para
os remetentes que perguntavam sobre a instalação. Coppola estima que
cerca de quarenta mil dólares em equipamento foi perdido ou roubado
durante o primeiro ano da Zoetrope, incluindo os veículos das empresas
que foram emprestados e destruídos em acidentes de trânsito.
Coppola comparou a experiência com a fundação da Apple pelos Beatles,
que tinham enfrentado problemas semelhantes na Inglaterra, embora
em escala muito maior. Como os Beatles, Coppola confiava demais em
pessoas que, muitas vezes, acabavam o traindo.
George Lucas, por sua vez, culpava Coppola por alguns dos problemas da Zoetrope. O pai de Lucas, um homem de negócios conservador,
que vendia artigos de escritório, fez com que o filho tivesse uma visão
mais tradicional de como empresas deveriam ser gerenciadas. Ele estava
preocupado com o fato de Coppola permitir que qualquer um usasse os
caros equipamentos da Zoetrope (“Francis daria uma câmera na mão
de um varredor de rua se ele demonstrasse um mínimo de interesse na
empresa”, disse ele). Lucas ainda desconfiava que Coppola escondia alguns
gastos da Zoetrope no orçamento de thx, uma prática comum entre os
grandes estúdios e que não seria motivo para maiores discussões, caso
Lucas não tivesse sido convidado a dar explicações a respeito de alguns
gastos que ele havia cobrado da Zoetrope. Em uma ocasião, Mona Skager
questionou algumas das contas telefônicas de Lucas, acusando-o de gastar
us$ 1800 em chamadas pessoais. Magoado e envergonhado, Lucas pediu
um empréstimo ao pai para poder devolver o dinheiro. Coppola subiu nos
telhados quando tomou conhecimento do caso. “Eu jamais teria feito isso
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próprio dinheiro e nós começamos. Selecionamos o elenco e as locações,
contratamos um diretor de arte e adiantamos um monte de coisas antes
que a Warner soubesse o que estava acontecendo. Por fim, ele apenas disse:
Olha, ou você faz esse filme ou não’”.
Mesmo assim, a impressão era de que a pré-produção de thx poderia ser suspensa indefinidamente por causa da demora por parte da
Warner Bros.-Seven Arts em cumprir o acordo firmado com a American
Zoetrope. Coppola saltou em defesa de Lucas, voando para Hollywood e
confrontando alguns assustados funcionários da empresa. “O que está
acontecendo aqui?”, perguntou ele. “Estamos prontos para filmar! Onde
está o nosso aval? Aqui está o roteiro, o elenco… Que tipo de organização
vocês estão executando? Onde está o nosso dinheiro? Vocês querem estar
com a gente ou não?”. Quando, poucos dias depois, o dinheiro ainda não
tinha chegado, Coppola enviou um telegrama incisivo: “Deem o dinheiro
ou calem-se”. O estúdio, a contra gosto, deu o dinheiro.
Coppola nomeou Lawrence Sturhahn para a posição de produtor, uma
decisão que desagradava Lucas, que considerava Sturhahn como o tipo
de burocrata com o qual eles na Zoetrope não queriam mais trabalhar.
De todo modo, isso era verdade e Coppola chamou conscientemente
Sturhahn, com quem havia trabalhado em Agora Você É Um Homem, como
uma espécie de força de oposição a Lucas – como alguém que pudesse
deixar Lucas sempre em prontidão, além, claro, de ajudá-lo quando necessário. Lucas, que estava recebendo insignificantes quinze mil dólares
para escrever e dirigir thx, não precisava ser constantemente lembrado
sobre deadlines e orçamento.
thx-1138 foi feito em apenas dez semanas e custou us$ 800 mil – um
tributo ao talento de Lucas como cineasta. Pegando atalhos sempre que
possível, ele operou em um cronograma de produção que teria esmorecido qualquer cineasta veterano de Hollywood. Grande parte das filmagens foi realizada nos então parcialmente construídos túneis do metrô
bart de São Francisco ou então nos estacionamentos subterrâneos do
aeroporto da cidade. Sempre que podia, Lucas não usava luz artificial e
raramente rodava mais de dois takes de qualquer que fosse a cena. Em
algumas ocasiões, ele filmou – e usou – os ensaios. Coppola apareceria de
vez em quando no set, conversaria com Lucas e os executivos da Warner
Bros.-Seven Arts, tentando manter o equilíbrio entre o jovem diretor e
os patrocinadores cada vez mais ansiosos. Como mediador, Coppola se
revelou um mentiroso talentoso, bem como grande garoto-propaganda.
Ele iria assegurar ao estúdio de que estava supervisionando Lucas, que
tudo estava sob controle e que o filme seria entregue ao gosto da empresa;
com Lucas, ele tomou uma perspectiva totalmente diferente, dizendo a
ele para fazer o filme que queria fazer. Ao adotar esta dupla abordagem,
Coppola não estava jogando com o estúdio ou Lucas, pelo menos essa
era a sua opinião. Ele estava totalmente convencido de que as possíveis
deficiências do filme poderiam ser corrigidas durante a pós-produção.
americ an zoetrope
8.
A reunião de Coppola com os figurões do estúdio era para ter sido especial.
Eles não apenas estariam exibindo o primeiro filme de George Lucas – e
da American Zoetrope; Coppola também tinha a intenção de negociar sete
novos projetos – com efeito, o futuro de sua empresa – com os executivos.
Entre os projetos em desenvolvimento estavam A Conversação, de Coppola;
Apocalypse Now, de Lucas e John Milius; Vesuvio, de Carroll Ballard, um
conto de vida e amor entre primeiros boêmios do norte da Califórnia
dos anos 60; Atlantis Rising, uma ópera rock de ficção científica escrita por
Scott Bartlett; Santa Rita, um novo relato sobre os protestos de People’s
Park em Berkeley, que seria dirigido por Steve Wax; e o novo trabalho de
Willard Huyck e Gloria Katz, que em um par de anos ajudariam George
Lucas a reescrever o roteiro de Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973).
Coppola estava confiante, e deveria mesmo estar. Afinal, ele apresentaria
propostas de projetos cujos envolvidos se tornariam em pouco tempo
membros ilustres de uma nova onda de talentosos jovens cineastas.
Embora Coppola se referisse amargamente a Warner Bros.-Seven
Arts como “o grupo mais improvável de executivos”, inexperiente e
culpado por “um monte de decisões estúpidas”, a exibição de thx-1138
foi uma coisa bem curiosa. Após a fusão da Warner Bros.-Seven Arts, a
nova empresa havia sido comprada pela Kinney National Service, uma
corporação que havia começado em funerárias e estacionamentos para
depois se expandir rumo à indústria do entretenimento. Ted Ashely, o
presidente da enorme agência de talento, tinha sido contratado para
supervisionar as operações da empresa. Ele imediatamente mandou
embora todos os antigos executivos, restaram apenas três dos outrora
vinte e um. John Calley, produtor de Ardil 22 (Catch-22, 1970), comandaria
o setor de produção e Frank Wells, um advogado que havia estudado na
Oxford University, assumiu o departamento de negócios. Dick Lederer,
que trabalhava com marketing na antiga Warner Bros., foi indicado como
o novo vice-presidente de produção. Como parte de seu projeto de rejuvenescimento, o estúdio contratou Barry Beckerman e Jeff Sanford, ambos
com pouco mais de trinta anos, como editores de histórias. Como um
todo, os executivos eram jovens, tranquilos e tinham conhecimentos sobre
cinema e a história do cinema; eles também sabiam que seus empregos
dependiam de decisões que trouxessem lucro para a empresa e que isso
implicava preterir filmes artísticos em nome daqueles que pudessem
encher as grandes salas – longas como Love Story (1970), a obra açucarada
da Paramount que tinha virado o grande sucesso do ano.
Eles odiaram thx-1138 e estavam preparados para culpar Coppola
por todas as falhas do filme. “O que está acontecendo?”, um deles desafiou
Coppola no final da sessão. “Este não é o roteiro que dissemos que íamos
fazer. Isso não é um filme comercial”.
E ficou ainda pior. Os executivos do estúdio, não mais confiando em
Coppola ou em Lucas para reestruturarem thx em um filme comercializável, decidiram tirar o longa de Lucas para editarem eles mesmos. Mais
que isso: estavam tão irritados com thx que não queriam mais ouvir falar
de qualquer projeto da American Zoetrope. Acabado, Coppola voltou para
São Francisco com a terrível notícia. E, então, partiu para a Europa, onde
esperava colocar seus pensamentos em ordem.
Fred Weintraub, um ex-produtor musical contratado pela Warner
Bros.-Seven Arts como o novo vice-presidente de serviços criativos, se
ofereceu para trabalhar com Lucas em thx, mas o cineasta desprezava as
sugestões de Weintraub. A tarefa de edição de thx caiu eventualmente nas
73
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
com um amigo. Sempre soube que aquele incidente era o tipo de coisa
que irritava George e que causaria uma ruptura¹”.
(Quando questionado sobre isso em 1999, ambos Lucas e Skager
alegaram ter esquecido o incidente há muito tempo, ambos insistindo
que a coisa não tinha sido controversa como relatado. Skager, no entanto,
defendeu sua posição. “Eu estava investindo meu próprio dinheiro na
Zoetrope”, disse ela, “e me senti no direito de tomar aquela decisão. Nós
sobrevivemos a isso – o que é mais importante”.)
Coppola, sem dúvida, se permitia o benefício da dúvida – ou pelo
menos mostrava como a memória seletiva podia ser, pois o que causou a
primeira grande rixa entre ele e George Lucas foi justamente a maneira
como conduzia thx-1138. Lucas e Walter Murch passaram o inverno de
1969–1970 na pós-produção, tentando montar um filme que estava se
tornando um albatroz para a Warner Bros.-Seven Arts. O estúdio estava
extremamente infeliz com as imagens do filme, o que, do ponto de vista
técnico, parecia mais o trabalho de um amador talentoso do que os esforços
de um profissional, e como os meses se arrastavam e a versão final jamais
ficava pronta, a empresa começou a se questionar sobre a competência
de Lucas. Coppola tentou tranquilizar o estúdio, embora ele nem tivesse
visto sequer um primeiro corte.
Ele finalmente teve a oportunidade de assistir a alguns rolos de thx
em maio de 1970, quando foi até a casa de Lucas em Mill Valley, onde o
filme foi editado. Coppola tinha agendado uma reunião importante com
a Warner Bros.-Seven Arts para o dia seguinte, e queria se familiarizar
com o material antes de mostrá-lo para os executivos do estúdio. thx,
no entanto, o confundiu. “Esta vai ser uma obra-prima”, ele confidenciou
a Walter Murch, “ou uma masturbação”.
Em seu coração, ele, muito provavelmente, já sabia a resposta. Mesmo
pessoas próximas a Lucas não ofereciam reações jubilosas. A própria esposa do diretor, Marcia Lucas, não tinha gostado de thx, que, segundo
ela, não a havia envolvido emocionalmente. Outros amigos acharam o
enredo do filme muito estreito e confuso. Coppola não tinha escolha,
tinha que reunir os rolos e levá-los para Burbank. Quem sabe? Talvez a
Warner Bros.-Seven Arts o achasse aceitável.
par te i
72
1 Ao conversarem
com o autor, tanto
Coppola quanto Lucas
protestaram contra
a maneira com que a
relação profissional
e pessoal deles foi
retratada na mídia com
o passar do tempo,
ambos insistiram que
seus desentendimentos
ganhariam proporções
absurdas. “Eu e George
Lucas sempre fomos
grandes amigos – e
continuamos amigos até
hoje”, declarou Coppola.
“George sempre me
ajudou ao longo dos
anos e eu espero ter
feito o mesmo com
ele. Frequentemente,
algumas reportagens
apareciam e manchavam
o afeto e a amizade que
nós tínhamos – e temos
– um pelo outro”. Lucas
acrescentou: “Nossos
desentendimentos não
foram nada demais.
Você pode somar todas
as vezes em que nós
brigamos loucamente
um com o outro e isso
daria pouco mais de uma
dúzia de vezes em quase
trinta anos de amizade.
Quase nunca brigávamos,
e, como sempre fomos
grandes amigos, acho
que estamos mais para
uma espécie de recorde”.
para crianças. George Lucas também considerou suas opções. Coppola
não conseguia não se sentir um pouco amargo com aquilo tudo: ele tinha
colocado seu próprio dinheiro naquele estúdio, e, quando ele não era
mais útil, todos o abandonaram.
“A Zoetrope foi totalmente saqueada”, lembra ele. “Todo mundo usou,
ninguém contribuiu, e houve um tempo em que eu esperava a chegada
do xerife que colocaria correntes nas portas”.
Justo quando parecia não haver mais saída, Coppola recebeu uma
ligação da Paramount. O estúdio queria o roteirista de Patton – Rebelde
ou Herói? para dirigir um de seus próximos filmes, uma adaptação de
baixo orçamento de um best-seller chamado O Poderoso Chefão. Coppola
leu uma parte do livro e odiou, e quando a Paramount ligou, ele fez aquilo
que qualquer outro cineasta à beira da falência faria se o oferecessem um
projeto bem pago e de grande visibilidade: ele rejeitou.
75
o i n í c i o, r o g e r c o r m a n e a a m e r i c a n z o e t r o p e
mãos de Rudi Fehr, um dos antigos editores da Warner Bros. Fehr mexeu
levemente no material, cortando apenas quatro minutos do filme, mas
Lucas ainda estava infeliz. Até onde ele sabia, nenhum diretor ou produtor
na história de Hollywood teve seu filme tirado de si daquela maneira, e,
para Lucas, eram muitos mais insultos do que melhorias em relação ao
original. Ele agora odiava os grandes estúdios mais do que nunca.
“Eu esperava que Francis poderia fazer algo para pará-los”, refletiu
Lucas anos depois, “mas ele não conseguia achar uma maneira de fazê-lo.
As pessoas disseram que eu estava nervoso com Francis por ele não ter
feito eles pararem de cortar o filme, mas isso não é verdade. Eu estava
nervoso com a Warner Brothers por cortarem meu filme e estava frustrado
por Francis não poder fazer nada, mas eu certamente não o culpava por
aquilo que o estúdio estava fazendo”.
Embora não tenham realmente gostado de nenhuma versão de thx, os
executivos do estúdio prometeram lançá-lo para cumprir o prévio acordo
com a Zoetrope. O filme, contudo, amargou a relação do estúdio com a
Zoetrope. Se Coppola e Lucas os decepcionaram uma vez, não haveria
como saber o que estava por vir.
O fim do relacionamento Warner Bros.-Seven Arts/American Zoetrope
chegou em uma quinta-feira, 19 de novembro de 1970 – uma data conhecida na Zoetrope como a “quinta-feira negra” – quando Coppola se reuniu
com os executivos da Warner Bros.-Seven Arts em um último esforço
para tentar comercializar os projetos futuros de sua empresa. Ele tinha
preparado cuidadosamente a sua apresentação. Contudo, infelizmente,
Coppola tinha subestimado grosseiramente a posição da empresa, que
não só rejeitou todas as suas ideias, como também exigiu que a Zoetrope
reembolsasse o estúdio².
Para Coppola, a rejeição era o mesmo que a quebra da bolsa de 1929
– ele tinha quase meio milhão de dólares em dívidas e sem nenhuma
previsão de trabalho. Seu estúdio estava afundando diante de seus olhos.
Patton – Rebelde ou Herói? (Patton, 1970), lançado no início do ano pela
Twentieth Century-Fox, reforçou sua reputação como grande roteirista,
quando se tornou um dos maiores sucessos da temporada, mas Coppola
não tinha como tirar seu próprio projeto de estimação, A Conversação,
do papel. Versátil como sempre, ele diminuiu o quadro de funcionários,
cortou as despesas, aumentou o aluguel de espaço de escritório e tentou
se adaptar, transformando a American Zoetrope em uma instalação de
pós-produção, também especializada em fazer comerciais de televisão e
filmes educativos. Mas, ainda assim, as coisas estavam acinzentadas. Como
um repórter visitante, Geral Nachman observou: “A Zoetrope se reduziu
a uma secretária de minissaia e café instantâneo ao invés de expresso”.
Como não conseguiam mais fazer seus filmes com a Zoetrope, os
jovens cineastas começaram a procurar outros lugares. John Korty, sem
conseguir pagar os aluguéis de seu escritório, saiu da Zoetrope, assim
como Carrol Ballard, que acabou fazendo carreira na televisão e em filmes
par te i
americ an zoetrope
74
2 Três décadas depois
do fim do acordo
da Zoetrope com a
Warner Bros, Coppola
ainda se irritava com a
forma como o estúdio
interpretava o contrato.
“A Warner Brothers me
emprestou 300 mil
dólares americanos”,
disse o autor “e eles
financiariam cerca de
300 mil dólares no
desenvolvimento de
nossos projetos, incluindo
Apocalypse Now – e isto
não era um empréstimo.
Depois do sucesso de
O Poderoso Chefão, eu
paguei o empréstimo de
us$ 300 mil. No entanto,
quando comecei a rodar
O Poderoso Chefão,
Parte ii, eles fizeram
uma reivindicação à
Paramount, dizendo
que eu ainda devia mais
us$ 300 mil, o que não
era verdade. A Paramount
só queria se livrar daquilo,
era um incômodo, mas
eu recusei, dizendo que
este era o dinheiro que
eles tinham investido em
roteiros que não foram
para frente. Você já ouviu
falar de um executivo
de estúdio que tenha
deixado um estúdio e
sido obrigado a pagar
por todos os custos de
desenvolvimento? Era
ridículo, uma forma de
aliviar o constrangimento
pelo fato de que todos
aqueles caras jovens que
eles tinham abandonado
estavam se tornando
muito bem-sucedidos.
O meu agente me disse:
‘Olha, a Paramount vai
pagar os us$ 300 mil, não
se preocupe com isso’. É
claro que eles o fizeram,
mas deduzindo do meu
percentual. Contudo, por
causa desta história de
reembolso, a American
Zoetrope voltou a ter os
direitos de todos aqueles
roteiros, inclusive o de
Apocalypse Now”.
parte ii
jon lewis
lewis, Jon. “If History
Has Taught Us Anything…
Francis Ford Coppola,
Paramount Studios,
and The Godfather
Parts i, ii, iii” em
browne, Nick (ed.)
Francis Ford Coppola's
The Godfather Trilogy.
Nova York: Cambridge
University Press, 2000.
p. 23–65. Tradução de
André Duchiade. Texto
traduzido e publicado sob
cortesia da Cambridge
University Press, 2015.
1 kaufman,
Dave. “Hollywood
Unemployment
at 42,8%” em Variety, 4
de março de 1970. p. 3.
2 pryor, Thomas.
“Hollywood Future Riding
on Box Office” em Variety,
1 de julho de 1970. p. 1.
81
3 “Majors' 1971 Rentals
Projection”, em Variety,
29 de novembro de 1972.
p. 5.
4 “Paramount Studio
Buy Talks, But No Deal
Yet into Focus; Realty
Value Runs $29–32 Mil”
em Variety, 8 de abril
de 1970. p. 5.
5 Durante a produção
de O Poderoso Chefão,
Yablans culpou os
sindicatos de Nova
York por aumentar o
orçamento destinado
às locações em 10 mil
dólares por dia. Ver
green, Abel, “Yablans
Raps Union Costs” em
Variety, 8 de setembro
de 1971. p. 5
o auge do poder
FRANCIS COPPOLA, A PARAMOUNT PICTURES E
O PODEROSO CHEFÃO I, II E III
Em março de 1970, o desemprego em Hollywood atingiu 42,8%, um
recorde histórico¹. Apesar de novas regras de classificação indicativa e
de um uso cada vez mais sofisticado de pesquisas de mercado, o cinema
mantinha um segundo lugar distante em comparação à indústria fonográfica em termos de faturamento bruto. Taxas de juros crescentes para
empréstimos a curto-prazo e uma aparente incapacidade para compreender o público do final da década de 1960 contribuíram para aquilo
que a indústria definiu como uma crise nas bilheterias. Em resposta
a esta crise, os estúdios aumentaram a produção; no verão de 1970, os
lançamentos somavam o equivalente a mais de 100 milhões de prejuízo,
o maior da história².
A decisão dos estúdios de inundar o mercado de produtos foi equivocada. Poucos filmes faziam dinheiro em 1970, e mesmo aqueles que
faziam pareciam ter pouco em comum. Os líderes de bilheteria do ano
foram, em ordem, o thriller de catástrofe Aeroporto (Airport), a comédia autoral M.A.S.H., Patton – Rebelde ou Herói? (Patton, roteirizado por Francis
Coppola), a comédia de costumes Bob, Carol, Ted e Alice, o documentário
Woodstock e o musical de grande orçamento Alô, Dolly! (Hello, Dolly!).
De todos os lançamentos de sucesso, só Aeroporto qualificava-se como um
blockbuster, e, mais importante, só Aeroporto se parecia com algo que os
estúdios pudessem facilmente reproduzir.
Em 1970, a Paramount ficou com o nono lugar da indústria, atrás de
todos os outros seis grandes estúdios e de dois independentes, o National
General e o Cinerama³. A grande novidade da Paramount na época eram
as várias tentativas de sua empresa controladora, a Gulf and Western, de
se livrar das lendárias instalações de produção da Paramount na Melrose
Avenue, um negócio em determinado momento impedido apenas pela
incapacidade da Gulf and Western de reordenar uma propriedade adjacente – um cemitério⁴.
Sem conseguir vender a propriedade, o ceo da Gulf and Western,
Charles Bluhdorn, deixou o futuro do estúdio nas mãos de três homens
de pouco mais de 30 anos: o veterano de Hollywood Stanley Jaffe, o especialista em vendas e propaganda Frank Yablans e o executivo da indústria
da moda, que já trabalhara como ator, Robert Evans. Jaffe, o chefe do estúdio, parece em retrospecto o menos notável dos três, embora na época
ele fosse o nome mais familiar. De fato, Jaffe deixou a Paramount antes
de ter tempo para fazer grande coisa, abrindo caminho para Yablans,
que se tornou o primeiro naquela que hoje é uma longa lista de antigos
executivos de marketing a assumir um estúdio.
Além de sua experiência com marketing e exibições, quando se juntou à
Paramount, Yablans ganhara a reputação – primeiro na Disney, depois na
Filmways – de ser um executivo preocupado com os custos, com disposição
para “endurecer” com os exibidores e com vários setores da indústria⁵.
Quando era vice-presidente na Paramount, Yablans ajudou Bluhdorn a
reduzir as operações do estúdio, certa vez demitindo 1100 empregados
par te ii
SE A HISTÓRIA NOS ENSINOU
ALGUMA COISA…
se a história nos ensinou alguma coisa…
82
8 Na época, a Paramount
possuía a cadeia de
cinemas Famous
Players no Canadá, mas
não podia controlar a
exibição de suas próprias
produções nos Estados
Unidos. Hoje, é claro,
virtualmente todos os
estúdios podem não
apenas controlar a
exibição de seu produto,
como a Paramount por
meio (no momento em
que escrevo este livro) da
Viacom e de sua parceira
Blockbuster Video – a
primeira uma operadora
de televisão a cabo, a
segunda uma rede de
locadoras de videocassete
–, ambas no mercado de
exibição de filmes. Em
sua compra da Cap Cities/
abc, a Disney adquiriu
um escoamento adicional
para o seu produto na
televisão e um meio
alternativo para exportar
seu produto (com a
Cap Cities espn) para
emissoras a cabo fora do
continente.
9 Como citado em evans,
Robert. The Kid Stays in
the Picture.
Nova York: Hyperion,
1994. p. 114.
10 Peter Bar na
introdução de evans,
1994: xiv.
11 evans, 1994: 182.
12500 dólares¹² a Puzo e em troca virtualmente roubou os direitos para
o cinema de um dos maiores romances da década.
Uma versão alternativa à história colorida de Evans sobre como a
Paramount adquiriu os direitos de O Poderoso Chefão é contada pelo biógrafo de Coppola, Peter Cowie. Segundo Cowie, na época em que Puzo
abordou a Paramount, ele havia recebido um adiantamento de 5 mil
dólares e já tinha assinado um contrato para escrever o romance para a
G.P. Putnam’s Sons. Esperando pré-vender os direitos para o cinema do
livro, Puzo levou 60 páginas de um rascunho preliminar do romance
para George Wiser, um editor de histórias na Paramount, que gostou por
achar que “parecia um best-seller de Harold Robbins”. Wieser, então, levou
o rascunho para Evans e seu assistente, Peter Bart. No início, Evans não
estava interessado porque o estúdio acabara de perder dinheiro no filme
de gângster de Martin Ritt, Sangue de Irmãos (The Brotherhood, 1968). Mas
Wieser insistiu e Evans eventualmente concordou em adquirir o direito
de compra pelo valor módico de 12500 dólares. Depois de comprar a
preferência de aquisição, Evans começou a desenvolver o projeto. Mas
começou a fazer isso com cautela, sem ainda estar convencido de que
haveria público para um filme sobre o crime organizado.
Foi só quando Evans começou a temer que o projeto fosse tirado de
si – pelo ator Burt Lancaster – que ele começou a se comprometer com o
filme. Em 1970, a companhia de produção de Lancaster abordou o estúdio
e se ofereceu para participar no financiamento da produção, contanto que
Lancaster estrelasse o filme. Evans se opôs a um acordo com Lancaster por
duas razões: em primeiro lugar, ele não achava que o ator fosse adequado
para o papel principal; e, de modo ainda mais importante, ele não queria
diminuir a margem de lucro do estúdio no projeto, vendendo uma parcela
de seus direitos para uma companhia independente de produção.
Em larga medida, Coppola deve sua carreira a Lancaster, e Evans e a
Paramount devem sua virada dos anos 1970 a uma série de ofertas recusadas
e de discussões perdidas no desenvolvimento inicial do filme. Quando
Peter Bart sugeriu pela primeira vez a Evans que Francis Coppola fosse
contratado para dirigir O Poderoso Chefão, Evans achou a ideia absurda.
Coppola tinha àquela altura dirigido um filme B (Demência 13 [Dementia
13, 1963]) e três filmes de estúdio (Agora Você É Um Homem [You’re a Big Boy
Now, 1966], O Caminho do Arco-Íris [Finian’s Rainbow, 1968]) e Caminhos Mal
Traçados [The Rain People, 1969], nenhum dos quais fora bem nas bilheterias. Ademais, Coppola tinha a reputação de tomar liberdades ao ponto
da irresponsabilidade com os fundos dos estúdios; em 1969, ele pegou
da Warner Brothers uma verba de 600 mil dólares destinados a desenvolvimento e gastou tudo em equipamentos de produção de tecnologia
de ponta. Quando o estúdio recusou todos os seus projetos ( junto à sua
companhia incipiente, a American Zoetrope) e pediu o seu dinheiro de
volta, Coppola teve que dizer que todo o dinheiro fora gasto. Para restituir
a Warner, Coppola realizou comerciais para a televisão e filmes institu-
12 crowie, Peter. “The
Whole Godfather” em
Connoisseur, dezembro
de 1990. p. 90. Cowie
também é o autor de
Coppola. Nova York:
Scribners, 1990.
83
o auge do poder
7 arnell, Gene.
“Yablans into Paramount
Presidency; He and Jafe
on Ideal Budgets” em
Variety, 5 de maio de
1971. p. 3.
de uma companhia de distribuição que pertencia conjuntamente à Paramount e à mca/Universal, a Cinema International⁶. Como presidente,
Yablans prometeu cortar os custos de produção para uma média de 2,5
milhões de dólares por filme⁷, e, para melhor diversificar a Paramount,
trabalhar para efetuar uma reversão do Decreto de Consentimento [Consent Decree], que, após a Segunda Guerra Mundial, impedira os estúdios
de controlar salas de exibição⁸.
Evans foi nomeado chefe de produção da Paramount em 1967, e
embora ele e Yablans tenham se dado muito bem, os dois homens eram
filosoficamente muito diferentes, Ao contrário de Yablans, Evans era um
executivo voltado para a produção, e, de novo de modo diferente de seu
chefe, ele tinha pouca experiência prática antes de assumir o emprego.
Quando Bluhdorn anunciou oficialmente a contratação de Evans como
novo chefe de produção do estúdio, a indústria condenou o ceo da Gulf
and Western, chamando a ação de “a loucura de Bluhdorn”⁹ e “a péssima
escolha de Bluhdorn”. Mas Bluhdorn provou que estavam todos errados:
Evans era o homem perfeito para o trabalho.
Com Evans encarregado da produção, a Paramount aumentou dramaticamente sua importância na família de companhias da Gulf and Western,
expandindo sua participação nas receitas anuais do conglomerado de 5%
em 1967 para quase 50% em 1976. Por duas vezes nos três primeiros anos
da década, o estúdio teve o filme mais assistido nos cinemas – primeiro
Love Story, em 1971 e então O Poderoso Chefão, no ano seguinte. Os dois
projetos foram originados e desenvolvidos por Evans¹⁰.
O método de Evans para adquirir estas duas grandes propriedades foi
incomum e particularmente esperto. Em relação a Love Story, Evans adiantou 25 mil dólares à editora Harper and Row para financiar uma primeira
tiragem de 25 mil exemplares do romance¹¹. Em troca pelo investimento
– que alterou drasticamente o modo como a editora promoveu o livro –,
Evans recebeu a opção de adquirir os direitos para o romance antes que
ele se tornasse um best-seller. A Paramount produziu a adaptação para o
cinema em 1971, e o filme arrecadou mais de 50 milhões de dólares no
mercado doméstico, sendo responsável por aproximadamente um terço
das receitas brutas do estúdio no ano e rendendo mais de três vezes o
montante do segundo filme mais visto, O Pequeno Grande Homem (Little
Big Man, 1970), de Arthur Penn. O sucesso estrondoso de Love Story enviou
uma mensagem clara para o resto da indústria: que um filme sozinho
podia salvar um estúdio.
Evans movimentou-se com a mesma presteza (e a mesma antecipação) para adquirir os direitos cinematográficos de O Poderoso Chefão.
Como Evans relata em seu livro de memórias publicado em 1994, The
Kid Stays in the Picture, na primavera de 1968, Mario Puzo foi até ele com
“50 ou 60 páginas amarrotadas” de um livro provisoriamente chamado
“Máfia”. Na época, de acordo com Evans, Puzo devia aproximadamente
10 mil dólares a agiotas, dinheiro que ele não possuía. Evans adiantou
par te ii
6 “Cinema Intl. Cuts
Par-U Fee” em Variety, 27
de maio de 1970. p. 3.
15 Estes são os nomes
acrescentados à lista de
Evans por cowie,
1990: 90.
16 evans, 1994: 220.
17 Ibid.
se a história nos ensinou alguma coisa…
84
testes foram horríveis. Coppola permaneceu firme e assegurou que Pacino
era o único ator para o papel. De acordo com Evans, ele finalmente concordou em contratar Pacino sob a condição de que Coppola concordasse
em escalar James Caan como Sonny, mesmo Coppola já tendo contratado
um ator italiano, Carmine Carridi, para o papel.
Depois de Coppola concordar em escalar Caan, Evans fez a oferta
para Pacino. Mas, a essa altura, Pacino havia assinado com a mgm para
aparecer em Quase, Quase Uma Máfia. Em 1971, a mgm pertencia ao bilionário de Las Vegas Kirk Kerkorian e era comandada por James Aubrey,
uma pessoa notoriamente difícil de se lidar. De acordo com Evans, para
manter Coppola feliz, ele pediu a seu amigo Sidney Korshak, um suposto advogado da Máfia¹⁸, que o ajudasse com Aubrey. Na versão de Evans,
vinte minutos depois de desligar o telefone com Korshak, Aubrey ligou
para Evans: “Seu filho da puta safado, chupa-rolha desgraçado. Você vai
me pagar… O anão [Pacino] é seu”. De acordo com Evans, Korshak ligou
para o chefe de Aubrey, sugerindo que ele liberasse Pacino de seu contrato.
Evans perguntou a Korshak o que ele dissera para convencer Kerkorian
a cooperar e Korshak respondeu: “Eu perguntei se ele queria terminar
de construir o hotel dele”¹⁹.
Evans também se opôs ao plano de Coppola de escalar Marlon Brando
no papel que dá título ao filme. A lenda diz que, após uma longa discussão,
Coppola finalmente vendeu Brando para Evans filmando um teste mudo
com o ator, no qual ele encheu as bochechas com algodão para criar a
imagem do velho e pesado Don Corleone. Quando Brando assinou, ele
concordou com um acordo estranho, mas em última instância lucrativo,
no qual recebia apenas 50 mil dólares adiantados. O resultado de sua remuneração dependia do desempenho do filme nas bilheterias. Se o filme
superasse a marca de 50 milhões de dólares – como apenas três ou quatro
filmes tinham feito na História –, incentivos significativos começavam
a valer e o percentual de Brando do faturamento bruto aumentava gradativamente. No final de 1972, Brando tinha um contrato que o concedia
quase 6% do faturamento bruto dos 81 milhões de dólares do filme²⁰.
Quando a escalação do elenco estava completa e a fotografia principal
começava, Evans e Coppola haviam se tornado inimigos, uma rixa que
perdura até hoje²¹. Em uma entrevista à Playboy em 1975, Coppola disse
a William Murry que “muito da energia gasta [em O Poderoso Chefão] foi
despendida simplesmente tentando convencer as pessoas que detinham
o poder [leia-se Evans] a [me] permitirem realizar o filme do meu jeito”²².
Quase 10 anos mais tarde, quando começou a trabalhar no roteiro da produção de Evans para Cotton Club (The Cotton Club, 1984), Coppola disse a outro
entrevistador: “Fico apavorado de ficar em uma situação na qual pessoas
opinem sobre o meu trabalho. Se eu tiver que lutar por tudo, como precisei
lutar por Al Pacino e Marlon Brando, não tenho mais a energia”²³.
Em uma entrevista de 1984, Evans contou o seu lado da história.
Segundo Evans, o corte final de Coppola para O Poderoso Chefão parecia
18 Foi Evans quem
caracterizou Korshak
como um advogado da
Máfia. evans, 1994: 4,
222–224.
19 evans, 1994: 223–224.
20 “Brando’s Mute Test
Copped Role; Godfather
Funnier than Mafia Picnic”
em Variety, 8 de março
de 1972. p. 6; e “Godfather
May Top gwtw” em
Variety, 8 de março de
1972. p. 254. Rumores
dizem que o agente de
Brando ou simplesmente
desperdiçou ou
legitimamente liquidou
a parte de Brando;
como tanta coisa na
história contemporânea
de Hollywood, é difícil
simplesmente seguir
o dinheiro.
85
21 Para mais da disputa
entre Evans e Coppola,
ver lewis, Jon.
Whom God Wishes to
Destroy. Durham: Duke
University Press, 1995.
p. 111–113, 119–121,
123–138.
22 murry, William.
“Playboy Interview:
Francis Ford Coppola” em
Playboy, n° 22, 1975. p. 59.
23 thomson, David,
e gray, Lucy. Ídolos do
Rei. Entrevista publicada
neste catálogo.
o auge do poder
14 Estes são os diretores
listados por Evans em
evans, 1994: 218.
cionais, mas sua dívida com a Warner era tão considerável que, quando
circularam rumores de que a Paramount pretendia oferecer a Coppola a
oportunidade de dirigir O Poderoso Chefão, executivos da Warner Brother
ligaram para Evans para avisar que o cheque poderia ser enviado para eles.
Bart afirma que, ao contrário de Evans, ele admirava o talento de
Coppola desde o princípio. Como um jornalista da indústria, Bart conhecera Coppola em São Francisco e o achara “uma pessoa extraordinariamente
inteligente”, que escrevia “roteiros fabulosos”. Mas, apesar do entusiasmo
e da confiança de Bart, a decisão do estúdio de contratar Coppola tinha
menos a ver com a admiração do executivo pelo talento do jovem diretor
do que com a resolução de Evans de manter o projeto longe das mãos de
Burt Lancaster e com sua aparente incapacidade de despertar o interesse
de um só grande diretor de ação no filme. A favor de Coppola estavam os
fatos de ser ítalo-americano e de, porque estava com dívidas tão grandes,
poder ser contratado a um preço baixo¹³.
Evans finalmente concordou em oferecer o trabalho para Coppola,
depois de receber recusas de Richard Brooks, Constantin Costa-Gavras,
Elia Kazan, Arthur Penn¹⁴, Franklin Schaffner, Fred Zinneman, Lewis
Gilbert e Peter Yates¹⁵. Muitos diretores recusaram a oferta de Evans
alegando discordar da maneira como o roteiro e o romance glorificavam
o crime organizado. Muitos outros manifestaram preocupação sobre a
possibilidade de se associar a um filme que teria respostas potencialmente
incendiárias de uma comunidade étnica. Enquanto isso, Bart continuava a defender Coppola, certa vez dizendo a Evans que, se ele quisesse
realmente realizar o filme, eventualmente seria preciso escolher entre
Coppola e Lancaster¹⁶. Para manter o controle do estúdio sobre o projeto,
Evans seguiu o conselho de Bart e fez uma oferta para Coppola. Para seu
grande espanto, Coppola mostrou-se disposto a recusar, não devido às
posições políticas do filme, mas porque ele não tinha interesse em dirigir um filme de gênero convencional. A lenda diz que foi George Lucas,
amigo de Coppola, quem finalmente o convenceu a aceitar a oferta de
Evans, defendendo que, se ele dirigisse O Poderoso Chefão, nunca mais
precisaria realizar outro filme comercial.
Depois de três dias de negociações com o estúdio, Coppola finalmente
seguiu o conselho de Lucas e concordou provisoriamente, contanto que,
segundo o relato de Bart das palavras de Coppola, “o filme não fosse
sobre gângsteres organizados, mas uma crônica familiar. Uma metáfora para o capitalismo nos Estados Unidos”¹⁷. Evans achou o conceito de
Coppola para o filme ridículo, até mesmo pretensioso. Mas, confiante
de que o corte final do estúdio deixaria ele próprio no controle do filme,
Evans preparou um contrato e assinou com Coppola por 150 mil dólares,
somados a 7,5% do lucro líquido.
A noção de Evans de que poderia controlar Coppola foi imediatamente
posta à prova quando Coppola decidiu escalar Al Pacino como Michael
Corleone. Evans achava que Pacino era baixo demais e de que seus três
par te ii
13 cowie, 1990: 90.
26 evans, 1994: 344.
27 Peter Bart no prefácio
de evans, 1994: xiv.
se a história nos ensinou alguma coisa…
86
que quebrou sua mandíbula, Aram Avakian, o montador original do filme,
procurou Evans para dizer a ele que o filme “não iria montar”, que Coppola
“não fazia ideia do que era continuidade”. Para verificar as acusações de
Avakian – talvez secretamente esperando que fossem verdade –, Evans contratou um segundo montador, Peter Zinner, que, para a grande surpresa
de Evans, disse que a cena era maravilhosa. Evans percebeu que Avakian
tentava roubar o trabalho de Coppola e o demitiu, assim como várias
outras pessoas com cargos muito importantes para a produção²⁸.
Embora as demissões em massa parecessem indicar que Coppola finalmente tinha o apoio de Evans, o passo seguinte do executivo sugeriu o
contrário. Depois do episódio com Avakian, Evans contratou Elia Kazan
para ficar a postos, caso eventualmente tivesse que substituir Coppola.
Em uma conversa com Peter Cowie, Coppola se lembrou da ansiedade
que sentiu na época: “Eu sonhava repetidas vezes que Kazan chegaria ao
set e diria para mim, ‘Ahn, Francis, pediram-me para…’. Mas Marlon,
que estava informado acerca disso, me apoiou muito e disse que não
continuaria a trabalhar no filme se eu fosse demitido”²⁹.
A batalha entre Coppola e Evans não surpreendeu ninguém na indústria, e, em contexto, para roubar uma fala do filme, ao menos para Evans,
não era pessoal, eram negócios. Cerca de um ano antes do lançamento
de O Poderoso Chefão, sob a manchete da página 1 da Variety afirmando “Reduzam a importância dos diretores”, Evans anunciou a sua (e da
Paramount) intenção de “se tornarem [mais] envolvidos com o produto
em uma base criativa”, de estarem “mais próximos ao desenvolvimento
do roteiro, à seleção do elenco e aos cortes finais”. Se os roteiristas e
diretores não gostassem de suas regras, Evans lançou, “eles deveriam
permanecer afastados”³⁰.
As afirmações de Evans eram, na época, dirigidas especificamente a
Elaine May, a roteirista e diretora da produção da Paramount O Caçador de
Dotes (A New Leaf, 1971). Na época, May afirmou que Evans tinha “mudado
drasticamente” o seu trabalho e moveu uma ação em um tribunal federal
para cancelar o lançamento do filme. O cineasta Arthur Penn entrou na
briga ao lado de May, assim como o cineasta britânico Anthony Harvey,
que observou que a única razão para Evans ter sido tão ousado foi o fato
de ter feito tanto dinheiro com Love Story³¹. Evans sem dúvidas concordava com Harvey sobre a importância de Love Story para a decisão sua e da
Paramount de “esvaziar diretores de ego inflado”³²; em Hollywood você
só é tão bom quanto o seu último filme, e na época Evans não teria feito
nada de modo diferente.
A escolha de Coppola para dirigir O Poderoso Chefão parecia estar de
acordo com esta política intervencionista de produção. Na época, Evans
apostava que teria mais sucesso influenciando um diretor relativamente
inexperiente como Coppola do que alguém como Yates ou Costa-Gavras.
Evans também planejava usar Coppola para dissipar preocupações sobre
como o estúdio planejava retratar a Máfia. Como esperado, objeções ao
28 evans, 1994: 225.
Evans conta esta história
para mostrar que ele
nunca de fato teve nada
pessoal contra Coppola,
que ele na verdade
protegeu Coppola contra
várias armações por trás
dos panos para tirá-lo
do filme.
29 cowie, 1990: 92.
É claro que Brando teria
todas as razões para
preferir Kazan a Coppola:
afinal de contas, Kazan
o dirigira em Sindicato
de Ladrões e Uma Rua
Chamada Pecado. Que
ele tenha apoiado
Coppola durante esta
crise deve ter melhorado
a confiança de Coppola,
que ainda estava
sob olhar constante
durante a produção, a
ponto do ceo da Gulf
and Western, Charles
Bluhdorn, se tornar um
visitante regular no
set, presumivelmente
para evitar que alguma
manobra adicional
por trás dos panos
atrapalhasse ou atrasasse
a produção do filme.
De acordo com todos
os relatos que li, a
presença de Bluhdorn
no set nunca pareceu
preocupar Coppola; ao
invés disso, os dois se
tornaram amigos.
87
30 arneel, Gene.
“Cut Directors Down to
Size: Bob Evans: ‘We Keep
Control’” em Variety, 3 de
fevereiro de 1971. p. 1 e 22.
31 “Evans May Have Been
Thinking of Her” em
Variety, 10 de fevereiro
de 1971.
32 beaupre, Lee.
“Deflate ‘Big Me’
Directors: Film
Producers See a Credit
Gap” em Variety, 2 de
maio de 1973. Mesmo
após o lançamento
o auge do poder
25 evans, 1994: 343.
“um trecho tirado de [o programa de televisão] Os Intocáveis”; era tão
ruim que Evans precisara remontar e “[mudar] o filme inteiro”²⁴. Em seu
livro de memórias publicado em 1994, Evans recorda uma troca de
telegramas entre os dois em meados de dezembro de 1983. O primeiro
telegrama, sem estar assinado, mas supostamente enviado por Coppola,
dizia o seguinte: “Caro Bob Evans, eu fui um verdadeiro cavalheiro no
que diz respeito a seu envolvimento em O Poderoso Chefão. Nunca falei
sobre você descartando a música de Nino Rota, você recusando a escalação de Pacino e Brando etc. Mas volta e meia sua alegação estúpida
sobre cortar O Poderoso Chefão reaparece e me deixa com raiva por sua
pomposidade ridícula”²⁵. O segundo telegrama foi enviado e assinado
por Evans no dia seguinte: “Obrigado por seu charmoso telegrama.
Não consigo imaginar o que motivou esta diatribe venenosa. Estou ao
mesmo tempo irritado e exasperado por suas acusações falaciosas (…)
Estou afrontado por seu descaramento em ousar enviar esta epístola
maquiavélica. O conteúdo da qual não é apenas ridículo, mas deturpa
completamente a verdade”²⁶.
Dado que O Poderoso Chefão se tornou um filme de autor americano
legendário – que é geral e justificadamente creditado como o início do
renascimento autoral de Hollywood na década de 1970 –, o questionamento
de Evans sobre a autoridade de Coppola em O Poderoso Chefão parece ir
significativamente além da talvez mesquinha (mas não obstante fascinante)
rixa entre os dois. Evans tinha o direito, afinal de contas, ao corte final do
filme, e, de acordo com seu assistente, Peter Bart, ele exerceu esse direito
e salvou a obra. “‘O Poderoso Chefão foi uma experiência seminal”, diz Bart,
“pelo fato de Evans estar insatisfeito com o corte de Francis Coppola e
de passar meses trabalhando o tempo todo no filme com ele, até mesmo
adiando sua data de lançamento. Agora a fofoca por aí diz que Evans estava se intrometendo nas prerrogativas de jovens cineastas. A realidade
era bem o contrário: eu vi como um filme soberbamente filmado, mas
montado com inépcia, transformou-se em uma obra-prima”²⁷.
Embora os dois homens permaneçam amargos sobre quem exatamente
montou o filme, Evans e Coppola concordam que foi o final de Evans e não
o de Coppola a que o público assistiu em 1972. Coppola filmara e esperava
usar uma cena final de Kay na igreja acendendo uma vela pelos pecados
de Michael. Ao invés disso, o filme termina com a porta lentamente se
fechando no rosto de Kay; primeiro vemos de relance os subordinados
de Michael beijando o seu anel e então o enigmático olhar desesperado
de Kay. O final original de Coppola nos leva outra vez à conjugação entre
família e religião e à traição das duas coisas por Michael ao assumir o
poder. O final de Evans trata só do poder de Michael e da crescente irrelevância de Kay em sua vida.
A rixa entre Coppola e Evans foi só uma das várias batalhas durante a
produção de O Poderoso Chefão. Depois de Coppola filmar a cena do tiroteio
no restaurante na qual Michael se vinga de Solozzo e do policial corrupto
par te ii
24 saloman, Julie.
“Budget Busters: The
Cotton Club’s Battle of
the Bulge” em Wall Street
Journal, 13 de dezembro
de 1984. p. 22.
34 ferreti, Fred.
“Corporate Rift in
‘Godfather Filming’” em
New York Times, 23 de
março de 1971. p. 28.
se a história nos ensinou alguma coisa…
88
favor muito maior a ítalo-americanos se condenasse o crime organizado,
Marchi gracejou em sua conclusão: “Sim, Mr. Ruddy, pode ser que simplesmente haja uma Máfia”³⁵.
Um mês depois, o cantor Vic Damone usou o Times para anunciar
que mudara de ideia sobre desempenhar o papel de Johnny Fontaine, o
cantor e ator (que muitos acreditam ser baseado em Frank Sinatra) cuja
carreira é salva por Don Corleone. Damone alegou que o filme “não estava de acordo com os melhores interesses dos ítalo-americanos (…) [que]
como um americano de descendência italiana, ele não poderia continuar
neste papel sem sentir peso na consciência”³⁶. Na época, circulou o rumor
de que Damone desistira por influência da Máfia. Embora não houvesse
evidências para apoiar tal boato, ninguém no estúdio, sabiamente, fez
nada para combater o rumor.
Insatisfeitos pela maneira como a “confabulação” de Ruddy com
a Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis fora retratada no Times e em
outros veículos de imprensa – especialmente depois de uma notícia
do Times revelar que a equipe de negociadores da Liga incluía Anthony
Colombo, cujo pai, Joseph Colombo, era na época um “suposto líder do
crime organizado no Brooklyn” –, os executivos da Paramount, incluindo
Evans, tomaram Ruddy como bode expiatório. Em um artigo na Variety
chamado “Par[amout] repudia Grupo Ítalo-Am. sobre O Poderoso Chefão”,
um porta-voz do estúdio afirmou que o encontro e o subsequente acordo
entre Ruddy e a Liga fora “completamente não autorizado”. Ignorando o
fato da Liga ter primeiro contatado Evans, que então enviara Ruddy para
negociar em seu lugar, o estúdio acrescentava que pretendia “levar adiante” o acordo não porque apoiava Ruddy (a quem o estúdio caracterizou
como um produtor que excedera a própria autoridade), mas sim devido à
decisão de John Mitchell de não mais usar os termos Máfia e Cosa Nostra
no Departamento de Justiça³⁷.
O Poderoso Chefão estava previsto para ser lançado no Natal de 1971.
Mas devido aos vários problemas de Evans com o corte bruto de Coppola,
o estúdio adiou a première até 14 de março de 1972 e o lançamento nacional até 19 de março de 1972. Era uma ação arriscada, dados os montantes
gastos com publicidade e produção para o filme. No entanto, do jeito que
as coisas ocorreram, o filme acabou sendo lucrativo antes de passar em
uma só sala de cinema³⁸, e, quando sua primeira temporada nas salas
terminou, havia arrecadado mais de 81 milhões de dólares no mercado doméstico, o maior faturamento da história até aquele momento. Além disso,
o filme obteve o recorde de 23 semanas consecutivas de faturamento
superior a 2 milhões de dólares.
No dia 29 de março de 1972, quando a Paramount já se dera conta do
evento que o filme se tornara, eles publicaram um anúncio de dez páginas na Variety listando bilheterias ao redor do país onde – e era em toda
a parte – o filme obtivera recordes para os primeiros três dias, para os
primeiros cinco dias e recordes estaduais³⁹. Desde o início, a Paramount
35 “Yes, Mr. Rudi, There
is a...” em New York Times,
23 de março de 1971. p. 36.
36 “Damone Drops Role
in ‘Godfather’ Film” em
New York Times, 5 de abril
de 1971. p. 31.
37 “Par Repudiates
Italo-Am. Group vs.
‘Godfather’” em Variety,
24 de março de 1971.
A notícia foi publicada no
dia seguinte ao editorial
do New York Times.
38 Para assegurar
a exclusividade de
O Poderoso Chefão,
exibidores tiveram
que adiantar uma taxa
(como garantia das
receitas de bilheteria).
Em 15 de março, esses
adiantamentos excediam
15 milhões de dólares.
Uma vez que o filme foi
lançado, a Pararamount
recebia a divisão 90/10
ela ganhava 90% da
bilheteria depois das
despesas do exibidor em
todos os 340 cinemas que
programaram a exibição
nacional do filme.
89
39 Anúncio na Variety
(29 de março de 1972),
p. 7–16. Esta estratégia
foi usada antes somente
uma vez pela Paramount,
previsivelmente para o
lançamento de Love Story.
Cf. Variety, 18 de janeiro
de 1971. p. 10–12.
o auge do poder
33 lichten, Grace.
“‘Godfather Film Won’t
Mention Mafia“ em New
York Times, 20 de março
de 1971), p. 1–34.
roteiro surgiram logo cedo, mas Coppola, um relativo desconhecido na
época, permaneceu no plano de fundo, sendo Evans forçado a tratar da
situação por conta própria. Mesmo antes do começo da fotografia principal, negociações entre o produtor de O Poderoso Chefão, Al Ruddy, e a
ala de Nova York da Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis já aconteciam.
O resultado dessas negociações muitas vezes conflituosas acabou por se
provar constrangedor para todas as partes envolvidas³³ e serviu apenas
para reforçar o absurdo das alegações de boas intenções e de respeito
mútuo do estúdio e da Liga.
Na edição de 20 de março de 1971 do New York Times, Ruddy anunciou
que, após longas negociações com a Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis,
a Paramount concordara em eliminar todas as referências à Máfia e à Cosa
Nostra do roteiro. Em uma notícia do Times relacionada a isso, o então
Procurador-Geral dos Estados Unidos, John Mitchell, aparentemente comovido pela sensibilidade de Ruddy, decidira seguir o exemplo e ordenara
ao Departamento de Justiça que também parasse de usar estes termos.
No lugar de Máfia e Cosa Nostra, Ruddy colocou “as cinco famílias”.
Puzo estava indisponível para comentar – ele se encontrava em uma
clínica de redução de peso na Universidade de Duke –, mas, na época,
Grace Lichtenstein supôs, no Times, que ele não teria aprovado. Ela observou que os dois termos aparecem com frequência no romance e que,
em 1971, mais de 700 mil exemplares em capa dura e 3 milhões de brochuras haviam sido vendidos. Ademais, em 1967, Puzo, sendo ele mesmo
um ítalo-americano, escrevera: “a maior parte dos operadores do crime
organizado neste país tem sangue italiano. Este fato deve ser aceito (…)
tais órgãos como os grupos ítalo-americanos de pressão (…) fazem um
grande desfavor a todas as partes envolvidas”.
Inicialmente, Evans apoiou publicamente o acordo de Ruddy com a
Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis. O acordo trouxe alguma publicidade gratuita e positiva ao filme antes de seu lançamento, e, ademais,
este tipo de acordo não era uma novidade. Durante a produção de Paixão
de Primavera (Goodbye, Columbus), comédia escrita por Philip Roth para a
Paramount em 1970, o estúdio negociou com vários grupos de defesa de
interesses judaico-americanos. “Recebemos muitas críticas de todo tipo
de grupos”, um porta-voz da Gulf and Western disse ao Times. “Centenas
de grupos de pressão vêm até nós o tempo todo”³⁴.
Mas apesar da capitulação da Paramount à Liga ter trazido alguma
paz de espírito ao estúdio, ela também levou a uma reação em termos de
relações públicas inesperada e potencialmente problemática. Três dias
depois do anúncio de Ruddy, informando sua decisão de cortar a Máfia e
a Cosa Nostra do roteiro, um editorial do Times citou o senador do estado
de Nova York John Marchi (da predominantemente ítalo-americana Staten
Island), que caracterizou a capitulação de Ruddy aos grupos de pressão
como “um insulto monstruoso a milhões e milhões de leais americanos
de origem italiana”. Argumentando que a Paramount poderia fazer um
par te ii
de O Poderoso Chefão,
Evans continuou a
usar a imprensa para
reassegurar o controle do
estúdio sobre o produto.
42 “Godfather of All;
Includes Wall Street” em
Variety, 12 de abril de
1972. p. 4; e murphy, A.
D. “Godfather and Other
Goodies” em Variety, 15
de novembro de 1972. p.3.
se a história nos ensinou alguma coisa…
90
43 Coppola perdeu para
Bob Fosse e Cabaret
o Oscar de “Melhor
Diretor”, uma das raras
vezes em que os prêmios
de “Melhor Filme” e
“Melhor Diretor” foram
divididos e um do ainda
mais raros casos do
vencedor do Diretor’s
Guild Award (Coppola)
perder na noite do Oscar.
Coppola, no entanto, não
saiu com as mãos vazias,
vencendo os Oscars de
“Melhor Roteiro” e (como
um dos Produtores) de
“Melhor Filme”.
tivo, a nbc-tv pagou o maior valor da história por uma única exibição
do filme na televisão aberta. Apesar de suas temporadas nas bilheterias
e de sua venda para a televisão terem quebrado recordes da indústria, a
melhor notícia para a Paramount foi que, graças a Robert Evans, o estúdio
detinha mais de 84% do filme, e, portanto, não precisava dividir a riqueza
com mais ninguém.
44 Os números de
bilheteria do final de
ano apareceram na
Variety sob uma sinistra
manchete: “‘Godfather
and Rest”. Variety, 3 de
janeiro de 1973. p. 7.
O P O D ER OS O C HEFÃO, PA R TE I I
Os números das bilheterias de 1972 foram de difícil aceitação para executivos dos estúdios. Oito filmes faturaram mais de 10 milhões de dólares, e,
desses oito, cinco – O Poderoso Chefão, A Última Sessão de Cinema (The Last
Picture Show, 1971) e Essa Pequena É Uma Parada (What’s Up, Doc?, 1972), de
Peter Bogdanovich, Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), de Stanley
Kubrick, e Cabaret (1972), de Bob Fosse – podiam ser definidos como filmes
de autor, ou ao menos como filmes mais ou menos identificados com a
pessoa que os realizara. Os outros filmes se encaixavam mais ou menos
em categorias tradicionais da indústria: Um Violinista no Telhado (Fiddler
on the Roof, 1971), o segundo filme mais assistido no ano (que arrecadou
menos de um terço de O Poderoso Chefão) era (assim como Cabaret) uma
adaptação de um musical de sucesso da Broadway; 007 – Os Diamantes São
Eternos (Diamonds Are Forever) era um filme de James Bond; e Dirty Harry
era centrado em uma grande estrela (claro, Clint Eastwood).
No que dizia respeito aos executivos dos estúdios, os 81 milhões de
dólares arrecadados por O Poderoso Chefão eram, ao mesmo tempo, um
bom e um mau presságio. O valor parecia prometer um grau de sucesso
nunca antes sonhado⁴⁴, mas esse sucesso vinha acompanhado por uma
nova e problemática retórica da imprensa, tratando o diretor como uma
estrela, o diretor como um autor. Que alguns outros filmes de sucesso de
1972 recebessem o mesmo tipo de tratamento, colocava os estúdios em
uma difícil posição. O público que ficara afastado do cinema no final
dos anos 1960 estava de volta. Alguns diretores pareciam saber o que o
público queria ver. Mas quanto poder os estúdios concederiam àqueles
diretores, e por quanto tempo duraria aquela tendência?
De todos os chefes de estúdio, Frank Yablans, da Paramount, era o que
menos sofria pressão para reagir a esta nova tendência. Quando o balanço
do ano foi anunciado, ele já havia assinado com Coppola e Puzo para a
produção de uma sequência de O Poderoso Chefão. Mas por alguma razão
– talvez ele estivesse apenas sendo ganancioso, talvez de fato acreditasse
em um renascimento autoral –, Yablans surpreendeu a todos e começou
1973 com uma ação ousada e, em última instância, azarada. Depois de
examinar os números das bilheterias, ele assinou contratos com três
diretores renomados: Coppola, Peter Bogdanovich e William Friedkin
(diretor do ganhador do Oscar Operação França [The French Connection,
1971] e do blockbuster prestes a ser lançado O Exorcista [The Exorcist, 1973]).
91
o auge do poder
41 “Loews’ National
Share ‘Godfather’ on Its
L.A. Start,” Variety (26 de
fevereiro de 1972), p. 4;
e “1970–’71–‘72 Pacers,”,
Variety (26 de julho de
1972), p. 5.
anunciou O Poderoso Chefão mais como um evento do que como um filme,
uma marca do estilo de marketing e de distribuição peculiares de Yablan.
É no mínimo irônico que um filme de autor tão legendário também
tenha sido o primeiro grande filme em uma nova era do marketing em
Hollywood, o primeiro em um antigo estúdio comandado por um novo
tipo de executivos, um tipo que entendia bem menos sobre filmes do que
sobre dinheiro.
Duas semanas depois, a Paramount publicou um anúncio de duas
páginas apresentando trechos de 39 resenhas. Mas, mesmo nesta propaganda mais tradicional, os recordes de bilheteria do filme vinham
em destaque. Em grandes letras de forma impressas acima e abaixo das
resenhas, era possível ler: “De cidade a cidade, estado a estado, costa a
costa, O Poderoso Chefão é agora um fenômeno”⁴⁰.
Seria difícil superestimar o impacto – na Paramount, na indústria
como um todo – do estrondoso sucesso de bilheteria de O Poderoso Chefão.
Como exatamente era possível reproduzir aquele sucesso era uma questão
grande e difícil, mas a quantidade de dinheiro que um estúdio poderia
arrecadar a partir de uma só propriedade parecia alterada para sempre.
Ao longo dos primeiros seis meses de 1972, O Poderoso Chefão arrecadou
mais de 30 milhões de dólares, aproximadamente o dobro que o blockbuster
da Paramount Love Story arrecadara no mesmo período no ano anterior
e quatro vezes as receitas obtidas pelo filme mais visto (entre janeiro e
junho) em 1970, Aeroporto⁴¹.
O sucesso do filme também teve impactos imediatos em Wall Street.
A menos de um mês da première de O Poderoso Chefão, uma ação da Gulf
and Western valia 44,75 dólares, uma alta histórica. Durante a semana de
3 a 10 de abril, a venda de ações da Gulf and Western foi suspensa duas
vezes, e foi invocado um requisito de margem de 100 por cento, duas
regras relativamente raras no mercado de ações, designadas a estabilizar uma ação volátil. Ao final do ano, a Divisão de Lazer da Paramount
Pictures da Gulf and Western apresentou lucros operacionais anteriores
aos impostos no valor de 31,2 milhões de dólares, uma alta de 55% em
relação ao ano anterior⁴².
No começo de dezembro de 1972, após a temporada de lançamento de maior sucesso de um filme na história, Yablans anunciou que a
Paramount planejava parar de distribuir O Poderoso Chefão a partir de 31
de dezembro. O plano na época era relançar o filme no dia 28 de março
de 1973, o dia seguinte à premiação do Oscar. Era uma aposta arriscada.
Evans e Yablans se lembraram da última vez em que tentaram estratégia
parecida, com Love Story indo muito mal no relançamento, após faturar
apenas um prêmio menor, de Melhor Trilha Sonora, em 1971.
Na noite do Oscar, O Poderoso Chefão foi bem melhor do que seu antecessor, vencendo as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Brando)
e Melhor Roteiro⁴³. O Poderoso Chefão foi relançado para uma segunda
temporada bem-sucedida e então, em um negócio espantosamente lucra-
par te ii
40 Anúncio Variety, 12 de
abril de 1972. p. 10–11.
47 pye, Michaels e myles,
Linda. The Movie Brats.
Nova York: Holt, 1975.
p. 97
se a história nos ensinou alguma coisa…
92
48 Ibid.
brilhante, porém esotérico, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em
1974 (contra competidores de peso: Amarcord, de Federico Fellini, Parada,
de Jacques Tati, O Medo Devora a Alma, de Rainer Werner Fassbinder, e
Renegados até a Última Rajada, de Robert Altman) e recebeu uma indicação ao Oscar para Melhor Filme, pouca coisa fez. O que mais preocupou
Yablans sobre A Conversação não foi o desempenho ruim do filme nas
bilheterias, mas que, no exato momento em que o futuro do estúdio
dependia de O Poderoso Chefão, Parte ii, Coppola parecia desinteressado
do próprio público de massa que ganhara dois anos antes.
Enquanto Bogdanovich, que mantivera um modesto histórico de
sucesso no começo dos anos 1970, precisava da companhia tanto quanto
ela precisava dele, tanto Friedkin quanto Coppola se tornaram grandes
demais em muito pouco tempo para que o acordo fizesse muito sentido
para eles. Em setembro de 1974, após o lançamento de O Exorcista (que
quebrou o recorde de bilheteria estabelecido por O Poderoso Chefão),
Friedkin se tornou o diretor mais disputado da indústria e anunciou
sua decisão de sair da Director’s Company, preferindo um acordo mais
tradicional com a Universal⁴⁹. Aproximadamente seis meses antes, enquanto produzia dois filmes ao mesmo tempo na Paramount, Coppola,
de maneira parecida, demonstrou pouco apoio à unidade da Director’s
Company, afirmando que, após o lançamento de O Poderoso Chefão, Parte
ii, ele pretendia deixar Los Angeles para “realizar filmes excêntricos sem
se preocupar se eles seriam ou não lucrativos”⁵⁰.
Em agosto de 1974, Coppola parecia preparado para fazer exatamente
isso, comprando uma participação significativa na Cinema 5, uma distribuidora independente⁵¹. Os filmes de baixo orçamento programados para
serem lançados na Cinema 5 incluíam Apocalypse Now (a ser dirigido por
John Milius, que escreveu o roteiro original no final da década de 1960
para a American Zoetrope de Coppola), O Retorno do Corcel Negro” (eventualmente reintitulado Corcel Negro, a ser dirigido por Carrol Ballard) e
Tucker (a ser dirigido por Coppola)⁵².
Não obstante o que Yablans sentisse sobre o fato de dois dos membros
da Director’s Company terem contribuído para o rápido fim da unidade,
ele não tinha a opção de alardear sua decepção na indústria. Na época,
Coppola ainda trabalhava em O Poderoso Chefão, Parte ii. O filme estava
previsto para ser lançado em dezembro de 1974 e Yablans precisava muito
de um sucesso. A Paramount caíra de número um para número cinco em
1974 e mais uma vez os cálculos de final de ano das bilheterias ofereciam
uma mensagem difícil de ser decifrada⁵³.
O filme número um de 1973 foi um filme B com elenco e orçamento
de filme A, realizado por um desconhecido diretor de estúdio – o épico
de catástrofe O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972), dirigido
por Ronald Neame, que arrecadou mais que o dobro do segundo lugar
no ano, mas menos da metade de O Poderoso Chefão. A lista dos dez mais
incluía outro filme de James Bond – Com 007 Viva e Deixe Morrer (Live
49 “Friedkin Exits
Directors Co.” em Variety,
11 de setembro de 1974.
p. 3.
50 albarino, Richard.
“Coppola’s Plans: To Lay
Low In Frisco, Little Pic
Project” em Variety, 27 de
março de 1974. p. 6.
51 “Coppola’s Cozy Rugoff
Deal” em Variety, 22 de
janeiro de 1975. p. 5–90.
52 “Cinema 5 Quarter
Net 60g; Cause Mostly
Swedish Import; Coppola
at Annual meeting” em
Variety, 29 de janeiro de
1975. p. 3. Todos os três
filmes, eventualmente,
chegaram ás telas,
embora nenhum lançado
através da Cinema 5
de Coppola.
93
53 Embora as receitas
de bilheteria do estúdio
fossem ruins para o ano,
a Paramount produziu
um número interessante
de filmes: o moderado
sucesso O Grande Gatsby
(The Great Gatsy, 1974),
Mikey and Nicky (1976),
A Trama (The Parallax View,
1974) e Serpico (1973).
Na verdade, Yablans
tinha boas razões para se
culpar pelo declínio da
receita do studio, pois
vendeu 50% da parte da
Paramount no sucesso
de bilheteria O Ocaso de
Uma Estrela (Lady Sings
the Blues, 1972) para Barry
Gordon, quando o filme
estourou o orçamento.
o auge do poder
46 yablans, Frank.
“Bold Approach to Pix
B.O.; and tv’s Production
Virility Yet To Be Tested”,
Variety em 3 de janeiro de
1973. p. 24.
Yablans chamou esta unidade de produção de Director’s Company
[Companhia dos Diretores]⁴⁵, e anunciou formalmente o contrato no
dia 3 de janeiro de 1973, em um comunicado à imprensa assinado pelo
próprio chefe do estúdio⁴⁶.
O contrato dos diretores com a Paramount estipulava as seguintes
condições: cada diretor realizaria três filmes ao longo dos seis anos seguintes – uma segunda versão do contrato determinava quatro filmes em
doze anos – e atuaria como produtor executivo em ao menos um filme
dirigido por um dos outros membros da companhia. Em consideração pelo
investimento de capital de 31,5 milhões da Paramount, por sua promessa
de autonomia criativa dentro de sua superestrutura de produção e de distribuição, pela garantia de financiamento para as produções (sem precisar
do incômodo de vender ideias para vários filmes) e por uma participação
de 50% no lucro dos filmes, os diretores ficavam obrigados a trabalhar
exclusivamente para a Paramount durante a duração do contrato.
Para Yablans, a Director’s Company era pouco mais do que uma atualização da antiga prática de Hollywood de contratar talentos. Mas não
foi assim que ele escolheu promover o acordo na indústria: “Esta é uma
relação familiar”, Yablans bravateou. “O que tornou este acordo possível
foi o grau de afinidade entre os diretores e o estúdio; estamos todos com
trinta e poucos anos e não temos uma grande hierarquia”⁴⁷. No que dizia
respeito a Yablans, a Director’s Company recontextualizava o cinema autoral no interior da superestrutura do estúdio; embora o acordo cedesse
um pouco de autonomia aos três famosos diretores, isso acontecia em
troca do que correspondia a uma capitulação dos diretores ao objetivo
primário dos estúdios de produzir filmes que dessem dinheiro. “Todos
passaram por sua fase de crescimento”, Yablans disse, “entregando-se a
seus gostos esotéricos. Coppola não está interessado em filmar uma árvore
de romãs crescendo no deserto. Todos são muito comerciais agora”⁴⁸.
Mas o otimismo de Yablans durou pouco. Primeiro ele lutou com o
conselho da Gulf and Western para transferir o controle sobre o ainda
não lançado O Poderoso Chefão, Parte ii do estúdio em si para a Director’s
Company. O estúdio impediu seu plano simplesmente observando que
a compra da propriedade O Poderoso Chefão e todas as suas sequências e
merchandising pelo estúdio antecedera a formação da nova unidade. Se o
conselho concordasse em permitir que Yablans transferisse o controle de
O Poderoso Chefão, Parte ii para a Director’s Company, a unidade ficaria com
saldo positivo menos de um ano após sua fundação. Quando o conselho
se recusou a apoiar o projeto de estimação de Yablans, eles minaram o
seu controle não apenas dos três diretores, mas também do estúdio.
No final das contas, somente três filmes foram produzidos sob a
bandeira da Director’s Company: A Conversação (The Conversation, 1974),
de Coppola, Lua de Papel (Paper Moon, 1973) e Daisy Miller (1974), de Peter
Bogdanovich. Apenas Lua de Papel trouxe algum dinheiro ao estúdio. Daisy
Miller foi um fracasso de público e de crítica, e A Conversação, um filme
par te ii
45 Eu forneço uma
discussão semelhante
sobre a Directors
Company, no contexto
das ambições de Coppola
no começo de sua
carreira, em Lewis, Whom
God Wishes To Destroy,
p. 16–18
se a história nos ensinou alguma coisa…
94
56 arneel, Gene. “Puts
Class in Bed with Porno”
em Variety, May 6, 1970;
“Recent Supreme Court
Rulings Tending to Set
Limits on Porno; Rebuff
of Idea of Anything Goes”
em Variety, 12 de maio
de 1971; kupferman,
Theodore. “Obscenity
Law Can’t Keep Changing”
em Variety, 5 de janeiro
de 1972; “Show Biz’s
Big-Leaf Crisis: High
Court Hands Reins over
Porno to Local Judges”
em Variety, 27 de junho
de 1973. p. 1–78; e verril,
Addison. “Community
Standards Spells c-o-nf-u-s-i-o-n” em Variety,
27 de junho de 1973. p. 5.
dia 25 de setembro de 1974, dois meses antes do lançamento de O Poderoso
Chefão, Parte ii, o ceo da Gulf and Western, Charles Bluhdorn, anunciou
que Barry Diller, um executivo de 32 anos da abc, havia sido contratado para se tornar o novo ceo e presidente do conselho da Paramount
Pictures. Yablans, a quem Bluhdorn culpou pelo fraco desempenho do
estúdio desde o lançamento de O Poderoso Chefão, fez uma saída silenciosa
e Diller assumiu o seu lugar para reivindicar o sucesso por O Poderoso
Chefão, Parte ii⁵⁷.
A produção de O Poderoso Chefão, Parte ii foi significativamente menos
conflituosa do que a do primeiro filme, em larga medida porque Coppola
foi contratado não apenas para coescrever o roteiro e dirigir o filme, mas
também para produzi-lo. Na ausência de Robert Evans (que estava ocupado produzindo filmes sob a bandeira “Robert Evans Productions”, de
propriedade da Paramount) e do produtor de O Poderoso Chefão Al Ruddy,
Coppola parecia estar com as mãos livres para fazer o que quisesse, e,
como resultado, a indústria teve pouco para noticiar.
De fato, o estúdio pareceu exercer seu poder somente durante o desenvolvimento e a produção do filme, e Coppola calmamente obedeceu.
Depois de Brando constranger o estúdio se recusando a aceitar o Oscar
de Melhor Ator por sua atuação em O Poderoso Chefão, e então de audaciosamente exigir 500 mil dólares mais 10% do faturamento bruto para
aparecer na sequência, o estúdio se recusou a contratá-lo⁵⁸. Sem Brando,
Coppola foi forçado a alterar seu conceito original para o filme. A narrativa revisada por Puzo e Coppola de O Poderoso Chefão, Parte ii tinha uma
estrutura consideravelmente mais elíptica do que a do primeiro filme.
Não desejando focar apenas em Michael Corleone após a mudança para
Nevada, os autores acrescentaram uma história de fundo a respeito do
jovem Don navegando nas ruas pobres de Nova York na virada do século.
Quando chegou a hora de produzir o filme, Coppola decidiu amarrar
as duas histórias por meio de uma série de fusões. As duas histórias
habilmente caracterizam o crime organizado (e seu impacto na família)
em duas etapas muito diferentes de desenvolvimento, mas este tema, e
a complexa estrutura narrativa e visual que se tornou o marco do filme,
resultaram menos por design e mais por necessidade.
A chave para o contrato de Coppola para O Poderoso Chefão, Parte ii era
o grau de autonomia criativa que Yablans estava disposto a – talvez até
mesmo ansioso para – ceder. Após os sucessos assombrosos de O Poderoso
Chefão e de Loucura de Verão nas bilheterias, Yablans tinha toda a razão
para acreditar que Coppola sabia melhor o que o público gostaria de ver
do que ele. Para seu crédito, ele não deixou que seu ego atrapalhasse seu
bom juízo; Yablans era, afinal de contas, antes de tudo um especialista
em dinheiro (e não em filmes).
Além de estar livre de interferências do estúdio no set de modo sem
precedentes, Coppola foi pago (e, de fato, foi tratado) como uma estrela do
cinema. Ele recebeu 250 mil dólares pelo roteiro, 200 mil para dirigir e,
57 murphy, A. D. “Barry
Diller, 32, New Par
Chairman: Bluhdorn
Move Surprises Film
Trade” em Variety, 25 de
setembro de 1974.
58 “Brando Makes
Demands, Can
Paramount Refuse?” em
Variety, 19 de novembro
de 1972. p. 3.
95
o auge do poder
55 Cf. “Trade Ponders:
X the Key to B.O.” em
Variety, 25 de feveiro de
1970. p. 1.
and Let Die, 1973) –, dois musicais da Broadway ( Jesus Cristo Superstar
[1973] e o relançamento de A Noviça Rebelde [The Sound of Music, 1965]),
dois filmes de aventura para machos (Os Implacáveis [The Getaway, 1972]
e Amargo Pesadelo [Deliverance, 1972]), Lua de Papel (Paper Moon, 1973), de
Peter Bogdanovich, e dois filmes que realmente preocuparam os estúdios
– o blockbuster independente de George Lucas Loucura de Verão ([American
Graffiti, 1973], que todos os estúdios recusaram até Coppola assinar como
produtor nominal do filme) e um filme produzido no exterior, O Último
Tango em Paris (Le Dernier Tango à Paris, 1972), de Bernardo Bertolucci, até
então o filme de conteúdo sexual mais explícito a ser lançado por um
grande estúdio americano.
O que tornava O Último Tango em Paris um grande problema para os
estúdios não era apenas a reputação de Bertolucci como a de um autor que
controlava cada aspecto da produção, mas que outros três filmes censurados
para menores – Garganta Profunda (Deep Throat, 1972), O Diabo na Carne
de Miss Jones (The Devil in Miss Jones, 1973) e Atrás da Porta Verde (Behind the
Green Door, 1972)⁵⁴ – também apareceriam na lista de filmes mais vistos se
a Variety não se recusasse a listar filmes pornográficos ao lado dos chamados filmes tradicionais. O sucesso surpreendente, até mesmo no circuito
mainstream (uma vez que as três obras foram exibidas em salas “normais”
em grandes cidades ao redor do país), dos filmes de sexo explícito apresentou um problema muito difícil para os grandes estúdios. Desde 1970,
um ano de recorde negativo para a indústria, começara-se a especular se
filmes censurados para menores de 18 anos poderiam ser a chave para o
futuro da indústria⁵⁵, e de 1971 a 1973 os estúdios foram forçados a apenas
assistir à indústria pornô aumentar sua participação de mercado, enquanto a Suprema Corte dos eua decidia o quanto as comunidades tinham
a dizer sobre o que podia ser exibido em salas de cinema locais⁵⁶.
A instituição eventual de “normas comunitárias” como forma de
controlar a indústria pornográfica ajudou muito os estúdios a reestabelecerem o controle do mercado. Mas de 1970 a 1973, aproximadamente os
anos de desenvolvimento dos dois primeiros filmes de O Poderoso Chefão,
executivos dos estúdios passaram muito tempo preocupados pelo que
precisariam fazer se os tribunais apoiassem um mercado totalmente
aberto – e que espécie de concessão precisariam fazer não apenas para
esse novo público, mas também para autores poderosos que, seguindo o
exemplo de Bertolucci, decidissem fazer filmes mais explícitos.
Menos de um ano depois da decisão do estabelecimento de “normas
comunitárias”, a indústria de filmes tradicionais recuperou-se de modo
radical. Em 1974, as receitas de bilheterias de filmes tradicionais foram
as segundas mais altas na história. Mas uma vez que O Poderoso Chefão,
Parte ii estreou no final de dezembro de 1974, suas receitas não foram
registradas até o começo do ano seguinte. Como resultado, 1974 não foi
um ano particularmente bom para a Paramount e foi um ano particularmente ruim para Yablans. Em uma grande surpresa na indústria, no
par te ii
54 Cf. “Throat Profits
versus Non-Porno Field”
em Variety, July 4, 1973; e
“1973: Moments of Truth
for Film” em Variety, 9 de
janeiro de 1974. p. 44.
61 kael, Pauline.
The Current Cinema
(crítica de O Poderoso
Chefão, Parte ii). New
Yorker, 23 de dezembro
de 1974. p. 63–68.
se a história nos ensinou alguma coisa…
96
para realizar pequenos filmes baratos. Por mais sedutora que a teoria
dos autores tenha parecido inicialmente, no final de 1974, os estúdios
vieram a se dar conta de como sua implementação poderia ser perigosa.
Após A Conversação, os executivos de estúdio tinham razões para temer a
possibilidade de outros grandes diretores começarem a realizar pequenos
filmes pessoais com o dinheiro deles. E embora ainda não tivesse acontecido, um cenário ainda mais perigoso avultava-se: a possibilidade de
algum diretor realizar um pequeno filme pessoal de grande orçamento.
O P O D ER OS O C HEFÃO, PA R TE I I I
O Poderoso Chefão, Parte iii foi um projeto ao qual Coppola firmemente se
opôs entre 1974 e 1989. Ele era tão contrário à ideia de mais uma sequência
que disse à imprensa que faria um terceiro filme apenas se pudesse ser
uma farsa, como “Abbot e Costello Encontram o Poderoso Chefão”⁶².
Ao longo da década de 1970, circulava o rumor em Hollywood de
que a Paramount queria escalar John Travolta como um Don de terceira
geração, com Coppola não participando do filme. Mas a verdade é mais
complicada. De 1975 a 1979, Coppola esteve envolvido no desenvolvimento
e na produção de Apocalypse Now, e, nos quatro anos seguintes, em uma
audaciosa, porém malograda, tentativa de ter o próprio estúdio. Em 1982,
o estúdio estaria à venda, e dois anos mais tarde, quando a venda fora finalmente realizada, Coppola consideraria declarar falência para conseguir
proteção de dívidas decorrentes da produção de Do Fundo do Coração (One
from the Heart, 1982), um filme que deu prejuízos de cerca de 27 milhões
de dólares⁶³.
Em 1985, a reputação de Coppola diminuíra tanto que os executivos da
Paramount começaram a pensar em fazer o filme sem ele. Boatos dizem
que o ceo da Paramount, Frank Mancuso, chegou a oferecer o filme para
o diretor nascido na Rússia Andrei Konchalovski, e então para as estrelas
Sylvester Stallone e Eddie Murphy, mas que nenhum acordo viável foi
alcançado. Em 1989, quando Mancuso decidiu mais uma vez oferecer
o filme a Coppola, o diretor estava disposto a aceitar; ele estava sem
dinheiro e não tinha realizado um só sucesso em mais de 10 anos⁶⁴.
Além disso, Coppola foi receptivo à ideia porque dois anos antes
Mancuso fora generoso ao aceitar primeiro financiar e então promover
o filme semi-autobiográfico de Coppola Tucker: Um Homem e Seu Sonho
(Tucker: The Man and His Dream, 1988). Quando Tucker foi lançado em 1988,
para obter resultados decepcionantes nas bilheterias, Mancuso continuou
o apoiando na imprensa. Talvez tenha sido o mínimo que ele pudesse
fazer, e depois das receitas complementares terem sido contabilizadas,
a Paramount pode ter continuado com prejuízo. Mas o apoio de Mancuso era um tratamento muito superior ao que Coppola se acostumara
na década de 1980, e sem dúvidas foi muito importante para reparar o
relacionamento de Coppola com o estúdio⁶⁵.
62 kroll, Jack. “The
Corleones’ Return”
em Newsweek, 24 de
dezembro de 1990. p. 58.
63 O projeto do Zoetrope
Studios é uma longa
história, que eu conto
em Whom God
Wishes to Destroy.
64 Apenas dois filmes de
Coppola nos anos 1980
foram lucrativos: Vidas
Sem Rumo (The Outsiders,
1982), produzido com a
única intenção de pagar
as contas do Zoetrope
Studios, e Peggy Sue, Seu
Passado à Espera (Peggy
Sue Got Married, 1986),
um filme que ele não
escreveu, desenvolveu
ou produziu.
97
65 Em 1982, o então ceo
da Paramount, Barry
Diller, renegou um
acordo para distribuir
Do Fundo do Coração
e, assim, faliu Coppola
e seu estúdio. Que
Coppola acreditasse que
realmente devesse à
Paramount um favor
após o lançamento de
Tucker: Um Homem e Seu
Sonho apenas seis anos
depois, apoia o velho
ditado na indústria de
que vale a pena ter uma
memória curta.
o auge do poder
60 “The Godfather Part
ii” em Variety, 11 de
dezembro de 1974.
via uma fórmula absurdamente complicada, entre 10 e 15% dos lucros
líquidos do filme como produtor, valor que eventualmente foi, como
todos na Paramount esperavam, considerável⁵⁹ (Pacino também recebeu
muito melhor ao aceitar participar da sequência; seu salário foi de 500 mil
dólares, 25 vezes aquele pago pelo papel de Michael no primeiro filme).
Coppola realizou O Poderoso Chefão, Parte ii por aproximadamente
15 milhões de dólares, bem mais que o dobro do custo de produção do
primeiro filme. Embora o estúdio esperasse manter o orçamento na casa
dos 8 milhões, quando o filme estava pronto, havia pouco motivo para
preocupação. O Poderoso Chefão, Parte ii deu lucro semanas antes de sua
primeira exibição, já que o estúdio recebeu mais de 26 milhões de dólares
de adiantamento de exibidores no começo de dezembro de 1974.
O Poderoso Chefão, Parte ii não quebrou qualquer recorde de bilheteria.
Foi um sucesso, mas não na escala do primeiro filme. E em larga medida o
seu sucesso foi quase um mau presságio, uma vez que revelou uma fraqueza
fundamental na indulgência dos estúdios em relação à teoria dos autores
em Hollywood. Começando com uma crítica que aclamava o filme na Variety,
uma frase iria continuamente assombrar os executivos na Paramount:
“Coppola deteve o total controle de O Poderoso Chefão, Parte ii”⁶⁰.
O filme fez tanto sucesso com os críticos quanto o primeiro filme fez
com o público. Enquanto Yablans pagou por 10 páginas da Variety para
ostentar os números de O Poderoso Chefão nas bilheterias, Diller publicou um anúncio de duas páginas com trechos de grandes resenhistas,
todos enaltecendo a sequência. Era a melhor e talvez a única maneira de
realizar uma campanha promocional do filme, mas deve ter sido difícil
para Diller aceitar que o estúdio havia deixado um projeto nas mãos de
um diretor e que o resultado não era apenas um sucesso de bilheteria,
mas, ao menos de acordo com os críticos, um dos dois ou três melhores
filmes já feitos por um estúdio de Hollywood.
A resenha de Pauline Kael na New Yorker resumia a importância do
filme: “[O Poderoso Chefão] é a obra de um grande artista – quem mais iria,
ao ter a oportunidade e o poder, seguir adiante com a absoluta convicção
de que deveria ter feito o filme da forma como fez? No cinema, esta é
a voz interior de um autêntico herói”⁶¹. O que Kael reconhecia não era
apenas a qualidade inerente do filme, mas sua importância histórica em
termos de uma crescente tradição autoral no cinema americano. Quando
o filme venceu os prêmios de Melhor Filme e de Melhor Diretor no Oscar,
o estúdio mais uma vez explorou com dedicação a aceitação do filme na
indústria e o aparente brilhantismo de seu diretor, mesmo se, ao fazer
isso, parecesse sugerir que eles começavam a pensar que dar carta branca
aos diretores pudesse de fato ser uma boa ideia.
É claro, A Conversação, um filme aclamado de modo parecido pela crítica, enviava outro tipo de mensagem. Ao contrário de O Poderoso Chefão,
Parte ii, A Conversação não obteve bons resultados domésticos e sugeria
que Coppola talvez não estivesse brincando sobre deixar Hollywood
par te ii
59 “‘Godfather’ Ups
Pacino, Coppola to
Stratosphere” em Variety,
19 de agosto de 1973. p. 1.
de dólares em 1988). Embora fosse apenas uma sequência (em uma era
de sequências) e um filme vinculado de maneira muito significativa
ao passado recente da Paramount, O Poderoso Chefão, Parte iii também
era um projeto de prestígio, e a Paramount necessitava do filme para
reestabelecer sua legitimidade como um estúdio que (também) fazia
filmes de qualidade.
De modo ainda mais importante, no final de 1989, Mancuso precisava
do filme para desviar a atenção daquela que aparecera como a notícia
mais significativa do ano na indústria cinematográfica, uma notícia
na qual a Paramount claramente parecera a derrotada. Em abril, a Gulf
and Western anunciou sua decisão de vender sua “unidade financeira”
para consolidar seus interesses na indústria de entretenimento. Menos
de dois meses depois, Davis publicou um anúncio de página inteira na
Variety, anunciando o novo nome da companhia: Paramount Communications Inc.⁶⁷. O novo e diversificado estúdio de Davis se preparava para
fazer negócios na década de 1990: suas atividades atravessavam vários
gêneros e indústrias, tendo a capacidade de reproduzir um só produto
em várias formas (ou formatos) dentro de uma família de companhias ou
diretamente possuída ou controlada por Davis. Mas, apesar da aparente
sabedoria de Davis na consolidação dos recursos da empresa, a indústria
se interessava apenas em especular sobre o que a Paramount planejava
fazer com todo o dinheiro que arrecadara da venda e quem poderia tentar
adquirir a companhia se Davis não conseguisse rapidamente encontrar
um espaço para ela.
A quantidade de dinheiro em questão era significativa de acordo
com qualquer parâmetro: 3,5 bilhões de dólares. A mca era um alvo
anunciado (ela eventualmente iria para a multinacional japonesa de
eletrônicos, a Matsushita), e havia rumores a respeito da Tribune
Corporation, grupo baseado em Chicago que possuía alguns jornais e
canais de televisão (abc, cbs, ncb e Time Inc.), que na época anunciara sua intenção de se fundir com a Warner Communications (wci)⁶⁸.
Também circulava o boato sobre uma possível fusão da Paramount com
a Viacom, de Sumner Redstone, uma companhia que possuía salas de
exibição, sistemas de televisão a cabo e os canais de televisão Showtime,
The Movie Channel e mtv⁶⁹.
No dia 6 de junho de 1989, Davis finalmente fez o seu lance, e ele foi
chocante: ele foi atrás da Time. Daquele dia até 20 de setembro de 1989,
a batalha entre a wci e a Paramount dominou a indústria⁷⁰. A história
antecipava quais seriam os parâmetros e a forma de outra nova Hollywood
– uma que, como Richard Gold resumiu bem na Variety, “todo o show
business será controlado por dois ou três conglomerados”⁷¹.
Davis tinha algumas razões para realizar a oferta hostil de 10,7 bilhões de dólares, pagando 175 dólares por ação pela Time: 1) O acordo
prometia dar à Paramount um espaço produtivo para colocar seu excesso de dinheiro para trabalhar; 2) Dadas as participações extensivas da
67 Variety, 7–13 de junho
de 1989. p. 15.
68 gold, Richard. “G&W
Pares Down to Media
Only; Possibilities
Abound” em Variety,
12–18 de abril de 1989.
p. 1 e 4.
69 “Pending Sale of
Associates First Indicates
g& w May Be Considering
Viacom Merger” em
Variety, 10–18 de maio
de 1989. p. 3.
70 gold, Richard.
“Size Is The Ultimate Prize
as Showbiz/Media Corps
Fight for Supremacy”
em Variety, 14–20 de
junho de 1989. p. 1, 6;
gold, Richard “Will ParTime-wci War Victimize
Creatives” em Variety,
21–27 de junho de 1989.
p. 1 e 4; gold, Richard
“Intense Propaganda Fight
Marks Par vs. wci War”
em Variety, 26 de junho
e 4 de julho de 1989. p. 1
e 5; gold, Richard. “Par’s
Block Looks Like a Bust
as Court Backs Time
Director’s Stand” em
Variety, 19–25 de julho
de 1989. p. 1 e 6; gold,
Richard e harris, Paul.
“Times Marches on,
Grabs Warner, Outpaces
Par” em Variety, 26 de
julho e 1 de agosto de
1989. p. 1 e 6; “Time
Inc. Buyout Attempt
Puts Dent in Paramount
Communications Qtr.”
em Variety, 20–26 de
setembro de 1989. p. 9.
71 gold, Richard.
“Size Is The Ultimate Prize
as Showbiz/Media Corps
Fight for Supremacy” em
Variety, 14–20 de junho
de 1989. p. 1.
99
o auge do poder
se a história nos ensinou alguma coisa…
98
É concebível que Mancuso tenha cinicamente usado seu investimento e sua cooperação durante a produção e o lançamento de Tucker para
eventualmente convencer Coppola a dirigir O Poderoso Chefão, Parte iii.
Em 1989, os dois primeiros filmes da série O Poderoso Chefão tinham arrecadado mais de 800 milhões. Se Mancuso precisasse perder dinheiro
em Tucker para conseguir realizar O Poderoso Chefão, Parte iii, era um
dinheiro bem gasto.
Ademais, na época, Mancuso percebeu que a Paramount precisava
do filme tanto quanto Coppola. O estúdio ainda estava se recuperando
de turbulências corporativas que se seguiram à morte do ceo da Gulf
and Western Charles Bluhdorn em 1983. O sucessor de Bluhdorn foi o
executivo muito mais conservador do ponto de vista fiscal Martin Davis,
cuja primeira medida como ceo foi colocar Mancuso, um especialista
em marketing, como encarregado do estúdio. Ao fazer isso, ele estava anulando um acordo realizado por Bluhdorn com o chefe de estúdio Barry
Diller, mais voltado para a produção (e menos controlável), um acordo
que garantira ao antigo executivo da abc-tv que sua autonomia e poder
na Paramount aumentariam com o tempo. Diller entrou com uma ação
por violação de contrato – processo que depois seria resolvido fora dos
tribunais –, e então assumiu cargo parecido na Fox⁶⁶.
Pouco tempo depois de Diller anunciar sua decisão de deixar o estúdio,
o segundo na linha de comando, Michael Eisner, renunciou. Algumas
semanas depois, Eisner foi nomeado ceo na Disney. E então, em uma
dramática exibição de desconfiança pela nova liderança da Paramount,
Jeffrey Katzenberg, Bill Mechanic, Helen Hahn, Richard Frank e Bob
Jacquemin – altos executivos no departamento criativo e jurídico – deixaram o estúdio para se unir a Eisner na Disney. O que tornou as renúncias
em massa ainda mais constrangedoras foi o fato da Disney não ser um
grande estúdio na época; ela acabava de sobreviver a uma tentativa desastrosa de compra e parecia destinada a enfrentar outra, exceto se Eisner
pudesse fazer a companhia mudar completamente de direção.
Para a tristeza de Davis, ao final da década, a revolução da Disney
estava completa. Sob a liderança de Eisner, o estúdio seguia firme para
se tornar o conglomerado de entretenimento mais poderoso do planeta.
Enquanto isso, sob Davis e Mancuso, a Paramount parecia não saber
para onde ir. O estúdio continuava produzindo filmes lucrativos – Top
Gun e Crocodilo Dundee foram, respectivamente, os filmes número um e
dois de 1986; no ano seguinte, Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987) ficou
em segundo lugar, muito próximo a Três Solteirões e Um Bebê (Three Men
and a Baby, 1987), da Disney – mas, em sua maior parte, as maiores propriedades do estúdio eram oriundas de regimes anteriores: os filmes de
Indiana Jones, a série Jornada nas Estrelas (Star Trek), Um Tira da Pesada
(Beverly Hills Cop, 1984) e, virtualmente, qualquer coisa com Eddie Murphy (incluindo o incrivelmente ruim Um Príncipe em Nova York [Coming
to America, 1988], que, de algum modo, arrecadou mais de 128 milhões
par te ii
66 Desde sua
saída da Fox, Diller
permanence nas
notícias, recentemente
competindo pelo controle
de seu antigo estúdio
(com apoio do milionário
da televisão a cabo
John Malone). Diller
perdeu para Sumner
Redstone e Viacom, e
depois falhou na tentativa
de assumer o controle da
cbs, para se tornar o ceo
pós-Matsushita mca.
se a história nos ensinou alguma coisa…
100
Coppola precisou reescrever o filme, excluindo um de seus personagens
principais, o advogado de Michael e seu irmão adotado Tom. Em seu
lugar, Coppola apresentou um novo personagem, um advogado astuto
vindo da elite americana (interpretado por George Hamilton). A recusa
de Mancuso em atender ao preço pedido por Duvall teve um impacto significativo sobre o filme: a obra ficou ainda mais desconectada
de seus dois antecessores, e sua temática sobre a expectativa por legitimidade como uma traição à família e à etnicidade parecia reforçada. Além disso, a presença de Hamilton servia como uma lembrança
da ausência de Duvall.
Eventualmente, um segundo problema de elenco surgiu. Winona
Ryder, contratada para interpretar Mary, a filha de Michael, apareceu
no set exausta e precisou ser mandada para casa. Coppola decidiu substituí-la por sua “filha real”, Sofia, que virtualmente não tinha qualquer
experiência atuando. Mancuso contrapôs-se a essa ideia com uma oferta
para contratar qualquer atriz de Hollywood – até mesmo, conforme diziam boatos na época, Madonna (que havia realizado testes para o papel
meses antes, mas fora rejeitada por ser muito velha para a personagem).
Coppola espertamente argumentou que escalar outra pessoa atrasaria o
filme e Mancuso parou de insistir.
Apesar de toda a pressão de Mancuso, Coppola completou as filmagens
antes do previsto. Novamente, para conseguir lançar o filme a tempo do
Natal, Mancuso contratou um exército de montadores, os fez trabalhar
ininterruptamente e os pagou (sem esconder a ninguém) aproximadamente
50 vezes o que teria custado para contratar a um só montador. Assim como
acontecia com tantos “filmes-eventos” na Nova Hollywood, uma vez que
o filme estivesse encaminhado, o dinheiro, em quantias desconcertantes,
estava sempre disponível.
Como Mancuso esperava, O Poderoso Chefão, Parte iii foi lançado a
tempo do Natal de 1990. Seu custo de produção foi de aproximadamente 54 milhões de dólares, 10 milhões acima de seu orçamento original.
Em larga medida, o estouro do orçamento foi culpa de Mancuso, e, para
seu crédito, mesmo quando o filme não fez tanto sucesso quanto esperado,
ele nunca culpou Coppola por não manter o orçamento⁷⁴. Ele entendeu
que a sua pressa para lançar o filme a tempo do final do ano foi a “verdadeira” razão para os excessos no orçamento, e, sem dúvida, percebeu
que as bilheterias domésticas iniciais do filme eram uma parte muito
pequena de sua maior importância para o estúdio.
Em seu lançamento doméstico inicial, O Poderoso Chefão, Parte iii
faturou aproximadamente 70 milhões; tomado separadamente, um valor decepcionante. Ajustando as diferenças de valor entre 1972, 1974 e
1990 e as diferenças nos preços dos ingressos, O Poderoso Chefão, Parte
iii foi, por uma margem significativa, o filme da trilogia que fez menos
sucesso. Mas em Hollywood, naqueles dias, o sucesso nas bilheterias
era uma parte muito pequena do valor de um filme para um estúdio.
74 kroll, 1990a: 58.
101
o auge do poder
73 kroll, 1990a:
58–61. Cf. também kroll,
1990b: 68–69.
Time e da Paramount no ramo editorial, as companhias combinadas
praticamente monopolizariam o mercado de impressos; 3) A oferta de
Davis, e o subsequente desafio legal à fusão Time-wci, claramente incomodou a seu rival de longa data, Steve Ross, e o resto da equipe na wci,
no momento preciso em que o estúdio de cinema da Warner Brothers ia
muito bem, exibindo números de bilheteria excelentes com Batman, um
filme que eventualmente arrecadou mais de 250 milhões de dólares no
mercado doméstico.
A batalha entre a Paramount e a wci é muito complexa e confusa para
ser aprofundada aqui; no final, um juiz da Suprema Corte de Delaware
anulou a tentativa da Paramount de disputar a negociação, e eventualmente
a Time simplificou as coisas adquirindo a wci completamente. Quando
o acordo entre a Time e a Life estava fechado, a Paramount tinha mais
com o que se preocupar do que com a felicidade de seus concorrentes.
Voltou-se a especular sobre quem poderia adquirir o estúdio. Candidatos prováveis incluíam a Telecommunications, Inc (tci), o Cablevisions
Systems, a controladora da nbc General Electric, a Sony, a Bertelsmann
da Alemanha Ocidental e a Hachette da França⁷². É uma ironia que, sem
dúvida, escapou aos envolvidos, mas, no próprio momento em que Coppola
preparava um roteiro sobre jogadores maquiavélicos envolvidos em supernegócios internacionais, a Paramount se encontrou em um cenário
desconfortavelmente parecido.
A produção de O Poderoso Chefão, Parte iii transcorreu de modo relativamente tranquilo, porque tanto Mancuso quanto Coppola precisavam
de um sucesso e nenhum dos dois podia comprar brigas com o outro.
O problema mais significativo enfrentado por Coppola foi a determinação
obsessiva de Mancuso de lançar o filme no Natal de 1990; ele era, afinal de
contas, um executivo de marketing e não de produção. Quando Mancuso
assinou um contrato para Coppola escrever e dirigir o filme, Coppola
pediu seis meses para desenvolver uma história e um roteiro. Mancuso
lhe concedeu seis semanas. Para o crédito de Mancuso, ele entendeu que
cabia a Coppola fazer de O Poderoso Chefão, Parte iii um filme-evento, mas
que era responsabilidade do próprio Mancuso garantir que ele estivesse
nos cinemas certos durante a alta temporada.
O orçamento original para O Poderoso Chefão, Parte iii era de 44
milhões de dólares, considerado elevado para a época, mesmo para um
filme tão grande. Uma das razões para o custo do filme eram seus salários
exorbitantes, muito acima da média do mercado. Mancuso concordou em
pagar a Coppola 3 milhões de dólares para dirigir, 1 milhão para escrever
e (de acordo com estimativas) até dois outros milhões, somados a 15% das
receitas brutas, para produzir o filme. Para passar à fase de produção tão
prontamente quanto possível, Mancuso atendeu ao pedido de Al Pacino
por 5 milhões e ao de Diane Keaton por 2 milhões.
Mas então, misteriosamente, Mancuso recusou-se a pagar mais de
1,5 milhão a Robert Duvall⁷³. Duvall saiu do filme e, como resultado,
par te ii
72 gold, Richard.
“Paramount Should Look
to Buy Elsewhere, Lest
It Be Taken Over Itself,
Experts Say” em Variety,
19 a 25 de julho
de 1989. p. 6.
se a história nos ensinou alguma coisa…
102
77 fuller, Graham.
“Francis Ford Coppola:
“Will His New Film,
Bram Stoker’s Dracula,
Drive a Stake into His
Credibility, or Ressurrect
His Creative Might?” em
Interview, novembro
de 1992. p. 117.
Havia uma história irônica por trás da batalha legal entre Coppola e
Singer – a estratégia legal de Coppola para anular as dívidas dependia de
acusações bastante infundadas conectando Singer ao crime organizado.
Em 1989, os advogados de Coppola defenderam que os 3 milhões que
Singer emprestara a Coppola eram um dinheiro que o milionário canadense obtivera por atividades ilegais envolvendo extorsão no Texas, e que
portanto não estavam sujeitos a ressarcimento. Uma corte da Califórnia
viu as coisas de outra maneira.
No exato momento em que parecia prestes a um retorno a Hollywood,
Coppola precisou pagar 12 milhões em dívidas para manter sua casa e
sua vinícola no Vale do Napa. E embora ele devesse receber mais de seis
milhões por seu trabalho em O Poderoso Chefão, Parte iii, não era claro
na época quem exatamente iria desfrutar desse dinheiro⁷⁸.
Aproximadamente duas semanas depois da première de O Poderoso
Chefão, Parte iii, o antigo executivo da Paramount Peter Bart trouxe um
segundo subtexto provindo do mundo do crime ao filme. Em um artigo
de uma página chamado “Como a Par[amount] se ligou para os caras
espertos no estúdio”, Bart afirmou que, em 1972, “interesses intimamente ligados à Máfia tinham conseguido estabelecer uma base secreta na
Paramount”, e que eles tinham feito isso como resultado de um significativo investimento no estúdio realizado por um famoso financiador
italiano chamado Michele Sindona. No começo dos anos 1970, Sindona
entrou em um complexo acordo com o então presidente da Gulf and
Western, Charles Bluhdorn, acordo que foi central para a dramática virada de rumos da Paramount no exato momento em que Evans, Coppola e
Puzo desenvolviam O Poderoso Chefão. Bluhdorn ajudou Sindona a comprar uma participação de 20% de uma companhia sediada no Vaticano,
a Società Generalle Imobiliare. Esta empresa, por sua vez, comprou uma
participação significativa na Paramount, fornecendo ao estúdio um capital
muito necessário.
Boatos sobre conexões de Sindona com a Máfia – dizia-se que ele era
o conselheiro financeiro da Família Gambino – começaram a circular
somente após sua prisão, sua condenação por fraude e sua subsequente
extradição à Itália para ir a julgamento por assassinato (onde, em 1986,
ele morreu na prisão em circunstâncias misteriosas).
De acordo com Bart, em um esforço para convencer Coppola a fazer
um terceiro O Poderoso Chefão no começo da década de 1980, Bluhdorn
contou a Coppola o que sabia sobre Sindona, sobre seu acordo com o
Vaticano e sobre como a morte misteriosa do chamado Papa Sorridente,
João Paulo I, talvez viesse daí. Em O Poderoso Chefão, Parte iii, é Michael
Corleone quem tenta comprar uma participação majoritária em um
conglomerado escuso, Immobiliare, e então perde sua vantagem quando
o Papa é assassinado após pouco mais de um mês no cargo. É em reconhecimento a seu encontro com Bluhdorn e às várias conexões entre a
história do executivo e aquela contada em O Poderoso Chefão, Parte iii,
78 Cf. gold, Richard.
“Coppola Bankruptcy
Baffles Creditors and
Colleagues” em Variety,
31 de janeiro de 1990. p. 1
e 4 ; e hlavacek, Peter.
“Apocalypse Now, Chapter
Eleven” em Variety, 14 de
março de 1990. p. 3 e 14.
103
o auge do poder
76 Eu também discuto
O Poderoso Chefão,
Parte iii em lewis, 1995:
154–159.
Somando-se ao lançamento doméstico de O Poderoso Chefão, Parte iii no
cinema, o estúdio controlava os direitos do filme em videocassete e televisão por assinatura, além de se beneficiar da distribuição estrangeira
do filme. Na Europa, onde a reputação de Coppola nunca ficou manchada como nos Estados Unidos, O Poderoso Chefão, Parte iii prometia ser
um grande evento.
A Paramount protegeu-se adicionalmente, lançando como carona
do novo filme uma caixa especial de videocassetes incluindo os dois
primeiros O Poderoso Chefão e, como se tornou moda na indústria, “cenas
nunca antes vistas”, editadas em um suposto corte do diretor⁷⁵. O estúdio
também coordenou uma reexibição dos dois primeiros filmes na hbo
(que pertencia à Time-Warner), o que não apenas trouxe receitas para o
estúdio, mas ajudou a tornar o lançamento de O Poderoso Chefão, Parte
iii um evento multimídia.
De modo ainda mais importante, os interesses da Paramount no
filme não tinham limite de tempo. O estúdio podia (assim como de fato
fez) esperar o seu próprio tempo para lançar O Poderoso Chefão, Parte
iii na televisão a cabo e em fitas de videocassete para locação e compra.
Ademais, como Mancuso esperava que fosse acontecer, o filme provou
que a Paramount era (mais uma vez) capaz de fazer um filme de prestígio.
Apenas dois meses após seu lançamento nacional, O Poderoso Chefão, Parte
iii recebeu indicações para o Oscar nas categorias Melhor Filme, Melhor
Diretor e Melhor Ator Coadjuvante⁷⁶.
Durante a produção, Coppola precisou lidar com uma série de contratempos para garantir a proteção contra a falência devido a débitos
que datavam de 1982. No dia 25 de janeiro de 1990, Coppola registrou
ter dívidas chegando a 28,9 milhões de dólares. Grande parte desse dinheiro o diretor (ainda) devia a Jack Singer, um financiador canadense
que emprestara 3 milhões de dólares a Coppola em 1981 para ajudá-lo a
financiar a produção de Do Fundo do Coração. Em 1984, Singer comprou o
estúdio de Coppola (do Security Pacific Bank, que eventualmente executou
a hipoteca da propriedade), mas continuou a ver os 3 milhões como um
empréstimo independente. Em 1990, a uma taxa de juros de 18%, Singer
afirmava que Coppola devia a ele mais de 7 milhões.
Coppola discutiu a relevância dos procedimentos envolvendo a falência para a produção de O Poderoso Chefão, Parte iii em uma entrevista
de 1992 intitulada, de modo feliz e apropriado, “Irá o novo filme [de
Coppola] Drácula de Bram Stoker cravar uma estaca em sua credibilidade
ou ressuscitar seu poder criativo?”. Perguntado sobre seu estado mental
enquanto trabalhava em O Poderoso Chefão, Parte iii, Coppola respondeu:
“em determinado momento, eu estava sendo processado e perseguido
pelo homem que ficou com o meu estúdio, e ele queria outros 7 milhões.
Então eu simplesmente fiz O Poderoso Chefão, Parte iii do modo como
me sentia sobre as coisas, me pondo, de certa forma, nos sapatos de
Michael Corleone”⁷⁷.
par te ii
75 O “corte do diretor”
foi, na verdade, “cortado”
pelo montador de longa
data de Coppola, Barry
Malkin, e se assemelhava
a The Godfather Saga,
que foi ao ar na televisão
após o lançamento de
O Poderoso Chefão, Parte ii.
79 bart, Peter. “How Par
Wised Up to Wiseguys on
Backlot” em Variety, 7 de
janeiro de 1991. p. 1 e 110.
se a história nos ensinou alguma coisa…
104
Bart defende, que Coppola, em última instância, decidiu dedicar o filme
à memória de Bluhdorn⁷⁹.
Olhando retrospectivamente, é difícil não perceber a ironia na história de Bart; em última instância, foi um investimento secreto por um
renomado gângster siciliano que tornou possível a produção do que talvez
seja o maior filme de gângsteres já feito. Que o filme tenha desempenhado um papel tão grande na virada da indústria no começo da década
de 1970 parece sugerir que o investimento de Sindona alterou dramaticamente o destino não só do estúdio, mas talvez também de Hollywood
como um todo.
A REALIZAÇÃO DE
O PODEROSO CHEFÃO
O verdadeiro motivo para eu decidir escrever este artigo, eu acho, foi o
fato dos chefes da Paramount terem recusado meu pedido para assistir ao
corte final do filme quando e como eu gostaria de tê-lo visto. Odeio admitir
que tenho tanto ego, mas, com mil diabos, ninguém é perfeito.
O incidente que descrevo também me fez chegar à decisão de jamais
escrever outro filme a não ser que eu tenha a palavra final. Eu disse isso
à minha agente. O que, em termos práticos, significa que estou fora de
Hollywood.
Antes disso tudo acontecer, assinei contratos para escrever outros dois
filmes, que, a essa altura, estão quase prontos. Então acredito estar qualificado para dizer que roteiros para cinema são a forma menos satisfatória
para um escritor. Mas, como tudo na vida, é divertido tentar uma vez.
A maioria dos filmes é uma porcaria, e eles são uma porcaria porque as
pessoas que têm a palavra final não entendem como uma história ou um
personagem funcionam. Hollywood ainda não entendeu que seu dinheiro
no banco deveria servir para promover um escritor a um status igual ao
de um produtor, de um diretor ou (ouso dizer) ao do chefe de um estúdio.
Publicado originalmente
sob o título “The Making
of the Godfather”
em duncan, Paul e
schapiro, Steve. The
Godfather Family Album.
Nova York: Taschen, 2010.
p. 15–55. Tradução de
André Duchiade.
107
mario puzo
par te ii
Escrevi três romances. O Poderoso Chefão não é tão bom quanto os dois
anteriores: eu o escrevi para ganhar dinheiro. Meu primeiro romance,
A Guerra Suja (The Dark Arena, 1955) recebeu majoritariamente críticas muito
boas afirmando que eu era um escritor que merecia atenção. Naturalmente
eu pensei que ficaria rico e famoso. O livro me rendeu 3500 dólares e eu
ainda não sabia que precisaria esperar 15 anos para que isso acontecesse.
Meu segundo romance, Mamma Lucia (The Fortunate Pilgrim) foi publicado 10 anos depois (1965) e rendeu 3 mil dólares. Eu, rapidamente,
seguia ladeira abaixo. Ainda assim, o livro recebeu algumas resenhas
extraordinariamente boas. O New York Times o chamou de “um pequeno
clássico”. Até mesmo eu gostei do livro. Sem modéstia, considero-o arte.
Seja como for, eu era um herói, pensei. Mas minha editora, a Atheneum,
conhecida como uma casa editorial classuda, mais interessada em belles
lettres do que em dinheiro, não se impressionou. Pedi a eles um adiantamento para meu próximo livro (que ia ser um grande clássico) e os editores foram tranquilos. Eles foram corteses. Eles foram gentis. Eles me
mostraram a porta da rua.
Eu não conseguia acreditar. Fui para casa e li todas as resenhas dos
meus dois primeiros livros (ignorei as negativas). Tinha que haver algum
erro. Eu era reconhecido como um verdadeiro talento, no mínimo. Prestem atenção, eu era um escritor de verdade, honesto, um artista genuíno,
dois romances aclamados nas costas, todas as palavras deles obtidas ao
custo de muito suor e inteiramente minhas. Sem a ajuda de ninguém.
Não era possível que minha editora não fosse me dar um adiantamento
para outro romance.
o auge do poder
O LIVRO
109
o auge do poder
Os editores apenas passaram uma hora sentados ouvindo minhas histórias sobre a Máfia e autorizaram que eu escrevesse o livro. Eles também
me deram um adiantamento de 5 mil dólares e lá ia eu escrever o livro,
assim, repentinamente. Eu quase – quase – acreditei que meus editores
eram humanos.
Assim que recebi o dinheiro da Putnam, eu naturalmente não trabalhei no livro (felizmente parte do adiantamento só seria paga quando eu
entregasse o manuscrito, ou então o romance nunca teria ficado pronto).
A questão é, eu não queria de fato escrever O Poderoso Chefão. Havia outro
romance que eu queria escrever (eu nunca o fiz e nunca o farei. Temas,
como todas as coisas, apodrecem).
Todos os meus colegas editores na revista de aventura me disseram
para eu pôr as mãos à obra. Eles estavam certos de que eu faria uma fortuna. Eu tinha todas as boas histórias, era só escrever valendo-me de meus
pontos fortes. Todos que eu conhecia estavam confiantes de que era a coisa
certa a fazer e então eu finalmente comecei. E larguei meu emprego.
Demorei três anos para terminar. Durante esse tempo escrevi três
histórias de aventura por mês para Martin Goodman como escritor
freelancer. Lancei um livro infantil que recebeu uma resenha delirante
da New Yorker, a primeira vez que eles souberam que eu existia, e escrevi
muitas resenhas de livros. Também fiz muitos textos para revistas, incluindo dois para a New York Times Sunday Magazine, que, embora não
encha seus bolsos com ouro, trata seu trabalho com enorme respeito.
Ela também é, na minha opinião, o melhor lugar para ser publicado se
você quer influenciar nossa sociedade. De qualquer maneira, nestes três
anos eu escrevi mais do que no resto da minha vida inteira junta. E foi
principalmente divertido. Lembro desta como a época mais feliz da minha
vida (família e amigos discordam).
Fico envergonhado de admitir que escrevi O Poderoso Chefão inteiramente a partir de pesquisas. Nunca conheci um verdadeiro, autêntico
gângster. Eu conhecia o mundo da jogatina bastante bem, mas era só isso.
Depois que o livro ficou “famoso”, fui apresentado a alguns cavalheiros
relacionados ao material. Eles foram lisonjeiros. Recusaram-se a acreditar
que eu nunca estivera no crime organizado. Recusaram-se a acreditar que
eu nunca tivera a confiança de um Don. Mas todos adoraram o livro.
Em vários lugares do país eu ouvi uma história legal: que a Máfia me
pagara 1 milhão de dólares para escrever O Poderoso Chefão como um golpe
de relações públicas. Não frequento muito o mundo literário, mas ouço
escritores dizerem que tenho que ter sido da Máfia, que o livro não poderia
ter sido escrito puramente a partir de pesquisas. Eu aprecio o elogio.
Eu precisava terminar O Poderoso Chefão em julho de 1968, porque
precisava da parcela final de 1200 dólares do pagamento adiantado da
Putnam para levar minha esposa e meus filhos para a Europa. Minha
esposa não via a família dela há 20 anos, e eu prometera que aquele era o ano. Eu não tinha dinheiro, mas tinha uma bela coleção de
par te ii
a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
108
Bem, nós conversamos mais uma vez. Os editores não gostaram da
ideia por trás do meu romance. Parecia outro fracasso. O editor pensativamente observou que, se Mamma Lucia ao menos tivesse um pouco mais
daquelas coisas de Máfia, talvez ele tivesse feito algum dinheiro (um dos
personagens coadjuvantes era um líder mafioso).
Eu tinha 45 anos e estava cansado de ser um artista. Além do mais, eu
estava devendo 20 mil dólares a parentes, financeiras, bancos, vários tipos
de apostadores e agiotas. Realmente era hora de crescer e se vender, como
Lenny Bruce certa vez recomendara. Então eu disse para meus editores:
ok, eu vou escrever um livro sobre a Máfia, só me deem algum dinheiro
para eu começar. Eles responderam: nenhum dinheiro até vermos 100
páginas. Aceitei: escrevi um esboço de 10 páginas. Eles me mostraram a
porta da rua mais uma vez.
Não há como explicar o terrível sentimento de rejeição, o estrago, a
depressão e o enfraquecimento da vontade que tanta manipulação produz em um escritor. Mas este incidente também me iluminou. Eu fora
ingênuo o bastante para acreditar que os editores se importavam com
arte. Eles não se importavam. Eles queriam dinheiro (por favor, não
pense “você não pode estar falando sério!”). Eles eram um negócio. Tinham um investimento de capital e folhas de pagamento para respeitar.
Se algum lunático quisesse criar uma obra de arte, que fizesse isso com
o seu próprio tempo.
Eu já fora um verdadeiro crente da arte. Eu não acreditava na religião,
no amor, em mulheres e nem em homens; não acreditava na sociedade
ou na filosofia. Mas eu acreditei na arte por 45 anos. Ela me dava um
conforto não encontrado em nenhum outro lugar. Mas eu sabia que não
poderia jamais escrever outro livro se o seguinte não fosse um sucesso.
A pressão psicológica e econômica seria grande demais. Eu nunca duvidara
de que poderia escrever um romance comercial best-seller no momento
em que quisesse. Meus amigos escritores, minha família, meus filhos e
meus credores, todos me garantiram que era chegada a hora de aceitar
isso – ou de calar a boca.
Eu estava disposto. Tinha um esboço de 10 páginas – mas ninguém ia
apostar em mim. Estava trabalhando em uma série de revistas de aventura,
editando textos e escrevendo histórias como freelancer, e sendo tratado
por meu editor, Martin Goodman, melhor do que eu já fora tratado por
qualquer dos meus outros editores. Estava preparado para esquecer os
romances, exceto talvez como um hobby supérfluo para minha velhice.
Mas certo dia um amigo escritor apareceu no escritório da revista onde
eu trabalhava. Como uma cortesia natural, dei para ele uma cópia de
Mamma Lucia.
Ele voltou uma semana mais tarde. Paguei para ele um almoço esplêndido. Durante o almoço contei algumas histórias engraçadas sobre
a Máfia e meu esboço de 10 páginas. Ele se entusiasmou. Conseguiu
marcar para mim uma reunião com os editores da G. P. Putnam’s Sons.
111
o auge do poder
estava fora. Falei com a minha mãe no telefone. Ela fala um inglês macarrônico, mas entende a língua perfeitamente. Eu contei para ela.
Ela perguntou: “40 mil?”
Eu disse não, que eram 410 mil. Falei três vezes até ela finalmente
responder: “Não conte para ninguém”. Meu carro chegou da garagem e
eu desliguei. O trânsito estava engarrafado e demorei mais de duas horas
para chegar a minha casa no subúrbio. Quando entrei em casa, minha
esposa estava cochilando em frente à tv e meus filhos estavam brincando
na rua. Fui até minha esposa, a beijei na bochecha e disse: “querida, não
precisamos mais nos preocupar com dinheiro. Acabo de vender meu
livro por 410 mil”.
Ela sorriu para mim e continuou dormindo. Fui até meu escritório
ligar para meus irmãos e irmãs. A razão disso é porque toda família italiana tem um “ciuccio” (um burro). Isto é, um idiota na família que todos
concordam que nunca vai conseguir ganhar dinheiro e que, portanto,
precisa ser ajudado sem rancor ou censura. Eu era o “ciuccio” da família,
e queria apenas contar a eles que estava abdicando de meu papel familiar.
Liguei para minha irmã mais velha.
“Você ouviu?”, eu disse.
A voz da minha irmã estava bem tranquila. Eu estava começando a
ficar irritado. Ninguém parecia pensar que isso era uma grande coisa.
Minha vida inteira ia mudar: eu não precisava mais me preocupar com
dinheiro. Era como não precisar mais me preocupar com a morte. Então
minha irmã disse: “Você conseguiu 40 mil pelo livro. Mamãe ligou”.
Fiquei exasperado com a minha mãe. Depois de todas aquelas explicações ela tinha entendido errado. Seus 80 anos não a desculpavam. “Não”,
eu disse para minha irmã. “São 410 mil”.
Dessa vez eu consegui a reação que eu queria. Houve um pequeno
berro no telefone e conversamos com empolgação por um minuto. Mas eu
precisava falar de novo com a minha mãe. Liguei e disse: “Mãe, como
diabos você conseguiu entender errado? Eu disse cinco vezes que eram
410 mil, não 40. Como você conseguiu se enganar?”
Houve um longo silêncio e então minha mãe sussurrou no telefone.
“Eu não fiz nada errado. Eu não quis dizer pra ela”.
Quando terminei todos os meus telefonemas, minha esposa estava
adormecida na cama. As crianças também dormiam. Fui para a cama e
dormi como uma pedra. Quando acordei na manhã seguinte, minha esposa e as crianças estavam ao redor da cama. Ela disse: “O que foi aquilo
que você contou ontem à noite?” Ela tinha acabado de entender tudo.
Bem, este é um final feliz bacana. Mas ninguém parecia acreditar em
mim. Então eu liguei para Bill Targ e retirei um cheque de adiantamento
de 100 mil dólares. Paguei minhas dívidas, paguei as comissões de meus
agentes, paguei os merecidos 10% de meu irmão, e três meses depois liguei
para meus editores e meu agente pedindo mais dinheiro. Eles ficaram
perplexos. E aquele cheque enorme que eu pegara só três meses antes?
par te ii
a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
110
cartões de crédito. Ainda assim, precisava daqueles 1200 dólares em dinheiro, e então entreguei um manuscrito inacabado. Antes de partir para
a Europa, disse para minha editora não mostrar o livro para ninguém:
ele precisava de polimento.
Minha família se divertiu na Europa. Escritórios da American Express
descontam cheques de 500 dólares de seus cartões de crédito. Usei os
serviços deles em Londres, Cannes, Nice e Wiesbaden. Meus filhos e eu
jogamos nos cassinos mais chiques da Riviera Francesa. Se apenas um
de nós tivesse tido sorte, eu poderia ter coberto aqueles cheques que
a American Express enviou para os Estados Unidos. Todos perdemos.
Eu falhara como pai. Quando finalmente voltamos para casa, eu devia
8000 dólares às empresas de cartão de crédito. Eu não estava preocupado.
Se as coisas chegassem ao fundo do poço, sempre poderíamos vender
nossa casa. Ou eu poderia ir para a prisão. Diabos, escritores melhores
já foram para a prisão. Sem problemas.
Fui a Nova York ver minha agente, Candida Donadio. Esperava que
ela tirasse da manga um serviço oportuno e me fizesse sair daquela
situação, como já acontecera várias vezes no passado. Ela me disse que
minha editora havia acabado de recusar 375 mil dólares pelos direitos de
publicação de brochuras de O Poderoso Chefão.
Eu havia dado ordens rígidas para que o livro não fosse sequer mostrado a uma editora de brochuras, mas aquela não era hora de reclamar.
Liguei para meu editor na Putnam, Bill Targ, e ele disse que eles estavam
segurando até uma proposta de 410 mil, porque 400 mil era uma espécie
de recorde. Se eu queria falar com Clyde Taylor, que cuidava dos direitos
de reimpressão e estava conduzindo as negociações? Eu disse que não; que
eu tinha absoluta confiança em qualquer homem que pudesse recusar 375
mil dólares. Eu dei uma volta em Nova York, almocei muito tarde com
Targ e durante o café ele recebeu uma ligação. Ralph Daigh da Fawcett
tinha comprado os direitos de edição em brochura por 410 mil.
Fui até a redação da revista de aventura para me demitir de meu trabalho como freelancer e contar as boas novas para os meus amigos. Tomamos
alguns drinques e decidi ir para casa em Long Island. Enquanto esperava
por meu carro, liguei para o meu irmão para contar as novidades. Este
irmão tinha 10% de O Poderoso Chefão, porque ele tinha me apoiado a
vida toda e me dado uma porção final de dinheiro para terminar o livro.
Ao longo dos anos eu ligara para ele desesperado por algumas centenas de
dólares para pagar a hipoteca ou comprar sapatos para as crianças. Então
eu pegava um táxi para ir até a sua casa buscar a grana. Podia chover ou
nevar que ele nunca andava de táxi, mas ele nunca reclamou. Ele sempre
esteve lá. Então agora eu queria que ele soubesse que, uma vez que metade
dos direitos das brochuras valia 205 mil (os editores em capa dura ficavam
com metade), ele ia receber um pouco mais de 20 mil.
Ele é o tipo de cara que está sempre em casa quando eu ligo para pedir
dinheiro. Agora que eu tinha dinheiro para retribuir, ele naturalmente
tava na negociação do filme. Eles me aconselharam contra o acordo.
Eles aconselharam que eu esperasse. Isto foi como aconselhar um cara
debaixo d’água a dar uma respirada profunda. Eu precisava do dinheiro
e os 12500 pareciam um depósito de ouro. Deixem-me dizer agora que
a culpa foi minha. Mas eu nunca acusei a Paramount por ter pagado tão
pouco em O Poderoso Chefão.
Agora ao longo de todo este capítulo vou mencionar como as pessoas
fizeram coisas que parecem malandragem, e o leitor pode ter a impressão
de que me ressinto disso ou de que me surpreendi ou me ofendi. Jamais.
No mundo e na sociedade em que vivemos quase todas essas ações foram
perfeitamente razoáveis. O fato de eu sentir que a William Morris Agency
poderia ter vendido até mesmo a mim para a Paramount Pictures não significa que eu desaprove, condene ou esteja ressentido por nada. Considero um
comportamento empresarial perfeitamente razoável por parte deles.
De qualquer maneira, para resumir a história: O Poderoso Chefão se
tornou o best-seller número um nos Estados unidos; 67 semanas na lista
do New York Times; o número um também na Inglaterra, na França, na
Alemanha e em outros países. Foi traduzido para 17 ou 20 idiomas; eu parei
de contar. Eles me dizem que é o livro de ficção publicado em brochura
mais vendido, no prazo mais curto, de todos os tempos, ou então que ele
passará a ser quando a nova “edição do filme” sair junto da adaptação
para os cinemas – mas não se pode acreditar em tudo que as editoras
dizem para seus autores. Embora Ralph Daigh na Fawcett tenha se provado um cara correto e promovido o livro pra caramba. Ele até mesmo
me pagou tudo que disse que eu vendi. É um sucesso legal, e me lembro
de um dia quando estava trabalhando no livro. Minha esposa tinha me
mandado ir ao supermercado; minha filha me pediu que a levasse até a
casa de sua amiga; meu filho queria uma carona para o treino de futebol.
Eu explodi. Disse: “Jesus Cristo, vocês sabem que estou trabalhando em
um livro que pode me render 100 mil dólares?” Eles olharam para mim
e todos rimos juntos.
O livro teve resenhas muito melhores do que eu esperava. Como
gostaria de tê-lo feito melhor. Eu gosto do livro. Tem energia e tive sorte
de criar um personagem central que foi popularmente aceito como genuinamente mítico. Mas escrevi abaixo de meus talentos naquele livro.
113
Eu havia lido a literatura sobre Hollywood, sobre como eles trataram
Fitzgerald, Nathanael West e os romancistas em geral.
Eu já tivera uma experiência esclarecedora com os produtores de
Hollywood. Mais cedo naquele ano, meu agente me ligara para pedir
que eu fosse a Nova York me encontrar com John Foreman, que produz
a maioria dos filmes de Paul Newman. Eu moro em um subúrbio a 80
quilômetros de distância e odeio Nova York. Mas meu agente disse que
o auge do poder
O FILME
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
112
Não pude resistir. Por que eu deveria tratá-los de modo diferente ao que
eu tratara minha família durante todos aqueles anos de vacas magras?
“Cem mil não duram para sempre”, eu falei.
Pelo menos eu podia ser o “ciuccio” de uma editora.
O Poderoso Chefão rendera até então mais de 1 milhão de dólares, mas
eu ainda não era rico. Parte do dinheiro fora para uma poupança para
as crianças. Havia as comissões dos agentes e as taxas dos advogados.
Havia impostos federais e estaduais. Tudo isso reduzira o milhão original a menos da metade. Mas antes de entender essas coisas todas eu me
diverti muito. Gastava o dinheiro de modo tão rápido quanto ele entrava.
A única coisa é que me sentia esquisito sem dívidas. Eu não devia um
centavo a ninguém.
Eu adorava o dinheiro, mas não gostava realmente do fato de ser “famoso”. Achava aquilo tudo simplesmente muito estressante. Nunca gostei
de festas, nunca gostei de conversar com mais de duas ou três pessoas ao
mesmo tempo. Não gosto de entrevistas nem de tirar fotos (com razão).
Fui persuadido a fazer o programa de tv Today Show por um editor
da Putnam que disse: “como você sabe que não gosta se nunca fez antes?”
Aquilo parecia razoável. Fui lá e fiz. Odiei fazer. Então não considerei uma
tentação as ofertas dos outros talk shows. Não penso que era uma forma
de esnobismo ao contrário. Ou algum tipo de falsa modéstia. Era apenas
muito desconfortável. E praticamente todo escritor que eu já havia visto na
tv parecera um tolo: a tv simplesmente não é o meio de um escritor.
Saíram entrevistas nas quais eu parecia alguém que eu sequer conhecia, e eu não podia nem mesmo culpar os entrevistadores. Eu fazia
essas afirmações idiotas, mas não as falava daquela maneira. Então parei
de ir à tv e de fazer todo tipo de propaganda, incluindo entrevistas. E,
graças a Deus, nunca fiz nenhuma dessas excursões ao redor do país
que supostamente ajudam um livro a se tornar um best-seller. Não deixei
de fazer essas coisas por causa de outras pessoas, mas por minha causa.
Conhecer um estranho é sempre um choque para o meu sistema nervoso,
mas penso que isso seja verdade para a maioria das pessoas.
Enquanto isso eu fiz algo que se revelou um grande erro. Pouco antes
de O Poderoso Chefão estar pronto, vendi os direitos para a publicação de
Mamma Lucia em brochura por um adiantamento à vista de 1500 dólares
ao invés dos royalties habituais. Vendi-os para a Lancer Books, e um dos
sócios, Irwin Stein, foi tão simpático que me enviou os 1500 dólares em
uma só parcela, ao invés de guardar metade para a data de publicação.
Outro erro mais grave foi feito muito antes da publicação, quando eu
tinha as primeiras 100 páginas de O Poderoso Chefão escritas. A William
Morris Agency aprovou um contrato para o livro com a Paramount por
uma opção de pagamento de 12500 dólares, contra 50 mil, com cláusulas
de escala móvel se eles exercessem a opção.
Eu já passara a ter Candida Donadio como agente, mas a William
Morris havia assinado o contrato inicial do livro e então me represen-
115
o auge do poder
oferta. Eles descobriram que tinham mais dinheiro, concordaram em me
ceder um percentual e concordei em me encontrar com Al Ruddy. Fomos
ao The Plaza almoçar. Ele é um sujeito alto, esguio, com um bocado de
charme cortês nova-iorquino.
Ele foi tão agradável que pensei que poderia ser divertido ir para a
Califórnia. Ele precisava atender a umas ligações no Edwardian Room
do The Plaza e se desculpou gentilmente. “Cristo”, ele disse, “o cinema
envolve todo esse monte de merda, mas eu realmente preciso atender
estas ligações”.
Eu conversei com a esposa dele e fiquei encantado quando ela produziu
do meio de sua bolsa um poodle em miniatura vivo, que deixou escapar
um latido e teve o zíper fechado novamente sobre sua cabeça antes que o
enfurecido maître percebesse de onde vinha o barulho. Parecia que Al e
a esposa levavam o poodle a toda parte, um menos sensato do que o outro.
Ao final do almoço eu estava encantado por eles e pelo poodle e concordei
em escrever o roteiro.
Companheiros romancistas tentaram entender por que eu queria
fazer filmes. Eu não gostava do show business. Eu era um romancista; eu
tinha meus romances para escrever.
Então, como podia ser? Quando eu era pobre e trabalhava nos meus
livros em casa, eu fizera uma promessa solene à minha esposa: que se um
dia fizesse sucesso, eu iria arrumar um estúdio, sairia do meio do espaço
dela. Ela odiava que eu ficasse em casa durante o dia. Eu ficava no meio
do caminho. Desarrumava a cama. Bagunçava a sala. Perambulava pela
casa falando palavrão. Saía dando esporro e gritando do escritório quando
as crianças brigavam. Em resumo, eu era desesperador. Para piorar as
coisas, ela nunca conseguia me ver trabalhando. Ela diz que nunca me
viu usando a máquina de escrever. Ela diz que por três anos tudo o que
fiz foi dormir no sofá e que então magicamente produzi o manuscrito de
O Poderoso Chefão. Seja como for, um homem está preso a seus juramentos
solenes. Agora que eu era um grande sucesso, eu tinha que sair da minha
própria casa durante as horas de trabalho.
Eu tentei. Aluguei estúdios calmos e elegantes. Fui para Londres.
Tentei a Riviera Francesa, Porto Rico e Las Vegas. Contratei secretárias e comprei máquinas de ditar. Nada aconteceu. Eu precisava das
crianças gritando e brigando. Precisava da minha esposa interrompendo meu trabalho para me mostrar suas novas cortinas. Precisava
daquelas idas ao supermercado. Tive algumas das minhas melhores
ideias ajudando minha espoa a descarregar o carrinho de compras.
Mas eu havia feito uma promessa solene de sair de casa. Então, ok.
Eu iria para Hollywood.
É verdade – o sucesso realmente acaba com um escritor. Por um ano
fiquei por aí “curtindo a vida”. Não foi tão bom. Foi ok, mas não foi ótimo.
E então eu lembrei que por 20 anos eu tinha vivido a vida de um ermitão.
Eu tinha encontrado alguns poucos amigos próximos de vez em quando
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114
John Foreman havia lido Mamma Lucia, estava enamorado pelo livro e
queria adaptá-lo para o cinema. Ele era alguém importante. Eu realmente
deveria fazer a viagem.
Eu fiz e valeu a pena. John Foreman falou durante três horas sobre o
meu livro, como ele tinha adorado, como ele estava disposto a recriá-lo
como um filme. Ele citou todas as melhores partes. Ele gostou de todas
as coisas certas. Fiquei entusiasmado e impressionado. O filme definitivamente ia acontecer. Quando eu estava indo embora, ele disse que no dia
seguinte ia ligar para o meu agente para acertar os detalhes financeiros
do contrato.
Nunca mais ouvimos falar dele.
Então eu não estava nem um pouco interessado no que Hollywood
faria com o livro, contanto que eu não fosse ajudá-los. Mas um dia peguei
o jornal e lá dizia que Danny Thomas queria interpretar o papel do Chefão. Aquilo me deixou em pânico. Eu sempre achara que Marlon Brando
seria ótimo para o papel. Então por meio de um amigo, Jeff Brown, entrei
em contato com Brando, escrevi uma carta para ele, e ele foi amável o
bastante para me ligar. Conversamos por telefone. Ele não tinha lido o
livro, mas me disse que o estúdio nunca iria contratá-lo, exceto se um
grande diretor insistisse no assunto. Ele foi simpático no telefone, mas
não demonstrou muito interesse. E foi isso.
O que eu não sabia na época é que a Paramount tinha decidido não
realizar o filme. A razão para esta decisão foi que na época eles tinham
feito um filme chamado Sangue de Irmãos (The Brotherhod, 1968) – também
sobre a Máfia – que havia sido um fracasso de crítica e de público. Quando
eu assisti a Sangue de Irmãos, senti que eles entregaram as primeiras 100
páginas do meu livro para um roteirista imitador barato e pedido para ele
escrever um arremedo. Então eles arrumaram Kirk Douglas para interpretar o papel principal, e para mostrar que ele era um gângster adorável,
o puseram beijando criancinhas o tempo todo. E depois colocaram o seu
próprio irmão o assassinando sob ordens de superiores.
Quando vi o filme, não fiquei irritado por pensar que a Paramount
me plagiara. Isso era ok. Quando trabalhava para revistas, eu tinha escrito alguns arremedos baratos por minha própria conta. Mas eu odiei
a mais pura estupidez daquele filme, o roteiro, todo o conceito, a total
incompreensão do mundo da Máfia. O que eu não sabia na época era que
o desastre financeiro do filme fizera os chefes do estúdio acharem que
não havia dinheiro nos filmes de Máfia. Foi somente quando O Poderoso
Chefão se tornou um “super best-seller” (as 67 semanas na lista de mais
vendidos do Times fizeram com que os rapazes da grana conferissem ao
livro esta classificação) que eles tiveram que realizar o filme.
No fim das contas, Al Ruddy, o produtor, foi designado para o filme,
e ele veio a Nova York, se encontrou com meu agente e disse à Paramount
que queria que eu fizesse o roteiro. O orçamento seria baixo, ele disse,
então eles não poderiam me oferecer um cachê elevado. Eu recusei a
117
o auge do poder
sentimentos se ofendessem. Nunca me comportaria como o proprietário
da obra ou ficaria paranoico. Eu era um empregado.
A Califórnia tinha muito sol e muito ar fresco e muitas quadras de
tênis (eu acabara de descobrir o tênis e estava obcecado). Eu iria ficar
saudável e queimado de sol.
O Beverly Hills Hotel é para mim o melhor hotel do mundo. É um
imponente complexo de três andares cercado por jardins, seus próprios
bangalôs e uma piscina com o seu famoso lounge. E também uma quadra
de tênis onde o jogador profissional Alex Olmedo me chamava de campeão.
É claro, ele chamava todo mundo de campeão. Ainda assim…
O serviço é soberbo e amigável, sem ser familiar. É o único hotel em
que estive que me fez sentir completamente confortável. Mas ele limpou
minha verba de 500 dólares por semana para as despesas e ainda mais
do que isso.
Meu escritório era divertido. Eu adorava o lote da Paramount com
suas cidades do Velho-Oeste de mentira, suas pequenas vielas, seus
prédios que pareciam barracas, sua atmosfera geral que me fazia sentir
como se estivesse em uma dimensão paralela. Meus aposentos ficavam
no terceiro andar, longe do trânsito, como eu queria. Al Ruddy tinha o
seu quartel-general muito mais elaborado no primeiro andar, e nós dois
podíamos subir e descer as escadas para nos ver.
Meu escritório não era tão bom assim, mas eu não me importava.
Eu tinha uma geladeira e um estoque ilimitado de refrigerante liberado.
Eu também tinha um escritório adjunto para a minha secretária e um
telefone com uma campainha e quatro linhas. Isso que era vida.
Então eu passei as duas semanas seguintes jogando tênis e encontrando
amigos de Nova York que tinham se mudado para a Califórnia. Também
tive conferências com Robert Evans, o chefe de produção da Paramount
Pictures, e Peter Bart, o seu braço direito.
Eu tinha lido uma vez na revista Life um artigo sobre Evans, uma
afronta feroz. Então fiquei surpreso ao descobrir que ele era fácil e natural.
Gostei de Evans de cara por uma simples razão. Éramos cinco pessoas
participando de uma conferência em seu escritório. Ele precisava atender
um telefonema privado. Então ele foi até um pequeno closet para atender.
Em seu lugar, Louis B. Mayer teria mandado nós quatro nos espremermos
no closet e depois fechado a porta para que não ouvíssemos ele falando
em sua mesa.
Evans não era pretensioso e geralmente dizia ou parecia dizer exatamente o que pensava. Ele falava do mesmo modo como as crianças dizem
a verdade, com uma curiosa inocência que tornava inofensivas a crítica
ou a discordância mais duras. Ele era invariavelmente cortês comigo, a
todo custo. Se este parece um retrato muito lisonjeiro de um chefe de
estúdio de cinema, deixem-me acrescentar que ele era tão sovina com
seus charutos cubanos que precisei me infiltrar em seu escritório quando
ele não estava por perto para roubar alguns.
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para jantar. Tinha passado algumas noites com amigas de minha esposa.
Tinha ido ao cinema. Tinha ensinado meus filhos a apostarem com percentuais. Mas, sobretudo, eu estivera vivendo em minha própria cabeça,
com todos os meus sonhos, todas as minhas fantasias. O mundo tinha
me ultrapassado. Eu não sabia o quanto os homens tinham mudado, as
mulheres tinham mudado, as garotas tinham mudado, os homens jovens
tinham mudado, a sociedade e o governo tinham mudado.
Além disso, eu sempre havia sido um observador muito contente
nas raras festas a que fora ao longo dos anos. Raramente começava uma
conversa ou uma amizade. De repente eu não precisava mais fazer isso.
As pessoas pareciam genuinamente deliciadas de conversar comigo, de me
escutar; elas eram charmosas comigo e eu adorava isso. Talvez eu tenha
me tornado o sujeito mais facilmente encantado do Hemisfério Ocidental.
E também ajudava que as pessoas em sua maioria fossem genuinamente
charmosas. Foi fácil parar de ser um ermitão; na verdade, foi um prazer.
Então eu tinha a coragem de partir para Hollywood.
O trato pelo roteiro era aceitável: 500 dólares por semana para as
despesas, um bom dinheiro, pago adiantado (dinheiro garantido), mais
2,5% do lucro líquido. Um negócio justo no mercado da época, especialmente porque Al Ruddy tinha conseguido seu emprego afirmando que
conseguiria produzir o filme por apenas um milhão.
Mas o acordo não era tão bom quanto parecia. Por uma coisa, uma suíte
no Beverly Hills Hotel custava 500 dólares por semana, então isso zerava
meu dinheiro para as despesas logo de cara. Além do fato de que meus
2,5% valiam zero a não ser que o filme se tornasse um grande blockbuster
como Love Story (1970). O que acontece é que o estúdio arrebata de maneira
geral os lucros de qualquer um que trabalhe por um percentual do lucro
líquido. Eles fazem isso por meio da contabilidade. Se um filme custa
4 milhões, eles somam outro milhão para despesas gerais. Eles cobram
custos de publicidade de filmes que geram dinheiro. Eles têm contadores
que fazem os lucros desaparecerem tão bem quanto Houdini.
Mas que fique claro, mais uma vez: isso não significa que Hollywood é
menos honesta do que o mundo editorial. A editora de brochuras Lancer
Brooks faz os estúdios de Hollywood se parecerem com Diógenes. Essa
editora anunciou que vendeu quase dois milhões de exemplares de Mamma
Lucia. Só recebi aproximadamente 30% desse valor.
Ainda assim, ok. Nos Estados Unidos ninguém culpa um homem de
negócios que faz trambiques. Mas então a Lancer lança um livro chamado
A Poderosa Chefona (The Godmother). Eu imagino que, não importa o que
digam de Hollywood, eles nunca desceriam tão baixo (e, tudo certo, não
era Hollywood. Na Itália fizeram um filme estrelando meu ídolo, Vittorio
De Sica, chamado Cose di Cosa Nostra (1971).
Então eu fui para Hollywood absolutamente seguro de que não haveria
surpresas para mim. Eu estava blindado. O Poderoso Chefão era o filme
deles, não o meu. Eu iria ficar tranquilo. Não deixaria jamais que meus
119
o auge do poder
o roteiro. Então eu escrevi a cena pedida e ela ficou vagabunda. Mostrei
para Al e ele adorou.
Isso me fez feliz. Gostou do meu trabalho. Então eu gostei de você.
Mas eu sabia que ele estava errado. Passei os três dias seguintes jogando
tênis. Com os diabos, passei as duas semanas seguintes jogando tênis.
Então decidi ir para casa por duas semanas, Estava com saudade da minha
esposa e dos meus filhos. E era abril e a primavera é uma boa época para
se estar em Nova York.
Ruddy aceitou minha decisão como um cavalheiro. Ele até mesmo
continuou me pagando os 500 dólares para despesas enquanto eu estava
em casa. Fiquei em casa por duas semanas, fiz parte do trabalho e então
voei de volta para a Califórnia com uma escala em Las Vegas, onde perdi
o que havia poupado da minha verba para despesas.
Então, de abril a agosto, eu vivi a existência ideal: Califórnia, tênis e
sol – até sentir saudades e voltar para casa. Então quando a vida caseira
me enchia – de volta à Califórnia. Ninguém sabia onde e quando eu estava a cada momento. Enquanto isso eu flutuava de tanto encantamento
pelas pessoas que conhecia na Califórnia. Socialmente falando, eu era
promíscuo: não há outra forma de descrever. Eu não estava produzindo
muito, mas ninguém parecia se preocupar.
Agora, o fato de eu ser um ermitão que escapara de sua cabana depois
de 20 anos não significava que eu fosse totalmente inocente. Mas o fato é
que as pessoas no mundo do cinema são genuinamente charmosas, mesmo se o charme delas tenha, muitas vezes, segundas intenções. Uma das
minhas grandes surpresas foi achar as atrizes e os atores tão simpáticos.
Escritores e diretores sempre rebaixam quem atua. Atores são considerados imbecis. Atrizes devem supostamente ser sempre manipuladas pelo
poder, em suas vidas profissionais e pessoais. Todos eles não devem ter
inteligência ou sensibilidade.
Eu, muitas vezes, achei simplesmente o contrário disso. Achei muitos
atores e atrizes inteligentes, calmos, sensíveis e tímidos. Observei que, no
começo e no fim de suas carreiras, eles são terrivelmente explorados por
seus produtores, estúdios, agentes e vigaristas associados. Eles sofrem
as mais profundas humilhações apenas para ter uma oportunidade de
usar a própria arte. Depois de ver o que eles enfrentam no começo de
suas carreiras e considerando os longos anos de espera, é fácil desculpar
os excessos depois que se tornam famosos e poderosos.
De abril a agosto de 1970, fui e voltei várias vezes de Nova York para
Los Angeles, trabalhando no roteiro, jogando tênis, experimentando o
sabor da vida social em Hollywood. Tudo muito agradável. O período
anterior à entrega de um roteiro é uma espécie de lua de mel. O amor
está em toda parte.
Eu gostava de ver as garotas bonitas indo do escritório de um produtor
a outro para testes de elenco. Todo estúdio tem um time de produtores
que aluga escritórios para preparar a produção de um filme. 99,9% desses
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
118
Evans estava aberto a discussões e com frequência podia mudar de
ideia. É claro que ele era charmoso, mas todos que trabalham com cinema
são charmosos. Na verdade, todos na Califórnia são charmosos, exceto
Peter Bart, que tem uma inteligência fria e é o único sujeito sem charme
trabalhando com cinema que conheci. Ele também não falava muito.
O motivo disso (embora eu não soubesse na época) é que ele gostava de
pensar bem nas coisas antes de emitir uma opinião, e ainda não havia
aprendido o truque californiano de ser charmoso enquanto se pensa.
A primeira conferência transcorreu muito bem. Lá estávamos Evans,
Al Ruddy, Peter Bart, Jack Ballard e eu. Ballard é um sujeito com a cabeça
de Yul Brynner que mantém o controle dos custos de produção de um
filme. Parece singelo, mas os produtores e diretores tremeram quando
ele totalizou os custos totais. Evans dirigiu a reunião. Foi uma conversa
geral, com um discurso para me persuadir embutido. Este ia ser um
grande filme para a Paramount. Eu havia chegado lá. O filme ia “salvar”
a Paramount. Eu adoro esse tipo de coisa, me faz me sentir importante
e trabalho com o dobro de afinco (eu realmente queria “salvar” a Paramount, mas era tarde demais. Love Story havia feito isso antes de mim).
Então discutimos o elenco. Sugeri Marlon Brando para o papel do Chefão. Eles foram gentis comigo, mas tive a impressão de que minhas ações
tinham caído 50 pontos. Al Ruddy sugeriu Robert Redford para o papel de
Michael, e não me importei em como ele era legal, as ações dele caíram 50
pontos. Falei minha opinião e fiquei agradavelmente surpreso quando Evans
e Bart concordaram comigo. Aquela ia ser uma luta justa, eu pensei.
Eles não tinham diretor. Eu precisava escrever o roteiro antes que arrumassem um. Diretores gostam de ler roteiros antes de fechar contratos.
Bem, era para isso que eu estava na Califórnia. Garanti a eles que eu era
um dos melhores técnicos do mundo ocidental (sem me gabar; a técnica
pode ser medida. Você não pode medir a arte).
Tudo isso aconteceu na sede luxuosa da Paramount em Canon Drive.
Quando Al Ruddy e eu voltamos para o seu escritório comparativamente
modesto, éramos como soldados voltando das linhas de frente, finalmente
livres de seus comandantes.
“Você faz o que quiser fazer”, Ruddy disse. “Você é o escritor. Mas
me faça um favor. Comece com uma cena de amor entre Michael e Kay”.
Ele ainda queria Redford.
“Al”, respondi, enquanto bebia o uísque e fumava os charutos dele,
“você não pode começar O Poderoso Chefão com uma cena de amor. Não
fica bom!”.
Ele reconheceu minha referência à Mammy de …E o Vento Levou (Gone
with the Wind, 1939) e riu. Ele era um cara das ruas de Nova York e eu me
sentia confortável em sua companhia. “Escute”, ele disse, “apenas tente.
Sempre podemos cortar depois”.
“ok”, respondi. Fui para o meu quarto, li o contrato e, sem dúvidas,
lá dizia que o produtor pode dizer ao roteirista como ele deve escrever
121
o auge do poder
Então aconteceram duas coisas que fizeram com que eu parasse de
me constranger com tanto sentimentalismo.
Certa noite, passei no escritório de Ruddy quando ele estava falando
ao telefone. Enquanto conversava, ele reescreveu um roteiro que estava
prestes a produzir para outro estúdio. Assisti àquilo fascinado. Ele estava
realmente escrevendo enquanto falava no telefone. Sempre admirei pessoas
que conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo. Aquilo era especial.
Suas últimas palavras no telefone foram “acho que fechei este roteiro agora”.
Esta história não está aqui para enfurecer os escritores. Nem tampouco
para depreciar os produtores. Mas ela corrigiu minha perspectiva. Fui
outra vez jogar tênis por cinco dias, deixando o roteiro de lado. Não era o
meu filme.
Acho que eu deveria explicar porque eu não achei este incidente incômodo ou ameaçador para mim como escritor. Você com frequência lê sobre
como uma estrela reescreve suas próprias falas, sobre como um diretor
“conserta” um roteiro ou um produtor dá um polimento final. E assim,
se você realmente entende como isso funciona, é impossível ficar irritado.
Por exemplo:
Durante a Segunda Guerra Mundial, eu estava atrelado ao exército
britânico e, em determinado momento, nos encontramos com elementos
do exército russo em uma cidade do norte da Alemanha. Parecia que esta
divisão russa, recrutada de alguma província asiática selvagem, nunca
havia visto um encanamento antes. Eles estavam fascinados pela água
saindo de uma torneira de cobre. Um russo de chapéu de pele arrancou a
torneira da parede e a pregou em uma cerca. Ele ficou abismado quando
girou a torneira e não saiu água nenhuma dela. Ele havia achado que a
água simplesmente saía da torneira. O conceito de encanamento nunca
fora revelado para ele. Você pode rir disso, mas não era uma estupidez
inelutável, era simplesmente inocência.
Quando um diretor, uma estrela ou um produtor pega uma caneta,
eu acho que acontece a mesma coisa (há exceções, é claro). Eles acreditam
que as palavras saiam da caneta. E, mais uma vez, não é estupidez, mas
simples inocência. Eles não entendem o conceito de como a escrita de fato
funciona. Então os escritores não devem ficar irritados. Eles simplesmente
devem dar o fora do cinema.
A segunda coisa que cortou o meu barato envolveu Peter Bart. Durante
um dos meses do verão, eu aluguei uma casa em Malibu e trouxe minha
família de Nova York. Eu estava agora trabalhando seriamente depois de
uns quatro meses de vagabundagem. Eu tinha um secretário datilografando para mim e estava imerso no roteiro – realmente curtindo a onda.
Mas eu havia estourado o prazo para o meu primeiro esboço (se eu não
tivesse dado um primeiro esboço gratuito para eles para mostrar que os
adorava, tudo estaria ok).
Mas Bart sabia que eu ficara de vagabundagem e começou a me pôr
pressão. Eu disse que tudo bem, até o final da semana. Naturalmente não
par te ii
a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
120
filmes jamais são produzidos, mas, enquanto isso, os produtores recebem
pessoas para ler e ensaiar papéis, ler roteiros e ter longas e fervorosas
discussões sobre como interpretar os personagens.
Fora dos estúdios, há 10 mil pessoas esperançosas que escreveram
roteiros e carregam três contêineres de filme para filmar a própria obra
independente. Eles, também, estão fazendo entrevistas e ensaiando com
um milhão de belezinhas, jovens mulheres e jovens homens de todos
os Estados Unidos que foram para L.A. para entrar no cinema. Tudo
isso, combinado com o clima ótimo e com o sol, dava a Hollywood uma
atmosfera que era, ao menos para mim, interessante.
Às vezes eu ia assistir a um filme em uma sala de exibição privada.
Não era legal. As pessoas atendiam a telefonemas e recebiam mensagens
durante o filme. Também faziam piadas, falavam. Quando assisto a um
filme me torno um verdadeiro devoto. Ou simplesmente deixo a sala.
À noite, eu costumava passar no escritório de Al Ruddy e tomar um
drinque com ele e sua equipe de produção. Al era um cara bom para
estar junto, um grande contador de histórias, e sua equipe era agradável.
Era uma das melhores partes do dia. Ruddy também estava no meio do
processo de montagem de seu filme As Máquinas Quentes (Little Fauss and
Big Halsy, 1970), estrelando Robert Redford e Michael Pollard, e ele ficava sempre nos dizendo que grande filme seria aquele e quantos Oscars
sem dúvidas ele ganharia. Outras pessoas que haviam assistido ao corte
bruto concordavam. Eu estava ansioso para assistir, e Ruddy disse que me
mostraria um pedaço assim que houvesse uma oportunidade.
No dia seguinte ele me mostrou um trecho de 10 minutos e eu adorei.
Meu amigo de Nova York, George Mandel, que estava escrevendo um
artigo sobre mim para a revista Life, discordou. Ele deu as suas razões, e
porque eu acho que ele é o cara mais inteligente do mundo, escutei. Mas
eu ainda gostava daquele trecho. Uma das coisas mais difíceis para uma
pessoa é realmente escutar o cara mais inteligente do mundo.
Quando As Máquinas Quentes estreou, foi um fracasso. Tudo que George
Mandel dissera sobre o trecho de 10 minutos provou ser verdade sobre
o resto do filme. Eu conseguia ver assistindo à coisa toda, mas o homem
mais inteligente do mundo só precisou de um trecho de 10 minutos.
Por esta época eu estava ansioso para entregar um ótimo roteiro
à Paramount e realizar um grande filme. Eu estava me tornando possessivo: afinal de contas, aquilo ali estava se tornando o meu filme.
É claro que eu sabia do meu lugar na ordem de importância da produção (eu era o oitavo mais importante), mas eu estava tão obcecado que
disse que o primeiro rascunho estava simplesmente muito cru e não
contava, o que era equivalente a dar a eles uma reescrita gratuita do
roteiro que valia mais ou menos 25 mil dólares. Eu queria que eles gostassem de mim e soubessem que eu estava torcendo pelo nosso lado. Eu
não sabia que, tão logo eu dissesse que o primeiro esboço era gratuito,
ninguém iria lê-lo.
123
o auge do poder
bem para ele. Não era tudo bem para Sinatra. E isso estava perfeitamente
bem para mim. Não pensei mais a respeito.
Um ano depois eu estava trabalhando no roteiro em Hollywood.
Eu raramente saía à noite, mas desta vez eu tinha sido convidado para a
festa de aniversário do amigo do meu produtor no Chasen’s. Uma festa
para 12 pessoas oferecida por um famoso milionário. Nada mais do
que um jantar agradável. Todos tinham sido tão encantadores comigo
nos últimos seis meses que eu superara um pouco do meu retraimento.
Então eu fui.
O milionário acabou se revelando um desses homens mais velhos
tentando parecer um jovem. Ele vestia calças vermelhas e usava um chapéu de caubói em miniatura e tinha aquela afabilidade de quem costuma
beber muitos martinis que eu temia mais do que qualquer outra coisa.
Quando estávamos tomando um drinque no bar, ele disse que Sinatra
estava jantando em uma mesa e perguntou se eu gostaria de conhecê-lo.
Eu disse que não. O milionário tinha um braço direito que tentou insistir.
Eu disse não outra vez. Finalmente fomos jantar.
Durante o jantar, houve uma cena que parecia um quadro: John
Wayne e Frank Sinatra se cumprimentando no espaço equidistante entre
as mesas dos dois. Os dois pareciam incrivelmente bem, melhores do
que na tela, 20 anos mais novos do que de fato eram. E ambos estavam
belamente vestidos. Sinatra especialmente. Foi realmente ótimo de se
ver. Eles eram reis ornamentados se encontrando no Campo do Pano de
Ouro: o Chasen’s é regiamente formal.
A comida me trouxe de volta à realidade. Era malfeita. Já comi melhor
em baiucas italianas por toda Nova York. Este era o famoso Chasen’s? Bem,
ok, os restaurantes chiques franceses também tinham sido uma decepção.
Fiquei feliz quando terminamos e pude começar a ir embora.
Mas, no caminho, o milionário me pegou pela mão e começou a me levar para uma mesa. Seu braço direito pegou minha outra mão. “Você precisa
conhecer Frank”, o milionário disse. “Ele é um bom amigo meu”.
Estávamos quase na mesa. Eu ainda poderia ter me soltado e ido
embora, mas teria sido uma clara grosseria. Era mais fácil, física e psicologicamente, me deixar levar pelos passos que faltavam. O milionário
fez a apresentação. Sinatra não tirou os olhos do próprio prato.
“Eu gostaria que você conhecesse meu bom amigo, Mario Puzo”, disse
o milionário.
“Eu acho que não”, disse Sinatra.
O que fez com que eu saísse fora. Mas o pobre milionário não entendeu
a mensagem. Ele começou tudo de novo.
“Eu não quero conhecê-lo”, Sinatra disse.
Enquanto isso, eu tentava me livrar do braço direito e picar a mula
dali. Então eu ouvi o milionário balbuciando um pedido de desculpas,
não para mim, mas para Sinatra. O milionário estava de fato chorando.
“Frank, desculpas. Por Deus, Frank, eu não sabia. Frank, eu sinto muito“.
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
122
estava pronto no final da semana. Ele insistiu. Havia uma seção final que
eu queria reescrever e polir e editar um pouco mais, como exige uma obra
sólida. Mas então aconteceu algo que não envolvia Bart nem qualquer
outra pessoa endurecendo comigo – eles sempre foram corteses. Mas
aconteceu que de repente eu disse para mim mesmo: “Por que diabos eu
ligo pra isso? Não é o meu filme”.
Então eu disse para o meu secretário datilografar as partes que já estavam escritas. Não cuidei da seção final. Então pus meus trajes de banho e,
pela primeira vez desde que me mudara para a casa na bela praia de Malibu,
dei um mergulho no mar. Ia me fazer bem uma bela, luxuriosa nadada.
Agora, isso tudo era muito errado de minha parte e eu sabia disso.
Ao invés de me ofender, eu deveria simplesmente tê-los deixado esperando.
Consciência pesada. Eu deveria ter sido mais adulto. Também era muito
errado porque eu odeio entrar no mar.
Eles tinham o roteiro e todos gostaram. É claro que, por contrato, eu
precisava fazer uma revisão. Eles precisavam arrumar um diretor. Isso
foi em agosto de 1970. Enquanto isso, nos meses seguintes, quando eles
procuravam um diretor, eu vivi algumas aventuras. A mais interessante
delas foi com Frank Sinatra, considerado uma das 10 pessoas mais famosas
do mundo, um sujeito que há muito tempo fora o meu ídolo. Apesar disso
eu nunca quisera conhecer ou ser apresentado a ele. Eu só acreditava que
ele era um grande artista (cantando, não como ator) e que ele vivera uma
vida de muita coragem. Eu admirava o seu senso de responsabilidade
familiar, especialmente porque ele era um italiano do norte, o que para
um italiano do sul significa ser tão estrangeiro quanto um inglês.
Muitas pessoas acreditaram que o cantor chamado Johny Fontane
em O Poderoso Chefão foi baseado em Sinatra. Antes do livro sair, minha
editora recebeu uma carta dos advogados do cantor pedindo para ver
o manuscrito. Em linguagem educada, nós recusamos. Por outro lado,
com o filme a história era bem diferente. Nas primeiras reuniões com
a equipe jurídica da Paramount, eles se mostraram preocupados acerca
disso, até eu assegurar que o papel no filme era muito pequeno. O que
de fato ele veio a ser.
A questão agora era que, no livro, eu havia escrito o personagem de
Fontane com completa simpatia pelo homem, pelo seu estilo de vida e
por suas complicações. Eu pensei ter capturado a inocência das grandes
pessoas do show business, seu desespero com a corrupção com a qual precisam lidar devido ao seu tipo de vida e às pessoas ao seu redor. Eu pensei
ter capturado a inocência interior do personagem. Mas eu também podia
perceber que, se Sinatra pensasse que o personagem era ele mesmo, ele
poderia não gostar do livro – ou de mim.
Mas é claro que algumas pessoas queriam que nos encontrássemos.
Certa noite no Elaine’s, em Nova York, Sinatra estava no bar e eu estava
em uma mesa. Elaine perguntou se eu teria algum problema em conhecer
Sinatra. Eu disse que tudo bem por mim, contanto também que fosse tudo
125
o auge do poder
a achar que era importante. Além do mais, agora tenho uma desculpa
pronta para não ir a festas. Antes, era sempre muito difícil explicar porquê. Agora tudo o que preciso fazer é contar a história de Sinatra e estou
desculpado. Todos entendem.
Incidentes como esse mandam um escritor correndo de volta para
a mesa de trabalho à procura de segurança. Que ninguém se engane,
escritores se tornam escritores para evitar as dores e humilhações do
mundo e das pessoas reais. Comecei a reescrever o roteiro, a jogar tênis
e a ler tranquilamente à noite em minha suíte. Se eu ia ser um ermitão,
o Beverly Hills Hotel era uma ótima cabana.
Eu também me senti deprimido, porque pensei que Sinatra odiara o
livro e acreditara que eu o tinha atacado pessoalmente com o personagem
de Johny Fontane. Mas algumas semanas mais tarde, quando Francis
Coppola foi nomeado diretor do filme, Sinatra também teve um incidente
com Coppola. Eles se esbarraram em uma boate de L.A. certa noite, e
Sinatra segurou os ombros de Coppola e disse: “Francis, eu interpretaria
o Chefão por você. Eu não faria isso por aqueles caras na Paramount, mas
eu faria por você”.
Essa história curou minha depressão, mas Sinatra continuou a estar
presente durante a realização do filme. Alguns cantores famosos recusaram o papel, um deles dizendo que não mexia nisso nem com uma
vara de cinco metros. Al Martino queria o papel, mas por alguma razão
a vaga foi primeiro oferecida para Vic Damone, que aceitou e depois voltou atrás. Supostamente por lealdade a Sinatra e à Liga Ítalo-americana.
Mas depois Vic Damone admitiu que isso fora uma desculpa inventada
pelo grande Mahoney. Na verdade, ele recusou porque o pagamento era
baixo. No fim das contas, Al Martino ficou com o papel, e, penso eu, o
interpretou de modo perfeito.
Outra história envolvendo Sinatra e Coppola dizia que Sinatra havia
ligado para Coppola e que Coppola passara a ligação toda escutando, até
finalmente dizer de modo pensativo: “eu nunca gostei daquela fala na
qual ele a chama de piranha”. Isto se referia a uma fala no livro na qual
Johny Fontane xinga sua segunda esposa. Ela jamais esteve presente em
qualquer versão do roteiro, mesmo antes da ligação.
Alguns diretores bem famosos recusaram O Poderoso Chefão, porque
ofendia suas consciências sociais, porque “glorificava a Máfia e os criminosos”. Quando Costa-Gavras, o diretor de Z, foi procurado, ele disse que
adoraria fazer o filme porque era uma denúncia do capitalismo americano.
Mas ele recusou, porque era americano demais e ele sentiu que, como
estrangeiro, não saberia trabalhar as nuances.
Bastante justos. Eu gostei da reação de Costa-Gavras. E também entendi os outros. Meu primeiro romance foi chamado de degenerado e
de sujo, apesar de outros o terem louvado como arte. Mas agora a única
opinião sobre meu trabalho que me preocupava era a minha própria.
E eu era um crítico mais duro do que a maioria, então meus sentimentos
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
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Mas Sinatra o interrompeu e sua voz agora era a voz que eu tinha
ouvido enquanto fazia amor quando era garoto, macia e aveludada. Ele
estava consolando o milionário arrasado. “Não é sua culpa”, Sinatra disse.
Eu sempre fujo de discussões e raramente em minha vida fiquei aborrecido por qualquer coisa feita por seres humanos, mas depois disso eu
disse para Sinatra: “Escute, não foi minha ideia”.
E então aconteceu algo totalmente espantoso. Ele me entendeu de modo
completamente equivocado. Ele pensou que eu estava me desculpando
pelo personagem de Johny Fontane no meu livro.
Ele disse, e sua voz era quase gentil: “quem disse para você pôr aquilo
no seu livro, sua editora?”.
Fiquei completamente estupefato. Não permito que editoras ponham
vírgulas em meus livros. Esta é a única coisa para a qual tenho caráter.
Finalmente eu disse: “Eu me referia a ser apresentado a você”.
O tempo piedosamente atenuou a humilhação do que se seguiu.
Sinatra começou a gritar ofensas. Lembro-me que, ao contrário de sua
reputação, ele não usou qualquer linguagem chula. A pior coisa de que
me chamou foi de cafetão, o que muito me lisonjeou, já que eu nunca
consegui arrumar namoradas para espremerem os cravos das minhas
costas, quanto mais para se prostituírem para mim. Lembro dele dizendo
que, se eu não fosse tão mais velho do que ele, ele iria me quebrar todo.
Eu era um garoto quando ele cantava na Paramount, mas tudo bem, ele
parecia 20 anos mais novo. Mas o que me machucou foi que ali estava
ele, um italiano do norte, ameaçando a mim, um italiano do sul, com
violência física. Isto era mais ou menos o equivalente a Einstein puxar
uma faca contra Al Capone. Simplesmente não era algo possível. Italianos
do norte nunca mexem com italianos do sul, exceto se for para prendê-los
ou deportá-los para alguma ilha deserta.
Sinatra continuou me ofendendo e eu continuei olhando para ele. Ele
continuava com a cabeça baixa em direção ao prato. Gritando. Ele nunca
olhou para cima. Finalmente eu me afastei e fui embora do restaurante.
Minha humilhação devia ser nítida em meu rosto, porque ele gritou para
mim: “Se estrangule. Saia daqui e se estrangule”. Sua voz era delirante
e aguda.
Diferentes versões deste incidente apareceram nos jornais e na tv,
dependendo de quem fosse a fonte. Foi nesta época que percebi o quão
importante é um aparato de relações públicas. Sinatra tem trabalhando
para ele um sujeito chamado Jim Mahoney e ele deve ser muito bom,
porque todas as versões da história faziam de Sinatra um herói. O que
me fez pensar: será que tudo o que eu admirava sobre Sinatra, na verdade,
fora uma criação de Mahoney?
Deve ser observado que este incidente não foi culpa de Sinatra. Ele
estava jantando, cuidando da própria vida. A culpa é parcialmente minha.
Eu poderia ter ido embora e me pergunto até hoje por que não fiz isso.
Mas a humilhação me fez muito bem. Eu realmente estava começando
127
o auge do poder
Francis Coppola é corpulento, alegre e geralmente está despreocupado.
O que eu não sabia é que ele podia ser durão em relação ao próprio trabalho. Seja como for, ele lutou e conseguiu Brando. E, por acaso, Brando
nunca criou qualquer encrenca. Um estrago para sua reputação.
A seleção de elenco começou. Atores chegavam, falavam com Coppola
e exibiam toda a sua arte e suas habilidades para serem lembrados por
ele. Eu assisti a algumas entrevistas. Coppola era simpático e cortês com
essas pessoas, mas para mim era doloroso demais. Eu desisti. Não podia
mais assistir a elas. Elas ficavam tão vulneráveis, tão abertas, tão nuas em
suas esperanças de serem notadas. Foi nessa época que me dei conta de
que atores e atrizes devem ter todos os ultrajes e tiranias de seus estrelatos
perdoados. Isso não significa que você precise suportá-los, mas somente
que deve perdoá-los. Mas o incidente que me fez abandonar as seleções de
elenco foi quando uma garota bonita, porém comum , foi até o escritório
e conversou com todo mundo e anunciou que tentava conseguir um papel.
Eu perguntei qual papel, e ela respondeu: “Apollonia”.
O papel de Apollonia é o de uma jovem siciliana que é descrita no livro
como bastante bonita. Eu perguntei para essa menina simpática porque ela
queria aquele papel. Ela respondeu: “porque eu pareço igual à Apollonia”.
Foi então que comecei a me dar conta de que atores e atrizes são loucos.
Para provar o que digo. Recebi uma ligação de Sue Mengers, que eu
não sabia que era uma agente famosa. Ela queria almoçar. Perguntei por
quê. Ela disse que representava Rod Steiger e que ele queria um papel
em O Poderoso Chefão. Eu disse a ela que, enquanto escritor, eu não tinha
poder, ela deveria falar com o produtor e com o diretor. Não, ela queria
falar comigo. Eu disse ok, que eu não podia almoçar, mas por que não no
telefone? ok, ela disse. Rod Steiger queria interpretar o papel de Michael.
Comecei a rir. Ela ficou irritada e disse que estava apenas comunicando
o desejo de seu cliente. Eu me desculpei.
Steiger é um bom ator, mas, Cristo, ele não tem como parecer que tem
menos de 40 anos. E o papel de Michael precisa de alguém que pareça
ter no máximo 25.
Finalmente tudo se mudou para Nova York. Coppola começou a filmar
testes de elenco. Agora o grande problema era encontrar alguém para
interpretar Michael Corleone, na verdade o papel mais importante do
filme. Em determinado momento, Jimmy Caan pareceu ter o papel. Seu
teste havia sido bom. Mas ele também fizera um bom teste para o papel
de Sonny, o outro filho do Chefão, e para o de Hagen. Droga, ele poderia
ter interpretado qualquer um dos três. Subitamente parecia que ele não
ficaria com papel algum.
Robert Duvall fez o teste para o lugar de Hagen e foi perfeito. Outro
ator era perfeito para Sonny. Isto deixou Jimmy Caan para Michael, mas
ninguém estava muito satisfeito. Finalmente surgiu o nome de Al Pacino.
Ele havia feito enorme sucesso com uma peça em Nova York, mas ninguém
ainda o havia visto no cinema. Coppola conseguiu as imagens de um
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
126
raramente se feriam. O que eu não sabia é que havia algumas histórias
de que o filme seria feito de forma barata, para tentar faturar a partir do
recorde de vendas do livro.
Finalmente eles resolveram ir com tudo. Bart tinha escrito uma crítica
do primeiro esboço do rascunho que fazia muito sentido e compensava
a falta de charme californiano dele. Na verdade, eu achava que na maior
parte das vezes eu recebia respostas diretas quando fazia perguntas
para ele. O que não é tão reconfortante quanto o charme, é claro, mas é
mais útil. Foi Bart quem veio com a ideia de usar Francis Coppola como
diretor. Principalmente porque ele era italiano e jovem. Stanley Jaffe, o
presidente da Paramount Pictures, Bob Evans e Ruddy concordaram.
Outra vez, minha mente cínica faz com que eu me pergunte se eles
escolheram Coppola porque ele era um garoto de trinta e poucos anos
que tinha acabado de dirigir dois fracassos financeiros e que, portanto,
podia ser controlado. Na época eles esperavam realizar O Poderoso Chefão por um valor entre 1 e 2 milhões de dólares (o filme custaria mais
de 6 milhões).
Quando Al Ruddy me deu a notícia, eu ainda não havia conhecido
Coppola, mas sabia da reputação dele. Ele era considerado um roteirista
muito talentoso, e mais tarde naquele ano ele iria ganhar um Oscar por
sua colaboração no roteiro de Patton – Rebelde ou Herói? (ele e seu colaborador nunca se encontraram).
“A única coisa que Francis e eu queremos que você entenda”, Ruddy me
disse, “é que não há qualquer intenção de reescrever o seu roteiro. Francis
só quer dirigir e todos estão contentes com seu trabalho”.
Eu sabia imediatamente que eu tinha um parceiro de escrita.
Sem dúvidas que sim. Ele reescreveu uma metade e eu reescrevi a
segunda metade. Então nós trocamos e reescrevemos um ao outro. Eu
sugeri que trabalhássemos juntos. Francis me olhou nos olhos e disse
que não. Foi aí que eu soube que ele realmente era um diretor.
Eu gostei dele. E ele mereceu a metade de seu crédito como roteirista.
E eu estava feliz por isso ter acontecido. Eu poderia culpá-lo por todas as
falas ruins e por algumas das cenas ruins. Ele nunca foi abrasivo; nós nos
dávamos bem; e finalmente havia um roteiro para ser filmado.
A diversão havia acabado. Agora todos entravam em cena. Estrelas,
agentes, os vice-presidentes e chefes do estúdio, o produtor, o produtor
associado, compositores musicais e vigaristas associados. Agora eu sabia
que não era o meu filme.
A grande questão: quem iria interpretar o Chefão? Eu lembrava do
que Brando havia me dito e então certa tarde tive uma pequena conversa
com Coppola. Ele escutou e disse que gostava da ideia. Eu o alertei que
todos odiavam a ideia. Alguns temiam que Brando fosse criar encrenca,
ou então que ele era fraco nas bilheterias, e um milhão de outras razões.
Eu imaginei que este diretor, com dois fracassos nas costas, não fosse ter
músculos para empurrar aquela ideia.
129
o auge do poder
Na tela, Pacino não chamou a atenção de ninguém – exceto a de
Coppola – como a pessoa certa para o papel de Michael. Coppola continuou
defendendo essa ideia. Finalmente Evans disse: “Francis, eu devo dizer
que acho que você está sozinho nessa ideia”. O que eu pensei que fosse
a forma mais gentil de dizer “não” que eu jamais ouvi. Precisaríamos
continuar caçando um Michael.
Mais testes foram feitos com outras pessoas. Nenhum Michael apareceu. Discutia-se até adiar o filme. Coppola continuou insistindo que
Pacino era o homem certo para o papel. Mas parecia que essa ideia estava
morta. Certa manhã, em um encontro com Evans e Charles Bluhdorn,
eu disse que pensava que Jimmy Caan poderia fazer o papel. Bluhdorn,
chefe da Gulf and Western, que era dona da Paramount Pictures, pensava que Charles Bronson poderia dar certo. Ninguém prestou nenhuma
atenção nele. Stanley Jaffe ficou tão puto por estar assistindo a testes de
desconhecidos na sala de exibição que, quando perguntado sobre qual
era a sua opinião, se levantou e disse: “Vocês querem realmente saber?
Eu acho que vocês arrumaram o pior bando de abajures que eu já vi”.
Por dias, ele estivera calmo e pacientemente assistindo a coisas que odiava
sem dizer uma palavra. Então todo mundo entendeu.
Tudo isso me espantou. Nada do que eu tinha lido sobre Hollywood
me preparara para isso. Jesus, aquilo que era democracia. Ninguém estava
empurrando ninguém goela abaixo de ninguém. Eu estava começando a
sentir que o filme era meu tanto quanto de qualquer outro.
Precisei me ausentar durante uma semana. Quando voltei, Al Pacino
tinha o papel de Michael, Jimmy Caan tinha o papel de Sonny. O cara que
antes tinha o papel de Sonny estava fora. John Ryan, que fizera o melhor teste para o importante papel de Carlo Rizzi, estava fora. Mesmo ele tendo sido
supostamente avisado de que tinha o papel. Ryan foi tão incrível em seus
testes para o papel que eu fiz algo que nunca havia feito: o procurei para dizer
como ele havia interpretado bem o papel. Ele foi substituído por um sujeito
chamado Russo que tinha alguma espécie de antecedente no show business
de Las Vegas. Nunca descobri o que aconteceu. Arriscaria que Coppola e os
chefes da Paramount fizeram uma espécie de negociata. Eu nunca entrei
em uma negociata. Por alguma razão eu nunca havia pensado nessa solução.
Embora o roteiro estivesse pronto, eu ainda estava na folha de pagamentos como consultor por 500 dólares por semana. Foi então que a
Liga Ítalo-Americana começou a chiar. Ruddy me perguntou se eu me
sentaria com a Liga para resolver as coisas. Eu disse que não. Ele decidiu
que ele mesmo faria isso e foi isso que ele fez. Ele prometeu tirar todas
as referências à Máfia do roteiro e preservar a honra italiana. A Liga
comprometeu-se a cooperar com a realização do filme. O New York Times
deu essa notícia em sua primeira página e no dia seguinte publicou um
editorial indignado sobre o assunto. Muita gente também estava revoltada. Eu devo dizer que Ruddy se provou um negociador astuto, porque
a palavra Máfia nunca esteve no roteiro em primeiro lugar.
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a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
128
teste de elenco que Pacino fizera para algum filme italiano e me mostrou.
Eu adorei. Dei uma carta para Francis dizendo que, acima de tudo, Pacino
precisava estar no filme. Ele podia usar a carta como bem quisesse.
Mas havia objeções. Pacino era muito pequeno, parecia italiano demais. Ele deveria ser o americano na família. Tinha que parecer um
pouco sofisticado, um pouco como um aluno de uma Ivy League. Coppola
continuava dizendo que um bom ator é um bom ator.
Pacino fez o teste. As câmeras estavam rodando. Ele não sabia as falas.
Saiu falando palavras que ele mesmo inventou. Ele não tinha entendido
nada do personagem. Era péssimo. Jimmy Caan fora 10 vezes melhor.
Depois da cena fui até Coppola e disse: “Devolva minha carta”.
“Que carta?”
“Aquela que eu te dei dizendo que queria Pacino”.
Coppola balançou a cabeça. “Espere um pouco”. Então ele disse: “Que
canalha autodestrutivo. Ele nem sequer sabia as falas”.
Eles testaram Pacino durante o dia todo. Eles o treinaram, o ensaiaram, o viraram pelo avesso. Isso tudo foi filmado. Depois de um mês, eles
tinham todos registrados em película. Era hora de mostrar isso tudo na
sala de exibição da Paramount no Gulf and Western Building.
Até ali eu brincara com a ideia de ser um figurão do cinema. Sentar
em uma sala de exibição me desenganou dessa ideia e me trouxe um
respeito real pelas pessoas no negócio. Evans, Ruddy, Coppola e outros
se sentaram na sala de exibição dia após dia, hora após hora. Eu aguentei
por algumas sessões e isso me deixou esgotado.
De qualquer maneira, o que acontece na sala de exibição é instrutivo.
Eu ficara maravilhado ao ver como as cenas ficavam boas ao vivo, mas
elas não eram tão eficazes filmadas. Havia testes para garotas que queriam o papel de Kay, o da jovem. Havia uma garota que não era a pessoa
certa para o papel, mas que parecia saltar da tela bem na sua cara. Todos
comentaram a respeito dela e Evans disse, “nós deveríamos fazer algo
com ela – mas receio que nunca faremos”. A pobre garota nunca soube o
quanto esteve perto da fama e da fortuna. Ninguém tinha tempo para ela
naquele momento. Droga, eu tinha, mas eu não era um figurão.
Alguns dos testes eram terríveis. Algumas das cenas eram terríveis.
Algumas eram espantosamente boas. Uma cena que Francis usara era
um momento de romance entre Kay e Michael. Francis havia escrito que
em determinado momento Michael beijaria a mão de Kay. Eu me opus
violentamente e Francis a excluiu. Mas nos testes todo ator beijava a mão
de Kay ou acariciava os seus dedos. Francis se referiu a isso provocativamente. “Mario, eu não pedi para que fizessem isso. Como pode ser que
todos beijam a mão dela?”
Eu sabia que ele estava brincando, mas isso realmente me irritou.
“Porque eles são atores, não gângsteres”, eu respondi.
A irritação não era por acaso. Eu sentia que Coppola suavizara os
personagens em sua reescrita.
131
o auge do poder
Perguntei a Bob Evans e ele disse que sim, se o filme não estivesse sendo
levado para outro lugar por causa da trilha sonora e da dublagem e deixem
para lá se essa desculpa é ou não legítima. Esse foi o segundo “não” mais
gentil que já ouvi. A questão toda é que eles não queriam que estranhos
assistissem. Ou então porque eu me opus ao final que usaram. Eu queria
30 segundos adicionais de Kay acendendo velas na igreja para salvar a
alma de Michael, mas ninguém concordou comigo. Então eu disse, com
o diabo isso tudo, se meus amigos não podem assistir comigo, então eu
também não quero ver. De novo uma atitude de criança. Só porque eu
ainda acho difícil aceitar um fato básico. Não é o meu filme.
Mesmo eu tendo escrito metade do roteiro, eu gostaria pra caramba
que ele fosse tão bom quanto as atuações.
Os críticos podem detonar o filme, mas não vejo como podem bater
nas atuações. Brando está muito bem. Robert Duvall também. E Richard
Castellano. Na verdade todos os três, eu acho, têm chance no Oscar. E eles
estão bem. Mas o grande bônus foi Al Pacino.
Como Michael, Al Pacino foi tudo o que eu queria que o personagem
fosse em uma tela de cinema. Eu não conseguia acreditar. Aquilo era, aos
meus olhos, uma atuação perfeita, uma obra de arte. Fiquei tão contente
que saí por aí admitindo que estava errado. Engoli meu orgulho como
se fosse meu prato chinês predileto. Até que Al Ruddy me puxasse para o
lado e me desse uma espécie de conselho amigável. “Escute”, ele disse, “se
você não sair por aí contando para todo mundo como você estava errado,
ninguém vai saber disso. Como é que você espera ser um produtor?”
Enquanto tudo isso acontecia, entrevistas e reportagens saíam em várias publicações. Sempre causando problemas. Ruddy deu uma entrevista
para um jornal de Nova Jersey na qual um dos trechos parecia uma feroz
crítica pessoal a mim. Francis Coppola deu uma entrevista para a revista
New York que colocava a mim e ao meu livro para baixo. Nada disso me
chateou, porque eu já estivera no negócio e sabia que revistas e jornais
meio que torcem as coisas para criar uma boa notícia. Eu realmente não
me importava, e isso era uma coisa boa. Porque eu fui convencido a dar
uma entrevista por telefone, e, quando ela saiu, parecia que eu estava
criticando Ruddy e Coppola, e eu definitivamente não tinha essa intenção.
E quando se espalhou por aí que eu estava escrevendo este relato, a Variety
publicou que ele estava sendo escrito para eu difamar os outros, porque
eu não estaria muito feliz com a Paramount. O que não era verdade (isso
é verdade, não é uma das jogadas de Jim Mahoney). De qualquer maneira,
eu nunca leio essas coisas exceto se elas forem enviadas para mim. Mas
todas estas notícias invariavelmente incomodaram algumas das engrenagens na Paramount.
A verdade é que, se um novelista vai a Hollywood para trabalhar a
partir do próprio livro, ele precisa aceitar que o filme não é dele. É simplesmente assim que as coisas são. E a verdade é que, se eu tivesse chefiado
a realização do filme, eu o teria arruinado. Dirigir um filme é uma arte
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Por volta desta época, me demiti do papel de consultor do filme, não
por causa de nada disso, mas porque eu simplesmente senti que estava
atrapalhando. Além do mais, na maior parte das discussões recentes
em que estivera envolvido, eu ficara do lado da administração e não do
pessoal da criatividade. O que me deixava muito nervoso.
A filmagem de um filme é o trabalho mais chato do mundo. Assisti a
dois dias de filmagem; basicamente eram caras saindo de casas e entrando em carros que partiam a toda. Então eu desisti. O filme seguiu sem
maiores problemas e perdi o rastro dele. Não era o meu filme.
Seis meses depois o filme estava na lata, exceto pelas sequências na
Sicília, que seriam filmadas por último.
Voltei a receber ligações. Evans queria saber se as sequências na Sicília
eram realmente necessárias. Posso dizer que ele queria que eu dissesse
não. Eu disse que sim. Peter Bart me ligou e perguntou se as sequências
na Sicília eram realmente necessárias. Eu disse que sim. Então eu liguei
para Coppola. Ele concordava comigo. O pessoal da grana pensava que
as sequências da Sicília não eram necessárias, porque qual era a razão
para gastar dinheiro com elas quando elas podiam simplesmente ser
cortadas do filme?
Evans, Bart e Jaffe merecem o crédito de terem ido em frente e filmado
as sequências da Sicília. Eles ouviram o ponto de vista criativo quando
não precisavam de fato fazer isso, quando provavelmente sofriam pressão para economizar dinheiro. E as sequências da Sicília de fato fazem
o filme, eu penso.
E então eles filmaram as cenas na Sicília e agora o filme estava pronto
para ser cortado e editado. Pense no filme como um grande pedaço de
mármore e o diretor esculpindo uma forma nesse mármore. Então, quando ele termina, o produtor e o chefe do estúdio vão lá e talham a estátua
que ele fez; e depois disso, é a vez do produtor e de seus editores.
A montagem de um filme sempre me pareceu como, antes de tudo,
um trabalho de escrita. É muito parecido com a versão final de um texto.
Então eu realmente queria estar presente na montagem.
Eu vi dois cortes brutos do filme e disse o que tinha para dizer. Outra
vez, todos foram corteses e cooperativos. Meu agente de cinema, Robby
Lantz, disse que fui tratado tão bem quanto qualquer novo escritor em
Hollywood. Então por que eu ainda estava insatisfeito? A resposta simples
é que aquele não era o meu filme. Eu não era o chefe. Mas então na verdade aquele não era o filme de ninguém. Ninguém havia de fato imposto
uma única visão ao filme.
Do que eu assisti, é um filme que funciona, e deve fazer dinheiro,
talvez até mesmo dinheiro demais para aqueles contadores Einsteins
esconderem, então eles precisarão pagar meu percentual. Mas eu nunca
assisti ao corte final e então não posso garantir isso de fato.
Eu queria levar alguns amigos para assistir ao corte e Al Ruddy disse:
“Não, ainda não”. Perguntei para Peter Bart e ele disse: “Não, ainda não”.
133
o auge do poder
O caso mais instrutivo foi o de uma adolescente. Certo dia, uma jovem
veio ao meu escritório no lote da Paramount. Ela era uma menina muito
bonita, muito inteligente, sadia e charmosa, com cerca de 16 anos. Ela me
disse que se chamava Mary Puzo e que havia vindo verificar se éramos
parentes, sobretudo porque seu nome se escrevia com apenas um Z, o
que é muito incomum.
Bem, eu podia ter sido um ermitão pelos 20 anos anteriores, mas
àquela altura eu tinha quatro meses de Hollywood nas costas. Ela nem
sequer parecia italiana. Eu disse isso a ela. Ela sacou a carteira de motorista. Estava correta. Mary Puzo. Fiquei tão contente que liguei para
minha mãe em Nova York e pus Mary Puzo na linha. Nós todos comparamos dados, de que cidade os pais e primos de cada um vinham, mas
nos decepcionamos ao não descobrir nenhum vínculo sanguíneo. Mas a
menina era tão legal que dei a ela uma cópia autografada de O Poderoso
Chefão antes dela ir embora.
Duas horas mais tarde, me surpreendi de ainda encontrá-la por ali,
andando em direção ao portão. Paramos para conversar. Ela disse que havia
passado no escritório de recrutamento de elenco para deixar seu nome lá.
“A propósito”, ela disse, “falei que era sua sobrinha. Tudo bem com isso?”
Eu sorri e disse “claro”.
Bem, com os diabos, ela só tinha 16 anos. E ela não sabia que estava
no caminho errado. Que ela deveria ter dito que era a sobrinha de Ruddy
ou de Coppola ou de Brando ou de Evans ou de Bart. Ela não sabia que
eu só era o oitavo mais importante.
Outra história engraçada – pelo menos para mim. Enquanto estava
fazendo o filme, Bob Evans deu uma entrevista para um jornal onde dizia
que não acreditava tanto na teoria do cinema de autor. Que, na verdade,
talvez os filmes fossem mais bem sucedidos quando os diretores não
tinham tanto poder.
No dia seguinte, Francis Coppola estava furioso. Assim que viu Evans,
ele disse: “Bob, eu li que você não precisa mais de diretores”. Bob apenas
ignorou.
Isso me pareceu engraçado, porque nessa época eu não acreditava em cinema de autor, exceto se fosse Truffaut, Hitchcock, De Sica e caras assim. Eu
também não acreditava em “cortes dos chefes de estúdio”, quanto mais em
cortes de produtores. Nessa época, eu pensava que os escritores deveriam
ter o corte final. Mas é claro que eu era um pouco preconceituoso.
Uma coisa estranha: Pauline Kael escreve as melhores críticas de
cinema em inglês (embora ela não compartilhe do meu entusiasmo pelo
trabalho de algumas belas jovens atrizes). Nunca ouvi seu nome ser pronunciado uma só vez nos dois anos em que estive para cima e para baixo
em Hollywood. Acho isso extraordinário. Não que eu esperasse que ela
fosse ser adorada. Ela é uma crítica muito dura. Mas ela é tão inteligente
e escreve de um modo tão bonito que eu ainda iria adorá-la mesmo se ela
assassinasse um filme, coisa que ela provavelmente ainda vai fazer.
par te ii
a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
132
ou uma profissão. Atuar é uma arte ou uma profissão. Todos especiais às
suas próprias maneiras, exigindo talento e experiência.
E embora seja fácil zombar dos chefes de estúdio, aqueles que têm
quilômetros e quilômetros de filmes rodados, ano após ano, precisam
saber de alguma coisa.
Preciso admitir que uma entrevista me deprimiu. Francis Coppola
explicou que ele estava dirigindo O Poderoso Chefão para conseguir capital
para fazer os filmes que ele gostaria de fazer. O que me deprimiu foi que
ele foi esperto o bastante para fazer isso aos 32 anos, quando eu demorei
45 para perceber que precisava escrever O Poderoso Chefão, para só então
poder fazer os livros que de fato eu gostaria.
Eu vivi bons momentos. Não trabalhei muito duro (escrever um roteiro
não é verdadeiramente tão difícil quanto escrever um romance). Minha
saúde melhorou porque eu peguei sol e joguei tênis. Foi divertido. Houve
algumas experiências traumáticas, mas todas são aproveitáveis em um
romance e como tais devem ser aceitas e até saboreadas.
Tanta coisa já foi escrita sobre as pessoas de Hollywood serem falsas
que fico quase constrangido de dizer que não as achei assim. Não mais do
que escritores ou homens de negócios. As pessoas de Hollywood são mais
impulsivas e desinibidas: elas vivem com os nervos à flor da pele, o que
pode torná-las por vezes abrasivas, mas elas me deram alguns momentos
maravilhosos. Certa vez, Julie Andrews era convidada de uma exibição
privada de um filme na casa de Bob Evans. Ela acabara de passar por dois
fracassos de bilheteria e estava se sentindo ferida. Quando apareceu a tela
branca, ela começou a assobiar. Foi engraçado e tocante.
Outra cena adorável foi Edward G. Robinson e Jimmy Durante caindo
nos braços um do outro em uma festa de Hollywood. Não sei nem sequer
se foi pessoal, mas eles fizeram isso com tamanha alegria, a alegria de dois
grandes artistas que reconheciam a grandeza um do outro. Eles agora são
o que chamamos de “velhos homens”, mas tinham mais vitalidade e mais
presença do que qualquer pessoa naquela sala. Eles foram ídolos de minha
infância, e Edward G. Robinson me deu um presente final naquela noite.
Eu falava com um jovem agente, muito agradável, quando Robinson
se uniu à conversa. Ele também ficou impressionado pelo jovem e perguntou como ele ganhava a vida. Quando o jovem disse que era um
agente, Edward G. Robinson o olhou de cima a baixo, como se ele ainda
fosse o Pequeno César e o agente fosse um delator. Passaram pelo famoso
rosto sentimentos de surpresa, desgosto, desprezo, descrença, até que
ele finalmente abrandecesse em aceitação, um reconhecimento gentil de
que, apesar de tudo, aquele ainda era um ser humano. Então Robinson
levantou seu dedo indicador e disse para o jovem: “Ame os seus clientes.
Você ouviu? Ame os seus clientes”.
Muitas coisas engraçadas aconteceram perto do meu escritório quando
eu escrevia o roteiro de O Poderoso Chefão na Paramount. Houve vezes em
que fui enganado a não poder mais.
a r e aliz aç ão de o p oderoso chefão
134
É verdade que as relações em Hollywood são direcionadas para a realização de filmes, e que a maior parte das amizades é pragmática. Mas,
dentro deste quadro de referências, achei muitas das pessoas com quem
trabalhei afáveis e, de algum modo, afetuosas e generosas. Eu consegui
entender boa parte do egoísmo pessoal porque você precisa ser egoísta
para escrever livros.
Assinei contrato para dois roteiros originais, que a essa altura já foram
concluídos. E informei ao meu agente que não farei nenhum outro, exceto se eu tiver controle completo do filme e ficar com metade do estúdio.
Então eu suponho que não quero ter toda aquela diversão. Ou então é
simplesmente porque sei que não me comportei de modo tão profissional
quanto deveria no filme.
Voltei a trabalhar em meu romance. A ideia de passar os próximos três
anos como um ermitão é meio assustadora, mas de um jeito engraçado
estou mais feliz. Me sinto como Merlin.
Na história do Rei Arthur, Merlin sabe que a feiticeira Morgana
irá trancá-lo em uma caverna por mil anos. Quando eu era criança, eu
imaginava por que Merlin a deixava fazer isso. É claro que eu sabia que
era um encantamento, mas Merlin não era um grande mágico? Bem,
ser um grande mágico nem sempre ajuda, e encantamentos são tradicionalmente cruéis.
Parece uma loucura voltar a escrever um romance. Uma ideia até mesmo
degenerada. Mas, por mais que eu reclame de editoras, elas sabem que o
livro é do escritor, não delas. E as editoras de Nova York podem não ter o
charme das pessoas do cinema de Hollywood, mas elas não relegam você
ao papel de parceiro. O escritor é a estrela, o diretor, o chefe de estúdio.
Nunca é o meu filme, mas é sempre o meu romance. É tudo meu, e eu acho
que é isso o que realmente importa em um encantamento.
APOCALYPSE QUANDO?
“Embora Coppola não seja assombrado pelo espectro do fracasso financeiro de
fiascos como Cleópatra, não há futuro certo para Apocalypse. É uma obra
complexa, exigente e inteligente, chegando a um mercado que nem sempre
aprecia essas qualidades.”
— dale pollock
“Apocalypse Now está finalmente entre nós. É incrível. É de tirar o fôlego e
dar suspiros. Sensível, emocionante e inspirador, é bonito, perspicaz, chocante,
magnífico, espetacular e estupendo, mas também sábio, espirituoso,
um monumento em nome da dignidade humana, e um testamento de nossa
própria inumanidade.
Eu espero vê-lo um dia.”
Publicado originalmente
sob o título “Apocalypse
When?” em schumacher,
Michael. Francis Ford
Coppola: A Filmmaker’s
Life. New York: Crown
Publishers, 1999.
p. 233–266.
Tradução de Julio Bezerra.
Texto traduzido e
publicado sob cortesia do
autor, 2015.
— russell baker
michael schumacher
o auge do poder
139
par te ii
Muito coisa mudou na indústria cinematográfica desde que Francis Ford
Coppola começou a fazer Apocalypse Now (1979). Havia novos jogadores no
comando da lista de cineastas poderosos e influentes. Um novo divisor
de águas tinha tomado o mercado. O gosto da audiência havia mudado,
e como nunca antes de forma tão sutil, mas, ainda assim, significativa.
Tudo estava absolutamente conectado e tudo teria um grande efeito na
carreira de Coppola.
Talvez o mais decisivo tenha sido a invasão de uma mentalidade
blockbuster como um vírus na indústria cinematográfica, influenciando
o tipo e a quantidade de filmes que eram lançados por ano. Ironicamente,
essa fixação pelo blockbuster podia ser traçada desde O Poderoso Chefão,
bem como Tubarão ( Jaws, 1975), Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977) e
Contatos Imediatos de Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977),
todos lançados num período de cinco anos. Todos eles fizeram muito
dinheiro, tornando seus diretores ricos e poderosos, e todos contribuíram imensamente para salvar seus respectivos estúdios da calmaria que
vinha afetando o mercado cinematográfico por quase três décadas, desde
o advento da televisão.
Em 1946, o mercado de exibição tinha gerado um lucro de us$ 1.69
bilhão, mas com a chegada da televisão nos lares americanos, a cifra
começou a cair ano a ano e atingiu o fundo do poço em 1962 com apenas
a metade da soma de 1946. Os números voltaram lentamente a crescer
ao longo dos anos 60, mas os estúdios continuaram a perder dinheiro e
a produção minguou. O enorme sucesso de Operação França (The French
Connection, 1971) e Love Story (1970) rendeu aos seus estúdios (Twentieth
Century-Fox e Paramount, respectivamente) dinheiro suficiente para
manterem-se vivos, o que ajudou a gerar um interesse renovado pelo
cinema, mas, como no início dos anos 70, a marca de 1946 ainda tinha
de ser alcançada.
lente ou maior. Um remake de King Kong, uma versão cinematográfica do
musical da Broadway O Mágico Inesquecível (The Wiz) e 1941 – Uma Guerra
muito Louca (1941, 1979) de Steven Spielberg custaram quase o mesmo.
O Portal do Paraíso (Heaven’s Gate, 1980), o primeiro filme de Michael
Cimino desde O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978), ameaçava perder
completamente o controle.
Com apenas poucas exceções, os filmes de grande orçamento visavam
um entretenimento leve, destinado ao maior público alvo possível, e
eram, em geral, programados para os períodos mais lucrativos de verão e
férias. Em alguns casos, também estava em jogo a possibilidade de certos
acordos de merchandising, algo que George Lucas havia levado à perfeição com Guerra nas Estrelas, quando o longa arrecadou mais de us$ 500
milhões em produtos licenciados – mais do que os us$ 467 milhões
de bilheteria.
Apocalypse Now nadava contra a corrente. Obviamente, não haveria
nenhum brinquedo ou cadeia de fast-food interessada no filme, e Coppola
nem sequer sabia se queria passá-lo na televisão. Nada disso teria importância se ele não estivesse em uma situação em que teria de lançar um
blockbuster apenas para fechar no azul, e com todos os problemas enfrentados durante Apocalypse Now, assim como todo o trabalho que ainda estava
por vir, Coppola tinha todas as razões para se sentir ameaçado quando
terminou finalmente a produção de seu último filme.
141
Depois de fazer as malas e deixar as Filipinas, Coppola fez escalas no
caminho de volta para casa, primeiro acompanhando Vittorio Storaro e
sua equipe até Roma, depois parando no Festival de Cinema de Cannes,
fazendo turismo em Paris, assistindo às touradas em Madri, além de
uma breve escala em Londres antes de partir para Nova York. A ideia
por trás desse tour relâmpago era descansar após os meses tempestuosos
de produção de Apocalypse Now. Contudo, isso esteve longe de acontecer:
Coppola estava a mil por hora quando aterrizou em São Francisco em
meados de junho de 1977.
Em sua volta para casa, ele viajou em um jato particular, onde passava
a maior parte de seu tempo assistindo às imagens de Apocalypse Now. Elas
pareciam anunciar um grande filme, mas Coppola estava preocupado
com os custos de pós-produção. Ele ainda precisava refazer alguns planos, que tencionava rodar na Califórnia, e achava que o filme carecia de
uma sensação de início-meio-fim. O início e o meio do longa pareciam
funcionar, mas Coppola ainda estava incerto sobre o desfecho.
Apocalypse Now havia se tornado um filme que se recusava a terminar.
Para se lembrar disso, bastava Coppola olhar pela janela de sua casa no
Vale do Napa: um helicóptero estava estacionado em sua garagem e o barco
de patrulha de Willard se encontrava debaixo de um carvalho à beira da
o auge do poder
2.
par te ii
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
140
Durante este período, os grandes estúdios passaram por mudanças importantes. mgm parou de fazer filmes, enquanto Warner Bros.,
Paramount, Universal e United Artists foram absorvidos por grandes
corporações, isso, se por um lado, talvez os tenha salvado da extinção, do
outro, alterou a maneira como eles funcionavam. Fazer cinema tornou-se
um negócio, e não uma indústria – e nenhum dos dois tinha muito a
ver com arte.
“Cinema costumava ser uma indústria: seu objetivo era, em primeiro
lugar, fazer filmes e em segundo, dinheiro”, escreveu James Monaco, que
traçou a distinção indústria/negócio em seu livro American Film Now. “Hoje,
cinema é claramente um negócio”. Ao analisar a evolução da indústria
para o negócio, Monaco chegou à conclusão que atacaria o centro nervoso
dos sucessos e fracassos da carreira de Francis Ford Coppola: “Cinema
nos eua sempre foi melhor compreendido como indústria do que como
arte… Deixe o Velho Mundo se preocupar com arte e autores, níveis de
estética, sentido e urgência. Enquanto isso, nós fazemos entretenimento.
E uma grande quantia de dinheiro”.
Coppola sabia fazer arte e, depois de O Poderoso Chefão, soube o que
era fazer dinheiro. Mas aquilo era apenas a ponta do iceberg. Em 1972, no
ano em que O Poderoso Chefão arrecadou us$ 43 milhões e estava prestes a
se tornar a maior bilheteria de todos os tempos, o top dez dos filmes mais
lucrativos somava us$ 123 milhões; em apenas cinco anos, no de Guerra
das Estrelas e Contatos Imediatos, o top dez já chegava a us$ 424 milhões.
A indústria como um todo havia se recuperado, mas menos filmes estavam sendo feitos, e eram menos ainda aqueles que conseguiam render
essa quantia de dinheiro.
Isso era bom e ao mesmo tempo ruim para Coppola. As empresas
estavam dispostas a investir mais na produção e na divulgação de filmes,
na esperança de lançar um novo blockbuster, porém descobriram que
ao lado das grandes expectativas caminha uma definição mais ampla
de decepção e de fracasso. Não era mais aceitável que um filme tivesse
um lucro modesto; empresas estavam atrás de muito dinheiro. “Todos
queriam lançar um outro Guerra nas Estrelas ou Tubarão”, sublinhou Max
Youngstein, um dos fundadores da United Artists. “Eles estão em busca
da galinha dos ovos de ouro”.
Essas expectativas tinham uma influência direta nos tipos de filmes
que estavam sendo realizados – ou pelos menos aqueles que recebiam
sinal verde no que diz respeito a grandes orçamentos. Apesar de tudo o
que foi dito sobre os gastos absurdos de Apocalypse Now, o filme não era de
maneira nenhuma único – e nem o primeiro – dentre os filmes de grande orçamento sendo produzidos. 007 contra o Foguete da Morte (Moonraker,
1979), o último James Bond; Jornada nas Estrelas – O Filme (Star Trek – The
Motion Picture, 1979), o primeiro de muitos filmes feitos a partir dessa
popular série de televisão; e Flash Gordon (1980), uma extravagante ficção
científica de Dino De Laurentiis, reivindicaram um orçamento equiva-
143
o auge do poder
em uma enorme mansão com vinte e dois cômodos e tínhamos muitas
responsabilidades, então, seria fácil para mim voltar a viver com menos.
Não teria sido tão difícil para mim. No final das contas, eu achava que
Francis era muito talentoso e inteligente, e se ele perdesse uma fortuna,
teria potencial de criar outra”.
Coppola passou o verão trabalhando em Apocalypse Now e supervisionando a pré-produção de O Corcel Negro (The Black Stallion, 1979), que
estava programado para ser filmado no Canadá. Desde 1974, quando
comprou os direitos do livro com parte do lucro de O Poderoso Chefão, ele
estava entusiasmado em fazer deste filme um lançamento da Zoetrope,
mas Coppola e Carrol Ballard, diretor do longa, discordavam a respeito
do roteiro. Originalmente, Ballard queria alterar a história, mudando
o sexo do personagem principal de um garoto para uma garota para explorar a quase mítica relação entre meninas e seus cavalos, mas Coppola
havia vetado a alteração. Além disso, os dois tinham diferenças quanto
ao que Ballard entendia como o sermão do livro de Walter Farley; mais
uma vez, Coppola ganhou a disputa. Ele manteve um olhar atento no
desenvolvimento de um roteiro adequado, rejeitando versão após versão
e contratando roteiristas para trabalhar com Ballard até que, finalmente,
ele deu sua aprovação.
Ou pelo menos era o que parecia. No meio do verão, poucos dias antes
do início das filmagens de O Corcel Negro, Coppola voou para Toronto
para mais uma conversa com Ballard sobre o roteiro. Como os lucros
futuros do filme estavam amarrados ao recente acordo que Coppola
havia firmado com a United Artists, ele insistiu que o roteiro seguisse
suas especificações. Suas interferências quase levaram Ballard à loucura,
mas, para seu alívio, das filmagens em diante, Coppola não perturbou
mais o filme.
“Estávamos em meio a um caos completo”, confessou Ballard. “Ainda
não estávamos muito felizes com o roteiro, tinha sido difícil chegar até
aquela versão final. Eu estava tendo grandes problemas com os canadenses.
Estava tendo grandes problemas de comunicação. Até aquele momento,
eu era algo como uma banda de um homem só: eu filmava e editava
meus filmes – eu fazia praticamente tudo sozinho. Em O Corcel Negro
tive que, pela primeira vez, passar tanta informação para outras pessoas,
que, por sua vez, eram responsáveis por tarefas decisivas para o longa.
E eu estava falhando miseravelmente em todos os aspectos. Tudo parecia
estar errado”.
“Francis tinha comprado um jatinho particular e estava viajando
com seus amigos, e tinha acabado de aterrizar na cidade pouco antes
das filmagens começarem. Eu achava que a intenção dele era abandonar
completamente a produção do filme. Mas começamos a filmar, e em
poucos dias, Francis viu algumas imagens, gostou delas, e decidiu que
deveríamos continuar. Então, nós seguimos em frente e filmamos por
todo o verão de 1977”.
par te ii
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142
estrada. No campo ao lado, tendas militares estavam sendo montadas,
assim como parte do cenário do complexo de Kurtz. Figurinos e adereços
ocupavam parte do celeiro e da cozinha.
Coppola havia se dedicado de corpo inteiro nos últimos meses na
tentativa de reestruturar suas finanças para a última fase de produção do
filme. Em maio, ele vendeu suas 72 mil ações do Cinema 5 de volta para
Donald Rugoff pelos mesmos us$ 2,50 por ação que ele tinha investido em
1974. Algumas semanas depois, no início de junho, ele assinou um novo
acordo com a United Artists, usando todos os seus bens, incluindo suas
casas e investimentos imobiliários, como garantias de um empréstimo
de us$ 10 milhões para a finalização do longa. Como se vê, Apocalypse Now
precisaria ser um grande sucesso de bilheteria para que Coppola tivesse
algum lucro por todo o seu trabalho. Se o filme fracassasse, Coppola
afundaria com ele.
Para proteger seu investimento, a United Artists fez um seguro de vida
para Coppola no valor de us$ 15 milhões, o que o levou a sublinhar que
ele valia mais morto do que vivo. Apesar de todo o falatório a respeito da
maneira descuidada com que lidava com seu dinheiro, ou da vontade de
se arriscar por sua arte, Coppola estava genuinamente preocupado com
sua última aposta. Ele a havia aumentado consideravelmente, mas ainda
tinha dúvidas se o filme funcionaria. Depois de alguns dias trabalhando
com o editor de som Walter Murch, um Coppola desmotivado chegou a
anunciar que havia somente 20% de chances dele conseguir fazer aquele
filme funcionar.
Estranhamente, a ameaça financeira afetou Ellie bem menos do que
ela esperava. Ela, assim como seu marido, fazia proveito de suas posses
e do estilo de vida que caminhava ao lado de grandes riquezas, e não suportava ver Francis agonizando com Apocalypse Now, sabendo, e ela tinha
consciência disso, que ele também estava arriscando sua reputação. No
entanto, como ela anotaria em seu diário, uma parte dela quase queria
que ele fracassasse. Com a riqueza e a fama vieram inúmeras complicações que Ellie, enquanto esposa e mãe, teria preferido evitar. Tímida
por natureza, ela não estava entusiasmada com todas aquelas grandes
festas e encontros que eles organizavam ou participavam, nos quais era
esperado que ela atuasse como a esposa do famoso diretor. Ela odiava
ainda mais a falta de privacidade em sua própria casa, que sempre parecia
ser invadida pelos sócios de seu marido. Uma parte dela sonhava com
o passado, quando Francis era jovem e desconhecido, batalhando para
se afirmar na indústria cinematográfica; quando a vida simples era, em
alguns aspectos, mais feliz.
“Eu vim de uma família para quem coisas materiais não eram o
principal na vida, para quem outros valores eram mais importantes e
duradouros”, sublinhou ela. “Eu cresci numa casa pequena, que era um
modo de vida mais familiar para mim. Quando Francis colocou em jogo
todas as nossas finanças para fazer Apocalypse Now, estávamos vivendo
Sem dúvida, ele havia se tornado um homem diferente desde que começou a fazer o filme. Talvez seus problemas fossem psicológicos. Ele tinha
acabado de ser diagnosticado como maníaco depressivo e estava sendo
medicado com lítio, o que ambos esperavam que pudesse estabilizar seu
humor flutuante.
Na tentativa de resolver os conflitos amorosos, Coppola continuava
retornando a uma questão central: ele amava sua esposa e sua família. Ele
podia analisar sua situação de cada ângulo e pensar sobre suas ações de
várias e diferentes formas, mas ele sabia que, no fundo, quando parava
para refletir sobre o que realmente era importante em sua vida, ele era
tradicional em suas crenças.
“Eu não queria perder minha família”, ele admitiu anos mais tarde,
quando tratou desse difícil momento de sua vida. “Eu não queria perder
meus filhos. Muitos homens podem fazer isso. Mas eu simplesmente não era
o tipo de pessoa que abandonaria minha família daquela maneira e criaria
uma segunda família ou coisa parecida. Eu não sou esse tipo de pessoa”.
O casamento perseverou, apesar dos contratempos. Em 1999, Coppola
ainda se mostrava indignado quando se lembrava da carta que sua esposa
havia enviado para ele enquanto filmava nas Filipinas, embora agora
pudesse assumir um tom mais reflexivo e analítico para explicar como
seu casamento conseguiu superar alguns dos testes mais pesados.
“Aquele tinha sido um período ruim pra nós”, disse ele sobre a época
de Apocalypse Now. “Eu ainda acho que Ellie tinha passado dos limites e
dado ouvidos a conselheiros quando escreveu aquela carta me censurando
enquanto eu estava filmando. Mas nossa família significava muito para
nós dois, e o casamento sobreviveu, passo a passo. Nestes últimos quinze
anos, ele nunca esteve melhor. Ela aprendeu a acreditar mais em mim
e menos nos ‘especialistas’. Ela tinha visto meus loucos sonhos virarem
realidade e talvez isso tenha ajudado. Quanto a mim, eu aprendi a dar a
ela mais privacidade e espaço para que ela pudesse criar e incentivei seu
trabalho. Eu acho que o mais importante em um casamento é dar um ao
outro o direito de se expressar e a privacidade para fazê-lo. Estar casado
não deveria nunca ser uma limitação – tem de ser uma vantagem”.
145
4.
No final de 1977, Apocalypse Now ostentava a nada invejável reputação de ser
um filme com sérios problemas. No início do ano, antes de Coppola impor
um veto total à imprensa, jornais e revistas tinham publicado reportagens
sobre o progresso do filme com considerações relativamente otimistas a
respeito do diretor e outros que trabalhavam no longa; com o tempo, as
reportagens tornaram-se cada vez mais vagas, movidas basicamente por
especulações ou por fontes que preferiam manter-se anônimas.
Para os observadores da indústria, os sinais não eram nada encorajadores, a começar pelo constante adiamento da data de lançamento
o auge do poder
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
144
As dúvidas de Coppola em relação a Apocalypse Now e O Corcel Negro refletiam suas indecisões em outra parte importante de sua vida: ele não
apenas não havia rompido o caso com uma jovem roteirista que tinha
começado nas Filipinas, como a relação havia se intensificado desde seu
retorno para os eua, a ponto de Coppola se ver profundamente apaixonado
e sem saber como lidar com essa extremamente difícil situação.
Finalmente, no final de setembro, ele contou sobre o caso para Ellie.
Choramingando enquanto confessava, Coppola tentava explicar como
poderia amar duas mulheres – sua esposa e sua amante – e como não
queria abandonar nenhuma das duas. Cada uma, disse ele, representava
uma parte diferente dele mesmo.
Ellie, perturbada por ter desconfiado das mentiras do marido, jogou
um vaso de flores em sua direção. “Eu ouvi a pessoa que amo, com angústia e dor”, escreveu ela sobre o confronto em seu diário. “De repente, eu
entendi que o conflito dele não era entre paz e violência. O conflito para
ele se dava entre ideais românticos e realidade prática. Um homem que
ama romance, ama ilusão. Ele é um cineasta, um mercado que cria ilusão.
E ele ama sua esposa, ama seus filhos e os quinze anos dessa realidade.
Eu pude ver isso claramente”.
Anos depois, Coppola ainda estava dividido pelo amor de duas mulheres. “Eu tenho me martirizado segundo a impossível questão de uma
dupla lealdade”, disse ele. “Você se sente leal à sua mulher e à sua família,
mas também se sente leal à outra pessoa com quem você criou uma relação de mútua confidência. Essa talvez tenha sido a coisa mais destrutiva
pela qual passei”.
Apesar da chorosa confissão e das promessas de terminar o caso, não
havia solução fácil ou imediata para o problema. Passados alguns dias da
conversa com Ellie, Coppola retornou à amante. Ellie ficou sabendo do
acontecido e de outras transgressões, e penou para responder às infidelidades do marido. Um dia, ela pensaria a respeito das ações de Coppola
e chegaria ao ponto de se acusar de ter se distanciado do casamento para
seguir seus interesses na meditação oriental e outros aspectos do “mundo
não físico”; no outro, ela ficaria furiosa com a falsidade dele, magoada por
suas mentiras e por não ter visto a verdade nas notas e pequenos presentes
que encontrava nos bolsos do marido. Ela se sentia humilhada pelo fato
de todo mundo parecer saber da história, e por ela e seu esposo terem
se tornado um dos tópicos favoritos do mundo da fofoca. Suas vidas, ela
achava, lembrava a história do diretor de cinema e sua esposa em Fellini
8 1/2 (1963), um filme que ela e Francis haviam visto quando estavam
namorando; até seus diálogos e fantasias eram parecidos.
Ellie ficou com Coppola durante a crise por uma série de motivos,
sendo o mais importante deles o fato de ainda amá-lo. A maioria de
seus problemas, ela esperava, era consequência das dificuldades que ele
enfrentava em Apocalypse Now e da enorme pressão que pesava sobre ele.
par te ii
3.
147
o auge do poder
o filme. Eu sabia no que Apocalypse Now daria – que ele tomaria muito
mais tempo do que nós inicialmente imaginávamos. Eu me senti culpado
ao deixar o filme, e me vi na obrigação de oferecer meus serviços para o
projeto televisivo de O Poderoso Chefão. E Francis logo aceitou a ideia”.
Malkin havia trabalhado recentemente em O Poderoso Chefão, Parte
ii e não precisava sequer refrescar a memória, mas ele só conhecia O
Poderoso Chefão, Parte i como espectador, e logo teve de se familiarizar
com o primeiro filme antes de começar a reuni-los. Além disso, Malkin
teve de formatar um longa enorme para a televisão, com direito a prólogos, intervalos comerciais, bem como teasers promocionais que seriam
usados pelo canal para gerar interesse em cada exibição noturna. Era
muito trabalho – do tipo que Malkin não estava acostumado – mas em
pouco tempo, ele já havia terminado e sentia-se confiante para viajar até
as Filipinas e mostrar a versão para Coppola.
“No fim”, ele disse, “o caos em torno de Apocalypse Now era tão grande
que nem cheguei a exibi-la. Começamos a ver a versão, mas tivemos que
desistir. Eu voltei a Nova York e me detive nos detalhes finais da coisa.
Eu contratei uma equipe de som, e nós usamos as músicas dos dois filmes como uma espécie de biblioteca para a música que as novas cenas
demandavam. Eu viajei pelo país atrás dos atores para mudar alguns
diálogos que não eram adequados para a televisão. Depois, fui para L.A.
por algumas semanas para supervisionar a gravação, que, acredito, era de
uma natureza bem mais primitiva do que é hoje. Era um projeto longo,
mas, quando havíamos terminado, Francis ainda estava nas Filipinas”.
Pouco depois do réveillon, Coppola chegou a uma importante decisão:
ao invés de buscar um estilo unificado para Apocalypse Now, cada cena teria
um estilo autônomo, único, de maneira que Willard (e os espectadores)
experienciaria algo novo a cada trecho da viagem rio acima. A decisão, é
claro, era bem prática, nascida da frustração de Coppola em relação aos
problemas de continuidade, mas era também uma decisão sobre o som
a partir de uma perspectiva artística: cada cena se tornaria um tipo de
poema sinfônico – parte da evolução da história, com certeza, mas também algo convincente em seus próprios termos.
Coppola agora tinha os primeiros dois terços de seu filme muito bem
construídos, embora ainda restassem alguns buracos na história que
impediam que o longa fluísse suavemente. Ele pensou por um tempo
na utilização de uma narração – uma prática rejeitada pela crítica, que
a considerava pobre – e em janeiro de 1978, ele decidiu experimentar.
Convidou Michael Herr, autor de Despachos (Dispatches, 1977), talvez o
melhor no cânon dos livros não ficcionais sobre o Vietnã. Herr assistiu
às imagens e ouviu o detalhado plano de Coppola, e, durante o ano seguinte, produziu o monólogo interior que oferecia aos espectadores um
perfil psicológico do Capitão Benjamin Willard. A narração lacônica e
quase chapada estabelecia o papel de Willard como o de um observador,
contrastando com a violência e o caos que tomavam conta da tela.
par te ii
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
146
do filme. Inicialmente previsto para estrear em 7 de abril de 1977 – o
aniversário de 38 anos de Coppola – , a data de lançamento já tinha sido
adiada diversas vezes, primeiro para dezembro de 1977, depois para o
aniversário de 39 anos de Coppola e, um pouco mais tarde, para outubro
de 1978. Os adiamentos nunca foram bem vistos pelos distribuidores, que
temiam perdas subsequentes no mercado exibidor, mas a história por trás
de Apocalipse now, com seus furacões, ataques do coração e substituições
de atores, já era agora tão familiar ao público que os adiamentos talvez
fossem compreensíveis – quem sabe até acrescentando um ar místico ao
filme – se alguém do grupo de Coppola se permitisse alguma dose de
otimismo. Ao invés disso, a imprensa foi recompensada com silêncio –
ou, pior, com rumores que não eram nem negados, nem confirmados.
Coppola, na verdade, não tinha muito o que dizer. Ele havia se debruçado tanto nas imagens do filme que não conseguia mais ter nenhum
senso de objetividade. Seus outros filmes – A Conversação (The Conversation,
1974) no topo da lista – tinham dado alguns problemas na pós-produção,
mas todos eram fichinhas se comparados a Apocalypse Now. Tudo o que
ele precisava como lembrete era a história das duas primeiras partes de O
Poderoso Chefão. Antes de suas experiências com Apocalypse Now, realizar
O Poderoso Chefão havia sido, sem sombra de dúvida, a pior experiência
de sua vida. Ele tinha mais voz e poder na criação da sequência, mas
passaria por maus bocados na elaboração do roteiro e na pós-produção,
e não sabia se o filme faria algum sentido. Ninguém desconfiaria disso
vendo os filmes hoje: eles são bem acabados, grandes sucessos de bilheteria e muito premiados.
Coppola tinha finalmente encontrado o objetivo dos dois filmes
quando eles foram combinados e retrabalhados sob o título Mario Puzo’s
The Godfather: The Complete Novel for Television, que foi ao ar na nbc em
meados de novembro. A nova e cuidadosamente preparada versão, com
uma duração de pouco mais de sete horas e contando com uma hora de
sobras dos cortes para o cinema, seguia uma ordem cronológica, eliminando algumas das confusões geradas pelos flashbacks de O Poderoso
Chefão, Parte ii. Como Coppola estava preocupado com as filmagens de
Apocalypse Now, quando chegou a hora de preparar a produção para a televisão, ele delegou a difícil tarefa de reunir todas aquelas imagens em
uma única e fluente história a Barry Malkin, o montador de Caminhos
Mal Traçados (The Rain People, 1969). Coppola redigiu extensas notas a
respeito de que filme ele queria, deu suas instruções a Malkin e confiou
em seu trabalho.
“Eu havia trabalhado em Apocalypse Now nas Filipinas”, lembra Malkin,
“e soube, naquele momento, que aquele era um projeto para um futuro
próximo. Haviam mencionado que quando terminássemos de filmar e
voltássemos para São Francisco, colocaríamos tudo em ordem quando
tivéssemos tempo. Bem, depois de alguns meses trabalhando em Apocalypse
Now, minha vida pessoal entrou em parafuso e eu tive que abandonar
Apocalypse Now, o público estaria ouvindo o barulho dos helicópteros, as
caixas de som vociferando A Cavalgada das Valquírias de Wagner de dentro do helicóptero, explosões e tiros e pessoas gritando – tudo vindo de
diferentes caixas de som espalhadas pela sala. O truque, explicava Murch,
era arranjar o som de modo que as pessoas não se sentissem sobrecarregadas por uma parede de barulhos, e para alcançar isso, ele estipulou que
somente dois sons dominantes tocassem em cada momento. Além disso,
Murch teria de determinar quando era melhor, por razões dramáticas,
ter o som emergindo de um único ponto e quanto ele deveria se expandir
para incluir partes ou toda a sala.
“Em segundo”, disse Murch a respeito das instruções de Coppola, “ele
queria autenticidade, ou seja, que as armas soassem como elas realmente
soavam no Vietnã. Ele se preocupava bastante com os veteranos que estiveram na guerra e veriam o filme. Ele queria que sentissem que se tratava de
um retrato fiel do que eles haviam vivido, sobretudo, no nível das máquinas
e armas – o helicóptero, os barcos, os tiroteios e todas essas coisas”.
Murch, um perfeccionista, apreciava a devoção de Coppola pelos detalhes. Durante a realização de O Poderoso Chefão, Murch tivera o trabalho de
gravar o som de carros antigos, somente para que o filme soasse autêntico.
Ainda assim, o pedido de Coppola em relação ao som das armas era uma
coisa bem mais complicada, já que, durante as filmagens de Apocalypse
Now, nem todas as armas tinham sido gravadas especificamente para a
edição de som, e solicitar a ajuda do exército estava fora de questão. Murch
conseguiu de alguma maneira reunir o arsenal necessário e por três dias
ele e sua equipe se retiraram para as montanhas ao lado de São Francisco,
onde puderam gravar os sons de todas as armas.
“Seu último pedido”, continuou Murch, “era que a faixa sonora deveria
participar do tom psicodélico no qual a guerra havia sido travada, não
apenas em termos das músicas para a trilha – The Doors e o que os jovens
ouviam nas rádios – mas, em geral, uma surpreendente justaposição de
imagens e sons; para que a faixa sonora não fosse apenas uma imitação
literal do que víamos na tela, mas algo que fosse além disso”.
Murch, que seria eventualmente agraciado com uma indicação ao
Oscar pela edição de som de Apocalypse Now, chegou até mesmo a criar
um outro nome para o seu trabalho.
“Nós estávamos atravessando mares desconhecidos”, disse ele. “Eu
achava que estava fazendo algo parecido com designer de produção, então
passei a chamar aquilo que eu faço de sound design”.
6.
O longo e custoso período de pós-produção de Apocalypse Now não escapou
da atenção da United Artists, cujo investimento no filme estava em uma
estranha espécie de limbo. Representantes da empresa chegaram a ouvir
rumores perturbadores de que o filme era um absoluto caos, impossível
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Nos anos seguintes ao lançamento de Apocalypse Now, críticas, ensaios
e reportagens jornalísticas descreveriam a criação cinematográfica de
Francis Ford Coppola como um exercício de loucura, com o diretor
fora de controle, segurando o filme por um fio e perdendo de vista os
limites orçamentários. As reportagens, embora fossem em sua maioria
verdadeiras, irritavam Coppola e só faziam aumentar sua hostilidade em
relação à imprensa. O que os críticos condenavam como um ego em fúria
(e, realmente, havia muito disso) era quase sempre uma má interpretação das necessidades de Coppola, cada vez mais desesperado, em fazer
algo monumental daquele projeto que havia começado em uma escala
bem mais modesta. “Eu tenho que fazer esse filme”, confidenciou ele a
John Milius. “Eu o considero como o filme mais importante da minha
carreira. Se eu morrer no meio da coisa, você assume. Se você morrer,
George Lucas assume”.
A pós-produção de Apocalypse Now refletia o caos das filmagens, da
atmosfera maníaco-depressiva nas salas de edição e das bizarrices que
surgiam daí. No início da montagem, um editor assistente tornou-se
tão obsecado com o filme que chegaria a invadir as ilhas de edição da
Zoetrope depois do expediente para trabalhar no material; quando
Coppola mandou que ele parasse, ele retalhou e roubou vários rolos do
filme, queimando-os e enviando as cinzas a Coppola todos os dias por
uma semana. Em outra ocasião, Fred Rexer, um veterano do Vietnã que
era amigo de John Milius e uma forte influência na primeira versão do
roteiro de Apocalypse Now, chegou no estúdio contando histórias sobre a
guerra, incluindo uma particularmente pavorosa sobre como ele havia
executado oficiais do vietcongue ao pressionar os polegares nos globos
oculares de seus prisioneiros, quebrando seus crânios. Depois ele ainda
amedrontou Martin Sheen e Coppola, quando trabalhavam na narração
em off no porão do estúdio, ao dar a Sheen um revolver carregado. “Você
tem o poder da vida e da morte em suas mãos”.
Nunca os custos de pós-produção foram tão altos para Coppola, não
apenas por causa da grande quantidade de tempo necessária para montar
o filme, mas também por que, na tentativa de instalar o espectador em
meio a uma guerra, ele precisava de um tipo de tecnologia que não era
nem um pouco barata, como o equipamento de edição com quatro telas
que o permitia trabalhar o longa em camadas. Para som, ele propusera
algo igualmente inovador.
“Quando eu comecei o filme, ele disse que queria três coisas”, lembra
Walter Murch. “Primeiro, que o filme fosse quintafônico, que o som
preenchesse a sala, como se ele viesse de todos os cantos”. Isso, conta
Murch, nunca tinha sido feito em um drama. Ken Russel havia usado
som quintafônico em Tommy (1975), sua adaptação para a ópera rock do
The Who, mas o som neste filme era basicamente música e raramente
se utilizava de efeitos sonoros. Para o ataque de helicóptero na vila em
par te ii
5.
Ao se dar conta de que teria que mostrar alguma coisa para a empresa,
Coppola organizou algumas exibições de versões inacabadas do filme, primeiro para os executivos da United Artists e depois, no dia 25 de abril, para
uma audiência seleta no Northpoint Theater de São Francisco. Coppola
costumava alertar que o filme não estava nem perto de sua versão final,
e implorava que críticos e escritores não revelassem nada do que haviam
visto. A imprensa obedecia, feliz por estar presente em uma exibição tão
exclusiva. “Francis Ford Coppola saiu finalmente da toca”, publicou um
jornal de Los Angeles.
A recepção das duas exibições desapontou o diretor. Coppola não se
sentia mais confiante diante do que diziam os executivos da ua e, embora
os espectadores de Northpoint tivessem se entusiasmado mais, eles pareciam ter gostado apenas das partes ruins. Ao ler os questionários após
as sessões, Coppola estava desconcertado por notar que a maioria das
pessoas se mostrava mais favorável em relação à sequência da batalha da
Cavalgada das Valquírias – uma sequência memorável, mas nem de longe
a preferida do cineasta.
“O filme atingia suas notas mais altas durante a batalha dos helicópteros”, escreveu ele em suas notas. “Os meus nervos estão aflorados – e
meu coração está quebrado – Minha imaginação está morta. Não tenho
nenhuma autoconfiança – Mas, como uma criança, quero apenas que
alguém me socorra…”
151
Mas ninguém o socorreria – nem mesmo lhe apontariam a melhor direção.
Durante o verão e o outono de 1978, enquanto trabalhava em um filme que
ameaçava levá-lo à falência, Coppola via seus contemporâneos gozarem
dos holofotes que ele mesmo havia apreciado poucos anos atrás. George
Lucas, que havia recusado a direção de Apocalypse Now para se dedicar a
Guerra nas Estrelas, viu sua ópera espacial tomar conta dos cinemas no
verão de 1977, enchendo salas semana após semana até destronar Tubarão
de Steven Spielberg do topo da lista das maiores bilheterias de todos
os tempos. Spielberg, que alguns anos antes já havia tirado o título de
O Poderoso Chefão, tinha lançado Contatos Imediatos de Terceiro Grau no final de
1977 e ainda somava lucros consideráveis em 1978. Lucas e Spielberg apoiaram Coppola durante os percalços de Apocalypse Now, oferecendo sugestões
e encorajando o amigo sempre que o viam, ambos solidários em relação
à pressão que qualquer diretor com um sucesso na carreira sofria.
Coppola ficava feliz com o sucesso de seus dois amigos, que haviam
lançado filmes que ele jamais imaginaria escrever ou dirigir, mas ele talvez
tenha se sentido um pouco diferente, quem sabe até mesmo ameaçado,
quando Michael Cimino, outro contemporâneo, fez O Franco Atirador,
no final de 1978. Antes de seu trabalho no filme, Cimino tinha sido um
roteirista de sucesso, embora tivesse dirigido apenas um grande filme,
o auge do poder
7.
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de ser lançado, mas eles não tinham muito o que fazer a respeito. Se eles
encerrassem a produção do filme, teriam uma enorme perda financeira
(um relatório estimou algo em torno de us$ 30 milhões) e ainda havia a
decisão desagradável em torno das garantias de Coppola. Se mantivessem
o apoio a Coppola, estariam sujeitos a novos pedidos de empréstimos.
A empresa já andava em uma situação complicada. Fundada em 1919
por Mary Pickford, Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e D.W. Griffith
como um meio para se distribuir filmes independentes, a United Artists
havia sido comprada em 1967 pela gigante de seguros Transamerica, que
em boa parte de uma década permitiu que os oficiais da ua conduzissem
seus negócios sem maiores intervenções corporativas. Isso, contudo, tinha
mudado recentemente, já que a Transamerica, baseada em São Francisco,
se mostrava cada vez mais preocupada com os gastos com cinema da ua.
A preocupação da Corporação não era injustificada. Só em 1970, a ua perdeu us$ 85 milhões, e embora a fortuna da empresa tivesse dado a volta
por cima nos anos seguintes, com um auge em 1974 e 1975, quando a ua
liderou a indústria no que concerne às bilheterias, a Transamerica insistia
em participar mais ativamente das práticas não apenas da ua como de
todas as suas subsidiárias. Alguns furiosos executivos da ua afirmavam
que a Transamerica estava violando a promessa de dar a ua autonomia
nas suas decisões – o que a Transamerica contestava. O presidente da ua,
Arthur Krim, um antigo dono da empresa que ainda era visto como uma
das grandes mentes do mercado cinematográfico, acabou se cansando das
interferências da Transamerica e renunciou ao seu posto, levando com
ele outros importantes representantes da ua. O novo regime da empresa
se encontraria em um meio termo, tentando agradar aos espectadores,
de quem dependiam para sobreviver, e ao mesmo tempo se esforçando
para gerar o tipo de lucro exigido pela Transamerica.
Apocalypse Now, com sua reputação abalada e seu potencial para o fracasso financeiro, não era o tipo de investimento que a ua queria discutir
com os executivos da Transamerica. É verdade: a reputação de Francis
Ford Coppola era uma das melhores do meio e ele havia feito dois grandes sucessos com O Poderoso Chefão, mas, no mercado cinematográfico,
memória e reputações tendem a desaparecer diante de lucros titubeantes. Coppola, claro, era sensível a isso, e, como um homem de negócios,
sempre dava um jeito de se aproximar das pessoas certas – neste caso, era
Jim Harvey, o presidente da United Artists e vice-presidente executivo
da Transamerica. Era notório que ambos se davam muito bem, embora
Coppola soubesse não levar tão a sério as opiniões de Harvey. Em um
gesto cômico e ao mesmo tempo de amizade, Coppola comprou um telescópio e o instalou no escritório de Harvey no vigésimo quinto andar
da sede da Transameria. O telescópio ficava apontado para o escritório
do cineasta no Sentinel Buiding e tinha uma pequena placa de metal em
que se podia ler: “Para Jim Harvey, de Francis Ford Coppola, para que
você possa continuar de olho em mim”.
Nenhum desses filmes, e nem os outros que seriam feitos durante
esse período, foram sucessos acachapantes de bilheteria, e nenhum, o
que é discutível, aproximou os espectadores do coração da experiência
de uma guerra como a do Vietnã. Em O Franco Atirador, Michael Cimino
chegou bem perto, sobretudo em razão das atuações de seu elenco superlativo (Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep) e da decisão
de Cimino de fazer os espectadores irem e voltarem do Vietnã. O filme
também estabeleceu um precedente importante em outro aspecto. “Até
O Franco Atirador aparecer”, escreve Lawrence Suid em seu longo estudo
sobre Hollywood e Vietnã na Film Comment, “a guerra ainda não era um
assunto viável financeiramente para os cineastas”.
Ao tratar dos efeitos que O Franco Atirador teve em Apocalypse Now,
Fred Ross, coprodutor do filme, assumia um tom otimista. “Não apostávamos em sermos os primeiros”, ele disse. “O Franco Atirador… parece
ser um grande sucesso. Isso é bom para nós. Por todos esses anos, a
indústria achava que o público não queria lidar com a Guerra do Vietnã.
O Franco Atirador é a primeira prova tangível de que isso talvez não
seja verdade”.
Coppola sabia bem da reputação de O Franco Atirador como sendo o
filme sobre a Guerra do Vietnã – e num período em que seu longa inacabado era chamado ironicamente de Apocalypse Quando? e Apocalypse
Nunca por uma imprensa cada vez mais cética. Só podemos imaginar o
que passava em sua mente quando Coppola, como apresentador da entrega do Oscar de Melhor Direção na cerimônia de abril de 1979, abriu
o envelope e anunciou Michael Cimino como o grande vencedor. Já era
hora de colocar seu filme diante do público.
153
Foi o que ele fez em maio, quando, ignorando os pedidos dos executivos
da United Artists, Coppola levou Apocalypse Now para o Festival de Cannes
e entrou na competição com um trabalho ainda em progresso. Em uma
carreira que parecia ter sido construída igualmente com talento e criatividade, da dedicação ao artesanato, e com coragem, Coppola estava se
arriscando como nunca.
As semanas anteriores ao Festival foram ao mesmo tempo encorajadoras e irritantes – além de particularmente cheias. Em 7 de abril,
Coppola celebrou seu quadragésimo aniversário com uma festa gigantesca
em seu vinhedo no Vale do Napa, com direito a um bolo de quase dois
metros e mais de mil convidados. Poucas semanas depois, ele estava em
Washington, D.C., participando de um churrasco de gala na Casa Branca
com o presidente Jimmy Carter, o primeiro-ministro japonês Masayoshi
Ohira, o ator Peter Falk e o cantor Boby Short. Por meio de Gerald
Rafshoon, um velho amigo que trabalhava como um dos assessores de
imprensa de Carter, Coppola conseguiu organizar uma exibição privada de
o auge do poder
8.
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O Último Golpe (Thunderbolt and Lightfoot, 1974), um longa de ação estrelado
por Clint Eastwood. Em O Franco Atirador, Cimino não só tinha chegado
primeiro aos cinemas com filme sobre a Guerra do Vietnã, como também foi amplamente elogiado pela crítica, que parecia pronta para eleger
Cimino com o próximo melhor cineasta.
Seja quais fossem suas impressões sobre o filme, Coppola tentou ser
simpático com Cimino quando foi para a première de O Franco Atirador
em Nova York, mas Cimino, confortável no seu recente posto de celebridade, não fez muita questão de corresponder. Ao contrário, ele parecia
mais interessado em promover seu filme sugerindo comparações e afirmações disparatadas em relação a Apocalypse Now. Seu longa, ele disse a
um jornalista do New York Times, tinha sido filmado na Tailândia, “que
é parecido mais com o Vietnã do que as Filipinas, onde Francis rodou
Apocalypse Now”. A deselegância, contudo, não parou aí. Em diversos outros
momentos da entrevista, Cimino – que nunca serviu no Vietnã, e que só
podia ter conhecido a guerra da mesma forma que Coppola – desferiu
alguns golpes baixos em Coppola, insinuando que ele, Cimino, seria
mais qualificado para fazer um filme autêntico sobre a guerra. “Vietnã”,
zombou ele, “não é a única guerra da história em que terríveis atrocidades
aconteceram. Já houve e muito provavelmente haverá piores. Vietnã não
foi o apocalipse”.
Coppola sabiamente se absteve de responder imediatamente aos comentários de Cimino, mas ele deu sua palavra final mais tarde, quando
foi convidado para falar sobre O Franco Atirador no Festival de Cannes
de 1979. “Quando vi O Franco Atirador”, ele disse, “Eu pensei que se tratava de um filme que lida com questões importantes, que tinha grandes
interpretações, e que nele se tentava fazer algo diferente; mas o achava
politicamente inocente. Era, contudo, uma tentativa, e para mim aquilo
era alguma coisa. O Franco Atirador é um tipo de filme diferente do meu,
que se passa em um mundo diferente”.
Disputas e falatório à parte, O Franco Atirador elevou o nível dos filmes
hollywoodianos sobre o Vietnã. E depois de longo período sem se dedicar
ao tema, Hollywood lançava um punhado de longas sobre a guerra e seus
efeitos nos soldados, incluindo Heróis sem Causa (Heroes, 1977), estrelado
por Henry Winkler e Sally Field, basicamente uma história de amor envolvendo um veterano do Vietnã e uma mulher que ele conhece depois
da guerra, quando cai na estrada e tenta dar um jeito em sua vida; e, um
ano mais tarde, Amargo Regresso (Coming Home, 1978), um esforço mais
ambicioso sobre um veterano deficiente (Jon Voight) que retorna aos eua,
se apaixona por uma mulher casada (Jane Fonda), e ainda confronta os
espectadores com provocações a respeito do envolvimento dos eua e sua
culpa na guerra. Livremente inspirado nas experiências de Ron Kovic,
cujas memórias de 1976, Nascido em 4 de Julho (Born on the Fourth of July),
seriam transformadas em um filme de sucesso, foi de longe o longa mais
aclamado pela crítica a lidar com esse tema tão pouco popular.
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o auge do poder
Se Coppola andava confuso com as respostas do público, as três sessões
só fizeram aumentar sua preocupação. Em uma delas, os espectadores
permaneceram em silêncio no final do filme, com apenas alguns poucos
aplausos; em outra, o público explodiu em aplausos quando a tela ficou
preta. O silêncio teria sido um sinal de desagrado ou poderia ser interpretado como uma reação à profundidade do longa? Estariam as pessoas
confusas com o que tinham acabado de ver? Coppola não tinha como
saber, e os questionários não o ajudavam. A reação foi, em sua maioria,
positiva, mas como um espectador notou, “É como ver sua mãe sendo
assassinada e ser perguntado como foi”.
Os testes de audiência, tidos como arriscados pela indústria, se voltaram contra Coppola em ao menos um aspecto: a imprensa, que até aquele
momento estava sendo respeitosa para com os pedidos do cineasta, não
permaneceria mais em silêncio. Rona Barrett foi a primeira a abrir a
porteira quando, na edição de 14 de maio da ABC Good Morning America,
resumiu a trama do longa, comentou sobre a atuação dos atores e acabou
rejeitando a obra como “um fracasso desapontador”. Naquele mesmo dia,
Gene Siskel publicou uma longa crítica sobre o evento e o filme para o
Chicago Tribune, na qual ele declarava que as primeiras duas horas eram
“estupendas” e os vinte minutos restantes, uma bagunça completa.
“Apocalypse Now, na versão que eu vi, não é lá muito fácil”, escreveu
Siskel. “Não tem aqueles personagens bem delineados do bem e do mal
de Amargo Regresso ou O Franco Atirador. É um filme mais sutil, que parece
prender a atenção das pessoas até o final, quando, então, algumas delas
se disseram confusas”. Siskel, que tinha entrevistado Coppola depois da
segunda sessão, não comprava a ideia do diretor de que o filme não era
ambíguo. “O filme é sobre ambiguidade moral”, Coppola mencionou,
traçando uma distinção em relação à ambiguidade da trama e dos personagens. “É diferente”, insistiu Coppola. “O que o filme diz é que estamos todos entre o bem e o mal, que tomamos nossas decisões enquanto
vivemos e que não existe nada como um bem ou mal absolutos – nunca
houve e jamais haverá”.
Outras reportagens se seguiram, incluindo uma crítica na edição
semanal da Variety (a publicação abriu mão da crítica em sua edição matinal atendendo o pedido de Coppola, até que Barret falou sobre o longa
na televisão), um pequeno texto na Newsweek e uma extensa cobertura na
New York Magazine. O artigo da New York, escrito por David Denby, atacava
Coppola por apresentar um filme inacabado, mas elogiou-o: “Apocalypse
Now”, ele escreveu, “parece uma daquelas músicas dos Rolling Stones ou
do Grateful Dead, que seguem indeterminadamente espalhando luxuriosamente pânico e pavor, deixando-nos embriagados e ao mesmo tempo
com um resíduo de ansiedade no estômago”.
Coppola explodiu de raiva quando viu as reportagens. Ele não só se
sentia traído, como acreditava que as notícias distorciam deliberadamente o final do filme. Coppola havia ouvido diversos rumores sobre os
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Apocalypse Now na Casa Branca, em que estavam presentes o presidente e
cinquenta convidados, que tiveram uma reação “mista, bem mista”. Embora não tenha dado nenhuma declaração pública sobre o longa, Carter
estava emocionado e o aplaudiu no fim; outros, como o diretor da cia
Stansfield Turner, ficaram em silêncio. Os questionários da sessão – que
agora eram de praxe nos testes de audiência de Apocalypse Now – eram
igualmente ambivalentes.
A sessão da Casa Branca foi apenas o prelúdio de um evento bem
maior – uma exibição pública na sexta-feira, dia 11 de maio de 1979, no
Mann’s Bruin Theater, em Westwood. Até aquele momento, Coppola
evitava mostrar o filme perto do nervo central da indústria cinematográfica, então a sessão no Bruin Theater, estabelecido a uma curta distância
do campus da ucla, acabou se tornando algo como um evento para as
pessoas que tinham ouvido todos os rumores, mas sequer haviam visto
um trailer do filme. Cinéfilos aos montes apareceram para comprar ingressos, amontoando-se diante da bilheteria às 9h30 – oito horas e meia
antes da abertura das bilheterias – e crescendo em número até somar
2.500 pessoas, o que uma reportagem chamaria de “o equivalente cinematográfico para as câmaras de gás”, todas clamando por ingressos para
a sessão das 20h. Todos na cidade pareciam recorrer aos seus contatos
para conseguir o tão sonhado ingresso. Grandes nomes pediam entradas – uma reportagem revelou que John Travolta queria duas, Dustin
Hoffman, quatro, e Gene Hackman, cinco – enquanto os executivos da
United Artists, exibidores, roteiristas e outros trabalhadores da indústria,
incluindo pessoas de estúdios rivais, brigavam por tickets. Vendo a enorme
confusão, Coppola aumentou o número de exibições para três, sendo que
a última passaria nas primeiras horas da manhã. Ninguém parecia se
importar com isso.
Coppola mostrou-se acessível naquela noite, conversando com as
pessoas que aguardavam nas longas filas, com alguns jornalistas previamente selecionados, discutindo com os espectadores após as sessões,
e dando um chilique ao perceber que boa parte da sala estava reservada
para determinadas figuras, deixando os piores lugares para aqueles
que haviam esperado por horas para entrar. Os questionários que eram
distribuídos convidavam os espectadores “a me ajudar a terminar este
filme”, o que levou um observador a sublinhar que estava “perturbado
com o fato de Coppola não saber como amarrar o longa, e que ele ainda
buscava desesperadamente uma maneira de fazê-lo funcionar”.
O filme, exibido em um magnífico 70mm, passou sem a abertura e os
créditos finais – uma estratégia que Coppola andava testando nas sessões
de 70 mm. Nessas exibições, os espectadores recebiam um programa com
os créditos impressos, embora a versão em 35mm mostrasse a abertura
e os créditos finais. O filme também era exibido com som quintafônico,
o que Coppola e Walter Murch ainda tentavam finalizar em uma versão
final mais aceitável.
York antes de estrearem na Broadway. Além disso, era ele quem estava se
arriscando, não os críticos ou distribuidores.
“Dez pessoas na United Artists tiveram um ataque de nervos quando
trouxemos o filme para Cannes”, ele sublinhou mais tarde. “Mas, como
dizia a nota no banco – que era o meu pescoço –, a ua não podia fazer
nada para me parar. Os cineastas que guardaram seus us$ 10 milhões
no banco não têm o mesmo direito de deixar seus distribuidores à mercê
de uma possível catástrofe”.
Ele tampouco parecia particularmente interessado em ganhar a
Palma de Ouro.
“Eu não tenho medo de perder”, ele contra-argumentou quando sugeriram que ele estaria em melhor situação se Apocalypse Now não estivesse
em competição. “Eu não estou interessado no prêmio”.
9.
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o auge do poder
Era impossível não admirar a presunção de Coppola. Ele talvez estivesse
sendo verdadeiro quando disse que não tinha medo de perder o prêmio,
mas ele não precisava da ajuda de conselheiros, da imprensa ou dos figurões da indústria para lembrá-lo de que havia muito mais em jogo do
que um prêmio. Durante todo o Festival, Coppola ostentou um ar confiante,
recebendo convidados e repórteres a bordo do Amazone – um iate fretado
que ele ocupava a quatro mil dólares por dia – e falando sobre os assuntos
que o interessavam. Eram muitos os pedidos de entrevista. Coppola se
tornou facilmente o centro das atenções do Festival, algo que saltou aos
olhos quando lhe foi oferecido o Palais des Festival para a coletiva de
imprensa do filme – uma honra reservada a apenas um outro cineasta
durante os anos 70, quando Ingmar Bergman falou de seu clássico, Gritos
e Sussurros (Cries and Whispers, 1972).
Depois de todo o falatório, a exibição de Apocalypse Now para a imprensa
às 10h do sábado de 19 de maio foi uma coisa quase anticlimática. Coppola
chegou ao Palais com um humor afiado e deu de cara com uma sala nem
um pouco cheia (alguns dizem que as especulações a respeito de uma sala
abarrotada de gente teriam afastado as pessoas). Como em todas as outras
exibições nos eua, a recepção do filme foi simpática, mas, ainda assim,
mista, com os críticos em uníssono sublinhando o final um tanto confuso,
e com os executivos preocupados com o apelo comercial do longa.
A coletiva de imprensa, em que mais de mil jornalistas estavam
presentes, acabou sendo um evento maior do que a própria exibição.
Coppola quis fazer daquela ocasião um desabafo de suas frustrações e
raiva em relação à feitura e conclusão do filme, mas também tratou da
imprensa americana, o estado da crítica de cinema e seus planos para o
futuro – tudo isso em uma performance virtuosa em que Coppola interpretou alternadamente um professor exigente, uma vítima ferida, um
artista arrogante e um publicitário manipulador. Anos mais tarde, ele
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diferentes finais de Apocalipse Now – chegou mesmo a exibir finais diferentes em algumas sessões – mas ele fez questão de anunciar que o final
mostrado no Bruin Theater seria o derradeiro. “A versão que acabaram
de ver”, ele disse ao jornalista Dale Pollock depois da primeira exibição
em Westwood, “é minha versão. É isso aí. Não há outras versões, apenas
coisas que as pessoas gostariam que eu tivesse feito. Mas essa é a minha
versão, o meu final, o meu filme”.
Com a data de lançamento para agosto se aproximando, Coppola
poderia ser perdoado por sua preocupação com os confusos detalhes
que eram veiculados sobre o longa, mas sua raiva contra as reportagens
e críticas era difícil de ser compreendida. Afinal, ele mesmo havia transformado aquela exibição em um evento, cobrando us$ 7,50 por ingresso
(uma soma exorbitante para a época, quase o dobro do preço usual) e
comprando anúncios de página inteira sobre as sessões. Ele deveria saber
que a imprensa escreveria sobre os méritos do filme – ou então ele estava
sendo estranhamente ingênuo. Coppola faz parte de uma indústria em
que a palavra de alguém, muitas vezes, está mais para um mero ruído do
que para uma promessa, e promessas não valem lá muita coisa. Apocalypse
Now era um dos filmes mais aguardados da história recente do cinema,
e Coppola ainda esperava realmente que a mídia não falasse sobre ele
assim que tivesse a oportunidade de vê-lo? Não mesmo.
Coppola se sentia preparado para uma batalha quando, poucos dias
depois do evento, entrou no jato particular de Kirk Krekorian, junto com
sua esposa e filhos, além de toda uma entourage de quarenta pessoas, e
voou para o Festival de Cannes. Lá, ele também se sentiu no centro das
controvérsias. Jamais um filme inacabado havia participado da competição do festival. Os executivos da United Artists não estavam nem
um pouco felizes de estarem competindo com outros longas americanos como Manhatthan (1979), Norma Rae (1979), Dias no Paraíso (Days of
Heaven, 1979), Síndrome da China (The China Syndrome, 1979) e Hair (1979),
ou com outras notáveis obras de todas as partes do mundo. Embora um
representante da ua tenha tentado acabar com a controvérsia, insistindo que “a ua está em perfeita sintonia com Coppola” em sua decisão de
estrear Apocalypse Now em Cannes, um outro atacou ferozmente a tática
do cineasta como sendo “insanidade momentânea nascida da arrogância”. Um executivo da concorrente Warner Bros. brincou dizendo que
aquela “poderia ser chamada de ideia mais idiota da história do cinema”.
Coppola e seu filme, era o que as pessoas achavam, poderiam perder
tudo se o longa fosse ignorado ou mal recebido; reações negativas em
Cannes poderiam encerrar a carreira de um filme que já alimentava
uma dúbia reputação.
Coppola, disposto a apostar e preparado para todas as guerras que
pudessem aparecer, acenou para a crítica, classificando a exibição em
Cannes como “um teste de audiência fora da cidade”, algo que se assemelhava aos testes de peças de teatro que eram realizados fora de Nova
159
o auge do poder
cinema parecem ter e comunicar, e ‘autenticidade’, que é algo de uma
ordem diferente. Coppola é autêntico nos bons e maus momentos, e está
familiarizado com ambos. Este era um dos bons momentos”.
Naquela noite, Coppola apresentou outra exibição de seu filme, esta
para um grupo de exibidores, e foi muito bem recebido. Apesar de tudo,
a estratégia ofensiva de Coppola, mostrando seu filme em Cannes e discursando na coletiva de imprensa, havia funcionado. A imprensa, talvez
um tanto solidária em razão de suas transgressões passadas, inundou
os jornais e revistas com histórias favoráveis, apontando, dessa forma,
Apocalypse Now como favorito na corrida pelo grande prêmio do festival.
Fazê-lo, no entanto, não seria nada fácil. A competição foi especialmente
dura, e não havia americanos na comissão de jurados. Nos últimos 31
anos, apenas sete longas americanos tinham levado a Palma de Ouro
em Cannes.
A premiação, anunciada em 24 de maio, honrou americanos em todas
as principais categorias. Jack Lemmon, o veterano ator conhecido principalmente por seus papéis cômicos, levou o prêmio de Melhor Ator por
sua interpretação de um técnico de usina nuclear em Síndrome da China,
e Sally Field levou o de Melhor Atriz pela sua interpretação como uma
sindicalista em Norma Rae; Terrence Malick foi pra casa com a estatueta
de Melhor Diretor por Dias no Paraíso.
A Palma de Ouro de Melhor Filme acabou sendo controversa. Incapaz
de chegar à unanimidade necessária para honrar uma única obra, os
jurados de Cannes dividiram o prêmio entre Apocalypse Now e O Tambor
(Die Blechtrommel, 1979), dirigido pelo alemão Volker Schlondorff, uma
adaptação cinematográfica do romance de Gunther Grass, sobre a ascensão
e queda do nazismo através dos olhos de um jovem menino. Coppola era
então o único cineasta a ganhar a Palma de Ouro duas vezes. Esse status
não caía bem com os puristas. Estes notaram que, segundo a tradição, um
diretor já premiado deveria se abster de competir novamente, e vaiaram
quando o filme foi anunciado – um deles chegou a comentar que o júri
deveria ter premiado Coppola com um “prêmio em progresso”.
As picuinhas, claro, não afetavam Coppola, que festejou o prêmio
como uma indicação dos méritos artísticos de seu conturbado filme e
como uma recompensa pela firme postura que havia tomado em relação
àqueles que o criticavam. Ele tinha feito suas apostas e se saído vencedor.
Naquela noite, Coppola, com sua família e comitiva, se refugiaram
em um pequeno restaurante italiano longe do glamour de Cannes. A festa
começou em um nível bastante moderado, mas “quando o clima festivo
deu as caras, ele o fez de maneira intensa”, lembrou uma testemunha.
“Uma garrafa de Chianti voou de um canto do pequeno restaurante
para outro, batendo contra uma parede. Alguém soltou um grito de felicidade, um sinal de que as frustrações e incertezas de quatro anos de
trabalho tinham acabado. Outra garrafa seguiu a primeira, depois outra,
depois os óculos. O piso do restaurante era um mar de vinho e cacos de
par te ii
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
158
expressaria seu arrependimento por ter deixado sua raiva tomar conta
de si mesmo, mas, naquela chuvosa tarde de 1979, ele falaria tudo aquilo
que precisava dizer.
“Meu filme”, ele disse, “não é um filme. Não é sobre o Vietnã – é o
Vietnã. É o que realmente é. É loucura…”
A partir daí, ele se concentrou naqueles que considerava seus principais inimigos.
“A imprensa americana”, disse ele, “é a profissão mais decadente, antiética, e mentirosa que você pode encontrar. Aprendi isso fazendo esse
filme. Não saiu nada realmente verdadeiro em quatro anos – seja sobre
o filme, o orçamento ou o que estamos fazendo. Os jornalistas vinham
ver um filme inacabado, prometiam que não escreveriam nada sobre ele
e então escreviam, sim, sobre ele. Então, eu disse, ‘se não há mais regras,
se não há mais ética, me deixem exibir o filme certo em Hollywood, em
Cannes, para que todo mundo possa vê-lo e me deixar em paz”.
Coppola atacava sem parar. Seu filme, disse ele, havia passado por tantos
problemas, que ele e sua equipe estavam enlouquecendo paulatinamente,
e que o filme havia passado a se contar a si mesmo. Ele estava criando “o
primeiro filme surrealista de us$ 30 milhões” – sobre um dos eventos
mais controversos da história americana – e tinha que se contentar com
as pessoas falando de orçamentos e criticando a violência do filme. Ele
tinha feito o longa com o seu próprio dinheiro; ele tinha assumido todos
os riscos. “Por que seria um crime? Por que eu, o primeiro a fazer um
longa sobre o Vietnã, um filme sobre moral, sou tão criticado, quando as
pessoas têm gastado o mesmo fazendo longas sobre um gorila, fantasias
ou sobre um idiota que voa pelos ares?”, perguntou ele, referindo-se aos
grandes orçamentos de King Kong (1976), O Mágico Inesquecível (The Wiz,
1978) e Super-Homem (Superman, 1978). Coppola também era igualmente
incisivo no que concernia às críticas sobre a excessiva violência de Apocalypse
Now. “Apesar de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, eu não gosto de
violência. O que eu vejo é apenas uma fração do que ocorreu no Vietnã”.
Zombando das pessoas que se ofenderam com o sacrifício do búfalo no
final de Apocalypse Now, Coppola comparou a reação a essa cena àquela
do cavalo em O Poderoso Chefão. “Americanos”, ele disse, “ficam mais
chocados com o assassinato de animais do que com o de pessoas”.
A impressa amava tudo aquilo. Como sempre, Coppola era sempre
interessante, mesmo que estivesse, muitas vezes, falando mal da imprensa.
Steven Bach, o presidente da ua na Costa Leste e na Europa, estava presente
na coletiva de imprensa, e, embora estivesse certo de que as tiradas de
Coppola contribuíam para as úlceras dos executivos da ua, Bach estava
impressionado com a paixão e a autoridade que vinha daquele “ser grande
e barbudo com chapéu panamá”.
“Coppola não é apenas um grande marqueteiro; ele é um orador
genuinamente articulado e contagiante, contou ele. “Lionel Trilling
observou certa vez o abismo entre ‘sinceridade’, o que muitas pessoas de
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
160
Amparado por sua vitória em Cannes, Coppola voltou para São Francisco
para uma última rodada com o filme. Ganhar a Palma de Ouro lhe dera
uma enorme confiança, mas o prêmio também o obrigava moralmente a
honrar a data de lançamento do filme para agosto daquele ano. Enquanto
isso, ele e a ua capitalizavam os benefícios que o prêmio podia trazer.
Vencedores de Cannes raramente se saem bem nas bilheterias dos eua
e Coppola sabia muito bem disso, vide A Conversação. Mas, no caso de
Apocalypse Now, que os céticos já duvidavam se realmente viria à tona, muito
menos se seria um filme de grande mérito, a Palma de Ouro imprimia
uma certa credibilidade à obra.
O prêmio inflou a confiança de Coppola, não apenas no que concernia à
sua competência para terminar o filme, mas também no que dizia respeito
aos seus instintos mercadológicos. Não fazia muito tempo, Coppola havia
redigido aquele infame memorando em que anunciava uma perspectiva
mais modesta para o seu estúdio. Agora, contudo, após o sucesso em
Cannes, ele considerava a possibilidade de comprar a Hollywood General
Studios e ressuscitar alguns dos antigos sonhos da Zoetrope. Durante
o verão, as diversas publicidades sobre o filme, bem como o trabalho de
jornais e revistas, seguiam Coppola, o que o levou a pensar em comprar
a própria United Artists ou a mgm, por mais absurdo que isso pudesse
parecer, ou talvez estabelecer uma escola alternativa para crianças, onde
os alunos estudariam computação e tecnologia digital.
No final daquele verão, Coppola conversou com a Orion Pictures sobre a criação de um acordo de distribuição não exclusiva por seis filmes.
Era o Coppola dos velhos tempos em ação. Ele havia colocado tudo o que
possuía em jogo em nome de um filme que ainda nem existia, mas já
estava de olho em novos projetos e aquisições. “Ele está em um modus
operandi maníaco”, uma fonte não identificada disse a um repórter do
New West, “e eu acho que ele está tentando dizer que Apocalypse não é nada
se comparado ao que ele está prestes a fazer”. Não surpreendentemente,
Coppola não falaria sobre seus planos.
Coppola, que se ressentia de ter os detalhes de sua vida e práticas
de negócios “espalhados como uma folha de manteiga”, levou um susto
indesejável quando, uma semana antes do lançamento de Apocalypse Now,
sua esposa publicou Notes, seu diário sobre o making of do filme. O diário,
originalmente concebido como um caderno de notas para um documentário, começou como uma coleção de observações sobre o processo
de produção do filme, mas, com o passar dos meses, como o casamento
dos Coppola começou a sofrer com a tensão provocada pelas dificuldades
161
11.
Enquanto Coppola, Walter Murch, Richard Marks e a equipe de montagem trabalhavam para finalizar Apocalypse Now, o cineasta e a United
Artists planejavam e discutiam sobre a melhor maneira de promover
o filme. Nada estava fora de cogitação. O nome de Coppola, a história
turbulenta do longa, a aparente antecipação por parte do público e a
vitória em Cannes – tudo isso poderia ser útil no projeto de marketing
da obra, embora nada disso garantisse sucesso na bilheteria. Os filmes
de verão, como Rocky ii (1979), Alien (1979), 007 – Contra o Foguete da Morte
(Moonraker, 1979) e Horror em Amityville (Amityville Horror, 1979), somavam
receitas consideráveis, apesar do mercado de exibição registrar uma queda de 6 a 10 % em relação ao verão anterior, com alguns estúdios, como
o auge do poder
10.
com o longa e com os casos extraconjugais de Francis, as notas tomaram
uma dimensão muito mais pessoal. Ou, como um crítico observou: “o
livro se tornou um relatório altamente pessoal sobre as dificuldades de
ser a Sra. Francis Coppola”.
Coppola, claro, estava descontente com a perspectiva de ver alguns
dos aspectos mais delicados de sua vida pessoal em domínio público, mas,
ao ouvir Ellie ler algumas passagens do diário para ele, o cineasta sentiu
que aquilo poderia ser educativo para os interessados em compreender
as dificuldades de se fazer um filme. Isso era verdade, embora Coppola,
sem dúvida, soubesse que os dados sobre sua infidelidade se tornariam
um dos apelos do livro. Ele poderia ter vetado a publicação do livro, mas
não seria bom para ele fazê-lo. Restava apenas ver o livro entrar em
circulação, e, em seguida, sofrer com os possíveis constrangimentos, e
viver sob o velho axioma de que qualquer publicidade é publicidade – um
ponto que um crítico do livro ressaltou quando observou: “[Notes] me fez
querer ver seu filme”.
Notes, como o documentário Francis Ford Coppola – O Apocalipse de Um
Cineasta (Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse, 1991), se tornaria
uma peça complementar de Apocalypse Now, exatamente pelas razões
que o próprio Coppola descreveu quando ouviu passagens do diário. Os
espectadores raramente tinham a oportunidade de saber como um filme
em geral é realizado – filmado de maneira não cronológica, repleto de
contratempos e falsos começos, e limitado por uma série de problemas
logísticos. Notes oferecia um passeio pelos bastidores da criação daquela
controversa obra-prima, além de um retrato sobre seu humano, demasiadamente humano, cineasta. Coppola talvez estivesse magoado com
alguns detalhes do livro, mas aquela era uma espécie de comprovação
da força de um casamento que soube sobreviver ao seu pior momento,
como também do caráter de um cineasta, que em geral era descrito pela
imprensa como irresponsável e arrogante, arriscando tudo para realizar
seu sonho em situações que teriam levado outros a desistir.
par te ii
vidro, um mar vermelho, e chegou-se a pensar que Francis iria embora.
Ele não o fez; ingressou na celebração enquanto vidros eram jogados
para todos os lados”.
“Há aqueles que querem algo agradável, algo quente para terminar o
filme”, disse ele enquanto festejava em Cannes, depois de mostrar um
final em que Willard, depois de matar Kurtz, aparecia nos degraus do
templo, indeciso sobre qual direção tomar. Os executivos da ua e os
distribuidores estrangeiros imploraram a Coppola que mudasse o final
para algo mais aceitável para o público, talvez Willard pudesse chamar
por um ataque aéreo para destruir a aldeia de Kurtz. Coppola, contudo,
resistiu. “Eu tenho este final também”, ele admitiu em Cannes. “Mas
isso é uma mentira. Talvez durante o próximo mês eu decida terminar
o filme com uma mentira, mas acredito que não. O Vietnã e os Estados
Unidos já têm todas as mentiras de que precisam”.
As observações de Coppola se assemelhavam a uma fala de Kurtz, no
final do filme, quando o coronel, convidando Willard para encerrar sua
missão matando-o, implora a seu assassino que encontre seu filho nos
eua e conte a ele tudo o que tinha testemunhado no Vietnã. Ele deve
dizer toda a verdade, Kurtz insiste, “porque não há nada mais detestável
que o cheiro de mentiras.”
O fim que Coppola legou a Apocalypse Now acabou sendo uma concessão,
produto do mais infeliz dos casamentos artísticos, mas de alguma forma
ele parecia ser tão verdadeiro quanto a ambiguidade da própria guerra.
163
Na abertura de Apocalypse Now, vemos helicópteros se movendo languidamente pelo quadro, suas hastes balançando em slow motion, acompanhados
pela música fantasmagórica do The Doors, The End. E assim que o verde
exuberante das árvores explode em laranja, dizimadas por um ataque de
napalm, compreendemos que este filme que acaba de começar, como a
própria guerra do Vietnã, é realidade infernal conjugada com uma viagem
de ácido que deu errado. Somos transportados para um lugar em que se
pode morrer guerreando ou nos confins obscuros de nossas mentes, onde
tudo que você acredita e tem como sagrado será ridicularizado pela morte
que sorri e despe toda a civilização ao primordial.
Em um quarto de hotel de Saigon, o Capitão Benjamin Willard aguarda
por uma nova atribuição. Ele parece estar se movendo em câmera lenta,
preso pelas paredes do hotel, bebendo e fumando o seu tédio, atravessando
espasmos físicos e mentais. O seu passado inclui um casamento fracassado,
um par de excursões no Vietnã e operações não especificadas para a cia,
para a qual ele realizava tarefas indizíveis, incluindo assassinatos. Ele é um
homem no limite, não inteiramente em paz com quem ele é, como podemos
ver quando, embriagado, ataca e quebra um espelho com um inesperado
golpe de caratê, cortando a mão e soltando um grito de agonia.
Ele acaba sendo convocado para a sede de um general e recebe sua missão: ele e um pequeno grupo deverão seguir com um barco de patrulha rio
acima até chegar ao Camboja, onde encontrarão o coronel Walter E. Kurtz,
o auge do poder
12.
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162
a Columbia e a Universal, anotando pífios resultados. As sequências de
O Destino de Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972), Aeroporto (Airport, 1970)
e Butch Cassidy e Sundance Kid (1969), todas estrelando elencos recheados e
tentando ganhar em cima do sucesso de seus respectivos antecessores, se
tornaram grandes fracassos, assim como o E a Festa Acabou (More American
Graffiti, 1979), de B.W.L. Norton, que reunia grande parte do elenco original
e contava com o sucesso do primeiro longa e também da reputação de
George Lucas pós Guerra nas Estrelas. Até mesmo o tom dos lançamentos
de verão parecia ir contra Apocalypse Now. “Sucessos e fracassos à parte, esta
temporada é marcada por entretenimentos leves”, disse Aljean Harmetz
em um longo e analítico artigo no New York Times. Gene Siskel, por sua
vez, questionou o apelo de Apocalypse Now no Chicago Tribune. “A impressão”, disse ele, “é a de que o público não está interessado em outro filme
sobre o Vietnã”.
Coppola discordava. Apocalypse Now deveria ser promovido como um
evento cinematográfico, com ingressos a dez dólares, assentos reservados
e programas bonitos a serem distribuídos. Ele tinha patrocinado uma
exibição do épico de sete horas de Hans-Jürgen Syberberg, Hitler, Um
Filme da Alemanha (Hitler, Ein Film aus Deutschland, 1977), em São Francisco,
em que cerca de duas mil pessoas se amontoavam para pagar dez dólares
cada para ver o controverso longa. O sucesso desta sessão, assim como o
clamor por ingressos que marcou o teste de audiência em Los Angeles,
convenceu Coppola a seguir um caminho parecido no lançamento nacional
de Apocalypse Now. Filmes clássicos, ele insistia, podiam ser promovidos
como eventos.
Nem todos estavam tão certos disso. Joseph Farrrel e seu National
Research Group haviam sido convocados para ajudar no lançamento de
Apocalypse Now, e, nas discussões com Coppola e a ua, chegou a contestar
o cineasta afirmando que ele estava arriscando perder um grande público
caso apostasse em um evento de preços mais caros, e, com um recorde
de us$ 9 milhões investidos em propaganda e divulgação, a ua tendia a
concordar com ele. Era muito arriscado. As partes, contudo, chegaram
a um acordo: após a première em Nova York, Apocalypse Now entraria em
cartaz em Nova York, Los Angeles e Toronto, doze semanas antes do lançamento nacional, como um evento de lugares marcados, sem créditos
e num majestoso 70 mm. O marketing do filme seria subjulgado à figura
de Marlon Brando, sem nenhuma menção à Palma de Ouro ou a críticas
favoráveis.
Embora não inteiramente satisfeito com a estratégia, Coppola sabia
que era, às vezes, preciso abrir mão de algumas coisas em negociações
como aquela. Nas últimas semanas, ele já tinha feito algumas concessões no filme em si, abandonando o intervalo inicialmente planejado e,
apesar de suas proclamações anteriores em que atestava que o desfecho
visto em Cannes era o final, alterando o fim do longa para algo menos
deprimente e incerto.
1 O United Service
Organizations Inc. (uso)
era uma organização
sem fins lucrativos que
promovia programações
culturais e de
entretenimento para as
tropas americanas em
guerra. [N.T.]
2 O Altamont Speedway
Free Festival foi planejado
em 1969 como uma
resposta californiana
a Woodstock. Nele, se
apresentaram bandas
como Santana, Jefferson
Airplane, The Flying
Burrito Brothers, Crosby,
Stills, Nash & Young, e
Rolling Stones.
No entanto, tudo deu
errado quando, após uma
série de confusões, uma
pessoa foi assassinada
durante o show dos
Rolling Stones. [N.T.]
165
o auge do poder
pede um ataque de napalm. A selva irrompe em chamas, levando Kilgore
a dizer a fala mais famosa do filme: “Eu amo o cheiro de napalm pela
manhã. Cheira a… vitória”. Ele ordena que seus homens lutem ou surfem, e, em pouco tempo, jovens soldados estão pegando ondas enquanto
bombas caem e explodem na água em torno deles.
Willard e sua equipe começam sua jornada rio acima. Chef convence
Willard a parar o barco para pegar algumas mangas na selva, o que viola
o código de sobrevivência que comanda os soldados a nunca deixarem
a segurança do seu transporte. Na selva, Chef fala sobre sua vida nos
eua, enquanto ele e Willard fazem o seu caminho através da vegetação,
escalando enormes raízes de árvores pré-históricas e se deparando com
plantas mais altas do que humanos. Willard ouve um barulho e, com a
arma na mão, procura a fonte do som. Um tigre de repente salta para
fora da selva e Willard e Chef, assustados como nunca, abrem fogo sobre
o animal, a selva e qualquer coisa que pudesse estar escondida ali.
O grupo visita um depósito ilegal de suprimentos, onde um show da
uso¹ encabeçado por um grupo de coelhinhas da Playboy, está programado para se apresentar para as tropas. O show, uma grande fantasia
no mundo machista de morte e destruição, representa ironicamente o
último sinal de civilização que Willard e sua tripulação vão ver, e reflete
estranhamente o caos de Altamont², em que música e entretenimento
festivo foram destruídos pela adrenalina que tomava conta dos presentes:
soldados frustrados, privados de sexo, avançam na direção das sugestivas
Bunnies que acabam correndo pela própria segurança – com a fuga delas
por helicóptero sendo emoldurada por enormes silos de mísseis fálicos
emergindo das arquibancadas.
Na medida em que o barco avança rio acima, o ambiente se torna cada
vez mais estranho e hostil: corpos mutilados sujam as árvores e o rio;
a carcaça de um helicóptero apodrece em uma árvore, estranhamente
pousado como um inseto gigante abatido à meia altura. O inimigo está
por todos os lados – embora nunca seja visto. Lance, dando sinais de que
está enlouquecendo, pinta seu rosto com camuflagem verde, enquanto
Willard, totalmente obcecado por Kurtz – seu inimigo íntimo e secreto – ,
se debruça sobre o dossiê que lhe foi dado no quartel general.
O grupo esbarra com um pequeno barco chinês e, embora Willard
preferisse deixar a embarcação seguir sem nenhuma intervenção, Chief
Phillips insiste em seguir o protocolo e realizar uma inspeção. Uma família de vietnamitas aterrorizados aguarda enquanto Hicks, nervoso por
estar inspecionando o barco, esquadrinha o carregamento de vegetais.
No meio dessa tensa cena, uma mulher corre na direção de um cesto e,
em uma questão de segundos, a nervosa tripulação de Willard abre fogo
matando todos que estão à bordo, menos a mulher, que está mortalmente
ferida, mas ainda viva. Phillips quer levá-la a algum lugar próximo para
ajudá-la, mas Willard acaba com a discussão atirando na cabeça da mulher.
Hicks, traumatizado pelos acontecimentos, olha dentro do cesto para o
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164
um dos melhores oficiais da história militar dos eua que agora vive
como um renegado na selva, governando uma estranha espécie de tribo
nas montanhas. A missão de Willard é assassinar Kurtz e seu comando
“com extremo preconceito.”
A tripulação de Willard é bem representativa do tipo de soldados que
eram convocados para guerrear no Vietnã. “Chef ” Hicks (interpretado
por Frederic Forrest) é um garoto de Louisiana, um cozinheiro que só
pensa em sair inteiro do Vietnã para voltar para as cozinhas de Nova
Orleans. Lance Johnson (Sam Bottoms) é um famoso surfista, não muito
brilhante ou ambicioso para ingressar na faculdade da Califórnia, o
que poderia tê-lo tirado da guerra. “Clean” (Laurence Fishburne) é um
menino de dezessete anos de idade, que, como muitos negros durante o
Vietnã, acabou servindo na guerra por não ter outra alternativa. Chefe
Phillips (Albert Hall), o piloto do barco de patrulha, controla a tripulação
de maneira tranquila, porém com autoridade.
Willard precisa de alguém para transportar o barco de patrulha do
oceano para o rio, e ele encontra assistência no tenente-coronel Bill
Kilgore, um personagem que teria se sentido em casa em comédias negras
de guerra como Ardil 22 (Catch-22, 1970) ou M.A.S.H. (1970). Kilgore é um
homem que entende a guerra como aventura e, em certo sentido, estabelece sua identidade (e lenda), enquanto se move de batalha em batalha,
arrogante de tão confiante a cada novo risco assumido, regalando suas
tropas com histórias de conquista ao pé da lareira, esnobando o perigo
como um mero aborrecimento. Incrivelmente tranquilo mesmo sob fogo,
ele parece indiferente quando os reservatórios explodem apenas alguns
passos de onde ele está ou quando um clarão iluminado cobre de nuvens
o seu helicóptero durante um ataque aéreo.
Kilgore também é um surfista fanático e está absolutamente encantado
por conhecer Lance Johnson, que ele espera poder ver em ação. O Vietnã
não é lá um lugar de boas ondas para o surf, mas Kilgore fica sabendo de
uma praia, ocupada e fortemente vigiada pelo inimigo, em que talvez
seja possível praticar o esporte. É justamente lá, ele informa a Willard,
que Kilgore colocará o barco de patrulha.
Ao amanhecer, Kilgore lidera um ataque aéreo na aldeia costeira.
Enquanto helicópteros cruzam o oceano e se reúnem em formação de
batalha, Kilgore ordena que seu piloto toque A Cavalgada das Valquírias de
Wagner no volume mais alto possível. A música, ele diz a Willard, assusta
o inimigo. Os helicópteros atravessam a vila, derrubando tudo que vem
pela frente, sofrendo baixas com a resposta dos vietcongues e, em um
caso, uma jovem joga uma granada em um helicóptero já pousado. Uma
vez em terra, Kilgore caminha em meio à carnificina enquanto a batalha
continua, jogando cartas de baralho em cima dos cadáveres do inimigo
em uma espécie de mensagem desagradável para os vietcongues. Willard,
horrorizado, só consegue assistir àquilo. Depois de um tempo, quando
se torna claro que ele não vai garantir a praia sem ajuda de fora, Kilgore
Willard é libertado, mas está muito fraco para cumprir sua missão; ao
invés disso, ele fica no templo, se recuperando lentamente, enquanto
Kurtz divaga, lendo em voz alta (No Coração das Trevas e A Terra Desolada,
entre outros) e discursando hesitante sobre sua vida e filosofia. Como
um membro das Forças Especiais, ele conta a Willard que testemunhou
um acontecimento que o mudou para sempre. Os americanos tinham
invadido uma vila e inoculado todas as crianças com catapora e outras
doenças; assim que eles foram embora, os vietcongues chegaram e cortaram os braços das crianças; o que para Kurtz era prova de que o julgamento moral não fazia sentido em uma guerra, quando o horror é um
inimigo mortal efetivo que é preciso aprender a adotar. “Se eu tivesse dez
divisões de homens como esses”, conclui Kurtz, “nossos problemas aqui
se encerrariam rapidamente”.
Kurtz, no entanto, reconhece o inevitável, e não tenta manter Willard
preso no complexo. Willard, por sua vez, ainda permanece indeciso quanto
ao que fazer. Ele despreza Kurtz e o que sua vida se tornou, embora exista
algo na figura do coronel que o atrai de maneira terrível, assim como
há algo horrivelmente atraente na guerra. De volta ao barco de patrulha,
Willard ignora uma comunicação radiofônica que, aparentemente (apesar
de isso não ser explícito), pedia para confirmar o ataque aéreo que Hicks
tinha pedido.
Willard toma sua decisão à noite, quando as tribos estão realizando o
abate ritualístico de um búfalo. Deslizando despercebidamente no templo,
com o rosto camuflado – que passou a simbolizar a loucura da guerra e
da máscara que é preciso ter para sobreviver a ela – , Willard mata Kurtz
precisamente no mesmo momento em que o búfalo é sacrificado, sendo
que suas facadas ecoam os golpes de facão utilizados no animal fora do
templo. Kurtz, sangrando e morrendo, murmura as palavras finais de No
Coração das Trevas: “O horror… o horror.”
Com a missão cumprida, Willard permanece no interior do templo,
onde folheia um dos manuscritos autobiográficos de Kurtz antes de sair.
A tribo, vendo o facão sangrento de Willard e dando-se conta do que
ocorreu dentro do templo, ajoelha-se em uníssono para seu novo líder.
Willard para momentaneamente, como se considerasse a ideia de substituir
Kurtz, mas logo rejeita a noção e deixa cair o facão nos degraus do templo.
Willard encontra Lance e juntos eles retornam ao barco de patrulha. O
momento final do filme justapõe a face de Willard e a cabeça da Morte,
com as últimas palavras de Kurtz sussurradas na voz off. Seja qual for a
decisão de Willard, qualquer que seja a lição que tenha aprendido, ele
nunca mudará o fato de que a guerra é um horror antigo, tão inevitável
quanto o próprio tempo que passa.
O fade final não pôs fim à controvérsia sobre o desfecho de Apocalypse Now.
Na cópia em 35 mm lançada nacionalmente, Coppola mostra o complexo de
Kurtz sendo destruído por um ataque aéreo enquanto os créditos sobem no
quadro, enquanto no formato 70 mm, a tela fica preta e não há créditos finais.
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o auge do poder
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qual a mulher havia corrido e encontra não o esperado arsenal, mas um
filhote de cachorro. O grupo, em choque, adota o cachorro e segue viagem.
(Era neste momento que Coppola queria um intervalo. No início do
segundo ato do filme, a tela permaneceria em preto, com a voz de Willard
preenchendo o cinema. Na versão em videotape do longa, a tela vai ficando
preta no final da sequência do barco chinês, permanecendo em silêncio
e preta por quinze segundos antes da ação ser retomada.)
O grupo chega à Do Long Bridge na fronteira com o Camboja, uma
terra de ninguém, tecnicamente ocupada por americanos e sul-vietnamitas, mas constantemente sob ataque da nva, que destrói a ponte e
espanta as tropas durante a noite. Não há vencedores ou perdedores por
aqui – nenhum líder ou moral da tropa – , apenas sobreviventes. Willard
coleta novas instruções e um punhado de cartas antes de voar daquele
pesadelo. Tudo o que nos resta, ele diz, é Kurtz.
Agora em território inimigo, Willard e sua tripulação se encontram
sob ataque, primeiro por tropas vietnamitas escondidas nas margens do
rio, depois por soldados de Kurtz, que estão armados com flechas e lanças.
Neste momento, a história desvia para algo surreal, com Coppola se utilizando de uma fumaça colorida que emana das chamas e de um espesso
nevoeiro encobrindo o barco em uma névoa. As sequências de batalha,
no entanto, produzem resultados bem reais e sóbrios: Clean é abatido
no conflito com os vietcongues e, pouco depois, Chefe Phillips é alvo de
uma das lanças do inimigo. Os únicos que ainda acompanham Willard
no restante da missão são Chef Hicks, completamente traumatizado
pelos acontecimentos recentes, e Lance, que perdeu sua sanidade.
Willard encontra finalmente o quartel general de Kurtz, onde seu
barco é saudado pelos Montagnard³ e também por um enlouquecido
fotojornalista americano, que fala sem parar sobre a grandeza de Kurtz.
Com sua exposição aleatória de cabeças e corpos em decomposição, o complexo poderia muito bem ter sido “decorado” por Vlad, o Empalador, que
costumava espetar cabeças e corpos para amedrontar seus inimigos, mas
Willard suspeita, quando finalmente conhece o coronel Kurtz, que não há
nenhum método na loucura de Kurtz. Ele é feito prisioneiro pela guarda de
Kurtz, mas não sem antes ordenar que Chef fique no barco e peça um ataque
aéreo caso ele não volte em um determinado período de tempo.
Kurtz, prejudicado pela malária, parece em um meio-termo entre Buda
e Jim Jones, e embora pareça resignado em relação à missão de Willard,
ele zomba inicialmente de Willard e seus superiores. Sempre à espreita
na escuridão de seu templo, Kurtz emerge em apenas alguns momentos
de luz, com sua enorme careca e rosto oculto na sombra. “Você é um
menino errante”, ele diz caçoando de Willard, “enviado pelo balconista
da mercearia para cobrar uma conta”.
Preso em uma jaula de bambu, Willard resiste aos quatro elementos
e aos delírios do fotojornalista, até que Kurtz aparece, com a face camuflada, e silenciosamente joga a cabeça cortada de Chef Hicks em seu colo.
par te ii
3 Montagnard era um
destacamento militar
de montanha que
fazia parte do exército
sul-vietnamita, aliado aos
americanos. [N.T.]
13.
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
168
Apocalypse Now estreou com estardalhaço midiático em 15 de agosto de 1979
no Cinema Ziegfeld em Nova York, e nas semanas seguintes, multidões
lotaram o Ziegfeld, o Cinerama Dome de Hollywood e o Cinema da Universidade de Toronto, fazendo da aposta de prazo limitado de Coppola um
sucesso inadequado. Somente na primeira semana em Nova York, onde
os ingressos eram vendidos a us$ 5, acima da média nacional, somava-se
um lucro de us$ 311.000 – uma soma impressionante para uma única sala.
Os números que vinham da bilheteria eram tão surpreendentes que a
United Artists anunciou, antes mesmo do lançamento nacional do filme,
que a empresa já havia recuperado todo o seu investimento.
Os críticos foram quase unânimes em suas avaliações do filme, louvando os primeiros dois terços dele e condenando sua parte final. Todos
pareciam concordar que a ambição do filme era maior que seu alcance,
especialmente quando Coppola amarrava seu longa a No Coração das
Trevas. Houve algumas críticas destruidoras (“emocionalmente obtuso
e intelectualmente vazio”) e outras incrivelmente elogiosas (“um filme
deslumbrante e inesquecível”); os comentários eram geralmente um tanto
dúbios, embora respeitosos.
“Por dois terços do caminho”, escreveu o historiador Arthur Schlesinger Jr. para o The Saturday Review, “Apocalypse Now é realmente um filme
extraordinário. Como a própria Guerra do Vietnã, ele fica fora de controle
no final”. A crítica do New York Times assinada por Vincent Canby também
rejeitava a parte final do filme, que Canby descrevia como ineficaz e anticlimática. “Eu suponho que a intenção do Sr. Coppola era criar no final
uma sensação de desconexão da realidade do capitão Willard”, escreveu
Canby, “mas o que temos é uma desconexão com o resto do filme. Quando
chegamos ao coração das trevas, nós não encontramos a personificação do
mal, da civilização viciada, mas um ator excêntrico a quem deram falas
impensáveis, porém, infelizmente, indizíveis”.
As observações de Canby representavam uma espécie de consenso, não
só no que concerne ao final do filme, mas também no que diz respeito
aos sentimentos contraditórios que os críticos tinham com relação ao
filme em geral. Canby, que se debruçou sobre o filme o suficiente para
publicar duas análises em um período de quatro dias, ficou entusiasmado
com os episódios do início do longa. “Em dezenas de cenas, Apocalypse
Now, de Francis Coppola, faz jus ao seu grande título, divulgando não só
as várias faces da guerra, mas também as contradições entre a emoção e
o tédio, o terror e a piedade, a brutalidade e a beleza. As suas epifanias
dariam crédito a Federico Fellini, que é indiretamente citado em um
determinado momento”.
Críticos faziam fila para menosprezar o papel e a performance de
Brando – “uma versão literária e superficial do arqui-vilão de O Super-Homem ou dos roteiros de James Bond”, ressaltou Stanley Kauffmann no The
New Republic – um certo número de críticas sublinhava a improvisação de
Brando no templo como umas das razões de toda a confusão que marcava
o final do filme. “Obeso e fotografado nas sombras, o personagem de
Brando emerge como uma espécie de palhaço burlesco”, escreveu Gene
Siskel no Chicago Tribune. “O que ele diz é praticamente inaudível, o que
conseguimos ouvir não faz nenhum sentido. É uma enorme decepção
depois de passarmos duas horas viajando pelo rio para encontrá-lo”.
De modo inverso, Robert Duvall recebeu os maiores elogios, mesmo
daqueles que achavam as outras partes do filme insatisfatórias.
“O filme chega ao seu clímax muito cedo, seja pictoricamente, seja
metaforicamente, quando Willard e sua tripulação precisam de ajuda
para levar o barco de patrulha para o rio e encontram o tenente-coronel Kilgore, um entusiasmante e bruto oficial interpretado por Robert
Duvall”, disse Gary Arnold no Washington Post, que deu a Apocalypse Now
uma de suas críticas mais severas. A cena do ataque aéreo, insistia Arnold,
“era uma coisa visualmente instigante que resume todas as questões que
um cineasta poderia fazer a respeito das arbitrariedades e da violência
americana no Vietnã”.
David Denby, da New York Magazine, concordava. “Kilgore é uma
caricatura expansiva e intensa da proeza militar, ainda assim, quando
o vemos em ação, voando ao seu lado enquanto helicópteros pulverizam
uma vila, nós podemos experimentar pela primeira vez a fantasia insana
e elétrica que levam os homens à guerra… Dramatizar como a guerra
pode ser insana, contagiante e atraente, embora totalmente alienante e
autodestrutiva, é o grande feito de Coppola”.
Enquanto quase todos os críticos elogiavam os mesmos aspectos do
filme de Coppola, os veteranos do Vietnã também ofereciam suas próprias
opiniões a respeito da credibilidade do longa em uma série de artigos
publicados logo após a estreia de Apocalypse Now. Como era de se esperar,
alguns veteranos chamavam a atenção para a tendência hollywoodiana de
caracterizar os soldados (e veteranos) como “sinistros, explosivos, exaustos
espiritualmente, atormentados, com cérebros que mais pareciam chantilly”.
“A guerra podia ser moral ou imoral, não importa”, sublinhou Robert
Santos, um líder de infantaria durante a guerra. “Os filmes não deveriam
nos mostrar como instáveis”. A maioria das pessoas com quem ele serviu,
169
o auge do poder
Quando o filme foi lançado, Coppola afirmou que havia uma explicação
prática para os dois finais. Nas salas que mostram a versão em 70 mm,
os espectadores receberam um programa com os créditos, o que não era
viável para a versão de 35mm mais amplamente distribuída.
“Nós tivemos que colocar os créditos”, Coppola explicou, “e tivemos a
chance de colocá-los em preto no fim ou sob alguma imagem, eu tinha
toneladas de um belíssimo infravermelho e decidi usá-lo”. Essa imagem,
Coppola continuou, não tinha a intenção de mudar o final do filme, porque, de acordo com o diretor, “são só os créditos”⁴.
par te ii
4 Coppola
aparentemente repensou
sua posição quanto a isso
porque na versão em
videotape de Apocalypse
Now, o filme ficava preto e
os créditos finais subiam
em branco sob preto sem
nenhuma imagem.
a p o c a ly p s e q u a n d o ?
170
insistia Santos, estavam emocionalmente traumatizadas por terem matado
outras pessoas, mas Hollywood teima em nos descrever como lunáticos. “Cineastas não sabem o suficiente sobre a guerra e parecem não ter
nenhum interesse em aprender. Eles são motivados por ego e dinheiro
– será possível vender essa história, as pessoas vão pagar para assisti-la?”
Al Santoli, um sargento de infantaria no Vietnã, julgou Apocalypse Now
como “uma espécie de desenho animado. É um tipo de fantasia à base
de cocaína. É uma coisa obsessiva, recheada de explosões e sangue. Os
personagens são estéreis. Não há nenhuma interação humana”.
O problema, diziam os veteranos e os escritores que analisaram os
filmes sobre o Vietnã, era a maneira como Hollywood moldava a percepção
do público em relação ao conflito. Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial – a “guerra boa”, como foi muitas vezes chamada, tendiam a retratar a
guerra como um mal necessário, e seus guerreiros como heróis; ninguém
queria tomar responsabilidade pela impopular guerra no Sudeste da Ásia,
e então os cineastas se serviam de soldados que refletissem o sentimento
de culpa, ansiedade, raiva e vergonha do público. Deus nos livre de um
soldado voluntário que acredite na causa, queira servir seu país e complete
sua viagem voltando para casa relativamente estável.
As críticas a Apocalypse Now eram um tanto rasteiras. Coppola queria
fazer um longa que desdenhasse da fórmula habitual dos filmes de guerra,
algo que se atrevia a surpreender os telespectadores, oferecendo a eles uma
coisa diferente do que esperavam, e estava sendo atacado justamente por
seus esforços. Ele estava animado com o sucesso do filme nas bilheterias,
mas, como admitiu ao entrevistador Greil Marcus, a resposta do público
ao filme, assim como a dos críticos, foi absolutamente ambígua. “Metade
achava que se tratava de uma obra-prima”, declarou ele, “e a outra metade
pensava que aquilo era um pedaço de merda”.
As primeiras respostas ao filme, é preciso ressaltar, eram tão viscerais
quanto intelectuais. Era impossível ficar neutro sobre o tema do Vietnã,
e em 1979, a guerra ainda estava tão fresca na mente dos americanos que
os críticos e o público despejavam um monte de bagagem emocional na
visualização do filme. Com o tempo, Apocalypse Now seria considerado como
um dos melhores filmes já feitos sobre a guerra e, sem dúvida, uma das
maiores conquistas de Coppola, mas, por enquanto, no período imediato ao
lançamento, o cineasta estava exausto e talvez um pouco amargurado.
“Às vezes eu penso, por que não posso apenas fazer o meu vinho, fazer
um filme a cada dois anos e viajar para a Europa com minha esposa e
filhos”, considerou ele. “Eu vivia alternando extremos incríveis, apostando
toda a minha vida pessoal para fazer um filme. Eu sempre vou dormir
com um suor frio – será que esse ator vai fazer o filme? Como vou encenar
aquela sequência? Será que vão gostar dela? Sei que esses dilemas vivem
em nosso interior; sei que estou perdendo alguns anos de vida”.
parte iii
— larry turman, produtor de A Primeira Noite de Um Homem¹
É muito fácil hoje olhar para 1980 e perceber o quão fora de hora, azarado
e talvez tolo foi Francis Coppola ao penhorar a compra do Hollywood
General com faturamentos de filmes futuros e ao desafiar o crescentemente complexo establishment dos estúdios de cinema. Mas exatamente
o que ele viu, o que ele deveria ter visto e o que ele deveria ter sabido na
época são questões de difícil apreciação.
Já em 1968, quatro anos antes de O Poderoso Chefão (The Godfather,
1972) fazer dele o diretor mais conhecido dos eua, Coppola previu que
sua geração de “autores” provindos de escolas de cinema iria algum dia
efetuar mudanças significativas no mundo do cinema. Sua visão de uma
indústria dominada por autores poderosos e inovadores – um sonho sem
dúvidas compartilhado por muitos dos diretores da primeira geração a ir
para escolas de cinema – foi desde o princípio baseada na ingênua noção
de que, se um diretor realizasse uma série de filmes populares, então ele
poderia de algum modo conseguir maior acesso direto a financiamentos.
É incerto o quão populares estes filmes precisariam ser: nenhum cineasta
jamais ganhara dinheiro o bastante para financiar os próprios filmes
sem a assistência de terceiros (uma empresa de produção e/ou um grande
estúdio) para arcar com os riscos que mesmo a produção e a distribuição
mais rotineiras comportam. O plano de Coppola de renovar o Zoetrope
Studios, lançar uma série de filmes e finalmente desenvolver tecnologias
futuristas de distribuição e exibição, para isso valendo-se de empréstimos
bancários assegurados pelo faturamento futuro de seus próprios filmes,
podia no mínimo ser considerado um ato de autoconfiança extraordinário,
porque de fato desafiava os parâmetros de financiamento cinematográfico
em Hollywood.
A previsão que Coppola fizera em 1968 de que não haveria mais “uma
Hollywood como conhecemos quando sua geração de estudantes de cinema deixar a faculdade” provou estar parcialmente correta². A indústria
mudou, embora certamente não da maneira que Coppola um dia esperara
que fosse mudar – e ele, assim como seus companheiros autores George
Lucas e Steven Spielberg, tem culpa parcial nisso.
O estupendo sucesso de bilheteria de filmes autorais caros como O Poderoso Chefão, Tubarão (Jaws, 1975) e Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977) – o próprio tipo de filme que Coppola um dia pensara que iria fomentar uma nova
jon lewis
Publicado originalmente
sob o título “The New
Hollywood” em lewis,
Jon. Whom God Wishes
To Destroy… Francis Ford
Coppola and The New
Hollywood. Durham
e Londres: Duke
University Press, 1995.
p. 21–40. Tradução de
André Duchiade. Texto
traduzido e publicado
sob cortesia da Duke
University Press, 2015.
1 bales, Kate. “A coupla
producers sittin’ around
talkin’,” em American Film,
maio de 1987. p. 50.
2 pye, Michael, myles,
Lynda. The Movie Brats.
Nova York: Holt, 1979.
p. 81.
175
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
“Dois caras em um bar… Um vira pro outro e diz: ‘Acabo de receber o resultado
do meu teste de qi – 194’. O outro responde: ‘O meu é 189. Vamos falar sobre a
Teoria da Relatividade de Einstein’. Outra pessoa no bar diz: ‘Estão realizando
testes de qi ali. Meu resultado foi 123’. O amigo desta pessoa responde: ‘O meu é
tão parecido: 121. Você viu algum dos desenhos de arquitetura recentes de Richard
Berger?’. Bem no fundo do bar, um cara diz: ‘Recebi meu resultado de qi – 73’.
Outro sujeito responde: ‘O meu é 74 – você leu algum bom roteiro recentemente?’”
par te iii
A NOVA HOLLY WOOD
5 monaco, James.
American film now: the
people, the power, the
money, the movies. New
York: Oxford University
Press, 1979. p. 36–37.
176
A M U LT I N A C I O N A L I Z A Ç Ã O D E H O L LY W O O D
“Como os filmes são realizados? (…) Não há resposta racional (…). Você percebe
o tanto de gente no ramo do cinema que nem sequer assiste a filmes?”
a n o va h o l ly w o o d
— david picker, antigo presidente da United Artists.³
Em 1979, uma força-tarefa federal, encarregada de investigar violações
antitruste na indústria do cinema, concluiu, de forma bastante clara, que
“a indústria é claramente oligopolista (…) os grandes estúdios parecem
estar controlando o mercado para restringir a competição e diminuir a
produção, de modo a manter um rígido controle sobre os empregados
e também o lucro dos exibidores [compradores] excessivamente baixo”⁴.
Conforme a década de 1970 acabava, a dominação dos seis grandes estúdios sobre o mercado parecia se tornar cada vez mais forte.
Em 1981, todos os seis grandes estúdios ou pertenciam a ou eram
eles próprios grandes conglomerados. A Gulf and Western, que era dono
da Paramount, também detinha o Madison Square Garden, o Roosevelt
Raceway, a Desilu, a Paramount Pictures Television e a Simon and Schuster
(e suas subsidiárias, Pocket Books e Monarch Books), assim como a
Schrafft’s Candies, a Supp-Hose Stockings and Socks, a New Jersey Zinc
Company, a Bostonian Shoes e trezentas outras companhias menores.
Apenas 4% das receitas da Gulf and Western provinham diretamente
da Paramount Pictures, e só 11% de suas receitas totais derivavam de
propriedades ligadas ao mercado de entretenimento⁵.
De maneira análoga, as divisões de cinema e televisão da United
Artists eram responsáveis por apenas 12% das receitas totais de sua companhia-mãe, a Transamerica Insurance’s. A mca, a Columbia Pictures
Industries e a Warner Communications (em relação às quais a Universal,
a Columbia Pictures e a Warner Brothers eram responsáveis, respectivamente, por 22%, 39% e 24% das receitas) eram elas próprias multinacionais da indústria de entretenimento. Estes conglomerados do
entretenimento tiveram como modelo grandes multinacionais e diversificaram suas áreas de investimento para se capitalizar (com receitas previsíveis de várias subsidiárias) contra os inevitáveis anos de vacas magras
nas bilheterias.
Em 1979, apenas a Twentieth Century Fox Film Coporation, com
quase dois terços de suas receitas derivadas de sua divisão de cinema e
96% de suas receitas totais provindo de várias subsidiárias da indústria
de entretenimento, parecia-se com os estúdios das décadas passadas. Mas,
apesar de seu sucesso nas bilheterias – a Fox foi o segundo estúdio mais
bem-sucedido em 1975, o terceiro em 1976 e o primeiro em 1977 (com
Guerra nas Estrelas tendo incríveis 19,5% de participação do mercado) –, sua
missão corporativa estava em larga medida anacrônica. Em 1981, o estúdio
era incapaz de manter reservas de capital adequadas ou então de expandir suas linhas de crédito com os bancos. Como resultado, o estúdio foi
vendido ao magnata do ramo de petróleo de Denver, Marvin Davis.
A compra da Fox por Davis marcou o fim de uma era em Hollywood.
O estilo empreendedor de fazer negócios, que caracterizava os antigos
estúdios, era final e completamente algo do passado. Em seu lugar estava
uma indústria muito menos pessoal e muito mais complexa. O fracasso
da Fox em manter reservas de capital adequadas para sobreviver mesmo
durante um período bom na Nova Hollywood parecia, para empreendedores do cinema como Coppola, um sinal particularmente alarmante.
Se a Fox, com todas as suas propriedades, todas as bilheterias e todas as
vendas complementares de Guerra nas Estrelas para ajudá-la, não conseguia
manter o velho estilo de se fazer negócios, então que esperança na Nova
Hollywood haveria para alguém independente como Coppola?
As razões para que os estúdios de Hollywood passassem a pertencer a
conglomerados eram relativamente simples. As taxas de juros, especialmente do tipo de dívidas de curto prazo rotineiramente assumidas por um
estúdio para o financiamento de uma produção, haviam subido para 20%.
O custo médio de uma produção havia alcançado 13 milhões de dólares, e
um número crescente de filmes custava o dobro desse valor. Conforme as
apostas aumentaram, as reservas de caixa e as linhas de crédito de multinacionais provaram-se proteções úteis contra os caprichos do mercado
cinematográfico. Com a televisão paga e o videocassete no horizonte, não
fazia mais qualquer sentido para os estúdios permanecerem autônomos,
se isso significava também que eles ficariam subcapitalizados.
Quanto ao interesse das multinacionais, esta questão é apenas um
pouco mais difícil. Tanto a Paramount quanto a United Artists, por
exemplo, são companhias de alto nível. Mas, dada a escala e a abrangência com que a Gulf and Western e a Transamerica operam, as duas
177
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
4 hugo, Chris. “The
Economic Background,
Part ii”, Movie 31–32, 1986.
p. 84.
indústria autoral em Hollywood – levou a indústria a generalizadamente
se focar em faturamentos provindos de blockbusters. O sucesso de filmes de
autor nos anos 1970 não permitiu, como Coppola esperava que fosse acontecer, que os autores tivessem mais acesso a financiamento para seus filmes.
Em vez disso, os diretores tornaram-se cada vez mais dependentes de
financiamentos de estúdios para produzir e distribuir “grandes” filmes.
Com a possibilidade de se obter receitas enormes derivadas de um
único produto (de um só filme), os estúdios começaram a concentrar seus
esforços na procura pelo próximo O Poderoso Chefão, Tubarão ou Guerra nas
Estrelas, à custa de qualquer coisa e de qualquer outra coisa. O resultado
final do cinema autoral, então, não era uma maior independência para os
autores (como o Zoetrope Studios de Coppola resumia e simbolizava) ou
um aumento na oferta para o consumidor. Em vez disso, por volta de 1980,
Hollywood parecia estar encolhendo, e o papel dos intermediários que
poderiam unir financiamentos de produção e de distribuição tornou-se
mais importante do que nunca.
par te iii
3 picker, David. “On
the Distributor” in
baker, Fred (org.). The
Movie People. Nova York:
Douglas, 1972. p. 25.
a n o va h o l ly w o o d
8 Monaco, 1979: 393.
Conforme Hollywood entrava nos anos 1980 e Coppola fazia sua jogada
com o Hollywood General, quatro histórias significativas apareceram na
indústria: 1) uma ação judicial antitruste amarga e, em última instância,
crucial, envolvendo Kirk Kerkorian e a Columbia Pictures Industries; 2)
uma greve de atores; 3) um processo judicial movido pela Disney e pela
Universal Studios contra a Sony; e 4) o fim da legendária companhia de
filmes B American International Pictures. Todas as histórias, em retrospecto, ao menos, oferecem uma introdução à Nova Hollywood e ajudam
a estabelecer os parâmetros de um lugar onde o Zoetrope de Coppola
estava condenado desde o princípio.
9 auletta, Ken. “Back in
Play”, New Yorker, 18 de
julho de 1994. p. 29.
10 “Needed cash for bank
balances, Kerkorian sold
2% of Hig mgm”, Variety,
25 de abril de 1979. p.4.
S O B R E T R U S T E S E A N T I T R U S T E S N A N O V A H O L LY W O O D
As mesmas três coisas motivam a todos.
A diversão do negócio. O orgulho. E o medo do fracasso.
— herbert allen, antigo ceo da Columbia Pictures⁹
A história envolvendo Kirk Kerkorian veio a público no dia 25 de abril de
1979, quando o empreendedor do ramo imobiliário de Las Vegas e ceo
da mgm registrou uma notificação na Comissão de Títulos e Câmbio
(sec) confirmando a venda de 297 mil títulos de suas ações na mgm.
Com os recursos da venda, Kerkorian assegurou um empréstimo de 38
milhões de dólares para financiar a compra de 1,75 milhões de ações da
Columbia Pictures Industries (cpi). As duas ações conectadas renderam
a Kerkorian 19% adicionais das ações da cpi, fazendo com que ele detivesse 24% no total e se tornasse ao mesmo tempo o maior controlador
da mgm e da Columbia¹⁰.
Kerkorian havia adquirido a mgm da Time Inc. e de Edgar Bronfman,
da Seagram, em 1969. Uma vez que a administração do estúdio na época opôs-se ao negócio, Kerkorian precisou comprar 40% de suas ações
no mercado para conseguir forçar a compra. Como resultado, na época
em que adquiriu o controle da companhia, ele não tinha mais dinheiro
para administrá-la. Os bens líquidos de Kerkorian depois da compra da
mgm diminuíram de 553 milhões de dólares para 89 milhões. Ademais,
ele tinha uma dívida de curto prazo em aberto de 72 milhões devido a
empréstimos com 13 bancos europeus.
Em um esforço para atender às exigências de suas várias dívidas,
Kerkorian reduziu o número de funcionários da mgm de 6200 para
1200 entre o final de 1969 e o começo de 1971. No começo dos anos 1970,
as coisas iam tão mal na mgm que Kerkorian vendeu adereços e figurinos valiosos das épocas de maior bonança no estúdio. E então, em um
movimento que parecia assinalar o fim da mgm como uma participante
importante da indústria, Kerkorian vendeu os direitos de distribuição
doméstica do estúdio à United Artists, e seus direitos de comercialização
179
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
7 Para uma discussão
particularmente boa
de filmes altamente
conceituados, ver wyatt,
Justin. “High concept,
product differentiation
and the contemporary
U.S. film industry” in
austin, Bruce A. (org.).
Current research in film:
audiences, economics and
law. Norwood, Nova
Jersey: Ablex Publishing,
1990. p. 86–105, e wyatt,
Justin. High Concept:
Movies and Marketing in
Hollywood.
Austin: University of
Texas Press, 1994.
empresas de cinema eram relativamente baratas de se comprar e operar, sendo responsáveis por apenas uma fração das receitas brutas das
grandes companhias.
As multinacionais logo descobriram que novidades dos estúdios de
cinema eram uma distração útil nos encontros anuais com seus acionistas,
desviando-se de suas práticas e decisões corporativas mais convencionais
e aborrecidas. A Gulf and Western, por exemplo, precisava apenas exibir
um novo filme da Paramount ou levar uma grande estrela para acenar e
posar para o público, a fim de que seus acionistas ficassem felizes.
Uma maior diversificação fez com os novos estúdios vendessem melhor
sua linha de produtos. Em meados da década de 1980, todos os grandes
estúdios rotineiramente lançavam seus filmes no cinema, em videocassete
e na televisão por assinatura. Mercados adicionais estavam disponíveis
através do lançamento de livros, de histórias em quadrinhos e de uma
série de acordos de licenciamento com cadeias de fast-food e fabricantes de
brinquedos. Tal diversificação (muitas vezes alcançada por uma simples
reciclagem de filmes através das várias subsidiárias da empresa controladora) exigiam uma quantidade de capital significativa, mas permitia às
companhias com acesso a crédito a oportunidade de explorar um mercado
de entretenimento crescente e extremamente lucrativo.
Este período de bonança para os grandes estúdios veio a um custo
para o consumidor. Mesmo uma olhada superficial para a Hollywood do
final da década de 1970 revela o efeito da conglomeralização. O começo da
década de 1980 viu uma dramática queda no número de filmes realizados
[Film Starts] em todos os seis grandes estúdios e uma categorização dos
produtos em um grau nunca antes visto em uma indústria já famosa por
produzir principalmente produtos genéricos⁶. Os líderes de bilheteria
da época exemplificam o impacto da reforma corporativa em Hollywood.
Os filmes de maior sucesso de 1979 a 1983 – mais ou menos os anos entre o lançamento de Apocalypse Now (1979) e Cotton Club (The Cotton Club,
1984) – foram Super-Homem (Superman, 1978), O Império Contra-Ataca (The
Empire Strikes Back, 1980), Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost
Ark, 1981), E.T.: O Extraterrestre (E.T.: The Extra-Terrestrial, 1982) e O Retorno
de Jedi (Returno of the Jedi, 1983), filmes altamente conceituados que compartilham elementos, narrativas e estilos⁷.
Em 1979, o historiador de cinema James Monaco observou que a participação total no mercado alcançada apenas pelos 10 filmes mais vistos em
cartaz tinha crescido três vezes em relação ao ano anterior. A tendência
continuou ao longo dos primeiros anos da década de 1980, efetivamente
colocando maior ênfase em pacotes de blockbusters. Em troca, o público –
cujo lugar na equação de oferta e demanda nunca é tão simples quanto os
executivos dos estúdios gostam de acreditar – testemunhou um dramático
esvaziamento do mercado e uma concomitante dramática diminuição
nas opções de escolha. Como Monaco apropriadamente coloca, “cada vez
mais veremos os mesmos 10 filmes”⁸.
par te iii
178
6 Film Starts é um termo
da indústria se referindo
ao número de projetos
em desenvolvimento que
são de fato produzidos.
Durante o primeiro
trimestre de 1982, um
período coincidindo com
o lançamento do primeiro
longa-metragem do
Zoetrope, Do fundo do
coração (One from the
heart), 53% a menos de
projetos alcançaram
a fase de produção
em relação ao mesmo
período em 1981.
Announced film starts,
termo que se refere a
projetos autorizados
pelos estúdios, caíram
66% no mesmo período.
Ver “Major Starts down
by 53% this Year”, Variety,
7 de abril de 1982. p. 3.
a n o va h o l ly w o o d
180
a cpi era principalmente de percepção; que produtores independentes
fazendo negócios com a cpi ou com a mgm poderiam temer que algum
dia as duas companhias fossem de algum modo se fundir ou atuar em
colusão. Os medos destes produtores eram infundados, disse Allen, ainda assim demonstrando preocupação porque “no mercado de cinema,
a percepção, com frequência, importa mais do que a realidade”.
O momento mais estranho e interessante do processo ocorreu quando
o juiz Hauk chamou dois professores de economia neutros da Universidade
da Califórnia, Robert Clower e Fred Weston, para avaliarem a situação.
Os dois professores concluíram que não viam ameaça de monopólio na
propriedade compartilhada de Kerkorian, nem que viam qualquer evidência de que Kerkorian comprara as ações por qualquer outro motivo
exceto como forma de investimento.
O depoimento de Clower provou-se particularmente prejudicial ao caso
que o governo tentava construir. Ele argumentou que mesmo uma fusão de
fato entre a mgm e a cpi “não iria reduzir significativamente a competição
em qualquer linha de comércio”, acrescentando que, mesmo se dois dos
estúdios mais bem-sucedidos se fundissem, “ainda haveria cinco ou seis
distribuidoras”, e, portanto, um ambiente razoavelmente competitivo¹³.
No dia 22 de agosto, após pouco mais de um mês de depoimentos, o juiz
Hauk concluiu que o governo “falhara completamente em oferecer provas
de que as ações de Kerkorian violavam o Clayton Act [a Lei Antitruste]”.
Ele então admoestou os advogados do governo por, antes de tudo, criarem o processo. Hauk concluiu, de modo não irônico: “De que maneira
o governo pode chegar à ideia de que haverá uma diminuição em uma
competição não existente é algo cuja compreensão me ultrapassa”¹⁴.
A decisão do tribunal de ignorar as implicações antitrustes da propriedade compartilhada de Kerkorian parecia desencadear um significativo afrouxamento das regulações federais em relação a interesses
corporativos no mercado de cinema, regulações que continuam a não
serem cumpridas – ou que não podem ser cumpridas – na Hollywood
contemporânea. A decisão a favor de Kerkorian também antecipou um
ambiente corporativo mais cooperativo (e não competitivo) e de colusão
potencial. Após este processo judicial histórico, apenas estúdios capazes
de diversificar e integrar verticalmente seus produtos no desregulado
mercado de entretenimento – em outras palavras, apenas estúdios com
capital suficiente para estabelecer tal rede – pareceram ter futuro. É valido observar aqui que o Zoetrope de Coppola dificilmente se encaixava
em tal descrição.
No que diz respeito a Kerkorian, o veredito do juiz Hauk o colocou um
passo mais perto de assumir o controle da Columbia Pictures. No dia 29
de setembro de 1980, cerca de um ano depois da corte decidir a seu favor,
Kerkorian fez uma oferta pública de aquisição para comprar um milhão
de ações adicionais da cpi (com a opção de compra [call] sendo exercida
no dia em que a cláusula de suspensão expirasse).
13 “Economics professors
unalarmed if dristribs.
shrink or combine”,
Variety, 15 de agosto de
1979. p. 7.
14 harwood, James.
“Dept. of Justice draws
a defeat”, Variety, 22 de
agosto de 1979. p. 53.
181
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
12 harwood, James.
“Trial begins on Col. Stock
Buy”, Variety, 8 de agosto
de 1979. p. 5.
com o exterior para a Cinema International (que pertencia conjuntamente
à mca-Universal e à Gulf and Western-Paramount)¹¹.
Os dois negócios reduziram significativamente a base de ativos de
Kerkorian na mgm, mas ao mesmo tempo permitiram que ele integrasse os interesses do estúdio ao de três de seus competidores. Kerkorian
parecia inclinado a acreditar que tanto a sua sorte quanto a do estúdio
pudessem funcionar em um ambiente de maior cooperação ou até mesmo
de maior colusão.
Quando Kerkorian primeiro comprou 5% das ações da cpi em dezembro de 1978, ninguém na indústria prestou muita atenção. Mas então,
quando, quatro meses depois, ele aumentou sua participação para 24%,
executivos da mgm e da cpi notaram o que ele fazia, assim como advogados da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos eua.
O aparente interesse de Kerkorian em assumir a Columbia parecia
sugerir que ele havia abandonado qualquer esperança de fazer com que a
mgm voltasse a ser uma participante importante da indústria. Na época,
havia rumores de que Kerkorian planejava fechar todo o estúdio ou então fundi-lo com a cpi, ou que ele planejava manter o controle dos dois
estúdios de modo a evitar que a mgm competisse com a muito mais forte
cpi pelos melhores projetos de filmes. A última possibilidade fazia bastante sentido, tendo em vista o fato de que a participação dos lucros de
Kerkorian na cpi – que, ao contrário da mgm, distribuía seus próprios
filmes – era significativamente maior do que na mgm.
Para forçar Kerkorian a ceder seu interesse em uma das duas empresas, o Departamento de Justiça entrou com um processo antitruste
em uma corte federal. Mas já em 7 de agosto de 1979, o dia de abertura
do tribunal, o juiz Andrew Hauk questionou a validade do processo do
governo. Uma vez que Kerkorian assinara uma “cláusula de suspensão”
– concordando em não comprar mais ações da cpi durante três anos –
Hauk opinou que não poderia haver implicações antitruste, exceto se o
governo pudesse provar “reais intenções de Kerkorian de se intrometer nos
assuntos da Columbia”¹².
O Departamento de Justiça abriu seu processo convocando uma
série de grandes exibidores, dos quais todos expressaram preocupação
sobre o interesse mútuo de Kerkorian sobre a mgm e a cpi e os efeitos
potenciais disso na “oferta do produto”. Todavia, quando pressionados
pelo juiz Hauk, nenhum dos exibidores pôde citar evidências (nos quatro
meses desde que Kerkorian comprara ações da cpi) de que houvesse até
ali qualquer efeito.
Quando Herbert Allen, o banqueiro investidor de Nova York que comandava a cpi, prestou depoimento, o processo do governo estava perdido.
Allen disse ao tribunal que, embora preferisse que a cláusula de suspensão
valesse por dez em vez de três anos, ele sentia confiança de que Kerkorian
não tivesse um “esquema anticompetitivo naquele momento”. Allen então
disse que, em sua opinião, o problema com a conexão entre Kerkorian e
par te iii
11 No final da década de
1980, após uma série
de tentativas fracassadas
de aliviar a mgm,
Kerkorian comprou a
United Artists, na verdade
readquirindo os próprios
direitos de distribuição
doméstica que ele havia
antes vendido.
A negociação com a Fox se desenvolveu rápida e estranhamente. No dia
20 de fevereiro de 1981, Marvin Davis fez uma oferta pública de 720
milhões pelo estúdio. No dia seguinte, Davis misteriosamente retirou
sua oferta. Três dias mais tarde, notícias de uma oferta de Kerkorian
para comprar as ações da Fox pertencentes às Chris-Craft Industries
começaram a circular. Em pânico para manter-se afastada de Kerkorian,
a administração da Fox reabriu as negociações com Davis, e um acordo
foi prontamente alcançado.
Logo se tornou nítido para a administração da Fox que Davis havia
realizado a compra como alavancagem contra os ativos da companhia de
cinema, exatamente o que os executivos da Fox temiam que Kerkorian
fizesse caso ele fosse o comprador. Poucos dias depois de fechar o negócio, Davis começou a vender empresas subsidiárias fundamentais à Fox.
É irônico que Kerkorian, com o dinheiro que arrecadara da venda de suas
ações da cpi, talvez não tivesse liquidado qualquer ativo da Fox se fosse
autorizado a comprar a empresa.
Em 1984, Kerkorian reapareceu como uma figura-chave na tentativa
hostil de Saul Steinberg em assumir o controle da Disney. A aquisição
proposta por Steinberg, que utilizaria a companhia para realizar uma
alavancagem financeira, foi projetada principalmente para irritar a administração da Disney, e há dúvidas consideráveis sobre a sinceridade
de seu interesse na companhia¹⁷. A oferta em dinheiro realizada por
Kerkorian para adquirir o estúdio de cinema da Disney, por outro lado,
era séria. Em última instância, como a maior parte dos especialistas em
Wall Street havia previsto, Steinberg concordou com uma compensação
[a greenmail payoff ]¹⁸.
Ao longo da década de 1980, Kerkorian deteve ações significativas na
mgm, na Columbia e na United Artists; negociou acordos de distribuição
e então integrou verticalmente a mgm Filmco com a United Artists, a
Paramount e a Universal; e fez ofertas de aquisição pública para a Columbia,
a Fox, a Disney e a United Artists. Embora alegasse ter pouco interesse
em cinema, Kerkorian se mostrou o homem mais interessante e ativo,
ou até mesmo o mais poderoso, na indústria cinematográfica dos anos
1980. A fluidez com a qual ele transitava no mercado de entretenimento
preparou o mercado para uma maior consolidação, uma integração vertical e propriedades compartilhadas. Apesar de seu senso de negócios
quixotesco, aparentemente irracional, foi Kerkorian – e não um diretor
como Coppola – que serviu de modelo para quem quisesse participar do
mercado da Nova Hollywood.
A D I S P U TA P E L O M E R C A D O C O M P L E M E N TA R
“Se você fizer um bom filme, o povo americano irá assistir a ele. O desejo
emocional de ir assistir a um filme definitivamente não foi eliminado da
mentalidade americana. Porque [em 1986], a despeito destas coisas de
17 Ver lewis, Jon.
“Disney after Disney:
from family business to
the business of family”
in smoodin, Eric (org.).
Disney Discourse. Nova
York: Routledge, 1994.
p. 87–105.
18 No vocabulário de
transações do mundo
corporativo, greenmail
refere-se a um pagamento
à vista feito a um
aventureiro corporativo
em troca das ações do
empreendedor e da
promessa deste de recuar.
183
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
a n o va h o l ly w o o d
182
16 “Columbia, Kerkorian
agree to end legal strife;
cpi to buy kk’s 25% Stake;
10 Yr. Truce”, Variety,
18 de fevereiro de 1981.
p. 3, 22.
A compra proposta prometia dar a Kerkorian o controle de 35% da
companhia. O conselho da cpi, em um artigo publicado na Variety chamado “Planos de Kerkorian para controlar a Columbia Pictures em 1982”,
chamava a oferta de “um assalto ultrajante” e, embora eles devessem ter
pensado melhor, “uma violação gritante das leis antitruste”. Eles informavam também que iriam combater a medida por meio de uma ousada
compra de ações, adquirindo “debêntures conversíveis” – medida que, se
bem-sucedida, prometia reduzir o percentual (mas não o valor monetário)
das posses de Kerkorian na cpi¹⁵. Em resposta, Kerkorian anunciou sua
intenção de assumir a companhia.
Kerkorian entrou com um processo para contornar a cláusula de suspensão que interferia em seus planos de assumir a empresa. No processo,
Kerkorian alegava o seguinte: 1) que, porque a cláusula de suspensão
incluía uma prescrição que compelia a cpi a consultá-lo sobre todas as
grandes decisões de mercado, a decisão do conselho de oferecer uma debênture conversível sem antes consultá-lo era uma infração de seu dever
fiduciário; 2) que a emissão recente de 300 mil novas ações pela cpi (como
parte da debênture conversível) era destinada a pôr as ações adicionais
nas mãos amigas do produtor “independente” da casa, Ray Stark; 3) Que a
cpi havia deliberadamente obstruído as tentativas de Kerkorian de vender
sua participação na companhia; 4) que, mesmo que diversas publicações
para acionistas indicassem outra coisa, a cpi estava naquele momento
sendo comandada por apenas duas pessoas, Herbert Allen no lado das
operações e Ray Stark no lado criativo; 5) Que a prestação de contas mais
recente da empresa não contabilizava certos pagamentos a funcionários
da cpi (o mais importante deles sendo um pagamento de 1 milhão de
dólares para um dos advogados de Ray Stark e vários milhões de dólares
de custos de avaliação de riscos pagos à empresa de corretagem de Herbert
Allen, Allen and Company).
Mas, assim que Kerkorian parecia pronto para estabelecer uma luta de
procurações – uma luta que ele parecia numa boa posição para vencer, – um
incêndio desastroso no mgm Grand Hotel em Las Vegas comprometeu sua
situação monetária. Deste modo, no dia 11 de fevereiro de 1981, quando
as contas legais da cpi na disputa com Kerkorian chegavam a 1 milhão,
Allen anunciou um acordo em princípio com Kerkorian que resolvia as
diferenças entre as partes. A Columbia prometeu “recomprar” os dois
milhões e meio de ações de Kerkorian e os dois lados concordaram em
encerrar todos os litígios pendentes. Além disso, Kerkorian comprometeu-se a não comprar ações da cpi por 10 anos¹⁶.
A decisão de Kerkorian por um acordo o fez obter ativos de 137,5 milhões.
Com o grande projeto de reconstruir o mgm Grand em Las Vegas, parecia
seguro presumir que ele finalmente fosse tirar seu dinheiro de Hollywood
e investi-lo em Las Vegas. Mas, em um curto período de tempo, rumores
começaram a circular sobre uma oferta de Kerkorian para adquirir 22%
das ações da Twentieth Century Fox da Chris-Craft Industries.
par te iii
15 “Vincent Memo
defends price as Pivotal
Studio Power; Hits kk’s
claims of Stark Control”,
Variety, 8 de outubro
de 1980. p. 36. Uma
debênture conversível
é um título corporativo
desprotegido que pode
ser conversível em títulos
compartilhados se o seu
dono quiser. Neste caso,
o debênture conversível
permitiu à cpi emitir
títulos adicionais para
que eles fossem parar
nas mãos “amigas” do
produtor da casa Ray Stark.
20 mcbride, Joseph.
“Columbia’s Record fiscal
yr.; gross up 27%, net
climbs 15%; reduce gain
from Arista sale”, Variety,
10 de setembro de 1980.
p.3, 50.
— paul gurian, produtor de Peggy Sue, Seu Passado a Espera
21 “Universal All Projects”,
Variety, 10 de setembro
de 1980. p. 3.
a n o va h o l ly w o o d
184
Em 1980, assim que estava prestes a começar a temporada de produções de
outono na televisão, o Screen Actors Guild (sag) entrou em greve. Dado o retrospecto histórico, parecia o momento perfeito para o sindicato fazer isso.
Mas os líderes sindicais não verificaram que os estúdios tinham se protegido muito bem de perdas nas receitas de bilheterias e televisão através da
diversificação de atividades, integração vertical e propriedade externa. Devido a isso, os líderes sindicais não perceberam que as receitas da televisão
importavam pouco no esquema mais amplo de coisas da Nova Hollywood.
Na edição do dia 10 de setembro de 1980 da Variety, duas histórias
desconexas pareciam indicar a força dos estúdios. A primeira, sob o título
“Columbia tem ano fiscal recorde; crescimento bruto de 27% e líquido
de 15%”, revelava que, mesmo a Columbia envolvida em problemas com
Kerkorian e sem ter um grande ano nas bilheterias, devido em parte à
sua diversidade de ações, o estúdio ainda era capaz de um lucro considerável no ano²⁰. O segundo artigo relacionava-se mais diretamente à
greve. Sob o título “Universal suspende todos os seus projetos”, o estúdio
usava a revista para enviar a seguinte mensagem para os atores em greve:
“A Universal decidiu hoje [9 de setembro de 1980) invocar a cláusula de
força maior em seus contratos com cineastas a partir de 15 de setembro,
colocando portanto todos os seus projetos em suspensão (…) A invocação
da cláusula, medida que sabe-se que também está sendo considerada por
outros estúdios, significa que a Universal está suspendendo pagamentos a
escritores, diretores e produtores com projetos em desenvolvimento. A ação
sem dúvida destina-se a colocar mais pressão sobre o Screen Actors Guild
para que este chegue a um acordo nas negociações da greve”²¹.
A estratégia da Universal era ao mesmo tempo simples e eficaz. Ao
fechar completamente, ela colocou uma pressão significativa para que os
atores não apenas negociassem, mas também chegassem rapidamente
a um acordo. Enquanto o Sindicato de Diretores e Escritores [Directors’
and Writers’ Guild) provavelmente também teria entrado em greve eventualmente em apoio à causa, a decisão da Universal impossibilitou essa
estratégia ao deixar “todos” sem trabalho antes que qualquer sinal de
solidariedade pudesse se desenvolver. Ao fazer isso, o estúdio não apenas
roubou a vantagem em termos de relações públicas, como colocou um
sindicato contra o outro, deixando o sag na posição de bode expiatório
da indústria. Em um nível mais profundo e, a bem da verdade, mais importante, a disposição da Universal de invocar a cláusula de força maior
também revelava a posição do estúdio: ele não precisava mais fazer filmes
ou televisão para gerar dinheiro.
A aparente invencibilidade dos estúdios era muito problemática para
o sindicato de atores porque a greve era extremamente importante em
relação aos futuros salários da classe. Sua contenda com os estúdios
dizia respeito à sua participação nas receitas advindas da televisão por
assinatura e do mercado de vídeo, dois mercados que na época ainda não
estavam consolidados, mas que pareciam promissores. O sag queria estabelecer, ao menos provisoriamente, diretrizes para o número de dias ou
de horas para exibições na televisão por assinatura antes dos pagamentos
residuais, o percentual dos ganhos brutos previstos para pagamentos
residuais e que um percentual de receitas brutas de videocassetes fosse
compartilhado com os atores.
Os estúdios responderam com o argumento de que, embora a discussão
do sindicato sobre “receitas brutas das bilheterias” fosse importante, o
assunto permanecia prematuro. Negociadores dos estúdios sustentaram
que deveria haver um período de carência de um ano ou dois (durante
os quais nenhum pagamento residual seria realizado) para permitir que
o mercado se estabelecesse; depois disso um acordo amigável poderia
ser alcançado.
As lideranças do sag na época formavam um estranho conjunto: o
arquiconservador Charlton Heston e os liberais de Hollywood Ed Asner,
Marlo Thomas e Alan Alda. Decepcionados pela recusa dos estúdios em
negociar, as lideranças do Screen Actors Guild organizaram um boicote à
entrega anual de prêmios do Emmy e sediaram vários eventos beneficentes
na área de Hollywood. Em um destes eventos no Hollywood Bowl, Heston
explicou a injustiça do argumento administrativo: “Os produtores ficam
nos dizendo que as receitas domésticas pelas quais estamos em greve
ainda estão a dez anos de distância. Pode ser que isso seja verdade. Mas eu
liguei para Mike Medavoy [então produtor-chefe da Orion Pictures] hoje,
e posso dizer que ele não estava disponível porque eles estavam ocupados
transferindo Mulher Nota 10 (10, 1979) para o videocassete”²².
A greve do sag por receitas domésticas futuras teve um efeito irônico
e imprevisto. A greve, organizada para chamar a atenção sobre uma potencial desigualdade na distribuição dos lucros, forçou os estúdios a agir
mais rápido do que o previsto para estabelecer o controle sobre a televisão
por assinatura e a distribuição em videocassete. Os estúdios rapidamente
solidificaram sua base de poder e usaram a greve para estabelecer uma
distância significativa entre eles e os vários sindicatos.
No dia 1° de outubro de 1980, um título da Variety parecia pôr todo o
conflito em perspectiva: “Paralisação de atores prejudica a tv e favorece
aumento das bilheterias”²³. Sem base de poder ou apoio público e enfrentando uma fragmentação crescente na estrutura mais ampla do sindicato,
os atores eventualmente tiveram que recuar e os estúdios avançaram no
admirável mundo novo das receitas de exibição da tv por assinatura e do
videocassete, em total controle daquele que viria a se tornar um grande
e muito lucrativo setor da indústria do entretenimento.
22 “Actors at sag’s benefit
sound off for solidarity”,
Variety, 24 de setembro
de 1980. p. 3.
23 murphy, A.D. “Actors
walkout hurts tv, help. bo
boom”, Variety, 24 de
setembro de 1980. p. 3.
185
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
videocassete, ainda assim quatro bilhões foram gastos em ingressos de cinema.
E 90% dessas bilheterias vieram de buracos no meio de algum lugar
em Cleveland.¹⁹”
par te iii
19 bales, “A Coupla
Producers Sittin’ Around
Talkin’,”. p. 52.
26 “Betamax suit in final
phase; see major impact
on copyright”, Variety, 20
de junho de 1979. p. 1, 84.
a n o va h o l ly w o o d
186
“Estúdios têm personalidades diferentes. Há estúdios muito histéricos, realmente
insanos e muito paranoicos. A Disney é um estúdio obsessivo-compulsivo.
E você sabe como são os obsessivos-compulsivos: quando eles têm um problema,
eles serão muito compulsivos na forma como lidam com o seu problema.”
— robert cort, produtor de cinema²⁴
A preocupação crescente dos estúdios a respeito do lançamento de fitas
pré-gravadas no mercado de videocassete foi acompanhada por uma ansiedade sobre a gravação caseira de material protegido por direitos autorais na
televisão comum ou por assinatura. Naquele que se tornou para a indústria
um processo civil muito importante, a Disney e a Universal processaram
a Sony, afirmando que a tecnologia disponível não permitia aos estúdios
excluir ou impossibilitar a gravação de programas que eles não queriam
duplicados. As máquinas Betamax produzidas pela Sony, os estúdios afirmavam, criavam um problema de direitos autorais fundamental para a
indústria como um todo. Para atrasar ou talvez até prevenir as vendas no
varejo dessas máquinas, a Disney e a Universal foram à justiça.
A Sony parecia ter um argumento convincente no caso. No começo dos
anos 1960, o conglomerado de eletrônicos oferecera à Universal a oportunidade de se tornar o fornecedor de software do Betamax e de participar
no desenvolvimento da nova tecnologia. Mas a Universal recusou a proposta da Sony. Em 1980, portanto, a Sony parecia ter bases sólidas quando
afirmava que a Universal tivera e desperdiçara sua própria oportunidade.
Os advogados da Universal argumentavam que os equipamentos de
videocassete da Sony na década de 1960 eram tão caros e complicados
que eles pareciam ter pouco ou nenhum futuro no mercado de vendas
a varejo. As máquinas que a Sony desenvolvera para vendas nos Estados
Unidos em 1980 eram tão significativamente diferentes das que os executivos viram e recusaram vinte anos antes que elas constituíam uma
tecnologia inteiramente nova e diversa.
Apesar de muitos na indústria temerem que a Sony fosse prevalecer,
o juiz Warren J. Ferguson concluiu que a Sony teria prosseguido com
a pesquisa e o desenvolvimento do Betamax tivesse ou não a Universal
manifestado interesse²⁶. A seu ver, as novas máquinas de fato eram radicalmente diferentes dos protótipos dos anos 1960, e sua venda de fato
criava um sério problema de direitos autorais e complicava ainda mais
um mercado já bastante complexo.
A Sony recorreu da decisão, e o caso eventualmente foi resolvido fora
dos tribunais. Mas muitas das questões levantadas pelos advogados da
Sony continuaram a complicar as coisas em Hollywood. Por exemplo, ao
longo de sua litigância com a Universal e a Disney, a Sony defendeu que a
propriedade mais importante em questão não era o seu produto (Betamax)
e nem os direitos autorais dos estúdios em si, mas as ondas eletromag-
néticas e o direito individual do cidadão a elas. O posicionamento da
Sony foi que, quando um sinal de transmissão é posto no ar, “ele se torna
muito próximo à propriedade pública”, e quem quer que tenha os meios
de receber este sinal tem o direito de alterá-lo de modo a poder utilizá-lo
e desfrutá-lo. Tal perspectiva exime o manufaturador e o vendedor de responsabilidade em termos da potencial violação de direitos autorais, mas
é justo dizer que dificilmente o controle sobre as ondas eletromagnéticas
ou o livre acesso a elas esteja hoje nas mãos do cidadão médio.
As coisas nunca mais foram as mesmas desde que os estúdios estabeleceram uma posição no mercado de exibições domésticas. No momento
em que escrevo este livro, 1994, em média 50% das receitas dos estúdios
provêm do aluguel e da venda de vídeos, totalizando mais de 4 bilhões
de dólares por ano²⁷. Adicionalmente, a Viacon, um conglomerado de
televisão a cabo, e sua principal parceira, a Blockbuster Video, uma locadora de videocassetes, tendo enriquecido à custa de receitas oriundas de
exibições domésticas, recentemente compraram a Paramount, em uma
negociação que não encontrou um único desafio antitruste bem-sucedido.
O FI M DA A I P E DA FI L MWAYS
“Eu gosto do mercado. Gosto das pessoas no mercado. É um mercado de trapaceiros.
Falo num bom sentido. Mas é um mercado de trapaceiros. Entrevistador: Mas
você é um trapaceiro? Arkoff: Não, eu sou o único que não é.”
— samuel z. arkoff, presidente da American International Pictures²⁸
A consolidação do poder pelos seis principais estúdios no começo da década
de 1980 fica mais evidente na história do fim da American International
Pictures (aip). Ao longo da segunda metade da década de 1950, da década de
1960 e da primeira metade da de 1970, a aip era umm história americana
de sucesso. Liderada pelo iconoclasta Samuel Z. Arkoff e por seu parceiro
de perfil discreto, James Nicholson, a aip apareceu inicialmente como
uma eficiente, embora por vezes não artística, fábrica independente de
filmes B, produzindo obras memoráveis como Violência nas Ruas (Wild in the
Streets, 1968), I Was a Teenage Werewolf (1957) e Three in the Attic (1968).
No meio da década de 1970, entretanto, os filmes B de Arkoff se tornaram anacrônicos. Devido em larga medida ao sucesso de blockbusters
de autores como Coppola, Martin Scorsese e Peter Bogdanovich – todos
eles aprendizes no mercado de filmes B –, distribuidores e exibidores não
pareciam mais interessados em filmes menores. No final dos anos 1970,
os estúdios independentes enfrentavam um dilema: ao mesmo tempo em
que os filmes começaram a custar muito para serem produzidos, as receitas
das bilheterias permaneciam imprevisíveis. Ademais, dada a preferência
de muitos exibidores de “reter” blockbusters em suas telas, tornara-se mais
difícil do que nunca encontrar espaço para exibir filmes B²⁹.
27 Pat Jorndan, “Wayne
Huizenga”, New York
Times Magazine, 5 de
dezembro de 1993. p. 55.
28 strawn, Linda
May. “Samuel Z.
Arkoff” (entrevista) em
mccarthy, Todd, flynn,
Charles (org.). Kings of
the B’s: Working within the
Hollywood System”. Nova
York: Dutton. p. 266.
29 As salas de cinema
eram encorajadas a
manter filmes de grandes
estúdios em suas telas
por semanas ou até
mesmo meses, porque
seu percentual ganho
sobre as vendas de
ingresso aumentava com
o tempo. Na primeira
semana, o cinema
poderia ficar só com
10% tirando os custos.
Muitas semanas depois
este número aumentava
para até 30% ou 40%.
Conforme os exibidores
rotineiramente preferiam
distribuir filmes dos
grandes estúdios
na década de 1980,
tornou-se cada vez mais
difícil exibir filmes B e
obras independentes de
prestígio.
187
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
25 “Betamax testimony
ends; judge ducks ‘Sinal’
jam Thicket”, Variety, 13
de março de 1979. p. 3,
100.
DISNEY E UNIVERSAL STUDIOS CONTR A A SONY
par te iii
24 kasindorf, Jeanie.
“Mickey Mouse time”,
New York, 7 de outubro de
1991. p. 40.
a n o va h o l ly w o o d
188
Em março de 1980, com Arkoff isolado na Filmaways, Bloch anunciou
a aposentadoria do nome da aip. Pouco depois de liquidar com a aip, a
Filmways desfrutou de cifras recordes nas bilheterias com Horror em
Amityville (The Amityville Horror, 1979), Amor à Primeira Mordida (Love at
First Bite, 1979) e Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980). Mas, enquanto
os sucessos de bilheteria pareciam bons presságios para a nova Filmways,
ainda assim era preocupante que os três filmes tivessem se originado
com Arkoff antes da fusão Filmways-aip.
Com a aposentadoria da aip e a destituição de Arkoff, as cifras elevadas nas bilheterias puseram em movimento o que viria a se tornar
um declínio de um ano nos preços das ações da Filmways, declínio este
que eventualmente tornaria a companhia um alvo atraente para compra.
O conselho da Filmways previsivelmente levou os valores de mercado
mais a sério do que os números das bilheterias e tentou promover reformas internas, demitindo dois de seus executivos seniores, Raphael
Etkes e Jeff Young. Os dois homens eram em larga medida responsáveis
pelo compromisso da Filmways com vários filmes de prestígio e de alto
nível, incluindo Amigos para Sempre (Four Friends, 1981) de Arthur Penn (em
pós-produção), Um Tiro na Noite (Blowout, 1981), de Brian De Palma (em
produção) e, em conjunto com Dino DeLaurentiis, Na Época do Ragtime
(Ragtime, 1981) de Milos Forman (também em produção).
A Filmways detinha a distribuição doméstica dos três filmes, o que
à primeira vista parecia promissor. Mas, como o executivo do estúdio
Robert Grundburg logo percebeu, o estúdio também não tinha reservas
de capital adequadas para concluir as três obras. Para conseguir manter
o controle sobre os filmes, Grundburg vendeu a subsidiária de seguros
da Filmways, a Union Fidelity Corporation. Mas a venda não trouxe nada
a Grundburg, exceto problemas.
Diversos grandes acionistas repreenderam publicamente a administração da Filmways por primeiro demitir Etkes e Young e então vender
uma lucrativa subsidiária para manter o controle de seus filmes. Além
de Amigos para Sempre, Um Tiro na Noite e Na Época do Ragtime, estavam
em desenvolvimento no estúdio na época, em vários estágios de desenvolvimento, Blade Runner, O Caçador de Adroides (Blade Runner, 1982),
de Ridley Scott, Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America,
1984), de Sergio Leone, Enigmas do Coração (Tell Me a Riddle, 1980), de Lee
Grant, Gangues de Nova York (Gangs of New York, a ser dirigido por Martin
Scorsese), Links (com Diane Keaton, a ser dirigido por Arthur Penn), Huey
(uma filme biográfico sobre Huey Long, roteirizado por Gore Vidal),
Fire on the Mountain (a ser dirigido por Tony Scott), Good Company (a ser
dirigido por John Avildsen), remakes de Tarde Demais para Esquecer (An
Affair to Remember), de Leo McCarey, e de A Woman’s Place, e os filmes de
exploitation de baixo orçamento Halloween ii e O Fã – Obsessão Cega (The
Fan, 1981). Com as saídas de Etkes e Young, todos os acordos de desenvolvimento foram suspensos. E, enquanto Grundburg tentava realizar os
189
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
31 Arkoff conta
uma história
significativamente
diferente em seu livro
de memórias, Flying
through Hollywood by the
Seat of My Pants. Nova
York: Birch Lane, 1992.
p. 226–36. Em quem quer
que acreditemos,
o resultado foi a saída
da Arkoff.
A emergência concomitante dos mercados de filmes em videocassete
e de televisão por assinatura ofereceu fontes alternativas de lucros para
os estúdios menores. Mas, enquanto os mercados complementares garantiam pelo menos um retorno modesto para os filmes de baixo orçamento, a maioria dos independentes, ao contrário dos grandes estúdios,
não estava em uma posição forte o bastante em termos financeiros para
tirar total vantagem da situação. Mesmo se um estúdio independente
conseguisse reter os direitos de vendas complementares para seus filmes, a espera por estas receitas demorava no mínimo um ano – tempo
demais, dados os juros exorbitantes em curto prazo dos empréstimos
aos quais estes estúdios rotineiramente recorriam para financiar a
produção de filmes.
Na primavera de 1980, Arkoff abordou as dificuldades inerentes em
se permanecer independente em Hollywood: “A indústria está entrando
em um período diferente. As pessoas não estão interessadas em filmes
menores, então o mercado de cinema está se tornando a província das
companhias bem-financiadas. Os independentes que não podem sustentar
os cada vez mais altos custos de produção e de marketing vão brutalmente
se ferir no mercado de trabalho”³⁰. Arkoff lembrou os leitores da Variety
de que, em 1969, a última vez em que os orçamentos de produção aumentaram dramaticamente e os números de novos filmes diminuíram,
as subsidiárias de cinema das corporações televisivas abc e cbs, assim
como a Cinerama e a National Company, também sofreram com a crise, por não conseguirem manter reservas de capital suficientes. Arkoff
preveniu que praticamente o mesmo destino aguardava as companhias
menores de cinema na Hollywood do final da década de 1970. Em uma
transação que sem dúvida alguma os leitores da Variety apreciaram, em
1979 o próprio Arkoff teve que fundir a aip com a Filmways, um acordo
que eventualmente o forçou a ceder o controle de “sua” companhia.
Arkoff primeiro anunciou sua intenção de fundir a aip com a Filmways
em março de 1979. Na época, as duas companhias esperavam que, combinando suas linhas de crédito com os bancos – o limite de crédito da
aip era de 10 milhões e o da Filmways de 25 milhões –, as companhias
unidas poderiam se tornar uma versão menor dos grandes estúdios e
também fazer negócios na Nova Hollywood.
No dia 17 de julho de 1979, as duas empresas se fundiram formalmente.
Seis meses depois, entretanto, elas se encontraram em um impasse ideológico. Arkoff queria continuar a fazer filmes de exploitation, enquanto os
executivos da Filmways esperavam estabelecer uma posição no mercado de
“filmes de prestígio”. A situação parecia irresolvível até Richard Bloch, um
executivo sênior da Filmways, descobrir que Arkoff tinha – ou ao menos
isso foi alegado – deliberadamente superavaliado a base de ativos da aip
durante as negociações para a fusão. Como resultado das alegações de
Bloch, Arkoff foi forçado primeiro a renunciar ao posto de ceo da aip, e,
em seguida, a abandonar sua cadeira no conselho da Filmways³¹.
par te iii
30 watkins, Roger.
“Arkoff warns of 1969
repeat”, Variety, 21 de
maio de 1980. p. 34.
a n o va h o l ly w o o d
190
quando Arthur Krim, da Filmways, anunciou que a companhia esperava
concluir os projetos restantes da Filmways licenciando (isto é, vendendo)
antecipadamente os direitos de transmissão na televisão a cabo para sua
parceira hbo. Desde o início, a tríade Orion-Filmways-hbo pareceu e
se comportou como um truste; em outras palavras, a empresa parecia
preparada para no mínimo tentar fazer negócios na Nova Hollywood.
Mas a Orion subestimou o tamanho das dívidas da Filmways. Depois
de apenas uma semana, a Orion foi forçada a vender a antiga subsidiária
editorial da Filmways, Grosset and Dunlap. Uma segunda subsidiária,
a Pic-Mount, foi cindida, e então uma terceira, a Broadcast Eletronics,
foi posta à venda. Em agosto, o nome Filmways havia sido aposentado,
e eventualmente os três projetos de Etkes e Young foram vendidos para
um dos grandes estúdios.
Não foi até o encontro de acionistas da Orion em agosto que a negociação com a Filmways foi formalmente anunciada, quando a Filmways,
em efeito, já não existia mais. O encontro em si foi de todo anticlimático,
um fim calmo para uma história muito significativa da Nova Hollywood.
A edição da Variety de 4 de agosto de 1982 o resumiu: “Um encontro de
público escasso despertou pouca e aborrecida atenção e virtualmente
nenhuma discussão, reforçando a sensibilidade de que se tratavam de faits
accomplis. Acionistas sugeriram a representação de mulheres e de minorias no conselho da empresa, e a possibilidade de um pequeno presente
simbólico da companhia no próximo encontro. As duas sugestões estão
sendo consideradas”³⁴.
34 “Filmways Banner
retired as ‘New’ Orion
Pictures raises own flag;
shareholders double
stock base”, Variety, 4 de
agosto de 1982. p. 26.
35 salamon, Julie.
The Devil’s Candy. Boston:
Houghton Mifflin, 1991.
p. 312.
191
POR QUE NÃO O ZOETROPE?
“É um mundo fascinante de se ver. Uma espécie de Disneylândia. Mas esta é
a natureza do cinema, que é arte e comércio, apenas acontece [em Hollywood]
que o comércio é Deus… Você se senta em Nova York e diz: ‘Isso é um monte de
merda. Por que eles fazem filmes assim?’ Então você vem [a Hollywood], e você
pode começar a entender.”
— brian de palma, diretor, 1991³⁵
A Hollywood que Coppola esperava revolucionar, fazer “se ajoelhar”
em 1980 com a compra do Hollywood General, encontrava-se então no
processo de redefinição, até mesmo de revolução, de si. Maiores taxas de
juros, orçamentos e lucros levaram a uma maior integração vertical e à
multinacionalização por parte dos estúdios, o que subsequentemente
levaria a uma maior centralização de poder e capital. Em 1981 a indústria
parecia ter cerrado suas fileiras completamente, e, ao fazer isso, deixado
o cinema de autor para trás. Portanto, apesar de boas intenções e, eventualmente, de vários filmes ótimos, o Zoetrope estava amaldiçoado mesmo
antes de levantar voo.
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
33 barton, David.
“Filmways’ 81 loss
concentrated in Qtr.”,
Variety, 3 de junho de
1981. p. 44.
filmes que Etkes e Young tinham programado para 1980 – Amigos para
Sempre, Um Tiro na Noite e Na Época do Ragtime –, tanto o tempo quanto o
dinheiro se encurtavam.
No terceiro trimestre de 1980, a Filmways anunciou 10,6 milhões de
dólares em perdas, comunicando também sua intenção de suspender
o pagamento de dividendos das ações. Em protesto, Arkoff, que havia
mantido seu percentual de 9% na companhia, vendeu suas ações para
a Tandem Productions, que na época pertencia e era comandada por
Norman Lear, Bud Yorking e Jerry Perenchio.
Embora este acordo tenha tirado Arkoff da companhia em definitivo,
a Filmways tinha poucos motivos para comemorar. Arkoff se acomodara
calmamente em suas ações e não realizara mais esforços para, valendo-se
delas, retomar o controle da companhia. A Tandem, por outro lado, tinha
um histórico de ingerência, e, pior ainda, havia manifestado interesse
de possuir seu próprio estúdio. Em novembro de 1979, por exemplo, ela
oferecera 163 milhões de dólares a Kerkorian por seus 24% de controle na
Columbia Pictures. Quando o próprio Kerkorian começou a tentar aumentar seu percentual na cpi, a Tandem recuou, mas somente para preceder
Kerkorian na tentativa de adquirir as participações da Chris-Craft na
Twentieth Century Fox. Também fracassando naquela tentativa, assumir
a Filmways não parecia apenas estar no escopo dos interesses da Tandem,
mas também dentro de suas capacidades financeiras.
Sem dúvida esperando rir por último à custa da Filmways, Arkoff
anunciou estar “genuinamente aliviado” por não estar mais na companhia,
“onde eu passava meu tempo dando conselhos que agora eles percebem que
deveriam ter acatado”³². A saída de Arkoff parecia marcar o fim não só da
aip, mas também da Filmways. Apesar de vender vários de seus bens e de
otimizar sua administração – ações que a Variety descreveu como “um brutal
corte de projetos e uma reavaliação de seus produtos”³³ – a Filmways anunciou perdas no último trimestre do ano totalizando mais de 66 milhões
e uma queda no valor da bolsa de valores de 11,71 dólares por ação.
Conforme 1981 chegava ao fim, a Filmways se tornou objeto de considerável especulação a respeito de uma possível compra. Quem mais
aparecia nestes boatos não era a Tandem, mas a Orion, cujo acordo de
distribuição com a Warner Brothers estava prestes a expirar. Na época,
a Orion se parecia com a Filmways em termos de tamanho e de interesses.
Mas, ao contrário da Filmways, que estava com muita dificuldade para
concluir seus projetos, a Orion havia concluído a produção e o lançamento
(através da Warner Brothers) de dois filmes de muito sucesso, Arthur, O
Milionário Sedutor (Arthur, 1981) e Excalibur, A Expada do Poder (Excalibur, 1981).
Em meio a boatos de que o aventureiro do mundo dos negócios Saul
Steinberg tinha interesse em assumir a empresa, a Filmways foi vendida
para a Orion e seus parceiros, a Warren Pincus Capital Corporation e, no
que agora parece um prenúncio das coisas por vir, um insipiente canal de
tv chamado Home Box Office (hbo). O papel da hbo no negócio ficou claro
par te iii
32 klain, Stephen.
“Arkoff as producer of
which few remain in
age dominated by deal
makers”, Variety, 27 de
maio de 1981. p. 37.
Quando nós éramos garotos construindo a [American] Zoetrope [no final da
década de 1960], nós precisávamos de uma copiadora. O pai de George era
um representante da 3m, e eu perguntei se podíamos adquirir uma máquina
desta companhia a preço de custo. George disse: “meu pai nunca faria isso”.
George vem de uma família muito conservadora do Norte da Califórnia, onde
o dinheiro é algo muito importante (…) Minha atitude em relação ao dinheiro é
que ele é algo para ser usado.
— fr ancis coppola, 1981³⁶
Quando George Lucas recebeu um prêmio especial no Oscar de 1992, ele
agradeceu a seus pais, a seus professores e a seu mentor, Francis Coppola.
Para aqueles que conhecem os dois, a homenagem não foi uma surpresa.
Apesar de uma mudança de posição em Hollywood – Lucas certamente
é uma das figuras mais importantes na indústria hoje –, os dois homens
permaneceram amigos desde que Lucas trabalhou com Coppola pela
primeira vez na década de 1960. E, embora os filmes que eles produziram
e/ou dirigiram desde então pareçam muito diferentes, os dois deram
passos significativos para se distanciar, ou ao menos se proteger, da
Hollywood corporativa.
Lucas continuou a obter sucesso com sua unidade de produção e
distribuição (a Lucasfilm) e com seu complexo de pós-produção de tecnologia de ponta (Industrial Light and Magic), ambos fundados aproximadamente na mesma época do Zoetrope Studios de Coppola, uma
espécie de exemplo da vida real sobre como exatamente estabelecer uma
posição nas margens próximas de Hollywood. Em retrospecto, parece
claro que, de modo diferente de Coppola, Lucas entendeu a emergente
“Nova Hollywood”, ou então pelo menos que os interesses específicos de
Lucas (na pós-produção de filmes altamente conceituados) colocavam
uma ameaça menor para o establishment dos estúdios do que os planos
bem mais vastos de Coppola com o Zoetrope.
Como Lucas trouxera muito dinheiro aos estúdios, ele garantira
para si a reputação de alguém que cooperava com eles. Mas Lucas é um
pragmático, não um fiel de fato. Desde seus dias tranquilos na American
Zoetrope em São Francisco, ele diversas vezes manifestou sua antipatia
pela Hollywood dos estúdios. Por exemplo, quando executivos da Warner
Brothers não gostaram do primeiro roteiro de Loucuras de Verão (American
Graffiti, 1973), Lucas alfinetou: “Os estúdios (…) não entendem roteiros (…)
que roteiros devem ser mais esquematizados que romances. Eles nem
sequer sabem quem é McLuhan”³⁷.
Em 1981, quando a Lucas Film e a Industrial Light and Magic começavam a tomar forma, Lucas explicou seu desejo de contornar o sistema
de estúdios em termos que lembram seu antigo mentor: “Los Angeles é
onde você faz acordos, faz negócios da forma corporativa clássica, o que
36 Discuto o
relacionamento entre
Lucas e Coppola em
mais detalhes em lewis,
Jon. “The independent
filmmaker as tragic hero:
Francis Coppola and
the New Hollywood”,
Persistence of Vision 6
(1988). p. 29–32. A citação
é de talese, Gay. “The
Conversation”, Esquire,
julho de 1981. p. 80.
37 sweeney, Louise. “The
movie business is alive
and well and living in San
Francisco”, Show, abril de
1970. p. 82.
193
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
COPPOLA E LUCAS
par te iii
a n o va h o l ly w o o d
192
Ainda assim, dificilmente Coppola pode ser culpado por seguir adiante
com o projeto de seu estúdio. Dado o sucesso de Apocalypse Now em 1979
– dado o sucesso de virtualmente qualquer filme que ele tenha dirigido
ou produzido na década de 1970 –, Coppola tinha toda razão para acreditar que poderia expandir o cinema de autor para incluir o controle
ao menos dos meios de produção de seus próprios filmes, e, se tivesse
sorte, da tecnologia para distribuí-los. Mesmo se tiver acompanhado as
várias versões da disputa entre Kerkorian e a cpi, da greve de atores, do
processo da Disney e da Universal contra a Sony e do fim da aip e da
Filmays, Coppola provavelmente acreditava que essas histórias não lhe
diziam respeito.
Mas, em última instância, elas diziam. A incapacidade do Departamento de Justiça de definir o interesse mútuo de Kerkorian na mgm e
na cpi como um truste permitiu o aumento da tendência da indústria
de se organizar em conglomerados e indiretamente encorajou empreendedores corporativos e banqueiros a investir em estúdios de cinema. A prática de alavancar tais compras com os ativos da companhia
em questão levou diretamente ao desmantelamento da mgm e da Fox
e aumentou a capitalização necessária para se manter um nível razoável de produção em um grande estúdio. Que Kerkorian, apesar de
uma considerável fortuna pessoal – muito maior do que a de Coppola
–, tenha sido incapaz de manter a mgm rentável, indica o quão difícil
seria para Coppola tornar o Zoetrope competitivo no novo mercado
de entretenimento.
A greve de atores em 1980 e sua resolução a favor dos estúdios revelavam como estes se tornaram poderosos e diversificados. Durante o
conflito, os estúdios exploraram com sucesso a desilusão pública com
sindicatos em geral e o alto custo de talentos (como Coppola) em particular, ganhando um apoio público implícito para seu estilo particular
de fazer negócios. A resolução da greve e o processo contra a Sony estabeleceram ainda mais os parâmetros para que os estúdios controlassem
os novos mercados complementares da televisão por assinatura e do videocassete, dois mercados que Coppola precisava explorar para tornar o
Zoetrope bem-sucedido.
As histórias da aip e da Filmways eram próximas à realidade do
Zoetrope, mas também elas demoraram muito a acontecer para fazer
Coppola mudar de ideia. De novo, a mensagem era a importância da
reserva de capitais e da diversificação. Se alguém deseja estar no mercado de cinema, é preciso estar numa posição, como é o caso dos grandes
estúdios, capaz de aguentar os períodos difíceis. Mas mesmo nas épocas
boas seria preciso sobreviver tempo o bastante para honrar os pagamentos
de empréstimos em curto prazo. Que a aip e a Filmways não tenham
sido capazes de sobreviver a épocas boas foi uma mensagem que Coppola
talvez tenha preferido não escutar, mas que, ainda assim, poderia ter feito
com que poupasse muito dinheiro e problemas.
38 thomson, David.
Overexposures. Nova York:
Morrow, 1981. p. 40.
39 tuchmand, Mitch,
thompson, Anne. “I’m
the boss”, Film Comment
17.4, 1981. p. 50–51.
40 bock, Audie. “George
Lucas: an interview”, Take
One, agosto de 1976. p. 6.
a n o va h o l ly w o o d
194
significa ferrar todo mundo e fazer o possível para trazer o maior lucro
possível. Eles não se importam com as pessoas. É incrível o modo como
tratam os cineastas (…) Não quero ter nada a ver com eles”³⁸.
Que Lucas tenha provado ser o mais bem-sucedido dos dois no longo
prazo é um fato da vida na Nova Hollywood com o qual Coppola precisou
aprender a lidar. Os dois procuraram independência dos grandes estúdios,
mas é claro que possuem ideias diferentes sobre onde exatamente as margens de Hollywood estão localizadas e o que, financeira e artisticamente,
pode ser sacrificado para se sobreviver neste ambiente.
Foi claramente Lucas quem mais astutamente leu a indústria em
1980. E, portanto, foi Lucas quem jogou o jogo com mais cuidado. Já em
1981, um ano antes de Coppola lançar um filme pelo Zoetrope Studios,
Lucas duvidou da capacidade de Coppola ser bem-sucedido: “Eu discordei
de Francis quando ele disse que ia para Los Angeles. Nós dois temos os
mesmos objetivos, nós dois temos as mesmas ideias e nós dois temos as
mesmas ambições (…) [Nós temos] uma discordância sobre como fazer
isso (…) Estando lá em Hollywood, você só está à procura de problemas,
porque você está tentando mudar um sistema que nunca vai mudar”. Em
relação ao método de “cinema eletrônico” de Coppola e aos seus planos
de pesquisa e desenvolvimento, Lucas previu problemas se valendo de
termos totalmente simples: “Os estúdios jamais irão entender isso”.
Comparando a Lucasfilm com o Zoetrope Studios, Lucas acertadamente caracterizou uma diferença fundamental de temperamentos e
estilos de administração: “Vai levar seis anos para minhas instalações
estarem funcionando como as dele estão agora”, ele observou em 1981.
“Ele foi lá e ‘Pronto!’, estava feito… Eu terei o meu [estúdio], e vai demorar muito mais para construí-lo, mas não acho que ele jamais vá entrar
em colapso”³⁹.
Mesmo antes do lançamento de Do Fundo do Coração, Coppola parecia
inclinado a concordar; Lucas de fato era aquele com mais chances de ser
bem-sucedido. “Se eu for como os Estados Unidos”, Coppola ponderou,
“George foi meu Japão – ele viu o que eu fiz errado, e aperfeiçoou o que eu
fiz corretamente”. Como a distância entre os dois parecia aumentar após
o lançamento de Guerra nas Estrelas em 1977, Coppola colocou as ações
dos dois na perspectiva da indústria: “George é tão rico hoje que ele nem
sequer precisa mais de um parceiro. E ele é uma pessoa prática que não
quer se sobrecarregar com um órgão doente”⁴⁰.
— eleanor coppola¹
Em setembro de 1978, Francis Coppola exibiu um corte bruto de Apocalyipse
Now (1979) para uma sala cheia de executivos da United Artists (ua). Ele
esperava que a exibição o fizesse ganhar mais tempo com o estúdio, mas
ela teve o efeito oposto. A exibição de um filme incompleto – que já estava
atrasado um ano e supostamente bem acima do orçamento previsto (rumores afirmavam que o custo chegava a 70 milhões de dólares) – foi tão mal
recebida que um executivo apelidou o filme de “Apocalypse Nunca”².
O que tornou a exibição tão frustrante para os executivos foi o fato
de que, em algum nível profundo, eles tiveram que se dar conta de que
tinham recebido exatamente aquilo que tinham negociado. Em 1976,
quando executivos da ua autorizaram o projeto pela primeira vez, tudo o
que tinham diante deles era um roteiro politicamente de direita para um
filme de 1,5 milhão de dólares, de 16mm, sobre o Vietnã, escrito por John
Milius para George Lucas e a American Zoetrope em 1968 – um projeto,
é importante lembrar, que a Warner Brothers recusara oito anos antes.
Quando Coppola levou o mesmo projeto para a ua em 1976, os executivos
estavam ansiosos para fazer um acordo no qual ele dirigisse virtualmente
qualquer coisa, e ofereceram então um orçamento provisório de 12 milhões de dólares, um número completamente arbitrário.
Havia óbvios problemas com o acordo. Coppola certamente precisava
retrabalhar o roteiro (para torná-lo um filme de um grande estúdio, para
deixá-lo mais politicamente correto para 1976), e, uma vez que de fato
reescreveu, o custo da produção subiu para significativamente mais de
12 milhões. Como Coppola havia sido tão bem-sucedido no passado, os
problemas com o roteiro e o orçamento foram recebidos pelos executivos
da ua como pequenos detalhes que seriam resolvidos enquanto o projeto
era realizado.
Quando o acordo de desenvolvimento foi assinado, a ua, em termos
que sem dúvidas ambas as partes haviam entendido, implicitamente
manifestava um interesse em financiar (com qualquer orçamento), sem
inspeção prévia, qualquer filme de Coppola sobre o Vietnã que se chamasse
Apocalypse Now. Mas, enquanto o estúdio estava preparado para pagar mais
de 12 milhões de dólares para faturar devido ao apelo de bilheteria de
Coppola, ninguém poderia prever o tanto de má sorte que o filme viria
a ter em sua locação nas Filipinas, e, como resultado disso, em que grau
o orçamento iria aumentar.
jon lewis
Publicado originalmente
sob o título “One from
the Heart” em lewis,
Jon. Whom God Wishes
To Destroy… Francis Ford
Coppola and The New
Hollywood. Durham
e Londres: Duke
University Press, 1995.
p. 41–72. Tradução de
André Duchiade. Texto
traduzido e publicado
sob cortesia da Duke
University Press, 2015.
1 coppola, Eleanor.
Notes. Nova York: Simon
and Schuster, 1979. p. 177.
Eleanor Coppola era e
permanece sendo esposa
de Coppola.
2 bach, Steven.
Final cut. Nova York: New
American Library, 1987.
p. 127.
197
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
“Enviei um telegrama para Francis dizendo que, porque o amava, iria lhe contar
o que ninguém mais queria contar, que ele estava criando o seu próprio Vietnã
com suas linhas de fornecimento de vinho, de carne e de ar-condicionado,
criando a própria situação que ele havia ido até lá para expor. Que, com sua
equipe de centenas de pessoas atendendo a todos os seus pedidos, ele estava
virando Kurtz – indo longe demais.”
par te iii
DO FUNDO DO CORAÇÃO
financeiramente limitando seu investimento no filme. Ao emprestar
a Coppola o dinheiro para completar o filme, eles involuntariamente
deixaram nas mãos dele duas opções: ou fracassar, e, com isso, consequentemente não ter como pagar o empréstimo de 25 milhões; ou então
ser bem-sucedido, e, desta maneira, humilhar a companhia perante o
resto da indústria.
Se o filme perdesse dinheiro, a única opção da ua para recuperar seus
25 milhões seria confiscar os bens pessoais e corporativos de Coppola.
O estúdio então precisaria contrabalançar as vantagens financeiras
imediatas de, por exemplo, confiscar a casa de Coppola, contra os efeitos
muito negativos em termos de relações públicas que tal ação acarretaria.
Ademais, mesmo se o estúdio decidisse apreender todos os bens do diretor,
os executivos estavam muito conscientes de que as garantias que Coppola
havia estabelecido para proteger o empréstimo valiam significativamente
menos do que 25 milhões. Como resultado – e esta é a reviravolta mais
irônica de todas – a maior garantia do empréstimo era o mais novo “bem”
de Coppola, Apocalypse Now, o próprio filme que executivos da ua acreditavam que fracassaria nas bilheterias.
Coppola podia continuar a aumentar o orçamento sem considerar
sua própria capacidade de devolver o dinheiro à ua, porque o estúdio,
como condição da renegociação, havia cedido o controle da quantidade
de dinheiro que o diretor podia gastar no filme. De forma ainda mais
problemática para o estúdio, ele não mais podia obrigar o diretor a
cumprir uma data de conclusão para o filme. Então, como uma disputa
esportiva num pesadelo que não termina nunca, a fase de produção
de Apocalypse Now arrastava-se mais e mais. E tudo o que a companhia podia fazer era se acomodar na plateia, por assim dizer, e assistir
ao jogo.
As coisas ficavam ainda mais complicadas para a empresa pelo fato
de que a capacidade de Coppola de pagar seu empréstimo dependia
de lucros futuros decorrentes da distribuição da obra no exterior e de
várias vendas auxiliares. Mas a decisão dos executivos de cortar os investimentos implicava que eles pensavam que o filme não era bom. Isso
significativamente comprometeu a capacidade de Coppola de negociar
com distribuidoras internacionais e redes de televisão – todos percebendo
que a ua não apostava no filme.
Em outra situação paradoxal, a quantidade de dinheiro que Coppola
provavelmente angariaria dos desvantajosos acordos de distribuição
no exterior e de exibição na televisão aberta e fechada, logo que o filme
tivesse sido lançado, dependiam em proporção direta das bilheterias
domésticas do filme. Portanto, uma vez que o filme estivesse completo, os
executivos da ua tinham duas escolhas. Se ainda odiassem o corte final,
eles poderiam economizar sobre os custos com publicidade e também
limitando o lançamento a somente salas selecionadas em grandes cidades. Mas fazer isso garantiria virtualmente que Coppola não teria como
199
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
198
As filmagens em locações foram um desastre de acordo com qualquer
critério. Mau tempo, seguido por um ataque cardíaco quase fatal sofrido por Martin Sheen, e então uma guerra civil nas Filipinas, eventos
obviamente além do alcance de Coppola, conspiraram para atravancar
a produção³. Mas, mesmo sob essas circunstâncias extraordinárias, os
números da produção eram alarmantes. Quando a fotografia principal
foi concluída, a filmagem já havia durado espantosos 238 dias, espalhados
ao longo de 15 meses.
Quando executivos da United Artists se encontraram após a exibição
prévia de Apocalypse Now para discutir o que fazer com o filme e com
Coppola, eles concordaram a respeito de duas coisas: eles não haviam
gostado muito do filme, e eles culpavam a si próprios pela perda de
controle do projeto. Se as cabeças tivessem permanecido mais frias na
reunião, os executivos teriam percebido que tinham bem menos a perder
do que pensavam. Eles ainda estavam numa posição privilegiada para a
realização de um “filme-evento” do mais famoso diretor americano. Seria
difícil, sob essas circunstâncias, não fazer dinheiro. Mas as cabeças não
permaneceram frias, e os executivos da United Artists decidiram cortar
o principal investimento do estúdio no filme para 7,5 milhões de dólares.
Seu raciocínio era simples: uma vez que eles não podiam controlar o
projeto, seu autor deveria assumir o risco.
Uma vez que o estúdio estava fazendo uma negociação de força –
Coppola virtualmente não tinha chance de completar ou lançar o filme
sem a cooperação do estúdio – a ua obteve o que queria. Em troca de um
investimento principal de 7,5 milhões de dólares, a companhia deteve
os direitos de distribuição doméstica do filme. Quanto às suas despesas
adicionais, a ua concordou em emprestar fundos suficientes para que
Coppola completasse a obra. No que parecia ser uma irônica afirmação
do cinema autoral, a ua entregou o filme para seu autor.
Até que o filme estivesse na lata, a ua tinha emprestado aproximadamente 25 milhões de dólares a Coppola, uma soma parcialmente garantida
pelo percentual de lucro significativo do diretor nos dois filmes da série
O Poderoso Chefão (The Godfather), assim como outras propriedades em
seu próprio nome ou no da American Zoetrope. Mas, embora o acordo o
tenha deixado profundamente endividado e com obrigações em relação à
United Artists, em última instância Coppola passou a, em larga medida,
possuir o projeto – do mesmo modo que alguém “possui” uma casa ou
um carro que compra com um empréstimo – e portanto, com muitos
poucos limites, ele poderia fazer com o filme o que quisesse. Como um
resultado de seu acordo revisto com a United Artists, Coppola acabou
assumindo muitos dos riscos do desempenho do filme nas bilheterias.
Mas ele também garantiu um grau de controle sobre o próprio destino que
nem ele, nem qualquer outro diretor de sua geração, já desfrutara.
Em sua pressa para alterar as condições de seu acordo com Coppola, os
executivos da ua não apreciaram devidamente o quão pouco ganhariam
par te iii
3 Para um relato mais
completo sobre a
produção de Apocalypse
Now, ver Notes, de
Eleanor Coppola, e o
documentário Francis
Ford Coppola: O
Apocalipse de Um Cineasta
(Hearts of Darknes:
A Filmmaker’s Apocalypse),
de Fax Bahr e George
Hickenlooper, 1991.
Gordon e Jornada nas Estrelas – O Filme (Star Trek – The Motion Picture), todos
lançados no mesmo ano. Mas, a despeito dos valores “reais”, a percepção
do público – incentivada pela cobertura da imprensa – sugeria outra
coisa. Quando Apocalypse Now foi lançado, a produção, e não o filme, se
tornou o assunto de virtualmente qualquer artigo e de qualquer resenha.
Na época, a ua não podia senão se sentir algo ambivalente quando
a imprensa começou a ver Apocalypse Now como sintoma de uma indústria fora de controle. Indefinida se queria ou não que o filme fosse
bem-sucedido – o estúdio parecia perder em qualquer uma das opções
– os executivos responsáveis pelo marketing do estúdio nunca chegaram
a um acordo sobre uma estratégia para lançar o filme. Como resultado,
embora estivesse em sua capacidade mudar ou no mínimo redirecionar
a “linha” que orientava a cobertura da imprensa, a ua não fez nada para
proteger “sua” propriedade.
Embora a recepção do público e da crítica tenha sido, antes e depois
do lançamento, de muitos modos injusta, ela indicava que o cinema de
autor estava numa espécie de encruzilhada. Nos primeiros tempos do
chamado renascimento autoral de Hollywood, filmes como O Poderoso
Chefão (The Godfather, 1972) e Tubarão (Jaws, 1975) não indicavam apenas
a “chegada” de autores de formação universitária, mas também o desejo – mesmo a ânsia – desta nova guarda de realizar filmes de gênero ao
estilo de Hollywood. Estes não eram rebeldes ou artistas, mas jogadores
espertos, sutilmente atualizando o seguro pacote de gênero de estúdio.
Os orçamentos altos eram meramente produto de seu tempo; os autores
eram, de muitos modos, os sortudos beneficiários desta época amena e
entusiasmada.
Mas o dinheiro investido no diretor como uma commodity – o diretor
como uma garantia de sucesso nas bilheterias – desde o início incorria
em um risco capital: os tempos mudam, e, um dia, um dos estúdios
veria seu dinheiro atrelado ao último dos filmes de autor. É certo que
este medo alimentou o pânico acerca de Apocalypse Now. Dada a história
da produção do filme e os vários acordos da ua com Coppola, o estúdio
tinha toda razão para acreditar que Apocalypse Now marcaria o fim da
época dos autores.
Felizmente para Coppola, a ua estava errada sobre Apocalypse Now.
Infelizmente para a ua, o próximo projeto do estúdio, O Portal do Paraíso
(Heaven’s Gate, 1980), levou a cabo os piores medos sobre os blockbusters de
autor e praticamente tirou a companhia do mercado de cinema.
O P O R TA L D O PA R A Í S O
“Ninguém de fato controla uma produção hoje em dia; o diretor está por conta
própria, mesmo se ele for inseguro, descuidado ou louco. Sempre houve um
potencial megalomaníaco no cinema, e, neste período de estupor, quando os
valores foram tão minados que nem os melhores diretores e aqueles com mais
201
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
200
pagar o empréstimo, como poucas exibições domésticas afetariam negativamente as vendas internacionais e auxiliares relacionadas à televisão
paga e aberta.
A segunda opção dos executivos do estúdio era, gostassem ou não do
filme, financiar um grande lançamento nacional com publicidade adequada a tal blockbuster. Esta segunda opção ao menos permitia a possibilidade
de sucesso nas bilheterias locais, mas trazia consigo um cenário ainda
mais intimidante: e se o público realmente gostasse do filme? O estúdio
teria seu dinheiro de volta, é verdade, mas Coppola iria rir por último.
Os executivos precisavam decidir qual possibilidade era mais onerosa:
perder 32,5 milhões de dólares em um filme ou parecer estúpidos enquanto
Coppola colhia os benefícios do sucesso de público do filme.
Enquanto setores da indústria acompanhavam as diversas disputas
de poder entre a ua e Coppola, a Transamerica, a empresa controladora
da ua baseada em São Francisco, assistia a tudo da periferia. A principal
preocupação da Transamerica na época não era o quão bem o filme poderia ir nas bilheterias, mas como a publicidade sobre o filme e sobre os
acordos de Coppola com o estúdio poderiam afetar o valor das ações da
própria Transamerica. A despeito do que aparecia como uma pequena e
interessante história de Hollywood – sobre Coppola e a ua, e Apocalypse
Now e cinema de autor – os executivos da Transamerica logo se deram
conta de que, no esquema mais amplo das coisas, um filme, não importa
o quanto custasse, e, em última instância, não importa o quão mal fosse
recebido na imprensa, tinha muito pouco ou nenhum efeito sobre o valor
das ações da empresa.
Isto também trabalhou a favor de Coppola. Embora os executivos da
ua tivessem se colocado numa posição insustentável em relação ao filme, a Transamerica simplesmente não se importava para poder intervir.
Então, em uma jogada particularmente despreocupada e autozombeteira,
para comemorar o terceiro ano de produção do filme, Coppola comprou
para seu amigo James Harvey, um executivo sênior da Transamerica, um
telescópio, e o instalou no escritório dele, de onde era possível ver uma
placa no escritório de Coppola em North Beach na qual se lia: “Para Jim
Harvey, de Francis Coppola, para que ele possa me manter vigiado”⁴.
O presente pareceu apenas excêntrico para Harvey, mas ele mandou
uma mensagem para os executivos da ua: a de que Coppola já estava essencialmente farto de lidar com eles. O presente lembrou os executivos
da ua da amizade de Coppola com seu chefe, James Harvey, e ao mesmo
tempo pareceu indicar que Coppola acreditava que o filme era tão bom
que ele podia fazer essa piada.
Quando Apocalypse Now finalmente ficou pronto para ser lançado,
Coppola ainda tinha outra surpresa para a indústria. Apesar de todos os
problemas que ele enfrentara para completar o filme, seu custo não era,
ao menos de acordo com padrões de 1979, obscenamente alto. Custou menos, por exemplo, do que 007 Contra o Foguete da Morte (Moonraker), Flash
par te iii
4 bach, 1987: 128.
— pauline kael, 1980⁵
do fundo do cor aç ão
202
Não é só em retrospecto que Apocalypse Now e O Portal do Paraíso parecem
conectados. Na mesma reunião em que os executivos da ua decidiram
cortar seu investimento em Apocalypse Now, eles fizeram seu primeiro
movimento para produzir um “novo western” baseado na Guerra do
Condado Johnson.
A história por trás do financiamento da ua de O Portal do Paraíso é
mais ou menos assim: em agosto de 1978, conforme o burburinho sobre
o lançamento de “O Franco Atirador” (The Deer Hunter, 1978), de Michael
Cimino, se acumulava, o agente do cineasta na William Morris, Stan
Kamen, propôs um pacote para a ua: “A Guerra do Condado Johnson”,
um western de ação e aventura dirigido por Cimino e estrelado por Kris
Kristofferson. É importante observar que Kamen não estava atrás de um
acordo de desenvolvimento; em outras palavras, ele não procurava fundos
para começar a trabalhar em um projeto. Ao invés disso ele estava atrás
de um acordo de autorização imediata com opções que garantissem a
produção, obrigando o estúdio a pagar taxas que chegavam a 1,7 milhões
de dólares fosse ou não o filme produzido.
Os aspectos mais sedutores da proposta de Kamen eram a oportunidade que ele apresentou a ua para produzir o filme de Cimino após
O Franco Atirador – um filme que, mesmo antes do lançamento, gerara
muito entusiasmo em Hollywood – e também o preço pago ao diretor
antes de ele receber um Oscar, 500 mil dólares, pagamento relativamente modesto para um diretor em 1978. Igualmente atraentes eram
o orçamento projetado relativamente baixo para o filme (7,5 milhões)
e o fato de que boa parte da pré-produção seria encargo de Kamen,
que representava não apenas o diretor, mas também vários membros
do elenco proposto.
A Guerra do Condado Johnson foi um dos vários projetos discutidos
naquela reunião de setembro. Dado que a reunião foi essencialmente um
velório devido ao corte bruto de Apocalypse Now, a proposta de Kamen foi
avaliada em relação ao filme que nunca ficava pronto de Coppola. Ironicamente, os executivos saudaram A Guerra do Condado Johnson porque ele
parecia tão diferente de Apocalypse Now. Ademais, os executivos olharam
seu calendário de lançamentos para os anos seguintes e viram que para
1979 eles tinham dois blockbusters, 007 Contra o Foguete da Morte e Rocky ii,
e, conforme as coisas estavam previstas naquele momento, dois potenciais
blockbusters marcados para serem lançados em 1981, ambos sequências
destas sequências: 007 Somente para Seus Olhos (For Your Eyes Only) e Rocky iii.
Permanecia um mistério exatamente onde Apocalypse Now se encaixava
no futuro do estúdio; afinal de contas, em setembro de 1978, o filme
ainda parecia distante do lançamento, e ainda mais longe de se tornar
um sucesso de bilheteria⁶.
Retrospectivamente, é justo assumir que A Guerra do Condado Johnson
parecia tão bom, antes de tudo, porque Apocalypse Now parecia tão ruim.
De fato, a ua autorizou o filme de Cimino para preencher a falta de um
blockbuster criada por Apocalypse Now. É claro que, como ficaria marcado
no destino, foi o filme de cinco horas e vinte minutos O Portal do Paraíso,
e não Apocalypse Now, que se revelou inviável comercialmente. E, quando
uma versão de duas horas e meia de O Portal do Paraíso finalmente ficou
pronta para ser lançada, a um custo de, aproximadamente, 36 milhões
de dólares (embora a imprensa tenha noticiado que a produção chegou
aos 100 milhões), o filme se tornou o grande desastre de bilheteria de
todos os tempos.
Mas, enquanto é verdade que a ua perdeu um bocado de dinheiro
em O Portal do Paraíso – se contabilizarmos os custos de publicidade e
distribuição, a perda líquida se aproxima dos 44 milhões – e obteve um
retorno maior do que seu investimento em Apocalypse Now, a indústria
como um todo sofreu mais devido ao sucesso do filme de Coppola do
que ao fracasso nas bilheterias do de Cimino. Depois de 1981, os estúdios
puderam retomar o controle sobre o “produto” das mãos de diretores
poderosos, todos os quais, depois de O Portal do Paraíso, Michael Ciminos
em potencial.
Os próprios diretores tinham responsabilidade no mínimo parcial.
Eles tinham de tal modo elevado suas apostas e os custos – tão focados
em realizar grandes filmes – que tinham, com efeito, ameaçado coletivamente seu status a cada prestigiado pacote autoral. Depois de O Portal
do Paraíso, autores dos anos 1970 como Martin Scorsese, Robert Altman,
Peter Bogdanovich e William Friedkin, além de Cimino e de Coppola,
provaram-se incapazes de realizar uma transição sutil para a Hollywood
dos anos 1980.
As reflexões de Coppola sobre o fiasco de O Portal do Paraíso são, ao
mesmo tempo, simpáticas e filosóficas, e merecem ser citadas aqui. Em
uma entrevista realizada, ironicamente, durante a produção de Do Fundo do Coração (One from the Heart, 1981), seu próprio O Portal do Paraíso,
Coppola opinou:
Penso que o que aconteceu com O Portal do Paraíso tem a ver com
problemas muito maiores e mais fundamentais ligados à realização de um
filme hoje. Tradicionalmente, o que acontece é que o diretor embarca em
uma aventura, e ele está basicamente aterrorizado pelo assim chamado
estúdio porque ele sabe que as pessoas com as quais ele está lidando não
são o tipo de gente com quem ele quer sentar e discutir o que de fato ele quer
fazer. Então o que ele faz é usar sua força como um diretor viável para obter
todos os direitos: [especialmente] o direito ao corte final… Como resultado
6 Esta “visão interna” da
relação entre O Portal
do Paraíso e Apocalypse
Now (mais em termos
de negócios do que
cinematográficos) é em
larga medida retirada de
Final cut, de Steven Bach.
p. 127–130, 282–283. No
final da década de 1970,
Bach era vice-presidente
sênior e chefe de
marketing mundial na
United Artists. Quando
O Portal do Paraíso
fracassou nas bilheterias,
Bach foi demitido, assim
como virtualmente todos
os outros executivos da
ua que “trabalharam”
no filme.
203
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
liberdade estão seguros sobre o que querem fazer, eles com frequência se tornam
obsessivos e grandiloquentes – como uma realeza ensandecida. Perpetuamente
insatisfeitos com o material que continuam acumulando, eles não param de
filmar – de acrescentar quartos ao palácio.”
par te iii
5 kael, Pauline. “The
current cinema: why are
movies so bad?, or the
numbers”, New Yorker, 23
de junho, 1980. p. 92.
9 canby, Vincent. “The
screen: Heaven’s Gate”,
New York Times, 22 de
dezembro de 1980. p. 100.
10 bogue, Ronald. “The
heartless darkness of
Apocalypse Now”, Georgia
Review 35-3 (1981). p. 626.
204
OS CRÍTICOS
do fundo do cor aç ão
“Apocalypse Now é uma jornada fracassada – um formato moderno comum
– uma busca por um Cálice Sagrado que não existe. Como quebra-cabeças
topológico, o fim do rio traz a pessoa de volta ao começo, embora sob um
disfarce distorcido e exagerado, e ainda assim destilado e purificado (…)
Apocalypse Now é sobre o fracasso, e sua jornada não poderia terminar
responsavelmente em um sucesso.”
— ronald bogue, crítico de cinema acadêmico¹⁰
No dia 11 de maio de 1979, com a aprovação da United Artists, Francis
Coppola fez uma exibição prévia de Apocalypse Now no Mann’s Bruin
Theater, em Westwood, Los Angeles. Os ingressos, ao preço de 7 dólares
e 50, foram postos à venda às 6 da tarde para uma sessão às 8 da noite,
mas as filas começaram a se formar às 9 e meia da manhã. O controle da
multidão ficou a cargo do lendário produtor de rock Bill Graham, que teve
um pequeno papel no filme, e o entusiasmo envolvendo a sessão levou
Larry Gleason, o presidente da Mann Theaters, a anunciar (alegremente,
sem dúvidas): “Isto é uma insanidade. É um pandemônio”¹¹. No segundo
que chegou aos cinemas, Apocalypse Now era exatamente o que Coppola
prometera que seria: um evento.
O que deveria ter sido um momento triunfal para Coppola ficou
silenciado pelas dificuldades que ele teve para financiar e finalizar o
filme e pelas muito estranhas, com frequência pessoais, e profundamente contraditórias, respostas críticas preliminares à obra. Era como
se ninguém, incluindo o próprio Coppola, conseguisse deixar pra trás
toda a estrutura, todo o tempo, todo o dinheiro necessários. “Nós fizemos este filme como os Eua fizeram o Vietnã”, disse Coppola. “Havia
uma quantidade em excesso de gente, de dinheiro e de equipamentos, e,
pouco a pouco, enlouquecemos. Eu pensei que estava fazendo um filme
de guerra, mas a situação chegou a um ponto em que era o filme que
estava me fazendo”¹².
Não conseguindo entender o sentimento da imprensa, Coppola enfatizou repetidas vezes a miríade de conexões entre o filme e sua vida:
“Eu descobri que muitas das ideias e das imagens nas quais eu estava
trabalhando como diretor de cinema começaram a coincidir com as
realidades da minha própria vida, e que eu, como o Capitão Willard, estava subindo um rio no meio de uma selva muito distante, procurando
respostas e esperando algum tipo de catarse”¹³. Com a fase dos autores
aproximando-se de seu fim, a tendência de Coppola de ver a realização
de filmes em termos grandiosos – como uma aventura, uma jornada
Rio Mekong acima – foi recebida por muitos críticos como o pior tipo de
publicidade egocêntrica de Hollywood.
Mesmo aqueles que gostaram do filme, como Michael Depmsey, da
Sight and Sound, estavam preocupados pelas apostas pessoais que Coppola
parecia fazer a cada filme: “A grandiosidade de Coppola é uma questão
de fantasias colossais sobre a arte, fantasias que só um tipo particular de
diretor pode esperar desafiar”, ele escreveu quando o filme foi lançado.
Para Dempsey, o problema com Apocalypse Now não se devia à sua política
e nem mesmo a seu final (citado por vários outros críticos), mas antes ao
que estava em questão no caso de todos os chamados “filmes-definitivos”
[ultimate movies]. “Espera-se de pessoas como Coppola que produzam
obras-primas a cada vez que fazem um filme”, ele concluiu. “Os diretores
esperam isso deles próprios; qualquer coisa menos do que isso é considerada uma desgraça, uma traição”¹⁴.
Para a vasta maioria daqueles escrevendo na imprensa popular, o que
estava principalmente em questão era se Apocalypse Now sobrevivia ou não
a toda a expectativa gerada. Sobre este assunto, apenas um dos principais
11 schreger, Charles.
“Speaking up on
Apocalypse Now”, Los
Angeles Times, 14 de maio
de 1979, parte 4. p. 7.
12 michener, Charles.
“Finally, Apocalypse Now”,
Newsweek, 28 de maio de
1979. p. 101.
13 dempsey, Michael.
“Apocalypse Now”
(resenha), Sight and Sound,
Inverno de 1979-80. p. 8.
14 dempsey, “Apocalypse
Now” (resenha). p. 8.
205
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
8 Joy Goud Boyum,
citado por Stephen Bach
em Final cut. p. 410.
o estúdio não tem muito controle. O diretor vai lá e começa a fazer seu
filme. Dando-se conta de que sua vida vai ser afetada num lance de dados,
o diretor começa a proteger a si tentando tornar a obra bela, espetacular,
única – praticamente sem considerar quais eram as prioridades originais
do projeto⁷.
No rescaldo imediato ao lançamento de O Portal do Paraíso, mesmo
os mais simpáticos à causa do cinema de autor na imprensa tiveram
dificuldades para defender a Hollywood autoral. Joy Gould Boyum, do
The Wall Street Journal, por exemplo, escreveu: “A indústria, em alguma
medida, abdicou para seus diretores. Esta é a vitória que aqueles entre
nós que se importam com os filmes desejavam, mas ela se revela não ser
exatamente o que esperávamos”⁸. Seguindo argumento próximo, Vincent
Canby, do New York Times, acrescentou: “O Portal do Paraíso – o fenômeno
e não o filme – esteve se aproximando por um longo tempo, mas jogar a
responsabilidade sobre ele em apenas um diretor ou uma administração
corporativa é vastamente simplificar o que esteve acontecendo no cinema
comercial americano ao longo das últimas várias décadas (…) os custos de
se realizar um filme, mesmo que modesto, subiram mais rápido do que
qualquer outra coisa na economia (…) os sucessos rendem mais dinheiro
do que nunca, enquanto as pessoas não vão assistir a um fracasso nem
se for de graça”⁹.
Enquanto o renascimento autoral em Hollywood parecia chegar
ao fim com Apocalypse Now e O Portal do Paraíso, é importante observar
que a Transamerica, que era dona da ua durante o desenvolvimento e o
lançamento dos dois filmes, não foi muito afetada por estes episódios.
O faturamento do conglomerado de seguros subiu para 4,04 bilhões
de dólares em 1979, e em 1981, quando O Portal do Paraíso foi o próprio
grande fracasso que executivos temiam quando assistiram a um corte
bruto de Apocalypse Now, as ações da Transamerica sofreram uma queda
sem maiores consequências e temporárias de três oitavos de um ponto.
par te iii
7 talese, Gay. “The
Conversation”, Esquire,
julho de 1981. p. 80.
17 kauffman, Stanley.
“Coppola’s war”, New
Republic, 15 de setembro
de 1979. p. 24.
do fundo do cor aç ão
206
18 A indecisão de Coppola
sobre como terminar
Apocalypse Now era tão
extrema que ele decidiu
entregar questionários
para o público presente
nas exibições para a
imprensa pedindo
para que o ajudassem
a terminar o filme.
Em vez de responder
positivamente à oferta
de Coppola de permitir
que tomassem parte
no processo criativo, os
críticos o condenaram por
apelar para suas vaidades.
O que este incidente
parece revelar é que, no
outono de 1979, Coppola
havia perdido uma boa
parte de sua popularidade
com a imprensa.
19 Em seu tour de
force da fofoca sobre a
Nova Hollywood, You’ll
never eat lunch in this
town again (Nova York:
Signet, 1991), Julia
Phillip. relembra uma
conversa que teve com o
produtor Nich Wechsler,
que, quando perguntado
por Phillip. sobre o filme
de Oliver Stone sobre
o Vietnã, Platoon (1986),
brincou: “Se Apocalypse
Now fosse uma
supernova, Platoon seria…
uma lâmpada” (p. 527).
Ao menos de acordo
com Phillip. e Wechsler,
Apocalypse Now ainda é
o filme definitivo sobre
o Vietnã.
então ele também deveria conter o posicionamento político definitivo
sobre o mesmo assunto.
Aquilo que os críticos não podiam questionar era que todo aquele
dinheiro “estava lá” na tela. Mas, em vez de aplaudir a abrangência e a
grandiosidade da obra, eles criticaram Coppola por gastar dinheiro e
tempo em excesso em vez de se dedicar à política da época. Porque Coppola
parecia ignorar a política – isto é, porque ele parecia incapaz ou desinteressado em fazer uma declaração liberal ao estilo de Hollywood – muitos
críticos argumentaram que o filme era profundamente conservador. Um
crítico chegou ao ponto de chamar o filme de “monstruosamente antiliberal”; outro afirmou que era “tão conservador quanto O Nascimento de
Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915)”²⁰. E, naquele que se tornou um
dos mais mencionados ataques a Coppola e ao filme, o antigo membro da
American Zoetrope e argumentista de Apocalypse Now, John Milius, chamou
seu antigo mentor de “um fascista delirante, o Mussolini da Bay Area”²¹.
Em praticamente todas as resenhas, os críticos abordaram o que o
filme significava em relação às condições econômicas da Nova Hollywood.
Ao fazerem isso, estes críticos, involuntariamente, em seus próprios termos, igualaram-se ao filme. Quando atacaram o filme por seu subtexto
autobiográfico, eles anteciparam o crescente desinteresse da indústria por
aquilo que era pessoal; quando atacaram Coppola por ser apolítico, ou,
pior, conservador, e por prestar muita atenção ao estilo e pouca ao conteúdo – um lamento que veio a caracterizar a linha crítica a Coppola nos
últimos 15 anos – os críticos esqueceram o quão completamente Coppola
havia abraçado a noção de cinema de autor conforme ela havia sido estudada quando ele era um aluno na UCLA. Para Coppola, trabalhando no
cinema de gênero de Hollywood, o estilo era o fator determinante de um
autor. Ao afirmarem a atenção de Coppola ao estilo, os críticos estavam
meramente sublinhando que Coppola era, a despeito de todo o dinheiro
e de todas as batalhas com o estúdio, ainda um autor.
O MEMOR ANDO
“A questão de se Coppola teve ou não um colapso durante Apocalypse Now
é material de fofoca de primeira. Mas ela apenas escondia a dura verdade de
que o diretor de cinema nos EUA raramente é adulto o suficiente para perder a
cabeça.”
— david thomson, crítico de cinema²²
Em 30 de abril de 1977, durante a produção de Apocalypse Now, Coppola
enviou um memorando para seus colegas na American Zoetrope em São
Francisco que, mesmo de acordo com padrões de Hollywood, era impressionantemente insensato e paranoico. O memorando eventualmente
vazou para a revista Esquire e foi reproduzido integralmente cerca de seis
20 mcinerney, Peter.
“Apocalypse then:
Hollywood looks back on
Vietnam”, Film Quarterly
33.2, 1979–80. p. 30;
thomson, David.
Overexposures. Nova York:
Morrow, 1981. p. 312.
21 thompson, Richard.
“Stoked” (entrevista com
Milius), Film Comment
12.4, 1976. p. 15.
22 thomson, 1981: 307.
207
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
16 hatch, Robert. “Films”
(resenha de Apocalypse
Now), Nation, 25 de
agosto-1 de setembro de
1979. p. 152.
críticos parecia dizer que o filme sobrevivia. Escrevendo para a Newsweek,
Jack Kroll escreveu: “A coisa mais importante sobre Francis Coppola é que
ele é um cineasta maravilhosamente talentoso, e o milagre é que, após
toda essa loucura, ele nos trouxe um filme deslumbrante e inesquecível”¹⁵.
O resto das resenhas, mesmo aquelas em publicações de interesses
mais específicos, parecia todo do mesmo tipo. Na The Nation, por exemplo,
Robert Hatch reclamou que “Coppola parecia estar alcançando um bizarro
status de divindade das relações públicas, com a atenção mudando da
própria obra para os traumas relacionados à concretização de um paraíso de megalomania”¹⁶. Stanley Kauffmann, na New Republic, chamava o
visual do filme de “discoteca na selva”, algo “horrendamente fantástico”.
Ele concluía afirmando que a culpa pelo fracasso do filme devia-se à necessidade egocêntrica de Coppola de realizar “o filme definitivo” sobre o
Vietnã. Kauffman escreveu que Coppola “gosta de tamanho e pode usá-lo”,
acrescentando que “é claro que outros diretores americanos, se tiverem
30 milhões de dólares para despejar, também podem produzir cenas de
impacto e impressionantes, e que Coppola simplesmente não poderia ter
feito isso sem dinheiro”¹⁷.
Quando os resenhistas paravam de falar sobre dinheiro, eles se focavam
no final, apesar de, em muitos casos, críticos diferentes terem assistido a
finais diferentes. No final do ano de 1979, quatro finais tinham sido exibidos. O primeiro, exibido em cortes brutos iniciais para a imprensa e para
a indústria, apresentava um ataque por terra e ar no complexo de Kurtz,
estilizado para parecer com o apocalipse do título. Coppola eventualmente
abandonou esse final porque ele parecia diminuir alguns dos gestos morais
mais importantes do filme. Coppola corretamente temia que seu final
inspirado por Milius, estilo “O crepúsculo dos Ídolos” [Götterdämmerung],
com efeitos especiais dignos de uma produção hollywoodiana de ponta
de 30 milhões de dólares, iriam destacar o quanto o filme dependia de
fatores de estilo à custa da substância.
A segunda versão do final foi exibida no Festival de Cinema de Cannes.
Neste final, Willard mata Kurtz, mas, em vez de ordenar um ataque aéreo
ao complexo, ele permanece extasiado pela obra de Kurtz e contempla a
ideia de assumir o lugar do coronel. Na pré-estreia americana do filme
e em parte de suas primeiras cópias exibidas em 70mm, Coppola tentou
um terceiro final, que mostra Willard deixando o complexo desamparado,
sem querer assumir o lugar de Kurtz porém incapaz de fazer muita coisa
além de voltar rio abaixo. Finalmente, quando a cópia de 35mm chegou
à maioria das salas, e também na versão em vídeo do filme, a saída de
Willard é seguida por créditos sobrepostos a explosões de napalm tiradas
de seu primeiro final, ainda na cópia bruta.
A indecisão de Coppola sobre o final – um problema que assombraria praticamente todos os filmes do Zoetrope Studio nos quatro anos
seguintes – parecia indicar sua ambivalência política¹⁸. Seus críticos pareciam dizer que, se Apocalypse Now era o filme definitivo sobre o Vietnã¹⁹,
par te iii
15 kroll, Jack.
“Coppola’s war epic”,
Newsweek, 20 de agosto
de 1979. p. 56.
25 Coppola,
“Memorandum”. p. 190.
26 Idem. p. 195.
27 Idem. p. 192.
do fundo do cor aç ão
208
a indústria, ele parecia terrivelmente como um homem querendo briga.
Seja como for, o memorando revela a instabilidade de Coppola no momento preciso em que ele parecia comprometido a assumir o establishment
da indústria.
Embora o memorando nunca tivesse sido destinado a ter alcance
público, sua publicação na Esquire trouxe àqueles interessados em cinema a primeira indicação real de como o filme e seu diretor estavam fora
de controle. Mesmo para aqueles com conhecimentos primários sobre
psicologia humana anormal, Coppola parecia profundamente paranoico.
“Por favor se lembrem”, ele observou quase no final do memorando, “meu
nome é Francis Coppola. Estou abandonando o Ford. Isto vem de uma
frase que uma vez ouvi: ‘Nunca confie em um homem que tem três nomes’”²⁸. Ainda mais estranhas eram as várias posturas heroicas que ele
guardou para a conclusão do memorando. “Eu ouvi dizer que o sucesso é
tão difícil de lidar quanto o fracasso – talvez ainda mais difícil”, Coppola
refletiu. “Eurípides, o dramaturgo grego, disse milhares de anos atrás:
‘quando Deus deseja destruir alguém, ele primeiro o torna bem-sucedido
no show business”²⁹.
28 Idem. p. 194.
29 Idem. p. 196.
Aqui Coppola
convenientemente
confunde a citação,
embora tanto a
versão transposta (no
memorando) e a original
sejam pertinentes.
A título de registro, a
original é a seguinte:
“Aqueles a quem Deus
deseja destruir, primeiro
ele enlouquece”.
30 talese, “The
Conversation”. p. 80.
31 cowie, Peter. Coppola.
Nova York: Scribner’s,
1990. p. 145.
209
DO FUNDO DO COR AÇÃO: O QUE MAIS OU MENOS SÃO 25 MILHÕES DE
D Ó L A R E S N A N O V A H O L LY W O O D ?
“Quando anunciamos Do Fundo do Coração numa entrevista coletiva, falamos
sobre tecnologia, métodos, talento… Mas tudo que eles queriam saber era sobre
o problema com dinheiro.”
— fr ancis coppola, 1981³⁰
No Oscar de 1979, com Apocalypse Now basicamente concluído mas ainda
não lançado, Coppola foi chamado para apresentar o Oscar de melhor
diretor. No palco, Coppola ignorou o script e em vez disso aproveitou a oportunidade para fazer uma previsão sobre o futuro da indústria, um futuro
no qual ele planejava permanecer como um jogador importante. “Posso ver
uma revolução nas comunicações que diz respeito a filmes, arte, música,
eletrônicos digitais e satélites, mas, sobretudo, ao talento humano”, ele
anunciou. “Ela fará os mestres do cinema, de quem herdamos este negócio,
acreditarem em coisas que eles pensaram ser impossíveis”³¹.
Com a compra da Hollywood General pouco mais de um ano depois,
Coppola estava tentando realizar sua previsão. Quando as filmagens de
Do Fundo do Coração começaram em 2 de fevereiro de 1981, Coppola já
havia mapeado um novo processo de “cinema eletrônico”, um método
verdadeiramente revolucionário para realizar um filme empregando
tecnologia de vídeo de ponta. Do Fundo do Coração, Coppola imaginava,
seria bem-sucedido devido a este método; e, por sua vez, o método faria
sucesso uma vez que o filme fosse bem nas bilheterias. “Em certo nível”,
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
24 breskin, David.
Innerviews: filmmakers in
conversation. Londres:
Faber and Faber, 1992.
p. 47.
meses depois²³. Coppola depois tentou pôr o memorando em perspectiva,
observando que ele havia sido escrito dias após o ataque cardíaco de Sheen
e que sua mulher, Eleanor, sabia que ele havia tido um caso com uma
mulher mais nova na locação nas Filipinas. Além disso, ele observou que
o memorando era resultado de conflitos políticos internos na American
Zoetrope. Conforme ele disse em uma entrevista de 1992, “minha própria equipe estava disputando posições políticas, tentando trazer minha
mulher para seu lado. E eu queria organizar as coisas mais claramente,
e escrevi este memorando para deixar tudo às limpas – e aí foram lá e
publicaram. E todos riram de mim, e fiquei muito constrangido”²⁴.
A aparente paranoia de Coppola era somente parte da história; de fato,
para parafrasear William Burroughs, às vezes estar paranoico significa
simplesmente que você tem todos os fatos. As coisas iam mal na vida e
no trabalho de Coppola, e na época ele estava muito menos disposto (do
que sua esposa, por exemplo) a culpar alguma força mística que parecia
estar voltada contra ele. No esquema grandioso de coisas que havia vindo
a caracterizar a visão de mundo de Coppola na época – o que, também,
parecia uma consequência da escala e da abrangência das coisas no limite
final do que significava para ele ser um autor –, as coisas que não paravam de dar errado com Apocalypse Now tinham menos a ver com visões
artísticas do que com o destino. Ele enxergava a si próprio como um herói
trágico, um papel que, para ele, parecia natural.
A primeira linha do memorando deixava claro o seu tom: “Esta
companhia [então chamada Zoetrope] será conhecida como American
Zoetrope, e, pura e simplesmente, ela sou eu e meu trabalho”. Coppola
depois esclarecia ainda mais sua posição: “Nós não vamos estar no ramo
de serviços (…) mas manteremos estas instalações para realizar melhor
meus próprios projetos. Portanto vocês não são de fato empregados de
uma companhia – em vez disso, são a equipe de um artista, de modo muito
parecido à equipe de um filme”²⁵. “Onde quer que eu esteja”, ele concluía
com pouca consciência de si, “será considerado a sede da companhia”²⁶.
Boa parte do memorando tratava de assuntos ligados a dinheiro. Sabendo que um confronto entre ele e a ua sobre o custo do filme era iminente, Coppola explicava: “Sou arrogante sobre dinheiro porque preciso
ser para não ficar aterrorizado cada vez que tomo uma decisão artística.
Lembrem-se, os grandes estúdios só têm uma coisa de que um cineasta
necessita: capital”. Em resposta a notícias de que o orçamento estava em
torno de 70 milhões de dólares, Coppola decidiu não apenas desqualificar os rumores como exageros grotescos (o que de fato eles eram), como
também reforçar sua posição oposicionista perante a indústria: “Minha
desconsideração extravagante das regras do capital e de negócio é uma
das minhas maiores forças quando estou negociando [com os estúdios].
Esta desconsideração deixa as coisas empatadas, por assim dizer”²⁷.
Para até mesmo seus empregados mais fiéis, Coppola deve ter parecido louco (como Kurtz? como Willard?); para aqueles que comandavam
par te iii
23 coppola, Francis.
“Memorandum”, Esquire,
novembro de 1977.
p. 190–96.
O primeiro grande problema com os estúdios começou bem cedo,
quando ele começou a negociar para o financiamento da produção do
filme. A mgm, após expressar significativo interesse no projeto, misteriosamente não forneceu uma garantia de realização [completion guarantee].³⁴
Logo após a recusa da mgm, o Chase Manhattan Bank não concedeu ao
Zoetrope um empréstimo subscrevendo a produção, forçando Coppola,
no mínimo temporariamente, a suspender a pré-produção.
Embora não fizesse muito sentido na época (exceto caso se levem em
consideração as questões mais amplas trazidas por Do Fundo do Coração),
o tratamento da mgm em relação a Coppola não era sem precedentes; os
estúdios frequentemente perdem o entusiasmo por projetos que prometeram apoiar. Embora possa não ter entendido exatamente porque a mgm
resolveu desistir, Coppola reagiu calmamente ao desprezo do estúdio e
voltou a vender o filme por aí.
Ele logo encontrou um comprador, Barry Diller na Paramount³⁵, a
distribuidora dos dois O Poderoso Chefão, mas o negócio não era assim tão
bom. Diller manifestou interesse em distribuir o filme, mas não ofereceu
um adiantamento e também não garantiu a realização. O que Diller prometeu foi que a Paramount iria, quando o filme ficasse pronto (e, pode-se
acrescentar, fosse aprovado), lançar 600 cópias domésticas em uma data
específica (10 de fevereiro de 1982), além de investir 4 milhões de dólares
naquele período para promover o filme. Uma vez que nenhuma filmagem
já havia acontecido, uma data de lançamento foi sugerida apenas para
simbolizar o interesse sincero da Paramount, mas, em realidade, nem
Coppola e nem a Paramount poderiam manter aspectos do acordo.
Enquanto isso, Coppola continuou a mapear a produção do filme, e,
apesar do frio interesse dos grandes estúdios no projeto, o orçamento
preliminar não parava de aumentar. Antes que qualquer cena fosse filmada,
o orçamento proposto do filme subiu de 15 para 23 milhões. Tendo sido
atingidos de diferentes formas por Apocalypse Now e O Portal do paraíso,
os grandes estúdios, que, no clima dos negócios nos primeiros anos 1980,
já começavam a pensar em conluio ou até mesmo coletivamente, não
estavam muito interessados em investir em outro prestigiado filme de
autor. E a expectativa lançada por Coppola de que Do Fundo do Coração era
uma espécie de teste para a sua nova tecnologia só deixou as coisas piores.
Nenhum estúdio queria financiar a pesquisa e o desenvolvimento do
Zoetrope sem ter participação nos futuros usos e lucros da tecnologia.
A relutância dos estúdios em apoiar o projeto de Coppola era, evidentemente, compreensível. Mas os estúdios tinham mais a temer deles mesmos
do que de Coppola. Sem o financiamento de um estúdio – e, pior ainda,
sem a distribuição de um estúdio – para Do Fundo do Coração, Coppola
tinha virtualmente nenhuma chance de realizar seu objetivo (mesmo com
financiamento, seu sucesso ainda parecia duvidoso). Mas e se Coppola de
algum modo realizasse Do Fundo do Coração e não fosse somente o próximo O Poderoso Chefão, mas também o novo Os Caçadores da Arca Perdida
34 Em geral, uma
garantia de realização
é um acordo entre um
grande estúdio, o banco
com o qual o estúdio
conseguiu financiamento
e a companhia ou os
indivíduos responsáveis
pela produção que
literalmente garante que
“fundos razoáveis” estarão
disponíveis para atender
às várias despesas de
produção de um filme,
em efeito garantindo
que o filme ficará pronto.
Raros são os filmes
de estúdio realizados
sem essa garantia
virtualmente nenhum de
orçamento como o de Do
Fundo do Coração.
35 Em 18 de janeiro de
1982, a Time noticiou
que executivos da mgm
estavam insatisfeitos
com o acordo de Coppola
com a Paramount. Os
executivos da mgm
afirmavam que Coppola
vendera os direitos
de distribuição de Do
Fundo do Coração para
a Paramount sem antes
comprar estes direitos
de volta da mgm. Pouco
mais de um mês depois,
no entanto, a disputa
sobre quem possuía os
direitos de propriedade
já era considerada
irrelevante, porque então
já era claro que o filme
não traria dinheiro a
ninguém. Ver “Presenting
fearless Francis!”, Time, 18
de janeiro de 1982. p. 76.
211
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
210
33 É válido observar
que muito daquilo que
Coppola descrevia no
começo da década de
1980 começou a tomar
forma hoje em dia [na
época em que o livro
foi escrito], no começo
da década de 1990,
com o total apoio dos
estúdios. No momento
de escritura deste livro,
discussões sobre canais
expandidos de televisão
e a transmissão de
filmes em pay-per-view
diretamente para os lares,
apoiada por tecnologias
desenvolvidas para as
indústrias de áudio e
vídeo, do telefone e do
computador dominam
notícias da imprensa no
ramo de informação e
entretenimento.
ele disse ao romancista Gay Talese em uma entrevista à Esquire, “Do Fundo do Coração é uma aposta em uma nova tecnologia (…) é diferente de
qualquer coisa que eu já tenha feito – que qualquer pessoa já tenha feito”³².
Embora tal hipérbole fosse característica a Coppola e parecesse alinhada à expectativa anterior a todos os “filmes definitivos” lançados naquela
época, a ênfase de Coppola em tecnologias que poderiam forçar outros
estúdios a se reequiparem ou se reorganizarem trouxe, em toda a indústria, uma espécie de atenção para Do Fundo do Coração que o filme não
tinha condições de suportar. Adicionalmente, o filme e a revolução que
ele parecia anunciar vieram num momento particularmente ruim para
os estúdios. Eles haviam acabado de começar a lidar com as tecnologias
(e seus mercados) “revolucionárias” do videocassete e da televisão a cabo,
e por causa disso se sentiram particularmente ameaçados pela conversa
sobre outra nova Nova Hollywood.
Embora os estúdios tivessem historicamente evitado pesquisas e desenvolvimento, sua batalha com a Sony parecia sugerir uma necessidade
de ao menos começar a pensar sobre o futuro. O foco contínuo de Coppola
sobre este futuro deixou os estúdios nervosos, mesmo se, financeiramente
falando, ele tivesse pouca chance de jamais realizar sua ambição.
O principal problema colocado pelo Zoetrope Studios era que Coppola
tinha considerável acesso (e era de considerável interesse) à mídia. Embora
Do Fundo do Coração fosse somente um filme, e o Zoetrope apenas um
pequeno e severamente pouco capitalizado estúdio, a imprensa parecia
inclinada a promover os planos de Coppola³³. E, quanto mais a imprensa
repetia a versão de Coppola do futuro de Hollywood, mais ela parecia se
tornar possível.
A atenção de Coppola em tecnologias de distribuição e exibição – o
próprio aspecto perturbador do debate sobre as bilheterias domésticas
que os estúdios esperavam ter deixado para trás após terem lidado de
maneira bem-sucedida com o Screen Actors Guild e com a Sony em 1980
– sem dúvidas fez com que toda a atenção da imprensa sobre Do Fundo
do Coração se tornasse particularmente inflamável. Para proteger a sua
posição – para manter controle sobre a distribuição e a exibição de filmes
nos Estados Unidos – e para mandar uma mensagem sobre o formato que
as coisas teriam no futuro da indústria, era necessário que os estúdios
garantissem que Coppola não poderia financiar sua pesquisa. Para fazer
isso, os estúdios tinham que garantir que Do Fundo do Coração, o filme
sobre o qual o estúdio inteiro dependia, fosse muito mal nas bilheterias.
E isso, lamentavelmente, era fácil para eles.
Embora seja tentador soar conspirador aqui, não há evidência de qualquer acordo entre os estúdios para “pegar Coppola”. Mas os problemas de
produção que atrapalharam o filme – todos os quais, em alguma medida,
tendo a ver com capital garantido através de algum grande estúdio ou
grande banco – pareciam ao menos indicar uma não declarada decisão
da indústria de tornar a produção do filme tão difícil quanto possível.
par te iii
32 talese. “The
Conversation”. p. 78.
surgira quando (e porque) o filme era realizado. Primeiro o Chase Manhattan emprestou 8 milhões; então, conforme os custos da produção
se acumulavam, o banco acrescentou mais 3 milhões; e então, conforme
encontravam dificuldades para realizar pré-vendas dos direitos de distribuição para o exterior, o banco forneceu mais 7 milhões. Empréstimos
menores – na casa de 1 milhão – foram fornecidos por Norman Lear (que
na época pediu para permanecer anônimo), Barry Diller e Michael Eisner
na Paramount³⁸, e pelo Security Pacific National Bank (que já era um dos
vários detentores titulares do estúdio).
Outros 3 milhões vieram do magnata do ramo mobiliário canadense
Jack Singer, um relativo novato na indústria do entretenimento. A experiência do financiador baseado em Calgary na época estava limitada a
um investimento no ainda não lançado filme canadense Surfacing (1981)
e uma tentativa fracassada com seu irmão Hymie de superar a Gulf and
Western pelo controle da maior cadeia de cinemas do Canadá, chamada
Famous Players.
Pouca coisa no portfólio de Singer preparou qualquer pessoa na indústria para sua emergência como protetor de Coppola. Mas aqueles que
conheciam Singer perceberam que ele queria há muito tempo se tornar
um jogador em Hollywood. Como ele disse à Variety em março de 1981, ele
investiu em Do Fundo do Coração não apenas devido a um antigo interesse
no ramo do entretenimento, mas também porque o filme dava a ele uma
chance de começar no topo.
Singer provou estar em casa em Hollywood. Anunciando sua decisão de investir em Do Fundo do Coração, ele lançou: “Coppola é o tipo de
pessoa de que eu realmente gosto. Ele é como um tesouro nacional. Se
deixassem um sujeito como ele arruinado, seria uma tragédia. Estou
interessado na pessoa. Ele é meu tipo de gente”³⁹. Mas, como Coppola e
o resto da indústria logo descobririam, Singer sabia o bastante para não
investir tanto assim na expectativa. Desde o começo ele estava preparado
para agir se o filme fracassasse. Como seu irmão Hymie loquazmente
disse em uma entrevista posterior à Variety: “Se Do Fundo do Coração não
pagar, nós vamos encerrar com o estúdio”⁴⁰.
Também em março de 1981, tão logo os 3 milhões de Singer parecessem
fechar as contas da produção do filme, Coppola mais uma vez apostou
em sua sorte. Primeiro ele acrescentou 32 dias ao programa de filmagens,
e então começou a repensar e reelaborar aquela que viria a se tornar
a cena de assinatura do filme: a deslumbrante sequência dos créditos
de abertura que simula, em um momento de puro pós-modernismo
cinematográfico, um voo sobre ruas desertas de Las Vegas, exagerando
a arquitetura de grande design e pequenos prédios, descrita no clássico
livro de arquitetura pós-moderna de Robert Venturi, Denise Brown e
Steve Izenou, Learning from Las Vegas⁴¹.
Coppola esperava passar os custos para os dias adicionais de filmagem e os efeitos especiais exigidos pela sequência para a Paramount,
38 O empréstimo
realizado por Diller e
Eisner era separado do
acordo de financiamento
de saída entre Coppola e
a Paramount. Na época,
sem dúvida este pareceu
um gesto de apoio por
parte dos dois executivos
do estúdio. Mas os
papéis de Diller e Eisner
nos vários problemas
envolvendo o lançamento
de Do Fundo do Coração
parecem revelar o gesto
como uma manobra vazia,
cínica, pensando apenas
nas relações públicas.
39 mccarthy, Todd.
“Coppola rescue
spotlights Calgary’s
megabuck clan”, Variety, 4
de março de 1981. p. 34.
213
40 adilman, Sid.
“Singer’s a swinger on
can. Pic scene, Coppola’s
bankroll”, Variety, 25 de
novembro de 1981. p. 51.
41 venturi, Robert,
brown, Denise
Scott, izenour, Steve.
Learning from Las Vegas.
Cambridge: mit Press,
1972.
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
37 O comportamento da
Paramount é discutido
em detalhes a seguir
neste capítulo, sob o
subtítulo “O que mais
ou menos é um estúdio
na Nova Hollywood?”.
talese, “The
Conversation”. p. 80.
(Raiders of the Lost Ark, 1981)? Poderia a Paramount, por exemplo, confiar
que a Columbia não optaria pelos consideráveis lucros em curto prazo
gerados por um filme assim a despeito da possibilidade de que o sucesso
do filme pudesse eventualmente afetar negativamente o futuro em longo
prazo do estúdio? Ironicamente, a única chance de Coppola para filmar
e lançar Do Fundo do Coração era explorar o pensamento em curto prazo
e a ganância dos estúdios, fatores que eram precisamente aquilo que ele
esperava deixar pra trás quando comprou a Hollywood General. É claro
que, para explorar a ganância dos estúdios, ele teria que fazer um filme
como Indiana Jones, o que não o interessava naquele momento.
A produção de Do Fundo do Coração começou sem qualquer garantia real
de que os fundos para terminá-lo um dia estariam disponíveis. A Paramount,
ao contrário da ua durante a produção de Apocalypse Now, manteve uma
vantagem estratégica. Enquanto a ua precisava lançar Apocalypse Now
para recuperar seu investimento e permitir que Coppola devolvesse o
empréstimo³⁶, a Paramount argutamente havia firmado um contrato
que, na gíria da indústria, é chamado de “contrato de saída” [back-end
deal], no qual o estúdio pode segurar os fundos de produção até o filme
estar concluído e aprovado. Em termos que os homens que comandam a
indústria prontamente entendem, tal contrato traz à mente uma imagem
sexual bastante gráfica que ilustra não apenas este tipo de negócio, mas
as relações de poder inerentes em virtualmente todas as relações entre
estúdios e artistas.
Dado que o acordo com a Paramount não era muito melhor do que o
com a mgm, o Chase Manhattan permaneceu indisposto a conceder um
empréstimo de produção. Que Coppola tenha mesmo assim seguido em
frente e começado a produção do filme resume aquilo que ele chamou
no memorando de Apocalypse Now de uma “desconsideração extravagante
das regras do capital”. No que seriam, infelizmente, suas últimas tiradas
bombásticas sobre Do Fundo do Coração, dias antes da Paramount praticamente destruir as chances do filme nas bilheterias, Coppola ofereceu
a seguinte descrição de seu financiamento: “Nós tivemos talvez uma
semana que foi assustadora [durante a produção], mas eu sentei e disse:
‘Olha aqui, eu tenho este filme, e se eu der um jeito de levar isso adiante
por duas semanas, eu terei tanto filme pronto que a questão vai ser quem
vai conseguir, quem vai tentar me parar?’ Uma vez que eu tivesse o filme
rolando, ele era algo em potencial – para o banco, um bem em potencial,
para a indústria, um novo filme em potencial. Eu sabia que seria preciso
muita energia para me parar. Isto é exatamente o que aconteceu. Demos
um jeito de levá-lo em frente. Começamos a produção sem o dinheiro.
Depois de duas semanas tínhamos filme o bastante para seguir em frente”³⁷.
De acordo com o presidente do Zoetrope Studios, Robert Spiotta, o
filme custou, ao final, pouco menos de 27 milhões de dólares para ser produzido; isto após um orçamento preliminar de 15 milhões e um orçamento
de produção “final” de 23 milhões. Como Coppola esperara, o dinheiro
par te iii
212
36 Até agosto de 1986,
a United Artists e
Coppola não conseguiam
concordar se a dívida de
Coppola com o estúdio
– o empréstimo que
financiara Apocalypse
Now – havia sido
totalmente paga. Tendo
em vista quanto dinheiro
o filme gerara a essa
altura, a posição da ua
parece ultrajante. A este
propósito se aplica a
velha piada da indústria:
“A máfia tentou entrar
na indústria de filmes,
mas ela não sabia como
escrever os registros”. Ver
“Coppola, Zoetrop. say
they’re relieved of
Apocalypse’ debt”, Variety,
6 de agosto de 1986. p. 7.
44 ross, Lillian. “Onward
and upward with the
arts: some figures on a
fantasy”, New Yorker, 8 de
novembro de 1982. p. 80.
Muito do que tenho a
dizer sobre o lançamento
de Do Fundo do Coração
se deve ao belo ensaio
de Ross.
do fundo do cor aç ão
45 Complicando ainda
mais as questões
está o fato de que
agora é difícil verificar
exatamente quanto
do dinheiro cobrado
para a produção de Do
Fundo do Coração de
fato foi para a pesquisa
e o desenvolvimento
do método de cinema
eletrônico.
O MÉTODO DO CINEMA ELETRÔNICO
“Toda vez que faço um filme, toda vez que quero fazer um filme, toda vez que
quero patrocinar um cineasta, preciso ir, com o chapéu na mão, a uma série de
executivos de estúdio que não têm minha história e nem minha experiência.
[E então] quando um bom filme é lançado, um que eles pensam que funcionará
com o público, eles se comportam um pouco como Danton, que, quando a plebe
estava pronta para destruir sua casa para fazer uma revolução, saiu atrás dela
para liderá-la.”
— fr ancis coppola, 1982⁴⁴
Embora o custo de produção de 27 milhões de dólares desmentisse as alegações de Coppola de que seu método de cinema eletrônico simplificava
a fase de produção e cortava custos, este método, em teoria, ainda parecia
viável ou até revolucionário⁴⁵. Primeiro, todo o roteiro é composto em
parágrafos (em oposição ao roteiro tradicional) e inserido em um computador. Desenhos do storyboard são então acrescentados para acompanhar
os parágrafos do roteiro (em Do Fundo do Coração, por exemplo, havia mais
de 500 desses rascunhos). As entradas do storyboard são transferidas para
o vídeo, então duplicadas e distribuídas para vários departamentos da
produção (para o figurino, cenário, etc).
Os atores então são chamados para lerem suas falas (como numa
peça radiofônica). Seus diálogos são sincronizados ao storyboard, e então
os efeitos de som e a música são acrescentados. Os storyboards são posteriormente reelaborados em fotos Polaroid com os atores ficando em
frente aos cenários, completando um processo que Coppola denominou
“pré-visualização”. A pré-visualização permite que um diretor edite um
filme inteiro antes de filmar qualquer coisa em filmes de 35mm, portanto
estendendo a fase de “desenvolvimento” e simplificando a fase de produção
em uma “simples” execução de um visual pré-concebido e pré-visualizado.
A pós-produção é simplificada de modo parecido. Todo filme processado – em outras palavras, todas as cenas filmadas e desenvolvidas em
35mm – são transferidas a uma fita de vídeo que é então codificada. Um
corte bruto é executado no vídeo e posteriormente passado a um editor
de película, que monta o negativo de acordo com a fita. Um benefício
adicional de tal método de pós-produção é que um filme completamente
editado pode estar disponível para lançamento pouco tempo após a fase
de produção ter terminado. Como todos os filmes são financiados com
empréstimos bancários, uma redução no tempo de produção pode fazer
uma distribuidora poupar uma quantidade de dinheiro significativa
em juros.
Conforme as coisas começavam a clarear no Zoetrope – depois das
primeiras duas semanas filmando Do Fundo do Coração – o diretor da divisão de cinema eletrônico do estúdio (e antigo chefe de efeitos especiais
da Lucasfilm), Thomas Brown, estava trabalhando em uma caneta de luz
que permitiria aos ilustradores desenhar diretamente sobre os rascunhos
pré-visualizados. Ele imaginava um gigantesco banco de dados no qual
as várias mãos que afetam um filme poderiam literalmente desenhar no
texto pré-visualizado. Em última instância, Brown prometeu: “vamos
tirar o filme da cinematografia de uma vez só”⁴⁶.
Mas, apesar da praticidade e da promessa do método do cinema eletrônico, a incapacidade de Coppola em resistir a fazer outro “filme definitivo”
minou o processo. Em 1981, a ideia de cortar custos era absurda sempre
que uma produção de Coppola começava.
Os cenários de Do Fundo do Coração custaram mais de 4 milhões, e
só a sequência de abertura dos créditos acrescentou outros 4 milhões ao
orçamento. Coppola pegou outros 3 milhões como pagamento por dirigir
o filme, e então, mesmo antes de ter pagado aos atores, ao fotógrafo, ao
diretor de arte e ao resto da equipe, ele já havia gastado o que equivalia à
média de um longa-metragem completo de um grande estúdio.
As exigências específicas e descompromissadas do diretor sobre
como o filme deveria ser levaram a uma aparentemente infinita série de
difíceis problemas de produção, o que aumentou ainda mais os custos.
Por exemplo, para criar um visual parecido com o dos musicais dos anos
1930 e 1940, ele insistiu em filmar na chamada “janela clássica” (4:3), que
produz uma imagem mais quadrada (em oposição ao formato retangular convencional). Mas, quando começou a filmar, ele descobriu que as
partes superiores do cenário (que tinham sido construídos por mais de
200 carpinteiros) estavam visíveis. O problema foi resolvido quando os
tetos foram pintados e redes pesadas foram aplicadas para criar uma
46 bygrave, Mike,
goodman, Joan. “Meet
Me in Las Vegas”,
American Film, outubro de
1981. p. 43.
215
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
214
43 Embora seja incerto se
a United Artists iria longe
a ponto de confiscar a
propriedade privada de
Coppola quando o diretor
pegou um empréstimo
de produção com o
estúdio para financiar
Apocalypse Now, desta
vez era claro que o
Chase Manhattan não
hesitaria em confiscar
a propriedade se
Coppola não pagasse o
empréstimo.
que havia estipulado em termos totalmente nebulosos que poderia oferecer até 4 milhões em fundos adicionais se Coppola os exigisse. Mas,
no que se revelou um grande erro estratégico, Coppola decidiu filmar
a cena primeiro e pedir o dinheiro depois. Quando Coppola foi pedir
os 4 milhões adicionais a Diller, a cena já estava na lata e o dinheiro
já havia sido gasto. Irritado por não ter sido consultado antes sobre o
aumento do orçamento, Diller deu um passo atrás e se recusou a passar
o dinheiro a Coppola.
Na época, Coppola disse que havia esperado até o filme estar pronto
para ir até Diller porque ele queria saber exatamente quanto dinheiro
pedir. Mas Diller, por razões que iam além de sua consideração do filme
e de seu potencial nas bilheterias, estava simplesmente aproveitando
uma oportunidade para obstruir a produção do filme. Já tendo “gasto”
dinheiro que ele não tinha, Coppola voltou-se outra vez ao Chase Manhattan Bank⁴². Ele estava perigosamente além do limite, mas, depois
de concordar em pôr sua vinícola em Napa Valley e seu estúdio como
penhoras⁴³, o Chase Manhattan concordou em fornecer fundos o bastante
para o término do filme.
par te iii
42 Quando Coppola
não conseguiu pagar à
equipe de Do Fundo do
Coração, os trabalhadores
do estúdio votaram para
que a produção não fosse
interrompida.
de diminuir as coisas. Mas não era o filme que ele precisava fazer em
1981, e, como resultado, seu estúdio, sua carreira e o método do cinema
eletrônico sofreram.
48 breskin, 1992: 21.
49 cowie, 1990: 159.
DO FUNDO DO COR AÇÃO:
O Q U E M A I S O U M E N O S É U M E S T Ú D I O N A N O V A H O L LY W O O D ?
Do Fundo do Coração sofreu da percepção de que eu era alguém selvagem,
egomaníaco, no mesmo estilo de Donald Trump, e, uma vez que as pessoas
acham isso de você, é só uma questão de meses até você ser posto abaixo.
— fr ancis coppola, 1992⁴⁸
Para atender aos complicados regulamentos de exibição de filmes do estado,
no dia 19 de agosto de 1982, a Paramount promoveu uma exibição de um
corte bruto de Do Fundo do Coração. Coppola ainda não tinha sincronizado
a música evocativa e narrativa na cópia, e muitas das elegantes transições
de um cenário teatral para outro ainda não estavam em evidência. Com
dois elementos estilísticos essenciais ausentes de um filme que dependia
tanto de estilo, não é de surpreender que a reação dos exibidores tenha
sido fria. Um exibidor quebrou o protocolo e revelou sua reação para a
crítica de cinema do San Francisco Examiner, que então foi ainda mais longe
e quebrou a ética da imprensa citando (embora sem nomear) o exibidor
em sua coluna. A reação do exibidor foi contundente: “Quase penso que
o filme não pode ser lançado. Como podem estas Grandes Pessoas talentosas estarem tão erradas (…) Será que o Francis tem todos a seu redor tão
impressionados que eles não podem nem sequer lhe contar a verdade?”⁴⁹.
A reação dos exibidores ao filme teve um efeito imediato na já complicada relação de Coppola com Diller e a Paramount. Do Fundo do Coração
não era – como Diller uma vez esperara, ou, talvez, uma vez temera – um
blockbuster em potencial. Portanto, não havia mais qualquer razão para
a Paramount apoiar o filme. Como Diller havia insistido em um acordo
de saída quando fez o contrato para os direitos de distribuição doméstica
de Do Fundo do Coração, o estúdio não estava obrigado a pagar ou exibir
o filme; ele poderia, a qualquer momento, simplesmente se recusar a
distribuí-lo.
Ao mesmo tempo, Diller não estava sob pressão para discutir a posição
do estúdio com Coppola e não estava obrigado a agir (para cancelar o contrato) rapidamente. Diller tomou vantagem e decidiu esperar o máximo
possível antes de contar a Coppola seus planos de abandonar o filme. Foi
um movimento particularmente áspero destinado a não somente proteger
o estúdio, mas minar completamente as chances do filme nas bilheterias,
e, por extensão, a viabilidade do estúdio lastreada por estas receitas.
Desconhecendo o quanto a Paramount estava insatisfeita com o filme,
Coppola voltou-se para setores da indústria para alardear sua frustração,
217
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
216
sensação mais tridimensional (e teatral). Quando Coppola viu o material
no vídeo, no entanto, ele percebeu que as redes precisavam ser pintadas
de azul, não de preto. O cenógrafo Dean Tavoularis então pintou as redes
de azul, mas a segunda demão de tinta foi muito pesada e o teto começou a descascar. Após substituir e repintar o teto, Tavoularis decidiu que
seria legal se o teto também tivesse estrelas, e, dada a escala da produção,
ninguém parecia disposto a dizer para ele deixar isso pra lá. Depois de
cinco tentativas, o teto estava finalmente pronto e a produção continuou,
até o próximo problema…
Os planos de Coppola para o filme – seu senso do que o filme era, do
que ele deveria ser – nunca estavam claros. Em uma entrevista, ele afirmou
que queria fazer um filme sobre um pequeno relacionamento, mas então
acrescentou que queria experimentar com um estilo teatral radicalmente
diferente. Ele foi bem-sucedido na tentativa de estabelecer um método
no qual as tarefas da produção estavam melhor coordenadas, mas então
contratou o fotógrafo Vittorio Storaro e o cenógrafo Dean Tavoularis,
duas pessoas com quem já tinha trabalhado em Apocalypse Now e que
não estavam muito acostumadas a se preocupar com custos de produção.
Coppola sem dúvidas apreciava a capacidade de Storaro e de Tavoularis
de ajudá-lo a alcançar um visual de tirar o fôlego, mas sua participação
também contribuiu para o orçamento de 27 milhões.
Mesmo depois do filme estar finalizado, Coppola parecia singularmente incapaz de falar sobre Do Fundo do Coração de modo coerente ou
até racional:
Eu pensei, o que iria acontecer se você simplesmente pegasse a história – um
cara, uma garota, outro cara, outra garota (o mais simples possível, burro
mas doce) – e a fizesse passada m Las Vegas? Estou andando pelo Ginza
– o Ginza é no coração de Tóquio, e se parece muito com Las Vegas – e
pensando que Las Vegas é a última fronteira dos Estados Unidos. Quando
tinha acabado a terra, construíram Las Vegas, e ela foi construída sobre
estas noções de amor e de oportunidade – que, para mim, são uma espécie
de amor. Você sabe como as coisas acontecem quando você está interessado
e emocionalmente apegado a algo, por acidente, como se elas alcançassem
uma espécie de reverberação em você? Então eu disse, por que não fazer
como um destes filmes que são feitos como uma série de filmes
de relacionamento – mas realizado como uma espécie de peça Kabuki
passada em Las Vegas.⁴⁷
No começo dos anos 1980, os estúdios estavam voltando suas atenções para filmes de conceitos claros, projetos que podiam ser reduzidos
a um único rótulo. Do Fundo do Coração não parecia se adequar a esta
tendência. Que o filme não possa ser descrito em uma única frase – ou
ao menos em uma única frase que faça qualquer sentido – não apenas
revela sua dificuldade de venda, mas também a confusão do diretor
sobre a obra. Do Fundo do Coração é um filme incrível, eu penso, por
causa de toda sua confusão, pela recusa ou incapacidade de Coppola
par te iii
47 cott, Jonathan.
“Rolling Stone interview:
Francis Coppola”, Rolling
Stone, 18 de março de
1982. p. 25. Esta entrevista
foi publicada em um
momento inoportuno:
ela aconteceu antes do
lançamento do filme,
mas não foi publicada
até depois do filme já ter
fracassado nas bilheterias
e recebido críticas duras
na grande imprensa. As
afirmações altivas de
Coppola sobre o filme
pareceram na época (na
melhor das hipóteses)
irônicas.
de 4:3 [o formato anterior ao Cinemascope, a largura 1,33 vezes maior do
que a altura] para que as cabeças não sejam cortadas. Vamos deixar 6 mil
pessoas assistirem ao filme, não seis exibidores. Ademais, eu possuo o
filme, não a Paramount. Cabe a mim fazer dele um sucesso. Se for, nós
poderemos fazer de oito a dez filmes por ano. Do contrário, os bancos
ficam com estúdio”⁵¹.
Quando a euforia pela première de gala passou, Coppola começou a
considerar de forma mais realista o potencial do filme nas bilheterias.
A situação, ele logo percebeu, era sombria. Encontrando-se sem distribuidora para Do Fundo do Coração menos de um mês antes de seu lançamento
previsto, Coppola teve que se deparar com o fato de que, antes que seu
primeiro filme pelo Zoetrope chegasse aos cinemas, os bancos de fato
poderiam ficar com o estúdio.
Pouco tempo depois da decisão da Paramount de abandonar o filme,
Coppola começou a aventar a possibilidade de não distribuí-lo. “A melhor
coisa com este filme talvez seja torná-lo inacessível às pessoas”, Coppola
contou à imprensa, “deixando elas imaginarem como ele é. Talvez eu vá
somente recolher o filme. Daqui a cinco anos, eu o exibo”⁵².
Não obstante o quão interessante esta estratégia possa ter parecido,
Coppola simplesmente não tinha como esperar. Embora fosse “o seu”
filme (ainda mais do que Apocalypse Now), no fim das contas ele devia
ao Chase Manhattan Bank e a Jack Singer quase 27 milhões de dólares.
Quanto mais esperasse para lançar o filme, mais juros sobre os empréstimos ele acumulava.
Porque o Zoetrope (e Coppola pessoalmente) não estavam em posição
para sustentar a carga de débitos, Robert Spiotta imediatamente começou a procurar ofertas de distribuição de outros estúdios. Mas, como o
presidente do Zoetrope loquazmente disse a um entrevistador na época:
“Nesta indústria, quanto maior é sua necessidade, pior é o seu acordo”⁵³.
E o Zoetrope passava por uma terrível necessidade. Então, o melhor que
Spiotta conseguiu tendo um aviso tão curto foram as seguintes cinco
opções: 1) Um acordo de dois filmes com a Warner para Do Fundo do
Coração e (o ainda “pouco desenvolvido”) Vidas Sem Rumo (The Outsiders,
1983); 2) um acordo de distribuição com a Columbia para um lançamento
limitado de Do Fundo do Coração; 3) Um acordo de distribuição para Do
Fundo do Coração com a Orion (sob o selo da Filmways); 4) Um acordo para
Do Fundo do Coração com a Universal; 5) Um acordo de distribuição com
a Columbia ou com a Warner para somente Vidas Sem Rumo.
Cada opção colocava um problema diferente. O acordo de dois filmes
com a Warner Brothers, que a princípio parecia o melhor, decorria do
grande interesse do estúdio em seu projeto de filme para adolescentes,
Vidas Sem Rumo. Embora Coppola e Spiotta tivessem razão para ser otimistas sobre como a Warner lidaria com o lançamento do filme para
adolescentes, não estava exatamente claro como o estúdio planejava cuidar
da distribuição de Do Fundo do Coração.
51 corliss, “Presenting
Fearless Francis”. p. 76.
52 ross, “Onward and
upward with the arts”.
p. 90.
53 Idem. p. 100.
219
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
do fundo do cor aç ão
218
alegando que o estúdio exibira o filme sem sua permissão. Foi uma
estratégia ofensiva que só teria sido eficaz se o filme fosse tão bom que
o estúdio não pudesse deixar de lançá-lo. Na época, ele parecia genuinamente não saber o quanto Diller e Eisner tinham desgostado do filme e
quão intensamente eles procuravam uma desculpa para anular o acordo
de distribuição. Ao levar sua insatisfação a público, Coppola convidou a
Paramount a humilhá-lo publicamente, e foi o que o estúdio fez.
Em 15 de janeiro de 1982, para combater a publicidade negativa acompanhando a exibição do corte bruto aos exibidores, Coppola exibiu por
conta própria (sem autorização da Paramount) uma versão bem mais polida da obra em duas sessões esgotadas no Radio City Music Hall Theater
em Nova York. Estas exibições se tornaram assunto de consideráveis
especulações da indústria quando, três dias mais tarde, a Paramount
finalmente anunciou que havia decidido encerrar seu acordo de distribuição com o Zoetrope.
Muitos na indústria suspeitaram que a jogada de Coppola no Radio
City Theater havia constrangido o estúdio. Mas, na época, Diller disse
à imprensa que o acordo já fora rasgado no dia anterior às exibições no
Radio City e que ele havia adiado o anúncio da decisão da Paramount
de não distribuir Do Fundo do Coração em deferência à exibição prévia
planejada por Coppola em Nova York⁵⁰. Embora Coppola depois tenha
argumentado que ele havia exibido o filme para mostrar que as exibições
em São Francisco eram enganosas e que ele esperava convencer Diller que
o filme de fato poderia ser um evento se fosse manuseado corretamente,
a Paramount desistiu do filme e, ao fazer isso, efetivamente destruiu suas
chances nas bilheterias.
Em retrospecto, a trama de Coppola no Radio City parece uma manobra desajeitada e temerária. Mas na época ela atingiu muitos na indústria
como ousada e estrategicamente impactante. Por exemplo, o escritor e
roteirista Paul Schrader chamou a decisão de Coppola de exibir uma
prévia do filme no Radio City de “uma jogada brilhante”, acrescentando
que “se [Do Fundo do Coração] for um sucesso, [Coppola] pode limpar um
ano de publicidade negativa”. Um “escritor amigo” de Coppola parecia,
de modo parecido, indisposto a descartar o diretor: “Francis é um gênio
em manipular a mídia, e eu aposto que ele fará isso outra vez. Apenas se
lembrem: esta não é a história de um pequeno sujeito contra o sistema.
Francis é o sistema”. Finalmente, mesmo um “infiltrado na Paramount”
concedeu que as exibições no Radio City poderiam salvar o filme. “Nós
poderíamos ter apoiado a ideia”, ele confessou à imprensa, “se Francis a
tivesse trazido até nós”.
Em sua própria defesa, Coppola resumiu a situação da seguinte maneira: “Assim que as coisas começaram a ir mal com a Paramount, resolvi
abrir o filme (…) É como ser rejeitado por aquele que você ama; isso te dá
uma desculpa para chamar outra pessoa (…) então eu pensei, vamos ter
uma exibição perfeita – uma tela grande, boa projeção, formato de tela
par te iii
50 klain, Stephen.
“Paramount – Coppola
break ‘Heart’ strings
before previews;
Zoetrop. seeks new
distrib. tie”, Variety, 20 de
janeiro de 1982.
54 Idem. p. 101.
55 “Col. Firms Domestic
Distrib. Tie to Coppola’s
‘Heart’; Theatrical Only”,
Variety, 3 de fevereiro de
1982. p. 32.
221
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
As redes Plitt e Loews competiam por exclusividade, e vários cinemas
importantes em Denver, Las Vegas, Chicago, Boston, Washington e Long
Island fizeram ofertas.
A princípio, Spiotta esperava se valer do considerável interesse de
exibidores no filme para negociar um acordo melhor com os grandes
estúdios. Em vez disso, ironicamente, o acordo que Spiotta estava mais
disposto a aceitar a princípio – o acordo de dois filmes com a Warner
que prometera alguma espécie de lançamento para Do Fundo do Coração
e dinheiro adiantado para Vidas Sem Rumo – se desfez precisamente devido ao rumor de que o Zoetrope pudesse lançar Do Fundo do Coração ele
mesmo. Uma vez que todas as outras propostas eram inaceitáveis, Spiotta
foi forçado a agir sobre um rumor que ele mesmo criara. Frustrado, ele
confessou à imprensa: “De um ponto de vista prático, distribuir o filme
para além de um lançamento inicial sem uma empresa de distribuição
é uma loucura”⁵⁴.
Em preparação para um lançamento limitado do Zoetrope, Spiotta
encomendou 25 cópias (em oposição às 600 prometidas pela Paramount). Quando as cópias ficaram prontas, um acordo havia sido alcançado
com a Columbia. Ao contrário da Warner, que também queria Vidas Sem
Rumo, ou da Universal, que insistia em se proteger exigindo todos os
direitos de exibição do filme, a Columbia parecia disposta a assumir o
risco contanto que não tivesse que adiantar muito dinheiro. Além disso,
a Columbia manifestou interesse em uma relação em longo prazo com
Coppola, a despeito da possibilidade de que Do Fundo do Coração fosse
mal nas bilheterias.
Após assinar o acordo com a Columbia, Coppola e Spiotta permaneceram preocupados com a falta de entusiasmo do estúdio. Para acalmá-los,
a Columbia emitiu um comunicado que anunciava o acordo de distribuição e afirmava adicionalmente que, após uma exibição recente do filme
(a segunda destas exibições para a maioria deles), executivos do estúdio
haviam subitamente se apaixonado por Do Fundo do Coração⁵⁵. É difícil
imaginar que qualquer um no mercado, incluindo Coppola e Spiotta,
tenha acreditado neles.
A Columbia decidira realizar o compromisso que fora da Paramount, e
que se tornara do Zoetrope, de lançar o filme a tempo do Dia dos Namorados (Valentine’s Day, 14 de fevereiro nos eua). Mas, como a Columbia não
concordara em distribuir o filme até o final de janeiro, não havia tempo
para lançar um trailer nos cinemas ou anúncios nos jornais. Na realidade,
não havia tempo para transformar o filme no tipo de evento que ele precisava ser para fazer dinheiro.
Ademais, a Columbia se provou indisposta ou incapaz de administrar a reação da imprensa em relação a toda a controvérsia envolvendo
a distribuição. A saída da Paramount parecia indicar que o filme era,
como o artigo no San Francisco Examiner sugeria, “inlançável”. A imprensa se focou impiedosamente nos problemas financeiros do Zoetrope e o
par te iii
do fundo do cor aç ão
220
O acordo com a Columbia ao menos identificava Do Fundo do Coração
como seu filme de interesse. Mas, dada toda a má publicidade ligada
à produção do filme e aos problemas de Coppola com a Paramount,
foi proposta uma estreia limitada, que iria se expandir somente se o
filme fizesse sucesso imediato. Tal oferta parecia no mínimo tão ruim
quanto aquela pouco entusiasmada da Warner para lançar o filme
nacionalmente.
O problema de um acordo com a Orion era um pouco mais complicado.
A Orion, como o Zoetrope, era um dos chamados estúdios alternativos.
Com alguma sorte a Orion poderia ter oferecido a Coppola a oportunidade
de lançar Do Fundo do Coração como um filme radicalmente novo, de um
tipo que os grandes estúdios eram muito conservadores para compreender. Mas, enquanto ir para a Orion parecia bom em teoria, o estúdio
ainda estava no processo de assumir a Filmways, o selo sob o qual haviam
proposto lançar Do Fundo do Coração. Portanto, apesar de seu considerável
interesse em trabalhar com o estúdio menor, Coppola simplesmente não
podia aguardar até que o acordo entre a Orion e a Filmways estivesse
finalizado e o estúdio tivesse condições de lançar o filme.
Os termos da oferta da Universal eram consideravelmente piores do
que o acordo original com a Paramount. A Universal ofereceu 6 milhões
para os direitos de distribuição doméstica, de transmissão na televisão
aberta e fechada e de videocassete. Isto é, por apenas 2 milhões a mais do
que a Paramount tinha oferecido, a Universal desejava controlar o filme
em todos os formatos domésticos existentes.
Na época, a possibilidade de receber dinheiro à vista em um acordo para apenas Vidas Sem Rumo com a Warner ou com a Columbia
parecia ter potencial porque então o Zoetrope poderia usar as verbas de desenvolvimento para organizar um lançamento limitado de
Do Fundo do Coração. Mas, enquanto essa opção parecia convidativa,
Coppola percebeu o quão pequeno este lançamento precisaria ser e
quão pouco tempo ele teria antes que seus credores fossem atrás de seus
bens penhorados.
Uma coisa ficava clara em todas as ofertas: ninguém estava tão interessado em distribuir Do Fundo do Coração. Spiotta esperara conseguir
um acordo parecido com o que fora cancelado pela Paramount: um lançamento de 600 cópias e 4 milhões em publicidade em troca dos direitos
de distribuição domésticos do filme. Sem conseguir isso, ele esperava no
mínimo encontrar um estúdio que se entusiasmasse a respeito do filme.
Mas, depois da decisão da Paramount de abandonar a obra, ninguém na
indústria parecia disposto a fingir isso.
Enquanto isso, rumores vazaram do Zoetrope informando que Coppola decidira lançar o filme ele próprio sem antes vender os direitos
de Vidas Sem Rumo. Em resposta a estes rumores – que provavelmente
foram disseminados por Spiotta ou Coppola para testar o interesse dos
exibidores – vários cinemas de grandes cidades contactaram o estúdio.
do fundo do cor aç ão
222
havia anunciado com sucesso Tess (1979), de Roman Polanski. Em outras
palavras, o estúdio tentou definir O fundo do coração como um filme de
arte com um potencial mais abrangente do que o de costume. Uma vez
que o estúdio primeiro lançara Tess nos principais mercados urbanos e
então se valera do boca-a-boca positivo para angariar algum sucesso de
bilheteria, os executivos da Columbia continuaram a apostar em uma
estratégia de lançamento limitada, exibindo Do Fundo do Coração em
apenas 25 cinemas em nove cidades.
A estratégia foi um fracasso. Depois de apenas sete semanas Do Fundo
do Coração estava morrendo – sendo exibido em apenas um cinema. Em
vez de montar um caro e constrangedor lançamento nacional, no final
de abril de 1982, com o consentimento de Coppola, a Columbia tirou o
filme de cartaz.
Embora Do Fundo do Coração tenha rapidamente assumido seu lugar
como um dos maiores fracassos de bilheteria da história do cinema moderno, as grandes novidades na Columbia na época não eram Do Fundo
do Coração, mas a compra do estúdio pela Coca-Cola. Os 4 milhões que
a Columbia perdeu em Do Fundo do Coração parecem irrelevantes diante
dos 700 milhões que o estúdio arrecadou em 1982 e os 5,9 bilhões faturados pela Coca-Cola.
Mas para Coppola, cujos bens estavam atrelados a empréstimos apoiando seu estúdio e o filme, o fracasso de Do Fundo do Coração foi devastador.
Na esteira dos resultados sombrios nas bilheterias, Coppola anunciou que,
após menos de dois anos em operação, o Zoetrope Studios estava à venda.
58 Idem. p. 115.
223
OS CRÍTICOS
“Na Suécia, eles parecem gostar muito do filme.”
— fr ancis coppola, 1982⁵⁸
No dia 20 de janeiro de 1982, quase duas semanas antes de o filme estar
com o lançamento marcado, a Variety publicou sua resenha de Do Fundo
do Coração. Como o filme na época estava sem distribuidora, a crítica foi
lida com real interesse pela indústria.
Infelizmente para Coppola, o texto, cujo subtítulo era Corpo Deslumbrante,
Coração Vazio pouco fez para mudar a visão da indústria sobre o filme
ainda não lançado. Como muitas das críticas que se seguiriam no mês
seguinte, a resenha da Variety contextualizava sua crítica a partir da etiqueta do preço de cerca de 27 milhões de dólares. Por conta disso, uma
avaliação geral do filme como “frequentemente engraçado, melodioso e
ocasionalmente envolvente” foi qualificada por uma crítica crescente dos
impressionantes efeitos técnicos que o tornavam um potencial filme-evento.
De acordo com a Variety, Do Fundo do Coração era um “pequeno filme
amável e modesto”, oprimido e minado por um estilo visual berrante e
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
57 ross, “Onward and
Upward with the Arts”.
p. 110.
aparente descuido de Coppola com o dinheiro. Como resultado, quando o
filme estava pronto para ser lançado, ele era o tipo errado de evento – um
filme para “não” ser visto.
Saíram então as primeiras resenhas, muitas das quais eram cruéis.
Vincent Canby, do New York Times, escreveu: “Nada havia me preparado
para a desconcertante quantidade de escolhas erradas realizadas por um
de nossos mais talentosos e mais aventureiros cineastas”⁵⁶. Outros críticos
seguiram a mesma linha, e a Columbia entrou em pânico. Para solucionar o problema de imagem do filme, o estúdio recorreu ao Cambridge
Survey Research, uma empresa de pesquisa de mercado que ganhara
proeminência trabalhando na campanha presidencial de Jimmy Carter
em 1976. Mas já era tarde demais.
Pesquisas de recepção – que deveriam ter sido realizadas antes que o
filme fosse oficialmente lançado e que uma campanha publicitária fosse
elaborada – revelaram que o filme fazia mais sucesso com um público
restrito: homens solteiros brancos com formação universitária entre as
idades de 26 e 35 anos. A empresa de pesquisa de mercado sugeriu que a
Columbia deveria permanecer com sua estreia limitada, principalmente
urbana, para explorar aquele público, mas não conseguiu formular um
plano útil para alcançar mais ninguém.
A equipe de Cambridge então propôs três peças publicitárias: a primeira baseada no “reconhecimento do nome” de Coppola, a segunda
divulgando Do Fundo do Coração como um projeto “inovador” como a obra
anterior de Coppola e a terceira definindo o filme como uma história de
amor “capturada em uma extraordinária atmosfera de fantasia criada pela
fotografia, pela cenografia, pela iluminação e pela música”⁵⁷. Cambridge
sugeriu adicionalmente que Coppola fizesse chamadas pessoais para o
filme no rádio e na televisão explicando por que as pessoas deveriam
assistir a Do Fundo do Coração.
O que os pesquisadores de mercado de Cambridge não conseguiram
entender era que o problema com o filme “era” Coppola: as pessoas haviam se cansado de seu estilo bombástico, e ficavam desentusiasmadas
por todo o dinheiro que custava para realizar seus filmes. Quanto menos ele falasse sobre o filme, melhor. Se tivessem parado para verificar
as coisas que Coppola dizia à imprensa sempre que repórteres pediam
sua opinião, os pesquisadores de mercado teriam dito que ele deveria
calar a boca.
Dada a inutilidade das sugestões dos pesquisadores de mercado, a
Columbia se voltou a seu próprio departamento de distribuição em busca
de ajuda. Previsivelmente, em vez de tentar formular alguma estratégia
original para alcançar um público de massa, eles simplesmente aplicaram
um pacote de lançamento para Do Fundo do Coração que havia se provado
bem-sucedido para um filme supostamente parecido. Enquanto a Columbia
afirmava na indústria que iria usar novos métodos de marketing, em vez
disso, ela começou a anunciar Do Fundo do Coração da mesma forma como
par te iii
56 Vincent Canby,
“Screen: One from the
Heart”, New York Times,
11 de fevereiro de 1982.
p. C25.
61 kael, Pauline. “The
current cinema: melted
ice cream” (resenha de
Do Fundo do Coração),
New Yorker, 1 de fevereiro
de 1982. p. 118.
62 thomson, 1981: 35.
do fundo do cor aç ão
224
podia perdoar a Coppola por toda a propaganda e expectativa anteriores
ao lançamento, e ela o fez pagar por sua frequentemente citada afirmação de que Do Fundo do Coração faria “a Revolução Industrial parecer um
pequeno ensaio interiorano”⁶³.
Kael achou a beleza do filme superficial de modo bastante literal. “Este
filme parece algo dirigido a partir de um trailer⁶⁴. É frio e mecanizado;
está a uma distância da ação (…) Alguns diretores começaram a usar o
vídeo como uma ferramenta (…) mas Coppola chegou ao ponto de falar
como se o próprio equipamento de vídeo pudesse dirigir seus filmes”.
Quanto ao público potencial do filme, “ele poderia se tornar popular
com crianças que cresceram viciadas em video games, e elas poderiam
usá-lo para ficar doidões”⁶⁵. A resenha de Kael, somada a peças cáusticos
de Vincent Canby, de David Denby, da revista New York, e de Gene Shalit,
do Today Show’s, enterraram o filme antes que ele tivesse uma chance
nos cinemas.⁶⁶
Eventualmente algumas críticas positivas foram publicadas, mas a
Columbia se mostrou incapaz de tomar vantagem delas. A primeira resenha positiva “importante” veio de Sheila Benson, no Los Angeles Times.
“‘Do Fundo do Coração é tão ousado”, escreveu Benson, “que ele tira sua
respiração enquanto te impressiona visualmente. É tão fácil adorar Do
Fundo do Coração, você só precisa se deixar relaxar e flutuar junto a ele. Uma
obra de perplexidade constante (…) Suntuoso, sensual, deslumbrante”⁶⁷.
Tanto Richard Corlis na Time (que definiu o filme como “espetacular”)
e David Ansen na Newsweek (que o chamou de “sensual, vistoso, onírico
e barroco”) escreveram resenhas positivas, assim como fez Janet Maslin,
em contrapartida a Vincent Canby, no New York Times.⁶⁸
Infelizmente para Coppola e para a Columbia, as resenhas de fato
foram bem menos importantes para as bilheterias do filme do que a maneira como o público as percebeu. A administração da resposta crítica a
um filme é papel da distribuidora, mas, uma vez que Do Fundo do Coração
estava “entre distribuidoras” imediatamente antes de seu lançamento
nacional, não havia ninguém em posição para proteger o filme. E ele
obviamente precisava de um protetor. Praticamente todas as críticas negativas se focavam em questões econômicas e autorais, e teria estado dentro
da capacidade de qualquer grande estúdio mudar esta tendência.
Quando a Columbia assumiu a distribuição do filme, ela o fez apenas
pela metade. Desencorajada pela crítica da Variety e pelo “Painel de notas
dos críticos de Nova York” iniciais, o estúdio simplesmente cortou suas
perdas e deixou o filme morrer nas bilheterias.
63 kael, “The current
cinema: melted ice
cream”. p. 120.
64 Em grande medida o
filme foi dirigido a partir
de um trailer, a casa
móvel de alta tecnologia
de Coppola, Silverfish, de
onde ele via boa parte da
filmagem em monitores
de vídeo e interagia com
seu elenco via rádio.
65 kael, “The current
cinema: melted ice
cream”. p. 119.
66 Ver denby, David.
“Empty Calories”, New
York, 1 de fevereiro de
1982. Denby chamou
Do Fundo do Coração
de “um filme bizarro e
despropositado”.
225
67 benson, Sheila.
Do Fundo do Coração
(resenha), Los Angeles
Times, 22 de janeiro de
1982, seção 6. p. 1.
68 corliss, Richard.
“Surrendering to the big
dream” (resenha de Do
Fundo do Coração), Time,
25 de janeiro de 1982.
p. 71; Ansen, David.
“Coppola’s fairy tale world”
(resenha de Do Fundo do
Coração), Newsweek, 25
de janeiro de 1982. p. 74;
maslin, Janet. “Screen:
preview of One from the
Heart”, New York Times, 17
de janeiro de 1982,
seção 3. p. 56.
o zoetrope s tudios e do fundo do cor aç ão
60 “New York critics
scorecard”, Variety, 17 de
fevereiro de 1982. p. 8.
espetaculoso. A crítica reconhecia o “feito das lentes de Vittorio Storaro”
(que criara “a mais estonteante fotografia atmosférica e a mais mágica
iluminação concebíveis”), assim como os efeitos especiais de Robert
Swarthe e a montagem de Arne Goursand e Rudi Fehr, mas apenas para
elaborar seu argumento de que tais realizações técnicas e estilísticas
eram um passivo do filme.
A resenha concluía, pavorosamente, que “o próximo passo necessário
seria encontrar uma substância narrativa forte o suficiente para sobreviver
aos gênios estilísticos e tecnológicos que obviamente podem circundá-la”⁵⁹.
Antes de Do Fundo do Coração ter passado em um só cinema, a Variety já
estava falando sobre o novo filme de Coppola, como se o fracasso deste
fosse um fait accompli.
Na edição 17 de fevereiro de 1982 da Variety – publicada aproximadamente uma semana após a estreia nacional do filme – havia mais notícias
ruins. A resposta crítica inicial dos influentes críticos de Nova York (destacados em uma seção da Variety chamada “Painel de notas dos críticos
de Nova York”) trazia duas resenhas favoráveis, dez desfavoráveis e três
inconclusivas⁶⁰. Ademais, as críticas negativas eram realmente mordazes e frequentemente repetiam o argumento da Variety do dinheiro e da
tecnologia sobrepujando uma fina narrativa.
A mais contundente e de certa maneira a mais representativa destas
críticas foi a escrita por Pauline Kael para a New Yorker. Ela foi publicada,
como muitas das críticas negativas, mais de uma semana antes do filme
estrear nos cinemas. “Este filme não é do coração”, escreveu Kael, “e
tampouco é da cabeça; ele é do laboratório. Tudo é cheio de truques, com
efeitos de dissolução, de tela e sobreposições, e até mesmo sobreposições
aurais (…) Do Fundo do Coração é como uma versão cheia de joias de um
filme experimental de pastiche realizado por um estudante de cinema – o
tipo de filme realizado em um ferro-velho mágico; não há nada por baixo
destes mecanismos exceto uma esperança de se destilar as essências do
romance no cinema”.
Para Kael, Do Fundo do Coração era o ponto mais baixo do cinema autoral. Coppola finalmente conseguira se tornar “a estrela de seu filme”, e,
no processo, perdera o contato com seu público. Em Do Fundo do Coração,
Kael alfinetou, o público sem dúvidas iria “perceber que não há nada –
literalmente nada – acontecendo exceto bonitas imagens deslizando umas
sobre as outras”⁶¹. Do Fundo do Coração parecia ser a relação da profecia
irônica de David Thomson de que, no futuro próximo, o cinema seria
“menos narrativo do que atmosférico… o que quer que faça com que as
paredes não sejam inertes ou chatas – mudanças de cor, a formação de
padrões, o fluxo e as oscilações da luz”⁶².
Tal cinema, Kael parecia disposta a conceder, podia ser (e neste caso
era) bonito. Ela reconheceu que os cenários tinham uma “maravilhosa
grandiloquência”, como uma espécie de “visão infantil de uma feira mundial do passado”. Mas, embora o filme fosse bonito, Kael simplesmente não
par te iii
59 “One from the Heart:
dazzling body, empty
heart” (resenha), Variety,
20 de janeiro de 1982.
p. 20.
parte iv
— gr aham greene
“Você deve estar preparado para a experiência, conhecimento, saber: para não
ser violentado no escuro por um bandido ou por um assaltante.”
— william faulkner
VIDAS SEM RUMO E
O SELVAGEM DA MOTOCICLETA
gene d. phillips
No outono de 1980, Francis Ford Coppola recebeu uma carta conjunta
da bibliotecária da Lone Star High School, em Fresno, Califórnia, Ellen
Misakian, escrita em nome de vários dos alunos que também assinavam
a carta. Depois do lançamento de Apocalypse Now (1979), Coppola assinou
a produção executiva de O Corcel Negro (The Black Stallion, 1980), que havia
sido feito sob o selo da American Zoetrope em São Francisco e dirigido
por Carroll Ballard, que estudou cinema com ele na ucla. O Corcel Negro,
uma história comovente de um menino e seu amado cavalo, tornou-se
um sucesso entre os jovens. A bibliotecária pedia encarecidamente que
Coppola levasse outra história de adolescentes, Vidas Sem Rumo, para
as telas. “Eu sinto que nossos alunos são representativos da juventude
da América”, escreveu ela. “Todo mundo que leu o livro, independentemente da sua origem étnica ou econômica, endossou entusiasticamente
o projeto”¹.
Coppola ficou impressionado com o fato daquele romance ter se
transformado em um best-seller por meio de seus dedicados leitores
adolescentes. O livro, leitura obrigatória em algumas escolas do ensino
médio, tinha vendido quatro milhões de cópias desde sua publicação em
1970. Os apaixonados seguidores adolescentes do romance garantiriam
um público enorme para o filme, e Coppola passou a ver aquele projeto
como o sucesso que ele precisava para continuar pagando seus credores
na sequência do fracasso do Zoetrope Studios em Hollywood.
A autora de Vidas Sem Rumo, S.E. (Susan Eloise) Hinton, tinha apenas
dezesseis anos quando escreveu o livro. Ela conseguiu disfarçar o fato de
que o romance havia sido escrito por uma menina usando um pseudônimo masculino. Ela temia que suas jovens leitoras pudessem questionar
a autenticidade de seus insights sobre adolescentes se elas desconfiassem
que o autor do romance era na verdade do sexo feminino. De fato, suas
leitoras nunca imaginaram que o autor era uma menina – talvez porque
os amigos mais próximos de Susie Hinton fossem do grupo de meninos
com o qual ela andava quando garota.
Coppola estava convencido de que Vidas Sem Rumo tinha sido escrito
por uma autêntica voz jovem, enquanto ela contava a história de três
irmãos que se esforçam para se manterem como uma família depois
que ambos os pais morrem em um acidente de carro. “Quando eu estava
Publicado originalmente
sob o título “Growing
Pains: The Outsiders
and Rumble Fish” em
phillips, Gene D.
Godfather: the intimate
Francis Ford Coppola.
Lexington: The University
Press of Kentucky, 2004.
p. 202–225. Tradução
de Julio Bezerra. Texto
traduzido e publicado
sob cortesia da University
Press of Kentucky, 2015.
1 bergan, Ronald.
Francis Ford Coppola.
Nova York: Orion Books,
1998. p. 65.
231
juventude e ressurreiç ão
“Você aprende muito naqueles dias, antes de atingir a maioridade. Este
conhecimento selvagem deve vir lentamente, o fruto gradual da experiência.”
par te iv
DOR DE CRESCIMENTO
VIDAS SEM RUMO
dor de crescimento
232
Fazer Vidas Sem Rumo atraía Coppola por diversas razões. Ele estava consciente de que, na esteira de Apocalypse Now e Do Fundo do Coração (One
from The Heart, 1982), os executivos dos estúdios não mais o viam como
um diretor com o qual se podia confiar quando o assunto era deadline
e orçamento. Coppola percebeu que poderia facilmente criar um filme
sobre adolescentes em uma escala muito menor do que as de filmes de
grande orçamento que tinha feito durante a década anterior. Ele poderia,
assim, provar para os homens do dinheiro que ele ainda era bem capaz de
fazer um longa rapidamente e segundo um orçamento razoável. Afinal de
contas, não era preciso muito dinheiro para rodar Vidas Sem Rumo, já que
o filme seria realizado em Tulsa, Oklahoma, cidade natal de Hinton, onde
a história se passa. Além disso, Coppola trabalharia com jovens e então
desconhecidos atores, que ainda não ganhavam grandes salários.
Dessa maneira, Coppola esperava colocar para trás todo o imbróglio
que cercou a produção e o lançamento de Do Fundo do Coração – ao qual ele
se referia tristemente como “caos incorporado” – enquanto trabalhava em
Tulsa. Ao invés de perambular em torno de Hollywood e “ser chicoteado
por ter cometido o pecado de fazer um filme que eu queria fazer”, explica
ele, “escapei com um monte de jovens para Tulsa”. Ele acrescenta: “Eu
costumava ser um grande conselheiro de acampamento, e a ideia de estar
com meia-dúzia de jovens fazendo um filme era como voltar a ser um
conselheiro de acampamento novamente. Era uma lufada de ar fresco”³.
A American Zoetrope precisava de dinheiro e Coppola só poderia
oferecer a Hinton uns míseros quinhentos dólares para comprar os
direitos de seu romance, além de uma percentagem nos lucros. A jovem
romancista aceitou a oferta. Kathleen Rowell, outra jovem escritora, foi
contratada para adaptar o livro para o cinema. A história envolve a disputa entre duas gangues de adolescentes que vivem em Tulsa na década
de 1960. Um grupo é constituído por rapazes conhecidos como Greasers,
que estão do lado norte e pobre da cidade. O outro grupo é formado por
jovens de classe alta, conhecidos como Rics, que vivem no lado sul e rico
da cidade. “Todos os Greasers eram órfãos, párias”, diz Coppola, “juntos,
contudo, eles formavam uma família”. Assim, o filme aborda o frequente
tema da família na filmografia de Coppola⁴.
Coppola estava decepcionado com as adaptações de Rowell. Os dois
rascunhos do roteiro que ela tinha feito serpenteavam cada vez mais longe do livro. Consciente de que os leitores de Hinton não aprovariam um
filme que divergisse muito do romance, Coppola decidiu reescrever ele
mesmo o roteiro, mantendo-se o mais próximo possível da fonte literária.
Coppola considerava Hinton grande escritora.
“Quando eu conheci Susie”, diz o cineasta, “fui convencido de que ela
não era apenas uma romancista para jovens, mas uma escritora realmente
americana. Para mim, o principal de seus livros é a autenticidade dos
personagens. Seu diálogo é memorável, e sua prosa é impressionante. Um
parágrafo de sua prosa descritiva resume muitas vezes algo essencial que
permanece com você”⁵.
Lilian Ross, em seu ensaio exaustivo sobre Coppola, reporta que ele
estava ocupado reescrevendo o roteiro de Vidas Sem Rumo no início da
primavera de 1982, apenas três semanas antes do começo das filmagens,
marcado para março. Sua própria versão do roteiro passou por diversos
tratamentos até ele dar a coisa por encerrada no dia primeiro de março
de 1982 – o que está arquivado no Script Repository da Warner Brothers,
a distribuidora do filme.
Quando se examina o roteiro, é evidente que a versão de Coppola
é extremamente fiel ao material de origem – ele chegou até mesmo a
incorporar alguns diálogos como estão no livro. Além do mais, Coppola
continuou a rever o roteiro técnico até o início das filmagens no final de
março, e essas alterações adicionais foram incorporadas ao roteiro nas
páginas datadas de 12 de março a 19 de março (páginas adicionais de
revisões de última hora que são inseridas em um roteiro de filmagem
são habitualmente datadas, a fim de indicar que elas substituem versões
anteriores do mesmo material.)
Por causa do trabalho substancial que ele teve na revisão completa
do roteiro, Coppola pediu ao Screen Writers Guild que lhe concedesse
o crédito de tela oficial como único autor do roteiro de Vidas Sem Rumo.
Normalmente, o requerente apresenta uma análise de cena por cena
do roteiro para o Guild, para demonstrar que compôs a maior parte do
texto em questão (ou seja, mais de 50%). Coppola estava tão confiante
que enviou uma cópia do roteiro com uma breve carta, afirmando que
entendia a necessidade de arbitragem nesses assuntos, “mas esse roteiro
foi totalmente escrito por mim”⁶.
Como Coppola não forneceu qualquer análise detalhada do roteiro
para apoiar a sua petição, o Guild concedeu o crédito exclusivo para Katherine Rowell, que havia feito dois rascunhos do roteiro antes de Coppola
4 chaillet, Jean Paul
e vincent, Elizabeth.
Francis Ford Coppola.
Traduzido por Denise
Jacobs. Nova York: St.
Martin Press, 1984. p. 93.
5 farber, Stephen.
“Directors Join the S.E.
Hinton Fan Club” em
New York Times, 20 de
março de 1983, seção
2. p. 19.
6 goodwin, Michael
e wise, Naomi. On the
Edge: The Life and Times
of Francis Coppola. Nova
York: Morrow, 1989.
p. 346.
233
juventude e ressurreiç ão
3 thomson, David, Gray,
Lucy. “Idols of the King”
em Film Comment 19, n° 5,
1983. p. 64.
lendo o livro, percebi que queria fazer um filme sobre jovens, sobre laços
de pertencimento”, diz Coppola, “pertencer a um grupo de colegas com
os quais se pode identificar e por quem sentimos um amor verdadeiro.
Mesmo que os meninos sejam pobres e, em certa medida, insignificantes,
a história confere beleza e nobreza a eles”².
Além disso, o romance o fez se sentir nostálgico em relação à sua própria juventude, quando crescia no Queens e via filmes direcionados aos
jovens, como Folias na Praia (Beach Blanket Bingo, 1965). Coppola também
pertencia a uma gangue de rua, conhecida como os Bay Rats (“Ratos da
Baía”), quando tinha quinze anos e estudava na escola em Long Island.
Ele então decidiu não só produzir o filme, mas também dirigi-lo e dedicá-lo à bibliotecária e aos estudantes da Lone Star School, em uma citação
nos créditos finais – afinal, eles tinham inspirado o filme.
par te iv
2 lewis, Jon. Whom the
Gods Wish to Destroy…
Francis Ford Coppola
and The New Hollywood.
Duke University Press:
Durham e Londres, 1995.
p. 100–101.
9 thomson e gray,
1983: 62.
dor de crescimento
234
Coppola, dessa forma, lançou toda uma geração de jovens atores de cinema. As sete semanas de filmagem foram orçadas em us$ 10 milhões.
Coppola trouxe com ele para Tulsa todo o equipamento técnico que ele
havia comprado e implementado em Do Fundo do Coração, incluindo o
trailer Silverfish, com todas as suas instalações eletrônicas. Então, já que
o equipamento estava na locação, não havia necessidade de cobrar uma
quantidade considerável de caros equipamentos eletrônicos no reduzido
orçamento do filme.
Coppola ainda não tinha conseguido um distribuidor para Vidas Sem
Rumo. Antes de sair de Hollywood para as filmagens em Tulsa, ele foi de
estúdio em estúdio com o roteiro debaixo do braço, tentando vender o que
ele considerava uma obra bastante rentável: a adaptação para o cinema
do popular romance para adolescentes, a ser realizada de forma rápida
e barata – mas ninguém demonstrou interesse. Quando se estabeleceu
em Tulsa, no entanto, Coppola finalmente conseguiu fazer com que a
Warner Bros. distribuísse o filme e fornecesse algum adiantamento para
a produção.
A decisão da Warner veio como uma grande surpresa nos bastidores
de Hollywood, pois o estúdio havia rejeitado todo um pacote de projetos
que Coppola tinha apresentado a eles no final dos anos 60. O estúdio
chegou até mesmo a exigir que o cineasta os reembolsasse pelo dinheiro
que haviam investido naqueles projetos. Contudo, como diz o historiador
de cinema Jon Lewis, Hollywood tem memória curta. Seja como for, o
acordo de Coppola com a Warner permitiu ao cineasta obter mais financiamento junto ao Chemical Bank.
A Warner sabia como os cronogramas de Apocalypse Now e Do Fundo
do Coração foram se alastrando indeterminadamente e acompanharam
Coppola de perto. Ele se comprometeu com todo um elaborado calendário que estabelecia os períodos de filmagem e pós-produção, a fim de ter
o filme pronto para ser lançado no outono de 1982. Coppola reuniu seu
elenco e começou a ensaiar com eles no início de março, empregando
o método de “pré-visualização” de Do Fundo do Coração. Ele converteu o
ginásio de uma escola abandonada em uma sala de ensaio, e filmou os
ensaios como uma forma de ajudar os jovens atores no desenvolvimento
de suas performances. Tom Cruise lembra dos ensaios como muito proveitosos para o elenco, ajudando-os não só a construir seus papéis, mas
também a “aprender mais sobre atuação no cinema”¹⁰.
Coppola gravou finalmente um ensaio geral com os atores na frente
de uma tela em branco. Depois ele sobrepôs imagens da fita do ensaio
geral a stills das locações externas em Tulsa e aos planos dos cenários
interiores de Tavoularis. Ao começar as filmagens, Coppola tinha um
conceito claro de como cada cena ficaria quando filmada.
As filmagens se iniciaram em 29 de março de 1982. Coppola usou sua
estratégia de “cinema eletrônico”, mas colocou o monitor de vídeo perto
do set. Ele estava, portanto, no set com os atores durante cada tomada e
10 schumacher,
1999: 320.
235
juventude e ressurreiç ão
8 thomson e gray, 1983:
65. Ver também chaillet
e vincent, 1984: 93.
assumir. Vale a pena notar que o crédito recebido por Rowell não a ajudou
a consolidar sua carreira como roteirista, já que ela jamais seria listada
como autora de um grande filme novamente.
Coppola afirma que perdeu a batalha judicial por causa dos “procedimentos antiquados” do Writers Guild. As decisões do Guild, explica ele,
sempre pesam a favor do primeiro escritor a fazer uma adaptação de uma
obra literária para o cinema – “porque ele supostamente estabelece os
personagens e o enredo básico do roteiro”, mesmo que esse roteiro não seja
particularmente eficaz. O ônus da prova recai sobre o escritor que revisa
o roteiro original. Ele concluiu: “Mesmo que eu tenha sentado e escrito
o roteiro que eu filmei, o Guild deu todo o crédito a ela. Ainda assim,
aquela mulher simplesmente não escreveu o roteiro do filme que fiz”⁷.
Coppola reuniu a equipe com a qual estava acostumado a trabalhar,
incluindo o compositor Carmine Coppola e o diretor de arte Dean
Tavoularis. Tavoularis escolheu áreas abandonadas e desertas de Tulsa
como cenários, a fim de transmitir um sentido de exclusão aos Greasers.
“O livro era uma espécie de …E o Vento Levou (…Gone with the Wind, 1939)
para adolescentes, uma épica luta clássica entre os Greasers e os Rics, ou
seja, os pobres e os ricos, durante a década de 1960”, explica Coppola.
De fato, a cópia de capa dura de …E o Vento Levou que o jovem herói
carrega com ele equivale quase a um talismã. “Vidas Sem Rumo se passa
em um momento fascinante da vida de todos estes meninos. Eu queria
capturar aquele momento. Eu queria pegar estes trombadinhas e dar-lhes
proporções heroicas”⁸.
Coppola disse ao pai, Carmine Coppola, que, como Vidas Sem Rumo
era …E o Vento Levou para adolescentes, ele queria uma trilha clássica
“parecida com a que Max Steiner tinha escrito para o …E o Vento Levou em
1939. A trilha é essencial para Vidas Sem Rumo, Coppola explica. Ou seja,
o fato da música ser composta em um estilo romântico “indica que eu
queria um filme que fosse contado em termos suntuosos, que tudo fosse
cuidadosamente retirado do livro sem alterá-lo muito. Por isso, imaginava
que o filme deveria se parecer com …E o Vento Levou não tanto no que
concerne ao conteúdo, mas no que diz respeito ao estilo”. Ele “colocaria a
ênfase no tipo de lirismo de …E o Vento Levou, algo importante para Susie
Hinton quando ela escreveu isso… Agradava-me a ideia dos jovens verem
Vidas Sem Rumo como um épico pródigo e sentimental sobre jovens”⁹.
Para a fotografia, Coppola buscou um colega ex-aluno da escola de
cinema da ucla, Steven Burum, que havia feito a fotografia da segunda
unidade de Apocalypse Now. Vidas Sem Rumo seria filmado em widescreen e
em cor, a fim de recriar o mundo romântico e melodramático característico dos filmes sobre delinquência juvenil dos anos 1950, como Juventude
Transviada (Rebel without a Cause, 1955), protagonizado por James Dean.
Coppola, por sua vez, selecionou astutamente o que um observador
chamaria de “Hall da Fama” de atores jovens e promissores, tais como
Tom Cruise, Emilio Estevez, Rob Lowe, Ralph Macchio e Patrick Swayze.
par te iv
7 schumacher, Michael.
Francis Ford Coppola:
A Filmmaker’s Life.
Crown Publishers: New
York, 1999. p. 324. Ver
também goodwin e
wise, 1989: 346.
13 schumacher,
1999: 323.
dor de crescimento
236
a primavera do ano seguinte. Coppola sofreu para atender os desejos do
estúdio, e algumas semanas mais tarde, apresentou aos executivos da
Warner um corte com 91 minutos. Ele então seguiu com os habituais testes
de audiência, e o público, em grande parte adolescente, ficou maravilhado
com o filme. A Warner concordou em lançar o filme em 23 de março de
1983, em um total de 829 telas em todo o país.
“Acho que Vidas Sem Rumo sofreu um pouco com o caos que se instalou
na Warner depois que eles viram o primeiro corte do filme e pressionaram para que ele fosse encurtado”, comentou Coppola anos mais tarde.
Ele não entendia a desconfiança da Warner em relação ao filme, pois
“eu o achava bem fiel ao livro”¹⁴, um verdadeiro best-seller. Ele se resentia
do fato de ter sido obrigado a cortar algumas cenas importantes para a
constituição dos personagens em nome de outras mais interessantes para
levar o drama adiante.
O filme se inicia com uma sequência de pré-créditos em que Ponyboy
Curtis (C. Thomas Howell), narrador do filme, abre um livro em branco
e escreve Vidas Sem Rumo na primeira página, enquanto começa a redigir
uma composição para seu professor sobre alguns eventos recentes dos
quais participou. Nós o ouvimos contar o que aconteceu, voz off na faixa
sonora, enquanto a trama se desenrola. O roteiro, como o próprio Coppola
o descrevia, era muito fiel à sua origem literária, fazendo Ponyboy recitar
as primeiras linhas de sua composição conforme as escrevia: “Quando
eu pisei fora da escuridão da sala de cinema para a luz do sol brilhante…”
Ponyboy, em seguida, começa a contar a história, em que ele figura como
participante e testemunha.
Ponyboy é o mais novo dos três órfãos da família Curtis. Darrel, o
mais velho (Patrick Swayze), trabalha duro para sustentar seus dois irmãos
mais novos, e discute com Ponyboy, o caçula, sobre a sua ligação com
uma gangue de rua. Sodapop, o irmão do meio (Rob Lowe), desempenha
o papel de conciliador. Ponyboy faz parte dos Greasers, a maioria dos
quais são órfãos como ele, rapazes que, consequentemente, constituem
uma espécie de família. Ponyboy tem como exemplo a figura paterna de
Dallas Winston (Matt Dillon), um jovem colega de rua que acaba de sair
da prisão.
Uma bela noite, Ponyboy e um outro amigo, Johnny Cade (Ralph
Macchio), são abordados por alguns membros bêbados da gangue rival.
Quando os outros meninos atacam Ponyboy, Johnny entra em pânico e
puxa uma faca, apunhalando um deles à morte. Neste exato momento,
a cor vermelha inunda a tela, escorrendo do topo à parte inferior do
quadro, da mesma maneira que o sangue mancha a camisa do menino
mortalmente ferido. A câmera de Burum depois olha de cima a baixo
sobre a visão arrepiante do cadáver do rapaz morto.
Johnny e Ponyboy pedem ajuda a Dallas e ele os aconselha a se esconderem em uma igreja abandonada. O filme trabalha todo um imaginário,
como fica evidente na cena que acabamos de descrever. Além disso, quando
14 thomson e gray,
1983: p. 65.
237
juventude e ressurreiç ão
12 goodwin e wise,
1989: 343.
não trancado no trailer Silverfish, como havia acontecido diversas vezes
nas filmagens de Do Fundo do Coração. Ele assistia a um replay instantâneo
em vídeo de cada tomada depois de filmá-la para verificar a necessidade
de ajustes. Ele viria a rever cada cena no monitor do trailer, anotando sugestões para a editora do filme Ann Goursaud, que estava fazendo uma
edição preliminar do longa em Hollywood.
Por causa de sua estima por Hinton como romancista, Coppola envolveu-a nas filmagens. “Depois de vender os direitos do livro”, ela observa,
“esperava ser convidada a deixar a face da Terra. Mas isso não aconteceu.
Eu sabia que tinha pouca experiência como escritora. E, normalmente, o
diretor não diz ‘Rapazes, estas são falas importantes, por isso você tem que
conhecê-las palavra por palavra’, que era o que Francis dizia aos atores.”
Além de monitorar o roteiro, a senhorita Hinton estava no set todos os
dias, supervisionando os cortes de cabelo e o guarda-roupa. “Os rapazes
dependiam muito da minha opinião”, diz ela. “Eu era uma espécie de
mãe, e eles estavam sempre me consultando”¹¹.
Coppola se dava maravilhosamente bem com os jovens atores, e os
tratava como adultos. Sendo assim, vez ou outra, os encorajava a improvisar
uma ou outra linha de diálogo, o que contribuiu bastante para o filme, já
que eles falavam a mesma língua que os personagens que estavam interpretando. Emilio Estevez (o filho mais velho de Martin Sheen, que usava
o verdadeiro sobrenome de seu pai), ajudou a trazer seu personagem para
a vida como um dos Greasers ao apostar em seu próprio penteado ducktail,
um estilo bastante popular entre os adolescentes na década de 1960.
As filmagens ocorreram suavemente e sem maiores problemas.
O único percalço mais grave se deu quando Coppola estava filmando a
cena em que os Greasers resgatam algumas crianças do jardim de infância de um incêndio em uma igreja abandonada. A sede de Coppola por
realismo foi um pouco longe demais durante a encenação da sequência,
em uma igreja num campo deserto. “Mais fogo!”, ele gritou para seus técnicos, que inflamaram as chamas e acabaram acidentalmente queimando
o campanário da igreja¹². O corpo de bombeiros local estava presente,
pronto para intervir, quando começou a chover, como se atendesse uma
deixa, apagando o fogo.
As filmagens terminaram em 15 de maio, como planejado. Estevez,
que visitou seu pai no set de Apocalypse Now, comentou que Coppola “está
recuperando sua credibilidade como um diretor que pode sim entregar
no prazo”¹³.
Coppola convidou Hinton para conversar com ele sobre a edição do
filme durante o verão de 1982, fazendo uso das instalações de pós-produção da American Zoetrope, em São Francisco. A Warner não estava
satisfeita com o primeiro corte do filme, insistindo que os jovens não
iriam permanecer sentados para ver um filme adolescente de mais de
duas horas. O estúdio decretou que Coppola encurtasse Vidas Sem Rumo
para 90 minutos e adiou o lançamento do filme do outono de 1982 para
par te iv
11 farber, 1983,
seção 2. p. 27.
17 corliss, Richard.
“Playing Tough” em Time,
4 de abril de 1983. p. 78.
Para a comparação com
Scorpio rising, ver
The Advocate, 22 de abril
de 1983. p. 40.
dor de crescimento
238
Dallas vai ao esconderijo de Johnny e Ponyboy para contar a eles que
Cherry (Diane Lane), uma testemunha do caso, está disposta a depor a
favor deles. Os meninos então decidem se entregar. Antes de voltarem
para a cidade, contudo, um incêndio começa na igreja abandonada e o
trio precisa salvar a vida de algumas crianças que estavam no local. De
maneira trágica, Johnny se queima severamente durante a corajosa tentativa de resgate.
A rivalidade entre os Greasers e os Rics explode finalmente na forma
de uma briga generalizada em uma rua deserta e escura. Coppola encena o conflito com requinte. As chamas de uma fogueira no centro do
quadro refletem a mútua animosidade dos combatentes, algo que só se
inflama com o passar do tempo. A fumaça escurece as figuras dos oponentes enquanto eles se batem uns aos outros, e, quando uma tempestade
irrompe, as ações dos jovens se tornam ainda mais selvagens em meio
à lama. O grito de guerra de Dallas é “Vamos vencer uma pelo Johnny”.
Two-Bit Mathews (Emilio Estevez) e Steve Randall (Tom Cruise) estão
na vanguarda da brigada dos Greasers, e, com Dallas no comando, eles
triunfam sobre os Rics.
Mas a vitória é marcada pela fala de um dos Rics para Ponyboy: “Vocês
podem bater na gente. Porém, isso não muda o fato de vocês viverem onde
vivem, no lixo, e de que nós continuaremos sortudos como sempre. Os
Greasers ainda serão os Greasers e os Rics, Rics”. De maneira semelhante, quando Johnny fica sabendo da briga, ainda no hospital, ele comenta
sobre a futilidade desses conflitos: “É inútil. Brigar não adianta nada”.
Pouco antes de morrer, Johnny “proclama seu lamento por uma
juventude condenada”¹⁸. Ele diz estoicamente: “Dezesseis anos não são
suficientes. Que inferno! Ainda há tantas coisas que eu queria ver e fazer”.
Quando Johnny falece, Dallas chora amargamente, “É o que você recebe
por ajudar as pessoas!”
Pouco depois, Dallas, um ex-prisioneiro, sofre uma recaída, tenta
roubar uma loja e acaba sendo morto em uma troca de tiros com a polícia. Ele morre com o nome de Johnny em seus lábios. Ao refletir sobre a
morte de dois de seus melhores amigos, Ponyboy espera poder exorcizar
a dupla tragédia escrevendo sobre os acontecimentos em uma redação
para seus professores. Afinal de contas, um de seus irmãos disse: “Sua
vida não está acabada somente porque você perdeu alguém”.
Em uma das metades da tela, vemos Ponyboy pegando sua desgastada cópia de …E o Vento Levou, na qual ele encontra uma carta de Johnny.
Neste momento, Johnny se materializa como uma aparição na outra
metade da tela, garantindo a Ponyboy que a vida vale a pena.”Ainda há
muita coisa boa no mundo”, diz Johnny, antes de sua imagem desaparecer.
Essa sequência fantasiosa, datada de 12 de março de 1982, foi uma adição
de última hora que Coppola fez ao roteiro de filmagem, que, por sua vez,
data de primeiro de março¹⁹. E, assim, o filme termina como começou,
com Ponyboy escrevendo a redação que dá vida à narração do filme.
18 cowie, Peter. Coppola.
Croydon: cpi Group, 1989.
p. 170.
19 Ver Francis Ford
Coppola, “The Outsiders,”
com Katherine Rowell,
roteiro não publicado
(Warner Bros., 1982). p.
115–16.
239
juventude e ressurreiç ão
16 chown, Jeffrey.
Hollywood Auteur: Francis
Coppola. New York:
Praeger, 1988. p. 165.
Ponyboy e Johnny entram na igreja em ruínas, Coppola corta para uma
imagem de dois coelhos encolhidos embaixo da varanda – uma metáfora
para os dois rapazes fugitivos que se escondem juntos. Essa imagem é
logo seguida por uma outra em que duas aranhas rastejam em uma teia,
o que sugere o entrelaçamento dos dois jovens em uma rede de circunstâncias difícil de se livrar.
Apesar de tudo, os rapazes experimentam um fascinante interlúdio.
A igreja se torna uma espécie de santuário. Coppola emprega belíssimos
planos do sol se pondo em uma sequência um tanto bucólica que mais
parece simbolizar a brevidade da juventude. “Quando você assiste ao
pôr do sol, você percebe que ele já está morrendo’’, explica o cineasta. “O
mesmo se aplica à juventude. Quando a juventude atinge o mais alto nível
de perfeição, você já pode sentir as forças que irão destruí-la”¹⁵. A observação de Coppola torna-se ainda mais significativa quando se relaciona o
incandescente pôr do sol retratado no filme e um poema de Robert Frost
que Ponyboy recita para Johnny, no qual o poeta compara a inocência da
infância ao ouro. Johnny encarna o tema do poema, oferecendo ao amigo
o seguinte conselho: “Seja ouro, Ponyboy, seja ouro”. Essa é a maneira de
Johnny incentivar Ponyboy a não perder a integridade fundamental da
juventude na medida que eles envelhecem e são forçados a enfrentar as
realidades sombrias do mundo adulto.
Embora estes dois adolescentes exibam variados traços de masculinidade (visíveis nos “sinais exteriores de brigas e no gosto por esportes”),
Johnny e Ponyboy expressam repetidas vezes uma enorme afeição um pelo
outro¹⁶. A camaradagem, diz Richard Corliss, não é apenas familiar, mas
“inconscientemente homoerótica. Sozinhos, eles podem sem nenhum problema se derreterem por causa de um pôr do sol, citarem versos de Robert
Frost ou dormirem inocentemente nos braços um do outro. O mundo ideal
deles é… um vestiário masculino; nenhuma mulher cabe nesta irmandade
de sonho “. Outro crítico chegou a arriscar que as jaquetas de couro dos
rapazes conjugadas com a camaradagem masculina exalavam um tom
homossexual que trazia à lembrança o longa Scorpio Rising (1964)¹⁷.
Os críticos que identificavam uma ponta de homossexualidade no filme
estavam, na verdade, mal interpretando o valor que Coppola conferia à
camaradagem masculina em seu cinema (basta lembrar da relação entre
os soldados em seus longas sobre a Guerra do Vietnã). No caso de Vidas
Sem Rumo, Ponyboy e Johnny jamais haviam experimentado uma relação
profunda como aquela. A amizade entre eles evolui para uma relação enriquecedora emocionalmente que não tem nada a ver com sexo. Coppola
sugere que garotos adolescentes precisam descobrir o que significa uma
autêntica camaradagem masculina, para só então experimentar uma relação com um membro do sexo oposto. Pela mesma razão, os sentimentos
protetores de Dallas em relação a Ponyboy e, sobretudo, Johnny, implicam
uma solicitude paternal equivalente à que Darrel alimenta por seus dois
irmãos mais jovens, que ele enxerga como filhos.
par te iv
15 chaillet e vincent,
1984: 93
22 corliss, 1983: 78.
dor de crescimento
240
Business], 1983), Patrick Swayze (Dirty Dancing, 1987), Emilio Estevez (Clube
dos Cinco [The Breakfast Club], 1985), Matt Dillon (Drugstore Cowboy, 1989), C.
Thomas Howell (O Amanhecer Violento [Red Dawn] 1984), e Ralph Macchio
(Karate Kid, 1984).
Depois dos enormes problemas que marcaram o financiamento e a comercialização de Do Fundo do Coração, era revigorante, para alguns críticos,
encontrar um filme de Coppola que, graças a Deus, era apenas um longa
convencional sobre rebeldia adolescente. Além do mais, o público jovem
caiu de amores pelo filme. Vidas Sem Rumo arrecadou us$ 12 milhões em
suas duas primeiras semanas e, eventualmente, somou us$ 100 milhões
em lucros, o que ajudou a colocar algum dinheiro nos cofres da Zoetrope.
Vidas Sem Rumo gerou receita suficiente “para me ajudar num momento
em que eu precisava de muito dinheiro”, diz Coppola²³.
Vidas Sem Rumo, posteriormente, gerou uma minissérie de tv na
primavera de 1991. Ela estreou com um piloto de noventa minutos que
começava de onde o filme de 1983 havia parado. O programa abre com
cenas do filme de Coppola, Dallas é baleado pela polícia e, em seguida,
enterrado. Depois disso, um assistente social alerta Ponyboy (Jay Ferguson) e Sodapop (Rodney Harvey) que, se eles participarem de mais uma
briga entre os Greasers e os Ricss, serão levados para longe da custódia
de seu irmão mais velho, Darrel, e colocados em lares adotivos. O piloto
foi seguido por sete episódios semanais. Coppola supervisionou a série,
mas não dirigiu nenhum dos episódios.
Assim que terminou Vidas Sem Rumo, Coppola começou a trabalhar
em outra adaptação cinematográfica de um romance de Hinton. O cineasta filmava Vidas Sem Rumo em Tulsa quando teve a ideia de empregar a
mesma equipe e os mesmos cenários para um segundo filme adolescente.
Como conta Hinton, “estávamos já na metade de Vidas Sem Rumo e Francis
olhou para mim e disse: “Susie, nós nos damos muito bem. Você não escreveu mais nada que eu possa filmar? Então, falei para ele de O Selvagem
da Motocicleta (Rumble Fish, 1983). Ele leu o livro e adorou. Ele disse, ‘Eu
sei o que podemos fazer. Em nossos domingos de folga, vamos escrever
um roteiro, e, em seguida, assim que terminarmos Vidas Sem Rumo, vamos fazer uma pausa de duas semanas e começar a filmar O Selvagem da
Motocicleta.’ Eu respondi: ‘Claro, Francis, estamos trabalhando 16 horas
por dia e você quer gastar os domingos escrevendo outro roteiro?’ Mas
foi exatamente isso o que nós fizemos”²⁴.
No romance, Rusty-James é um adolescente desfavorecido de uma
família disfuncional, que tem como ídolo o irmão mais velho, conhecido
apenas como Motorcycle Boy, o líder de uma gangue local. A história dos
irmãos era íntima de Coppola. Seu irmão August, cinco anos mais velho,
incluía o então jovem Francis em todas as suas atividades e forneceu a ele
um modelo forte à medida que eles cresciam. August Coppola “era o meu
ídolo”, diz Francis Coppola, “ele me levava a todos os lugares quando saía
com os caras. Ele era o líder da gangue”, chamada “Duques Selvagens”.
23 thomson e gray,
1983: 64.
24 farber, 1983,
seção 2. p. 27.
241
juventude e ressurreiç ão
21 Idem. p. 114.
Como Coppola descreve a cena final do roteiro, “Ponyboy se senta em
sua mesa, vira a capa de seu livro tema e olha para o pôr do sol, lembrando-se… Ele pega a caneta e começa a escrever, ‘Quando eu pisei fora da
escuridão da sala de cinema para a luz do sol brilhante…’”²⁰. Dessa maneira, o filme dá uma volta completa, repetindo suas linhas de abertura.
Dentre as cenas que Coppola teve que abandonar para fazer Vidas Sem
Rumo caber na duração estipulada pela Warner, a que teria realmente
melhorado o filme se não tivesse sido cortada é uma bem no final do
longa: uma sessão de rap em que os irmãos Curtis, Ponyboy, Sodapop
e Darrel, refletem francamente sobre as lições de vida que aprenderam
com suas experiências recentes. Eles renovam seus laços familiares e
Sodapop diz: “Se nós não temos um ao outro, não temos nada. Se você
não tem nada, você vai acabar como Dallas, que era um solitário infeliz”.
Essa cena sublinharia a grande tese do filme, a profunda necessidade dos
jovens de pertencer a alguma coisa, e, como tal, poderia muito bem ter
sido incluída no filme²¹.
Embora alguns críticos tenham menosprezado Vidas Sem Rumo como
um melodrama menor indigno dos talentos de Coppola como diretor, o
filme merece um lugar de destaque na filmografia do cineasta por várias
razões. No quesito técnico, a fotografia de Burum é excelente. A imagem
widescreen e em cores esbanja suavidade em visuais requintados; nebulosa
com o calor do verão na sequência em que Johnny e Ponyboy se refugiam
no campo. Vale sublinhar os planos da dupla em silhueta contra um pôr
do sol vermelho-sangue, que lembra imagens similares a de …E o Vento
Levou, o filme favorito de Ponyboy. E Coppola ainda dirige algumas das
cenas que caracterizam os Greasers de uma maneira que emula filmes
anteriores sobre gangues de rua adolescentes. “Os Greasers, com seus
músculos elegantes… exibem um físico leonino enquanto caminham em
direção a uma batalha, movendo-se através de espaços abandonados ou
pulando graciosamente por cima de uma cerca de arame”²². Eles, assim,
invocam imagens dos movimentos ágeis das gangues de rua em Juventude
Transviada. Além disso, a trilha altamente romântica de Carmine Coppola
é uma reminiscência da música de Leonard Rosenman para o mesmo
filme. A trilha de Vidas Sem Rumo é imponente e regada a um pouco de
sentimentalismo, como Francis Ford Coppola tinha solicitado.
O filme segue de um retrato documental sobre os jovens, suas vidas
miseráveis, para a tragédia dramática de Dallas, que, depois da morte de
Johnny, torna-se uma presença atordoada, em ruínas. Coppola é perfeito
na maneira como descreve a alienação tão característica da subcultura
jovem. Vidas Sem Rumo, em última análise, é um conto pessimista, nada
paternalista, sobre adolescentes brutalizados, marcado por um inspirado
naturalismo, tanto no diálogo, quanto nas performances.
Não menos importante, uma das virtudes do longa é a excelência das
atuações de seu jovem e promissor elenco, que logo passaria a estrelar
uma série de filmes adolescentes. Tom Cruise (Negócio Arriscado [Risky
par te iv
20 Idem. p. 116–117
27 farber, 1983,
seção 2. p. 27.
242
dor de crescimento
O S E LV A G E M D A M O T O C I C L E T A – 1 9 8 3
Coppola não era de se repetir e buscou uma abordagem radicalmente
diferente para O Selvagem da Motocicleta da que ele havia empregado em
Vidas Sem Rumo. O último era um melodrama romântico nas linhas de
O Poderoso Chefão (The Godfather), enquanto O Selvagem da Motocicleta
estava mais para um filme de arte, concebido na direção de Apocalypse
Now. Susie Hinton escreveu o livro cinco anos depois de Vidas Sem Rumo,
quando estava mais madura, e, consequentemente, “a obra tinha um
visual, diálogo e personagens impressionantes”, diz Coppola²⁶. Stephen
Farber sublinha, “Coppola na verdade coescreveu o roteiro. O cineasta
se preocupava com a estrutura narrativa e o imaginário visual, enquanto
Hilton escrevia os diálogos. Ela, inclusive, descobriu um certo talento
para o roteiro cinematográfico”²⁷.
Hinton começa o romance no presente e depois faz Rusty-James
narrar a história em flashback, uma estratégia que ela já tinha usado em
Vidas Sem Rumo. Coppola não queria fazer uso dessa estrutura – que ele
havia empregado no filme Vidas Sem Rumo – na versão cinematográfica
de O Selvagem da Motocicleta, porque supostamente seu desejo era adotar
uma perspectiva diferente daquela que o orientou no primeiro longa de
Hinton. Fora isso, o roteiro do filme era bastante fiel ao livro. O roteiro,
que se encontra no Script Repository of Universal Studios, o distribuidor
do longa, é datado de 4 de maio de 1982.
Ao lado do diretor de arte Dean Tavoularis, Coppola correu atrás de
locações em Tulsa que fossem mais sombrias do que as usadas em Vidas
Sem Rumo. Ele queria espaços marcados pela umidade e pela sujeira, a fim
de criar o ambiente de uma terra desolada e sufocante no calor do alto
verão. Coppola pediu a Tavoularis que adaptasse em alguns cenários as
técnicas expressionistas da época dourada do cinema mudo alemão. Não é
meu propósito aqui me debruçar sobre a influência do expressionismo em
O Selvagem da Motocicleta, mas as seguintes observações estão em ordem.
O expressionismo se define contra o naturalismo e sua mania de
registrar a realidade exatamente como ela é. Em vez disso, o artista
expressionista procura o significado simbólico que está por trás dos
fatos. Foster Hirsch descreve o expressionismo no cinema nos seguintes
termos: “Os filmes expressionistas alemães foram criados em ambientes
claustrofóbicos idealizados dentro de um estúdio, onde a realidade física
é distorcida”. Para ser preciso, o expressionismo exagera a superfície da
realidade para marcar uma perspectiva simbólica²⁸. Coppola empregaria
uma das técnicas mais características dos cineastas expressionistas alemães ao fazer Tavoularis pintar sombras nas paredes dos becos escuros
das favelas para torná-las ainda mais ameaçadoras. Ou seja: este é um
filme perturbador, cheio de neblina e sombras.
Trabalhando em conjunto com Coppola, o diretor de fotografia de O
Selvagem da Motocicleta, Burum, fez pleno uso de iluminação expressionista, que se presta tão facilmente para a constituição de uma atmosfera
temperamental. Dessa maneira, uma atmosfera sinistra era criada em
certos interiores, inundando-os com sombras ameaçadoras emergindo
das paredes e do teto, o que imprimiu uma qualidade gótica aos rostos.
Contudo, a fotografia em preto e branco, com suas ruas e becos à noite,
com seus corredores sinistros e passagens escuras, conferiu ao filme de
modesto orçamento uma rica textura.
No entanto, Coppola insistia que o expressionismo deveria ser empregado em apenas algumas cenas-chave. Afinal, o uso excessivo de técnicas
expressionistas em um filme hollywoodiano seria demais.
Motorcycle Boy, o irmão mais velho de Rusty-James, é daltônico, devido ao dano cerebral sofrido após numerosas brigas e conflitos. O fato
do personagem não conseguir ver cor é também um símbolo da desiludida visão de mundo que o jovem alimenta. Isso confirma a decisão de
Coppola de filmar o longa em preto e branco, com algumas sobreposições
de cores criteriosamente escolhidas, como nos planos do peixe-beta que
dá nome ao longa. Esse peixe serve como uma espécie de metáfora para
Motorcycle Boy, um indivíduo colorido que está preso em ambientes
monótonos, em preto e branco.
A visão de mundo de Motorcycle Boy permeia o filme, o que justifica
claramente a fotografia em preto e branco. O contraste entre a cor de
Vidas Sem Rumo e o preto e branco de O Selvagem da Motocicleta reassalta
o quão diferentes Coppola queria que fossem seus dois filmes de gangues
adolescente em termos de estilo e conceito. Era crucial estabelecer uma
distinção entre os dois filmes, já que estava empregando a mesma equipe
28 hirsch, Foster.
The Dark Side of the Screen.
Nova York: Da Capo
Press, 1982. p. 54.
243
juventude e ressurreiç ão
26 Idem. p. 63.
“Ele sempre cuidou de mim”²⁵. A dedicatória a August Coppola, que eventualmente se tornou um professor universitário, aparece nos créditos
finais de O Selvagem da Motocicleta: “Para August Coppola, meu primeiro
e melhor professor”. Coppola contratou o filho de August, Nicolas, para
atuar em O Selvagem da Motocicleta como um membro da gangue chamado
Smokey, mas Nicolas Coppola assumiria o nome profissional de Nicolas
Cage, para obscurecer o vínculo familiar com o diretor do filme. Ainda
assim, Nicolas Cage usa no filma uma réplica do antigo casaco do pai,
com “Duques Selvagens” aparecendo na parte de trás.
Coppola planejava ir de um filme direto para o outro. A produção das
duas adaptações cinematográficas de Hinton fazia o cineasta recordar as
circunstâncias que envolveram as filmagens de Demência 13 (Dementia 13,
1963) vinte anos antes. Depois que Roger Corman encerrou as filmagens
de Desafiando a Morte (The Young Racers, 1963), Coppola o convenceu a
deixá-lo fazer Demência 13, uma vez que as despesas envolvidas no transporte da equipe e do equipamento técnico para a Europa já tinham sido
pagas. Coppola argumentou justamente que ele poderia fazer O Selvagem
da Motocicleta com a mesma equipe de produção e equipamentos que ele
havia montado em Tulsa para Vidas Sem Rumo.
par te iv
25 thomson e gray,
1983: 65–66.
29 goodwin e wise,
1989: 352.
30 farber, 1983,
seção 2. p. 27.
245
juventude e ressurreiç ão
zação” do filme. Ele, então, projetava para o elenco e a equipe para obter
as suas reações.
As filmagens não poderiam começar até que Coppola garantisse um
distribuidor que colocasse algum dinheiro adiantado para O Selvagem da
Motocicleta. A Warner Brothers saiu de cena, pois não estava interessada
em lançar um segundo longa adolescente na esteira de Vidas Sem Rumo, e
que poderia acabar competindo com este. Até o final de junho, Coppola
tinha assinado um acordo de distribuição com a Universal, com previsão
de lançamento para o outono de 1983. As filmagens começaram como
planejado em 12 de julho de 1982, apenas algumas semanas após a fase
de produção de Vidas Sem Rumo ter acabado.
Steven Burum, com a aprovação de Coppola, empregava muitas vezes uma iluminação plana e dura para dar ao filme um olhar austero e
brutal. Ele fotografou algumas cenas com uma instável câmera na mão:
Queríamos, disse ele, “dar às pessoas uma sensação de mal-estar”, de que
há algo fora de ordem no mundo em que os jovens vivem²⁹.
Além do mais, os cenários decadentes de Tavoularis abrangiam grossas
capas de poeira, pintura descascando, rachaduras nas paredes e escadas
rangentes nos cortiços, onde viviam os membros da gangue. Como a
câmera explora os aposentos apertados que Rusty-James divide com seu
pai e irmão – o espectador fica sem saber do confinamento aos quais os
jovens estão associados.
Durante as filmagens, Hinton estava impressionada com sua capacidade de reescrever material sob pressão. “Ao trabalhar com Francis”, lembra
ela, “você nunca sabe quando ele vai virar para você e dizer, ‘Susie, nós
precisamos de uma nova cena aqui para fazer isso funcionar’. Eu conseguia
fazê-lo em três minutos, e muito bem”³⁰. Esse tipo de escrita emergencial
no próprio set de filmagem produziu alguns diálogos memoráveis. Algumas das melhores falas do filme não se encontram no roteiro final e,
portanto, foram incorporadas por Hinton ao longo das filmagens, talvez
com a ajuda do elenco durante improvisações. Por exemplo, Motorcycle
Boy expressa sua preocupação paternal com relação ao irmão mais novo,
o que nos faz lembrar de Darrel e seus irmãos em Vidas Sem Rumo. (De
fato, Motorcycle Boy confabula com Rusty-James na mesma farmácia
Rexall de Tulsa que Dallas tenta roubar em Vidas Sem Rumo. Coppola faz,
assim, uma sutil referência cruzada de um filme para o outro).
Em uma conversa, Motorcycle Boy pergunta a Rusty-James porque
ele era tão confuso, ao que Rusty-James responde laconicamente: “Eu
estou bem.” Mas não é fácil se livrar do irmão. “Fale comigo”, ele insiste.
“Por que você está tão fodido o tempo todo?” Rusty-James segue apenas
grunhindo, “Eu não sei”. A linguagem crua de Motorcycle Boy desmente
o carinho genuíno que nutre pelo bem-estar de Rusty-James, por quem
ele subconscientemente se sente responsável, como uma figura paterna.
Em suma, Motorcycle Boy não quer que seu irmão o siga no caminho
para a ruína.
par te iv
dor de crescimento
244
de produção e a mesma cidade em ambos os longas. Vidas Sem Rumo era
um projeto em cor de uma história sobre jovens delinquentes, enquanto
O Selvagem da Motocicleta, ao contrário, apresentava um preto e branco
austero, um filme sobre jovens profundamente descontentes e alienados.
Embora a equipe de produção incluísse colaboradores regulares de
Coppola, como Tavoularis e o editor Barry Malkin, Francis Coppola não
convocou seu pai, Carmine, para compor a trilha do filme. Ao invés disso,
o diretor optou por uma trilha de fundo que se baseava fortemente na
percussão, e, por isso chamou Stewart Copeland, o baterista americano
da banda de rock britânica The Police, para trabalhar no filme. Copeland
usou basicamente percussão para a música de fundo do longa. Mas também
gravou sons das ruas de Tulsa, como ruídos de tráfego, polícia e sirenes
de ambulâncias e incorporou-os à trilha, que incluía não só bateria, mas
um piano e um xilofone. Coppola acreditava que os instrumentos de percussão eram emocionantes em si mesmos, e sugeriu que em certas cenas
Copeland usasse apenas percussão. O barulho no início do filme parecia
ser o lugar perfeito para um solo de percussão, que, no contexto da cena,
soa muito sinistro e ameaçador. A trilha de percussão de Copeland não
poderia estar mais longe da doçura da música que Carmine Coppola fez
para Vidas Sem Rumo.
Depois de demonstrar que poderia fazer um filme comercial hollywoodiano como Vidas Sem Rumo, Coppola decidiu confirmar o seu status como
um maverick em Hollywood, concebendo O Selvagem da Motocicleta como
uma imagem que partia audaciosamente das convenções de um filme
de gênero. Rodar o longa em preto e branco granulado, com uma trilha
sonora avant-garde, fizeram de O Selvagem da Motocicleta um ponto fora
da curva das produções de Hollywood.
Dois dos atores principais em Vidas Sem Rumo reaparecem em O Selvagem da Motocicleta: Matt Dillon assinou para atuar como Rusty-James e
Diane Lane (que viveria Cherry, a garota com quem o personagem de Matt
Dillon teve um breve flerte em Vidas Sem Rumo) seria Patty, a menina de
Rusty-James em O Selvagem da Motocicleta. Mickey Rourke, que fez o teste
para Vidas Sem Rumo, foi selecionado para interpretar Motorcycle Boy.
De Apocalypse Now, Coppola reconvocou Dennis Hopper como o pai bêbado
de Rusty-James e Motorcycle Boy, e Larry Fishburne, como um membro de
uma gangue rival, chamado Midget. Finalmente, Vincent Spano assumiu o
papel de Steve, o companheiro ingênuo, porém simpático, de Rusty-James.
O ator moreno oxigenou seu cabelo para perder o olhar sombriamente
bonito que ele tinha como galã em filmes adolescentes anteriores.
Coppola passou duas semanas filmando os ensaios de O Selvagem da
Motocicleta no ginásio da escola onde ele tinha ensaiado o elenco de Vidas
Sem Rumo. Ele incentivou os jovens atores em momentos de improvisação
de diálogo que contivessem a profanação que os meninos de classe baixa
ordinariamente empregavam. Coppola, como em outras ocasiões, gravou
um ensaio geral de todo o roteiro, que serviria como uma “pré-visuali-
dor de crescimento
246
de meses atrás. Rusty-James é desafiado por Biff Wilcox, o líder de outra
gangue. Os membros de ambas as gangues se apresentam para a briga.
Tudo se passa em um pátio de carga em uma viela molhada, o que faz
com que o calor do verão seja quase palpável.
“É uma dança da violência” – projetada pelo coreógrafo Michael Smuin
do Balé de São Francisco – em que “as gangues formam um corpo de
balé”, com os movimentos dos lutadores “iluminados por flashes a partir
das janelas de um trem que passa”³³. Os movimentos de balé dos jovens
evocam a encenação da clássica briga no musical Amor Sublime Amor (West
Side Story, 1961). Durante a disputa, Biff, que está sob efeito de drogas, puxa
uma faca contra seu oponente. Rusty-James, por sua vez, tenta escapar
ao se pendurar nas vigas do encanamento, que acabam quebrando. Em
seguida, ele lança Biff através da janela de um edifício abandonado.
De repente, Motorcycle Boy aparece do nada montado em sua moto.
Rusty-James é momentaneamente distraído pelo aparecimento inesperado
de seu irmão, e Biff o corta com um pedaço de vidro da janela quebrada.
O sangue que jorra da ferida de Rusty-James havia sido prefigurado pela
água que corria do encanamento. Motorcycle Boy revida, soltando sua
moto sem cavaleiro em plena aceleração sobre Biff, que é atropelado por
ela. A imagem de Motorcycle Boy montado em sua moto, que se repete
diversas vezes ao longo do filme, evoca Marlon Brando como o motociclista de O Selvagem (The Wild One, 1954). Motorcycle Boy também é um
não conformista entediado e sem rumo, “o anti-herói adolescente por
excelência”, determinado a vencer o sistema ou morrer tentando³⁴.
No caminho de volta para o cortiço onde os jovens vivem com seu pai,
Motorcycle Boy conta a Rusty-James que, durante sua estada na Califórnia, conseguiu localizar a mãe, que os havia abandonado na infância. Ela
está vivendo em Los Angeles com um produtor de cinema. Seu pai está
feliz com o retorno do filho pródigo. A miséria em que vive a família se
reflete no caótico cortiço, enquanto as garrafas de bebidas vazias na pia
suja simbolizam a desordem de vida do pai, especialmente a maneira
pela qual ele negligencia seus filhos. Coppola, por vezes, fotografa o pai,
que vive em uma névoa alcoólica, a partir de um ângulo inclinado, o que
indica uma certa instabilidade, uma falta de equilíbrio.
Como ele é daltônico, Motorcycle Boy diz que percebe o universo
como se estivesse assistindo a um aparelho de televisão em preto e branco. Ele não pode “ver o que está sobre o arco-íris.” Significativamente, a
única cor que consegue ver é o carmesim do peixe-beta, que ele mostra
para Rusty-James em uma pet shop. Para transmitir que Motorcycle Boy
é daltônico, Coppola achava que o personagem deveria ocasionalmente
enxergar cor por alguns segundos para, em seguida, não mais conseguir
fazê-lo. Foi o que levou Coppola a concluir: “só os próprios peixes – que
servem como uma metáfora para a história – seriam em cores”³⁵.
Motorcycle Boy chama o peixe-beta de “peixe de briga” porque eles
possuem um instinto de luta que os leva a atacar uns aos outros. Na ver-
33 goodwin e wise,
1989: 383.
34 lewis, Jon. “The
Road to Romance and
Ruin: Rumble Fish” em
starrett, Christopher
(org.). Crisis Cinema.
D.C.: Maison Elvc Press:
Washington, 1993.
p. 136–137.
35 thomson e gray,
1983: 63.
247
juventude e ressurreiç ão
32 oldham, Gabriella.
First Cut: Conversations
with Film Editors.
Oakland: University of
California Press, 1995.
p. 330.
Durante a filmagem, Dennis Hopper viu a vantagem que era para
Coppola repetir cada tomada no monitor de tv no Silverfish, a fim de
identificar modificações necessárias em cada cena e fazer anotações
para o editor Barry Malkin. “O gênio de Francis está realmente em sua
tecnologia”, diz Hopper³¹.
Encerradas em outubro, as filmagens de O Selvagem da Motocicleta
foram tão eficientes quanto as de Vidas Sem Rumo. Mais uma vez, Coppola
estava dentro do cronograma e do orçamento. Os intermináveis cronogramas de filmagem e os orçamentos exorbitantes de Apocalypse Now
e Do Fundo do Coração pareciam, naquele momento, pertencer a um
passado distante.
Coppola colaborou estreitamente com Barry Malkin na edição do
filme. Malkin gostou particularmente de montar as cenas de briga que
ocorrem no início, quando Rusty-James desafia o líder de uma gangue
adversária. A sequência compreendia oitenta e um planos em dois minutos
de tempo de tela. “É geralmente mais fácil de cortar… uma sequência
de ação”, explica Malkin, “do que editar uma sequência de diálogo com
um monte de personagens sentados ao redor de uma mesa”, o que pode
parecer bastante estático e chato para o espectador³².
Após a pós-produção ser concluída, a estreia de O Selvagem da Motocicleta
foi adiada para o outono de 1983. A ideia era que o lançamento do filme
não seguisse o caminho de Vidas Sem Rumo, que saiu na primavera de 1983.
Como O Selvagem da Motocicleta foi pensado como um filme de arte, acabou
que o consideraram sofisticado demais para atrair o mesmo jovem público
de Vidas Sem Rumo. Coppola decidiu então estrear o filme no Festival de
Cinema de Nova York, em 7 de outubro de 1983, a fim de trazê-lo para a
atenção de um público mais maduro. Os críticos que viram o longa no
Festival, no entanto, foram em grande parte indiferentes ao filme, assim
como havia acontecido com Do Fundo do Coração, quando estreou no Radio
City Music Hall. Coppola afirma que os esnobes críticos de Nova York tinham se alinhado contra ele desde O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather,
Part ii, 1974). “Eles nem sequer vão jogar um osso para mim”, lamenta.
O Selvagem da Motocicleta começa com nuvens atravessando um céu
que escurece (por meio da fotografia acelerada de Burum). As nuvens
que se deslocam rapidamente, assim como as constantes imagens de
relógios – incluindo um relógio enorme sem ponteiros – são destinadas
a expressar um sentimento de urgência, da passagem do tempo – um
fato da vida que os jovens, segundo Coppola, acham difícil de entender .
Ele desejava, sobretudo, intensificar o efeito do tempo que se esvai para
o desencantado e autodestrutivo Motorcycle Boy, cujo juízo final pode
estar se aproximando.
Há um sinal pintado com spray em uma parede de tijolo: “Motorcycle
Boy é Rei.” Isso só faz Rusty-James lembrar o quanto ele sente falta de
seu irmão mais velho, que tinha sido o líder da gangue de rua a qual
Rusty-James pertence desde que Motorcycle Boy deixou a cidade um par
par te iv
31 gallagher, John.
Film Directors on Directing.
Nova York: Greenwood
Press, 1989. p. 136.
da pet shop e mata Motorcycle Boy. O personagem tinha esperança de
escapar da atmosfera corrosiva da cidade grande para um ambiente mais
saudável, mas para Motorcycle Boy, brutalizado pela vida na rua, já era
tarde demais. Ele é morto a tiros no clímax de O Selvagem da Motocicleta,
assim como Dallas foi baleado a sangue frio em Vidas Sem Rumo, em
ambos os casos, por policiais. Não há lugar na sociedade para solitários
rebeldes como Dallas e Motorcycle Boy.
Patterson joga Rusty-James contra um carro da polícia e o revista.
Rusty-James vê seu próprio reflexo colorido na janela do carro – a única
imagem colorida do filme além dos peixes-beta. Ele quebra a janela por
angústia e frustração. A ação de bater contra seu próprio reflexo tem
paralelo com o peixe que também ataca seu reflexo no espelho. Como
o peixe-beta é um símbolo dos “adolescentes autodestrutivos presos na
pobreza urbana”, eles representam a determinação de Rusty-James de
escapar da existência estreita em que ele se sente preso³⁷.
Coppola, que já tinha usado diversos planos-sequência em Do Fundo do
Coração, emprega alguns planos longos impressionantes em O Selvagem da
Motocicleta. Neste momento, por exemplo, a câmera rastreia lentamente o
cadáver de Motorcycle Boy, passando pelos curiosos até Steve, o amigo leal
de Rusty-James, que compartilha a sua dor. Em seguida, a câmera passa
pelo alcoolizado pai dos irmãos, que se afasta do corpo morto do filho, traga
um gole de uísque e tropeça longe da cena trágica. Este plano panorâmico
é muito mais eficaz do que uma série de planos curtos, pois a solenidade
e a lentidão do movimento sublinham a tristeza fúnebre do momento.
O roteiro de filmagem acaba de forma muito diferente do filme.
A última cena, como descrito no roteiro, termina com Motorcycle Boy
deitado morto no chão, “com o bater dos peixes-beta morrendo ao seu
redor, ainda muito longe do rio… enquanto o carro de polícia segue seu
caminho com Rusty-James”³⁸. No filme lançado, Rusty-James carrega silenciosamente o aquário para a margem do rio e cumpre o último desejo
de seu irmão, jogando os peixes na água. Lembrando o conselho de seu
falecido irmão de que ele deveria sair da cidade e seguir o rio até o mar,
Rusty-James monta na motocicleta de seu irmão e ruge noite adentro.
Segue-se um breve epílogo que também não está no roteiro, e, portanto, como as ações silenciosas de Rusty-James que acabamos de descrever,
deve ter sido inventado por Coppola durante as filmagens, já que Hinton
ressaltou que foi ele quem contribuiu com o imaginário visual do filme.
O Selvagem da Motocicleta termina com a silhueta de Rusty-James, montado
na moto em uma praia da Califórnia, observando as gaivotas que voam
sobre o Oceano Pacífico. Ele, de fato, alcançou o mar, parece liberado da
adoração pela figura heroica do irmão, não está mais vivendo sob a sombra
de Motorcycle Boy. Ele agora está preparado para um recomeço – sozinho.
Coppola compreendeu que, ao longo do filme, o irmão mais novo
e subvalorizado era certamente o mais promissor do par. No final, diz
Coppola, Rusty-James deixa de adorar ao irmão como um falso ídolo e
37 lourdeaux, Lee.
Italian and Irish
Filmmakers in America:
Ford, Capra, Coppola, and
Scorsese. Philadelphia:
Temple University Press,
1990. p. 202.
38 Francis Ford Coppola,
“Rumble Fish” com S.
E. Hinton, roteiro não
publicado (Universal,
1982). p. 93–94.
249
juventude e ressurreiç ão
dor de crescimento
248
dade, Motorcycle Boy diz que se alguém segura um espelho até o vidro
do tanque, o peixe-beta vai atacar seu próprio reflexo. Motorcycle Boy
sente um parentesco entre essas criaturas hostis e as gangues rivais, que
estão sempre brigando umas contra as outras.
Em essência, o próprio Motorcycle Boy representa os jovens valentões
urbanos que povoam as ruas tortuosas e os becos sombrios de um mundo desprezível, pois ele está em desacordo com a sociedade e se recusa a
obedecer às suas normas. Ele é reverenciado por seus pares, devido à sua
atitude teimosa e insubordinada. O defeito básico do personagem, diz
Coppola, “é a sua incapacidade de se comprometer, e é por isso que eu o
fiz daltônico. Ele interpreta a vida em preto e branco”³⁶.
Rusty-James, um jovem desarticulado, confuso, é desencorajado pelos
outros membros da gangue, que admiram descaradamente seu irmão, e é
constantemente lembrado de que ele não é páreo para Motorcycle Boy. “Ele
é como um rei no exílio”, opina um deles. Mas Motorcycle Boy já não tem
quaisquer ilusões de grandeza sobre si mesmo. É para ele uma espécie de
fardo ser Robin Hood, Jesse James e O Flautista de Hamelin, ele confessa
a Rusty-James. Ele se vê como pouco mais do que a “novidade do bairro”.
Motorcycle Boy aparece em uma fotografia esfarrapada dos dois
irmãos na infância em que ele segura seu irmão ainda bebê com um
abraço protetor. “Você me seguindo como um cachorrinho perdido”, ele
diz mais tarde para Rusty-James quando eles veem o peixe na pet shop.
“Eu gostaria de ter sido o irmão mais velho que você sempre quis”. Ele
tem a sensação incômoda de que decepcionou o irmão mais novo, seja
como modelo, seja como líder de gangue. “Se você vai liderar as pessoas,
você tem que ter um lugar seu”, reflete ele. Motorcycle Boy percebe que
é uma causa perdida. Coppola filma Motorcycle Boy como uma espécie
de rato que não consegue mais encontrar seu caminho para fora do labirinto. Além disso, os irmãos são fotografados diversas vezes através de
uma cerca ou de barras de metal de uma escada de incêndio, sugerindo
que eles estão presos em um mundo cruel e indiferente e que devem ficar
juntos para sobreviver.
Uma noite, Motorcycle Boy e Rusty-James invadem a pet shop. O
primeiro abre todas as gaiolas e liberta os animais. Essa cena lembra a
ação similar de “Killer” Kilgannon em Caminhos Mal Traçados (The Rain
People, 1969), que Hinton diz ter visto antes de ter escrito O Selvagem da
Motocicleta. Motorcycle Boy então pega o aquário dos peixes-beta, “seus
irmãos aquáticos”, e diz a Rusty-James que tem a intenção de libertá-los
no rio. “Eles pertencem ao rio”, ele diz a Rusty-James; “Eu acho que eles
não brigariam se estivessem no rio.”
Quando a polícia chega, o oficial Patterson (William Smith), convencido
faz tempo de que Motorcycle Boy é uma ameaça à sociedade, persegue o
personagem. Patterson funciona como o Anjo da Morte no filme. Ele paira
metaforicamente acima da cabeça de Motorcycle Boy esperando que “ele
saia da linha”. Ele aproveita a oportunidade proporcionada pela invasão
par te iv
36 cowie, 1989: 176.
dor de crescimento
250
alguns críticos vejam o longa como um conto desagradável e desarticulado sobre jovens indecisos, o filme é na verdade um recorte instigante
da vida nas ruas sobre alguns perdedores que estão sendo privados do
pouco que tinham a perder. A iluminação austera e a fotografia em preto
e branco ajudam a dar ao filme uma autêntica intensidade, enquanto a
câmera foca em cenas de abandono, encontrando a beleza em enevoados
pátios ferroviários e em cafés enfumaçados. De fato, a direção de arte de
Dean Tavoularis e a fotografia de Steven Burum mereciam mais crédito
do que tiveram quando o submundo sombrio, atmosférico que ajudaram
Coppola a criar foi lançado.
Coppola reclamou com alguma razão de que os críticos que escreveram sobre o filme no Festival de Nova York sequer reconheceram as
performances dos atores. Matt Dillon entrega uma atuação muito mais
nuançada do desajustado Rusty-James de O Selvagem da Motocicleta do
que a interpretação um tanto superficial de Dallas Winston em Vidas
Sem Rumo. Mickey Rourke vive o papel de sua carreira em uma leitura
discreta do Motorcycle Boy e Vincent Spano faz um retrato impecável de
Steve, o amigo de bom coração de Rusty-James, que tem o mesmo tipo
de devoção obstinada para com Rusty-James que este alimentava por
Motorcycle Boy. Todos os três jovens atores projetavam efetivamente o
interior tumultuado dos jovens modernos.
No entanto, o filme não encontrou seu público quando foi lançado
e acabou sendo retirado dos cinemas depois de apenas sete semanas,
com meros us$ 1 milhão arrecadados. Vidas Sem Rumo, contudo, tinha
acumulado um lucro de cerca de us$ 12 milhões. E, assim como havia
acontecido com Do Fundo do Coração, O Selvagem da Motocicleta atraiu mais
público na Europa do que nos eua.
Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta estão ligados não somente
porque são ambos baseados em romances adolescentes escritos por S.E.
Hinton, que analisam a violência das gangues de rua. Eles também são
conectados por tratarem de um tema frequente no cinema de Coppola, a
família, o que é bastante visível em ambos os filmes. Os personagens de
Matt Dillon em Vidas Sem Rumo e em O Selvagem da Motocicleta constituem
um sentimento de família ao lado dos companheiros de gangue. A família disfuncional de Dallas Winston em Vidas Sem Rumo é praticamente
inexistente. Se ele se preocupa com alguém, é com Johnny e Ponyboy.
A família de Rusty-James em O Selvagem da Motocicleta entrou em colapso
quando sua mãe fugiu para a Califórnia, seu pai começou a beber e seu
irmão se tornou um vagabundo inquieto. Rusty-James tenta restabelecer
um vínculo familiar com Motorcycle Boy, quando este regressa da Califórnia, mas eles nunca realmente se reconectam. Se alguém realmente se
preocupa com Rusty-James, é Steve, mesmo quando Rusty-James parece
não dar muita bola para ele.
A consideração que Coppola tem por O Selvagem da Motocicleta como
um filme significativo tem sido justificada com o passar do tempo pelo
251
juventude e ressurreiç ão
40 ehrenstein, David.
“One from the Art” em
Film Comment 29, n° 1,
1993. p. 30. Ver também
ozer. Film Review Annual
(1984). p. 1020–32, para
uma amostra das críticas.
se agarra ao fato de que “é ele, e não o irmão, que é abençoado”³⁹. É claro:
o novo final que Coppola inventou confere uma conclusão mais positiva
do que a que constava no roteiro, que terminava com Rusty-James sendo
preso e o peixe se debatendo no chão.
Em geral, acredita-se que a reação negativa ao filme no Festival de
Nova York sabotou as chances do longa fazer sucesso com o público. Se o
filme fracassou em seu lançamento original, isso se deu até certo ponto
porque O Selvagem da Motocicleta é um filme austero e não muito fácil
de ser amado. Várias críticas em todo o país condenariam o longa como
irremediavelmente obscuro e pretensioso. Eles apontavam para a sequência fantasiosa em que Rusty-James desmaia depois que ele e seu amigo
Steve são atacados por assaltantes. Rusty-James passa então por uma
arrebatadora “experiência fora-do-corpo”, na qual acredita estar morto.
Enquanto ele flutua acima da cidade, vê o seu corpo em coma estirado
no chão. Ele mesmo imagina seu próprio velório em um salão de bilhar,
com seus amigos em luto oferecendo um brinde “para Rusty-James, um
cara bem legal”.
Esta sequência fantasiosa é importante para o filme, uma vez que
reflete claramente a realização do desejo patético de Rusty-James: ele se
vê estimado pelos seus velhos amigos como uma lenda, assim como seu
irmão mais velho, o que, simplesmente, não é verdade. David Ehrenstein
descreve esta cena como “um momento maravilhosamente maluco”,
exatamente o tipo de coisa que pontua os filmes de Coppola e que os
críticos consideram como meros “truques visuais”. Um crítico chegou
a elogiar ironicamente o filme por possuir uma grandeza febril e parcialmente redentora, como evidenciada na sequência de fantasia citada
acima. Outro autor foi bem mais longe, afirmando que esta sequência
lunática atestava que Coppola era um dos cineastas mais poderosos do
nosso tempo. Ele resumia o filme dizendo que Coppola tinha criado
um mundo opressivo e sombrio, um limbo fervente de salões de sinuca,
bares e variados espaços frequentados por adolescentes – claramente o
trabalho de um artista que se recusa a se render. Outro crítico, contudo,
observou que Coppola, ainda o maverick, simplesmente jamais iria se
comportar. Incitado pelos executivos do estúdio a realizar outro filme
para o apaixonado público de Vidas Sem Rumo, ele, ao contrário, fez um
filme barroco para o mercado menor do circuito de arte⁴⁰. O pequeno
grupo de simpatizantes de Coppola endossou a direção sofisticada de
O Selvagem da Motocicleta, classificando-o como um filme corajoso de um
cineasta que se destacava das tendências do momento, algo que marcava
a mentalidade hollywoodiana em que produtores tentavam a todo custo
atender às mudanças no gosto do público.
O Selvagem da Motocicleta ganharia toda uma horda de fãs ao longo
dos anos. Atualmente, o filme é visto como altamente inventivo, que
ainda mantém uma frescura abrasiva. O enredo se move corajosamente
até o seu clímax, quando o destino de Motorcycle Boy é selado. Embora
par te iv
39 goodwin e wise,
1989: 350.
41 oldham, 1995: 330.
42 bergan, 1998: 69.
dor de crescimento
252
status de culto que o longa hoje ostenta, sendo, inclusive, exibido muitas
vezes em cursos universitários de cinema. Além disso, os historiadores
reconhecem a coragem artística de Coppola em fazer um filme um tanto
pessimista sobre a juventude moderna, que transcende a apresentação
simplista dos jovens em inócuos e ascéticos filmes sobre adolescentes.
“Esse filme ganhou certo status no submundo”, diz Barry Malkin. “A fotografia em preto e branco com pitadas de cor, as sombras pintadas do
cinema expressionista alemão” e a música de Stewart Copeland, “tudo
isso ganhou uma enormidade de fãs”⁴¹. Resumindo os dois filmes adolescentes de Coppola, Bergan talvez tenha dito tudo quando declarou
que “ambos os filmes provaram que Coppola não se contentava em fazer
filmes de gênero de forma convencional”, mas, em vez disso, dava nova
vida a velhas fórmulas⁴².
Como O Selvagem da Motocicleta não conseguiu encontrar uma audiência na época de seu lançamento original, Coppola teria dificuldades
para montar uma outra produção. Inesperadamente, ele seria convidado
na última hora para ajudar a salvar um filme intitulado Cotton Club (1984)
e produzido por ninguém menos que seu velho inimigo, desde os dias
de O Poderoso Chefão, Robert Evans.
david thomson e lucy gr ay
Publicado originalmente
sob o título “Idols of
the King: The Outsiders
and Rumble Fish” em
philips, Gene D. e Hill,
Rodney (orgs.). Francis
Ford Coppola: Interviews.
Jackson: University
Press of Mississipi, 2004.
p. 106–124. Tradução de
André Duchiade. Texto
traduzido e publicado sob
permissão da revista Film
Comment, 2015.
255
juventude e ressurreiç ão
VIDAS SEM RUMO E
O SELVAGEM DA MOTOCICLETA
Nós havíamos visto Francis Coppola diversas vezes ao longo do último ano e
meio – no Vale do Napa, na Califórnia, no fim de semana no qual ele se deu
conta de que Do Fundo do Coração (One From the Heart, 1981) havia fracassado;
também em Napa, um ano depois, enquanto a montagem de O Selvagem da
Motocicleta (Rumble Fish, 1983) acontecia acima da vinícola; uma noite no Tosca Cafe, em São Francisco, quando ele tirava um descanso de sua missão de
reescrever Cotton Club (The Cotton Club, 1984) em duas semanas. Foi um período de agitação, terminando e recomeçando, com as finanças do estúdio
Zoetrope instáveis e com seu fundador realizando vários filmes.
Em meio a todo esse tumulto e escuridão, O Selvagem da Motocicleta é
seu melhor filme, o mais emocional, o mais revolucionário e o mais claramente apaixonado por filmes da década de 1940. O filme tem um clima que
poderia ter saído de Camus e dos existencialistas franceses, mas se parece
com Welles e Cocteau. A mistura, reminiscente de Gregg Toland, entre
uma onda de calor na cidade de Tulsa e os sonhos febris da adolescência, é
uma rapsódia à fraternidade, em particular ao triângulo entre os dois irmãos e seu pai alquebrado – Matt Dillon, Mickey Rourke e Dennis Hopper.
É deliberadamente um filme artístico americano – tão repleto de sons de
corações partindo quanto Kane – e também uma lenda de amor, aspiração
e perda, em uma província remota de um mundo que olha para Los Angeles como sua luz. Apesar de tão aberto pessoalmente, Francis Copolla é
também um homem fechado e reservado, temeroso com a possibilidade
de abrir toda a sua experiência, um Michael Corleone tentando ser como
Sonny, assim como um Matt Dillon aspirando a ser tão legal quanto Mickey
Rourke. O Selvagem da Motocicleta é um mito tão belo quanto Orfeu (Orphée,
1950), de Cocteau, mas é também uma confissão sobre o começo da vida do
próprio diretor e sobre a psicologia da perseverança.
Os anos mais felizes de seus 45 de vida foram quando ele tinha cinco
e seis anos. Foi ali que surgiu sua intensa admiração por seu irmão mais
velho, Augie, para quem O Selvagem da Motocicleta é dedicado. Quando
encontramos Francis Coppola outra vez, em seu apartamento no hotel
Sherry-Netherlands, em Nova York, demorou vários minutos para que
reconhecêssemos sua natureza acriançada por trás da exaustão da demorada reescritura e dos ensaios de Cotton Club (que começou a ser filmado
no final de agosto). Ele estava acordado por toda a noite escrevendo com
seu novo corroteirista, William Kennedy (dos romances Legs, Billie Phelan’s
Greatest Game, Ironweed). Sua saudação aflita foi acompanhada por uma
história empolgada sobre a demissão de um grupo de secretárias que havia acontecido mais cedo no Astoria Studios, por terem sido impacientes
com sua filha Sofia e com os amigos dela que tentavam ajudar. “Simplesmente não consigo aguentar este tipo de atitude das-nove-às-cinco. Não
é condizente com o tipo de cinema no qual acredito”.
Após dispensar outro visitante e concluir um breve encontro no quarto
ao lado, Francis veio conversar conosco. Ele nunca encontrou uma posição
cômoda em seu assento: ao contrário, vibrava com energia desesperada.
par te iv
ÍDOLOS DO REI
257
juventude e ressurreiç ão
david thomson e lucy gr ay O Selvagem da Motocicleta é um filme
completamente diferente de Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1983), não
somente por um ser em preto e branco e o outro colorido, mas também pelos
tons de cada obra. E todos diziam “Ele está em Tulsa, realizando dois filmes”,
como se estivessem se referindo à época em que as pessoas iam para o deserto
e filmavam dois westerns ao mesmo tempo. “O Selvagem da Motocicleta” faz
com que Vidas Sem Rumo pareça um filme mais estranho do que pensei
quando assisti a ele. Parecia quase um filme no qual você não estivesse lá o
tempo todo.
fr ancis ford coppola Não, eu não concordo. Vidas Sem Rumo foi o
tipo de filme que eu pessoalmente gosto, um melodrama com um
tom romântico. Eu gostei muito do livro quando o li: pensei que era
doce e jovial, e que tinha algo em seu tema simples e pequeno que era
valoroso, e eu quis fazer o filme exatamente desta forma. Talvez seja
por isso que você esteja interpretando que eu não estava sempre lá,
exceto que eu tomei a decisão de fazer o filme exatamente como o livro.
A chave para Vidas Sem Rumo é sua música-tema: o fato de ser esta
música sentimentalista, adequada ao cinema clássico, indica que
eu queria um filme contado em termos suntuosos, muito honesta e
cuidadosamente retirado do livro sem grandes alterações, com atores
jovens – colocando a ênfase mais naquele tipo de lirismo ao estilo
de “…E o Vento Levou” que era tão importante à jovem [Susie Hinton]
quando ela escreveu o livro.
Gostei do filme nesta base. É como eu o realizei e a razão pela
qual o realizei. Mas, se você pensar na minha carreira, nunca fiz
dois filmes que fossem parecidos… Talvez os dois da série O Poderoso
Chefão. Mas cada um dos meus filmes é muito diferente do outro e eu
sentia que estava em uma espécie de período da vida em que podia ser
artífice, aproximando-me de um futuro estilo de trabalho próprio a
um homem mais sério e maduro, estilo este que seria baseado sobre
uma grande quantidade de explorações realizadas enquanto eu tinha
a chance para tal.
Para mim não é nada dizer “bem, eu vou fazer aquele filme e será
aquele tipo de filme”. Como com Vidas Sem Rumo – não é que eu não
pudesse ter feito o filme de 16 outras maneiras. As pessoas sugeriam:
“Bem, nós realmente vamos adaptar este livro desta maneira?”. E eu
respondia: “Bem, adolescentes me escreveram cartas querendo que
fosse assim”. De todas as cartas que recebo devido aos filmes, Vidas
Sem Rumo é o único em que todas essas pessoas fofas de 14 anos…
Então eu fiz para “elas”. Sinto que obtive algo, embora não tenha sido
tão desafiador, cinematograficamente ou mesmo no nível da direção
de atores e de outras coisas, quanto, digamos, aquele que veio logo a
seguir. Mas eu sempre tive esta ideia de que queria fazer um filme que
fosse romântico e sentimental, como O Poderoso Chefão, e um filme
que fosse de arte, mais na direção de Apocalypse Now.
thomson e gray Você pode nos contar como surgiu a ideia para O Selvagem
da Motocicleta?
coppola Quando eu estava trabalhando em Vidas Sem Rumo, uns garotos
me falaram sobre outro livro que tinham lido, chamado Rumble Fish,
e isto me lembrou “Os Peixes-Banana”, um conto de Salinger. Como
era mesmo? “Um dia maravilhoso para os peixes-banana” [Um dia
ideal para os peixes-banana]? E esta expressão ficou grudada no meu
ouvido, a palavra esquisita, o peixe brigão. Também, quando vi um
exemplar do livro, era muito curto, e eu gosto de romances curtos. Eu
simplesmente peguei o livro e comecei a lê-lo. Ele havia sido escrito
quando Susie Hinton era mais velha – e bêbada, eu acho. Tinha uma
visão tremenda, realmente impressionante, e diálogos e personagens
e ideias complicadas, o tipo de ideias que você não entende totalmente
na sua cabeça, mas que, mesmo assim, de algum modo você sente
que entende. É o fato de você seguir pensando a respeito dele o que
o torna atraente. E, além de ter me afetado daquela forma, eu havia
visto Mickey Rourke em um dos testes para Vidas Sem Rumo e estava
muito impressionado com ele, ainda que não houvesse nenhum papel
de fato que ele pudesse interpretar naquele filme.
Escalamos então Mickey e Matt, o que tinha muito a ver com Fred
Roos dizendo “Bem, isso seria demais”, porque eu estava pensando se
deveria fazer o filme com atores mais jovens. A história é sobre um
adolescente de 14 anos. De algum modo, por causa de uma menção ao
daltonismo, eu imaginei o filme em preto e branco. Isso foi sugerido
a partir do romance, eu não impus isso. E então veio a ideia de que,
par te iv
ídolos do rei
256
Mas, conforme a conversa engrenava, ele também demonstrou paixão,
ideias inesperadas e associações rápidas ou instintivas demais para serem
formuladas em frases. Bebericamos vinhos da vinícola do próprio diretor
enquanto ele planejava o jantar com o filho. Depois disso, ele mostrou um
novo sistema de som para um equipamento de vídeo avançado. Escolheu
uma sinfonia de Shostakovich para a demonstração, e o som estrondoso,
límpido como cristal, fez com que sua filha e seus amigos, agora de volta do estúdio, se reunissem para escutar. Nós conseguíamos imaginar
Coppola convencendo adolescentes dos méritos do sofisticado O Selvagem
da Motocicleta, uma vez que ele podia fazer isso pessoalmente. Eles podem
sentir que ele criou, como adulto, o que todos esperam criar quando são
crianças: um gigantesco quarto de jogos cheio de equipamentos e de
pessoas desejando se dedicar a qualquer esquema que ele possa inventar.
O Selvagem da Motocicleta é um sonho de filme, e Coppola é como Charlie
Kane, ocupado demais, criativo demais, feliz demais gastando dinheiro
para envelhecer. Ele pode vir a nunca criar seu Media Dome em Belize, mas
seu romance o acompanha em todo lugar. O Zoetrope, entre outras coisas,
ainda possui os direitos de On the Road e de Peter Pan. Francis Coppola
é o homem que poderia transformar esses dois livros em filmes.
259
juventude e ressurreiç ão
quatro meses. Então eu pensei que adiantar o máximo de produção
que eu conseguisse seria bom. Muitas pessoas olharam para mim e
disseram: “Ah, sim, claro, claro, O Selvagem da Motocicleta, mas preste
atenção em Vidas Sem Rumo”. E meio que me ignoraram por completo.
Mas, quando o filme a cores ficou pronto, fiquei muito sério e disse
que realmente ia seguir adiante com o preto e branco. A Warner
Brothers nos recusou, algumas pessoas disseram que eles sentiram
que iríamos competir com Vidas Sem Rumo. Eu sinto que Vidas Sem
Rumo sofreu um pouco de certo caos, porque todos ficavam amarelos
quando viam o corte bruto do filme, e isso influenciava que seu corte
ficasse mais e mais curto.
Eu realmente preciso assistir ao filme mais uma vez, porque eu
não entendi por que tantas pessoas não gostaram, quando não havia
nada de tão sério para desagradar. Eu pensei que estava bem próximo
ao livro.
Eu acredito que diretores devem dirigir – eles são diretores. Se eu
sou contratado para dirigir uma adaptação para o teatro de Um Bonde
Chamado Desejo, eu farei de tudo para fazer Um Bonde Chamado Desejo,
não vou tentar impor à obra minha própria imaginação bizarra – embora eu pudesse fazer isso. Foi esta a minha atitude. Assumi o projeto
para fazer assim, e fiquei muito orgulhoso por ter conseguido fazer
assim. Pegue algo, avalie o que é, e faça do jeito que a obra é. Mas,
não obstante, talvez seja verdade – meu interesse na obra devia-se a
um certo… era um bocado de trabalho. Você faz um filme como este
– pegue, por exemplo, a cena de briga em Vidas Sem Rumo, aquilo foi
tão difícil quanto qualquer outra coisa que eu já fizera antes. Era tão
difícil quanto qualquer coisa em O Poderoso Chefão. Também era de
um conceito mais incomum. Então estávamos trabalhando muito duro.
Talvez tudo se deva ao fato de que eu poderia ter escrito um roteiro a
partir de Vidas Sem Rumo e interpretado o livro de um modo diferente
do que o jeito que a autora conta a história. Mas então não seria Vidas
Sem Rumo. E então, o que você faz? E, com O Selvagem da Motocicleta,
eu acredito que estávamos começando a criar um verdadeiro meio
de produção. Nós tínhamos uma equipe de produção muito boa, estávamos cheios de energia e entusiasmados e todos estavam prontos
para fazer outro filme. E eu fui falar com o fotógrafo durante o final
de Vidas Sem Rumo e nós decidimos que, oh, nós vamos usar todas
apenas lentes curtas e o filme vai ter a seguinte aparência…
Eu costumava brincar dizendo que era um filme de arte para os
jovens, ou então que era Camus para adolescentes, ou que o filme parecia para mim com a forma como vejo os escritos dos existencialistas.
E eu gostava do fato de que os jovens podiam ver Vidas Sem Rumo como
um épico exuberante e sentimental sobre garotos que não estudaram
inglês. Estes garotos têm um gigantesco sentimento romântico, se eles
forem como nós éramos, e então eu queria explorar isso. Mas, quanto
par te iv
ídolos do rei
258
se queremos mostrar que alguém se torna daltônico, então talvez nós
devêssemos ter cor no filme e depois retirar a cor para provocar essa
impressão. E é daí que veio a ideia de ter alguns elementos coloridos
no filme. Conforme burilamos mais essa ideia, pensamos que talvez
fosse ótimo se só os próprios peixes – a metáfora da história – fossem
coloridos.
thomson e gr ay Isso aconteceu durante as filmagens de Vida Sem Rumo?
coppola Sim. Enquanto filmávamos Vidas Sem Rumo, eu escrevia o roteiro
de O Selvagem da Motocicleta. E, pensando a respeito dele e sobre o que
eu tinha à disposição, veio a ideia de que certamente poderíamos ir
direto de um filme para o outro, e também que, embora os elencos
fossem ser iguais, os filmes seriam totalmente diferentes. Por uma
coisa, não somente um dos filmes era preto e branco e o outro colorido,
mas Vidas Sem Rumo era em widescreen e O Selvagem da Motocicleta é em
1:37, o mais perto que conseguimos chegar de 4:3, um formato que é
melhor para os cineastas – as lentes são melhores. E de fato comecei a
tratar O Selvagem da Motocicleta como minha motivação para quando
terminasse Vidas Sem Rumo.
Também, sinceramente, como você pode imaginar, a produção de
Vidas Sem Rumo começou imediatamente após o fracasso de Do Fundo
do Coração nos Estados Unidos. Em vez de passar seis meses sendo
açoitado por ter cometido o pecado de fazer o filme que eu queria fazer,
eu fugi com um bando de gente jovem para Tulsa e não precisei lidar
com os críticos. Eu havia sido conselheiro de acampamento quando
era mais novo e sempre me dei muito bem com jovens. Prefiro estar
com jovens a adultos, então esta se tornou uma maneira de curar a
dor no coração causada pela terrível rejeição naquele momento. Além
disso, Vidas Sem Rumo tinha certo potencial financeiro, e eu sabia já
naquele momento, já no primeiro dia de recepção de Do Fundo do
Coração, que três meses depois eu enfrentaria os piores problemas
financeiros pelos quais eu já passara. Então, em vez de me preocupar
a este respeito, comecei a trabalhar, imaginando que o que mais poderia me salvar seria intensificar o ritmo da produção. Além disso,
grande parte da experimentação eletrônica que estivéramos fazendo
começou a render frutos, e me senti confiante de que poderíamos fazer
os filmes por somas modestas, muito bem controladas. E de fato isso
aconteceu. Vidas Sem Rumo trouxe dinheiro suficiente para me ajudar
durante um momento em que eu precisava de bastante grana.
thomson e gr ay Quando você propôs fazer o segundo filme, virtualmente
sem um intervalo entre os dois, foi fácil conseguir financiamento?
coppola Bem, ninguém me levou a sério. Nós estávamos trabalhando
em Vidas Sem Rumo e eu sabia que este abismo se aproximava, porque
este tipo de problema financeiro demora um pouco a chegar. Quero
dizer, você está encrencado, e todos sabem disso. Mas, na hora em
que todas as rodas completam suas voltas, você já está nessa há três ou
261
juventude e ressurreiç ão
para ser incluído naquele grupo cinco anos mais velho do que eu. E,
quando voltei para a escola militar depois disso, nunca consegui alcançar aquilo outra vez, o nível de coisas que acontecia lá, e eu fugi, em
última instância, por causa disso. Fui para a Great Neck High School,
que estava mais próxima a esta experiência com meu irmão.
De qualquer maneira, este relacionamento com ele durante aqueles anos foi uma parte poderosa da minha vida. Eu tive um sonho
uma vez quando era criança que me assustava todo. Eu estava em
um desses becos e havia um enorme bueiro, e estes garotos durões
estavam pegando meu irmão e iam jogá-lo no bueiro e escondê-lo
lá. E eu corria para várias casas diferentes atrás de um telefone para
chamar a polícia. Eu nunca esqueci este sonho. E, de alguma forma,
todos estes sentimentos sobre os quais estou falando… você sabe a
jaqueta naquele filme do filho dele, você sabe, Nicholas Cage, aquela
jaqueta alucinante? Aquela jaqueta era dele, do meu irmão. Era uma
cópia da verdadeira.
E ele tinha tal encanto mágico em seu jeito. Quando li o livro,
lembrei dessas coisas. Então eu fiz com que o personagem se parecesse
com Camus, e foi esta a inspiração inicial para Mickey e o cigarro.
Eu diria que meu amor por meu irmão formou a maior parte do que
eu sou, e que a outra parte foi formada por meu pai em termos de
minha atitude em relação à música. Meu pai tocava flauta e você pode
imaginar o que isso significava para uma criança pequena. Então eu
acredito que muito do que sou se deve ao fato de ter sido espectador da
família. E eu entendia tudo aquilo como se fosse mágica – eu acreditava
em tudo. Minha mãe, que era uma espécie de mãe pueril, nos trazia
muita mágica. Eu acreditei em Papai Noel até os nove ou dez anos.
thomson e gr ay É um dos filmes mais coesos e precisos a que eu já assisti.
coppola Bem, tudo correu bem. Suavemente.
thomson e gr ay O som, as imagens, a cor… Tudo. As nuances de luz e
escuridão, tudo.
coppola A música surgiu devido a outra coisa. Eu tenho esta ideia sobre
o tipo de filme que quero fazer dentro de alguns anos, um tipo de filme
que é bem diferente daqueles que estou fazendo agora – diferente daqueles que qualquer pessoa está fazendo agora, eu suponho. E uma das
coisas que eu gostaria de fazer é escrever minha própria música.
Eu tinha prometido a mim mesmo que, em O Selvagem da Motocicleta,
eu poderia escrever minha própria música, e eu tinha um conceito
muito, muito preciso de como ela iria ser. Na verdade, eu havia preparado boa parte dela em uma espécie de brincadeira. Eu pus meus
filhos, seus amigos e meu sobrinho para lerem o roteiro enquanto
estávamos em um estúdio de gravação de som. Eu tamborilava diferentes ideias de métrica para expressar o tempo. Um dos conceitos
centrais era a ideia de que o tempo está se esgotando e as pessoas
jovens não entendem que ele está se esgotando. Então trabalhamos
par te iv
ídolos do rei
260
a O Selvagem da Motocicleta, eu queria que fosse como Pedro e o Lobo, de
Prokofiev, para crianças, no qual você está fazendo um filme e então
diz: “Ah, filmes também podem ser realizados em preto e branco com
lentes de 14mm, e a banda-sonora e a música também podem ser parte
do filme. As atuações podem ser de natureza muito verossímil porém
ainda assim estilizada, etc, etc, etc. E pessoas jovens poderão assistir a
tudo isso”. Em resumo, entregue isso aos jovens e, mesmo se eles não
gostarem logo de cara, é possível que, em dois anos, eles gostem.
thomson e gr ay Você dedicou o filme a seu irmão, e isso nos faz pensar
que, embora O Poderoso Chefão I e II sejam filmes sobre irmãos, o modo
como O Selvagem da Motocicleta é sobre irmãos é muito mais pessoal e
importante para você.
coppola De fato ele é. É muito pessoal. O Selvagem da Motocicleta vem
de determinado período da minha vida quando eu tinha, sete, oito,
nove anos, em uma área não muito distante daqui, perto do Astoria
Studios, em um lugar chamado Woodside. Eu estava em um maravilhoso jardim de infância em outro bairro, próximo à praia, e minhas
lembranças de ter cinco anos são realmente maravilhosas – continuam sendo os melhores cinco ou seis anos da minha vida. E então nós
mudamos para outro bairro e subitamente havia um monte de vielas,
que é como O Selvagem da Motocicleta aparece no filme. E eu tinha um
irmão cinco anos mais velho – eu tenho um irmão cinco anos mais
velho – que era meu ídolo, que era muito, muito bom para mim. Ele me
levava para todos os lugares e me ensinava todas as coisas. Você sabe,
quando ele saía com os outros caras, porque ele era o líder da gangue,
ele era tremendamente bonito, ainda é… Ele poderia facilmente ter
me abalado, dito que não queria me levar. Eu dormi no mesmo quarto
que ele até os dez ou onze anos. Até que ele se mudasse para o sótão,
ficasse deprimido e passasse o dia olhando para mapas do Taiti.
Ele era um garoto muito avançado. Era um ótimo irmão mais
velho e sempre cuidava de mim, mas, além disso, ele ia muito bem
na escola e recebia vários prêmios por redações e outras coisas, e era a
estrela da família, e eu fiz a maior parte do que fiz para imitá-lo. Para
tentar parecer com ele, ser como ele. Eu até mesmo peguei os contos
dele e os entreguei assinados com meu nome em aulas de redação
no ensino médio. Comecei a escrever imitando ele, pensando que, se
eu pudesse fazer aquelas coisas, então eu poderia ser como ele. Ele
sempre gostara de ter sonhos grandes e de ler livros. Ele lia André
Gide, Jean-Paul Sartre, me falava sobre James Joyce quando eu tinha
14 anos. Eu não entendia muita coisa. Ele sempre me incluía.
Quando eu estava na escola militar, um ano fui mandado para
viver com ele na Califórnia. Ele era um aluno da ucla e vivia em uma
bonita casinha em Westwood junto de três outros caras, e havia um
casal de garotas vivendo lá, e este foi um verão maravilhoso… Todo
dedicado a coisas intelectuais, ler livros. Foi aí que comecei a escrever,
263
juventude e ressurreiç ão
o fato dele nunca ter conseguido o sucesso que parecia querer tanto.
Eu não queria tanto assim. Meu irmão sempre parecia estar muito
preocupado em ser o maior cara, o mais poderoso, e ganhar todos os
prêmios. Eu não era tão ambicioso quando garoto.
thomson e gr ay Surpreende-me que você não tenha querido cantar.
coppola Eu cantei um pouco. Esta foi uma das poucas coisas que me
diferenciava, e não sei por que não segui adiante e estudei a sério.
Todos costumavam dizer: “Você sabe, você deveria estudar, Francis”,
mas ninguém fazia nada a este respeito, e então eu acho que, conforme
avançava ensino médio adentro, toda minha educação era bem louca.
Eu nunca fiquei em qualquer escola por mais do que alguns meses,
e então nunca entrei em um clube de canto ou nada disso. Passei
por 24 escolas antes de ir para a faculdade, então de fato não me integrei a qualquer uma delas. Minha principal paixão naquela época
era a ciência. Eu lia sobre cientistas e teria sido um físico se fosse
bom em matemática. Lembro-me de coisas que eu esboçava que vejo
que aconteceram.
thomson e gr ay Como você acha que seu pai vai se sentir se você compuser
música para seus próprios filmes?
coppola Bem, antes de mais nada, farei dois filmes agora, Cotton Club e
Interface, e então pretendo tirar, quem sabe, uns três anos de intervalo.
Não porque eu tenha outras coisas que queira fazer, que eu realmente
queira fazer, mas porque estou me entediando com a indústria do
cinema. Ela não me atrai mais: é uma espécie de zona de ninguém
para um cara como eu. Então os projetos nos quais eu gostaria de
trabalhar, começando daqui a três anos, aconteceriam numa época
que não seria relevante em termos da vida do meu pai. Além disso, ele
sabe que tenho essas aspirações. Ele não está me encorajando nem um
pouco, mas ele sabia que eu queria escrever a música para O Selvagem
da Motocicleta, e quando ele ouviu uma fita – parte do material tinha
sido gravada – ele comentou como uma seção da música parecia algo
composto por ele. Eu não disse que a mesma seção também parecia
com algo composto por alguém há cem anos. Mas meu pai nunca foi
um homem muito encorajador.
thomson e gr ay Você sente que ajudou a carreira dele? Você se sente orgulhoso dele?
coppola Eu fiz a carreira dele. Eu sinto que ele merecia qualquer sucesso que conseguisse para si. Não fui eu que pus as notas musicais
no papel. Ele pode pegar uma folha de papel bem grande e escrever
uma composição para uma orquestra de 60 pessoas. Quanta gente
consegue fazer isso? Sou bem orgulhoso disso. O conhecimento de
música dele é tremendo. É como Leonard Bernstein ou aqueles mestres
que simplesmente conseguem fazer as coisas. Sinto muito respeito
por ele. Ele também tem um irmão, a propósito – um grande músico.
Há uma grande história de competição aí. O irmão vive aqui na região
par te iv
ídolos do rei
262
esta música com percussão e contrabaixo solo, que eu mesmo toquei.
Então veio a ideia de que o baterista que marcaria o tempo seria Stewart
Copeland, que é um ótimo baterista e que, em algumas músicas do
The Police, tinha a precisão que buscávamos. Encontrei-me com ele,
que era um cara muito legal. Gostei do nosso encontro, e ele veio aos
ensaios para criar esses ritmos. Nós tínhamos estes ensaios com um
baterista que se revelou um compositor presente. Em outras palavras,
o projeto de certa forma nasceu nesta espécie de happening teatral.
O que aconteceu com a música foi que cada vez mais eu pensei que o
que ele estava fazendo era tão bom que eu na verdade deixei os planos
iniciais de lado e disse: “Olhem, eu acho que isso que ele está fazendo
é ótimo”. E ele é um sujeito bem interessante. Então, é claro, o outro
componente era tentar expressar o tempo se esgotando por meio de
lapsos de tempo. E eu tinha essa coisa ligada às ruas, e as sombras
seguem ladeira abaixo desta forma…
thomson e gr ay É hoje difícil para você acreditar, lá no fundo, que você se
tornou, de longe, o mais conhecido e mais notável membro da família?
coppola Bem, eu consigo entender que sou mais famoso do que qualquer um deles. Penso que é um pouco como a família de Napoleão.
Você sabe, quando éramos crianças de quatro ou cinco anos e íamos
rezar à noite, minhas memórias mais antigas, nós sempre incluíamos
em nossas preces: “E permita que o papai faça sucesso”. Este era um
grande assunto de minha família. Nossa mãe dizia para rezarmos
para que isso acontecesse.
Lembro de quando tinha 15 anos e trabalhava em um escritório
da Western Union. Escrevi um telegrama falso dizendo “De fulano e
beltrano na Paramount Pictures: Prezado Senhor Coppola, o senhor
foi escolhido para ser o compositor de Jet Star, por favor venha a
Hollywood imediatamente…”. E fomos lá e entregamos o telegrama
para ele, e então precisamos dizer que era mentira.
O que inspirava a carreira de meu pai era sua vaidade e seu desejo
de ser apreciado. Ele fazia de tudo, ele tinha pequenos trechos de programas de rádio… Em outras palavras, ele tinha tido um programa de
rádio de 15 minutos na década de 1940, e eu me lembro daquelas fitas.
Uma vez que eu era a única criança na família que conseguia cantar,
os únicos elogios que eu recebia na família era quando o acompanhava
cantando, coisa que ninguém mais conseguia fazer.
thomson e gr ay Quando você pediu a ele que compusesse parte da música
para alguns de seus filmes, isto era uma continuação daquela época?
coppola Eu sempre senti que meu pai era… Há poucos músicos por aí,
exceto os daquela geração, que são mestres orquestradores e regentes. Mas, além disso, eu pensei, ele também tinha uma imaginação
melódica espantosa, e, ao passo que envelheceu, também se esforçou
para se tornar sentimental. Algumas de suas composições são bem
impressionantes. De algum modo sempre foi uma trapaça do destino
265
juventude e ressurreiç ão
Quando mais jovem, eu nunca pensei sobre mim mesmo como
alguém particularmente especial ou particularmente talentoso. Eu só
sabia que eu trabalho mais duro do que qualquer outra pessoa e que eu
tinha um bocado de boas ideias, uma imaginação vivaz. Mas eu não
podia fazer algo que as pessoas fossem dizer: “Oh, como isso é belo!”.
Até hoje não consigo fazer isso. Nunca fiz um filme que foi recebido
dessa forma. Muitos dos filmes, em retrospecto, foram assim, mas o
prazer de realizá-lo e de oferecê-lo como se serve um prato de comida,
para que então digam “Mas rapaz, isso foi bom!” – eu nunca tive isso.
Quando criança, sempre senti que talvez houvesse gente que tinha
muito mais talento do que eu, que eu só tinha uma fagulha, um fio
de talento. Mas então, se eu pudesse seguir este fio longe o bastante,
talvez então eu conseguisse encontrar o depósito real mais tarde.
E então talvez muitas dessas pessoas que tinham talentos espetaculares iriam desaparecer – e elas desapareceram. Então agora eu estou,
mais do que qualquer outra coisa, interessado em fazer as coisas do
meu próprio jeito. E não acho que a indústria tradicional do cinema
vá me tolerar.
Penso que parte do meu infortúnio com os jornais baseia-se na
verdade em um mal-entendido. Uma incompreensão que não pode
ser desfeita. Mas eles não contavam com uma coisa: com o fato de
que muita coisa do que fiz foi realmente sincera. Não exibi Do Fundo
do Coração para realizar um golpe publicitário; o exibi para tentar
salvá-lo. E não mostrei o estúdio para ser um espertalhão; eu estava
orgulhoso dele. Pensei que era uma boa ideia. E eles são tão cínicos
que pensam que qualquer um que faça esse tipo de coisa está pegando
as melhores cartas em um jogo de Banco Imobiliário, e deve pagar
por isso. Sempre fui muito cândido, sempre digo às pessoas tudo o
que sinto e estou consciente de que seriamente prejudiquei, se é que
já não acabei pela metade, com a minha capacidade de seguir fazendo
minhas próprias coisas. Devido a alguns mal-entendidos.
thomson e gray Digamos que alguém aparecesse e dissesse: “Tudo certo, nós
vamos te dar bilhões de dólares”. Você iria aproveitar a oportunidade, iria
embora mesmo assim ou então esperaria três anos para pensar a respeito?
coppola A primeira coisa que eu faria seria pegar a maior parte deste
dinheiro e tentar unir, não de fato, mas espiritual e economicamente,
o Canadá, toda a América do Norte, o México, a América Central e a
América do Sul. Eu faria este continente tão protegido economicamente
que ele seria uma espécie de mercado comum. Porque eu acredito que,
se isso pudesse ser feito, então seria algo tão formidável que ninguém
mais na Terra iria querer qualquer problema conosco. Seria muito
estável, muito rico.
thomson e gr ay Ninguém nunca faz a conexão entre seus planos de ir para
Belize e a proximidade com a região onde os eua têm mais problemas e onde
é mais necessário um americano falando com as pessoas.
par te iv
ídolos do rei
264
central… Ele é um regente muito conhecido, mais bem-sucedido do
que meu pai. Ele é muito considerado na família.
thomson e gr ay Você estava contando que teve um problema no estúdio
hoje devido a um incidente provocado por sua filha. Algumas das crianças
acabaram de passar nesta sala e isso me faz pensar, só de ver você em casa,
por umas poucas vezes como esta, que você adora tê-los por perto.
coppola Bem, quando era criança, eu sempre adorava outras crianças.
E uma das minhas grandes frustrações, como ocorre com muitas
crianças, era que eu não tinha amigos, ou que eu não ficava na escola
tempo o bastante, ou então que não pude manter meus primeiros
amigos do jardim de infância, onde fui muito feliz. O jardim de
infância realmente foi – e não estou exagerando – cinco vezes mais
feliz do que o resto da minha vida. Nunca mais voltou a ser a mesma
coisa. Para mim era um período mágico, construindo coisas, contando
histórias e brincando com meninas – foi tudo que tinha que ser. E,
de algum modo, eu tentei recriar aquilo.
O Zoetrope não foi nada além, e não é nada além, do que um departamento universitário de teatro passando à vida adulta, e mesmo
o incidente hoje ao qual você se refere não foi de fato sobre Sofia, mas
sobre o ponto de vista que um estúdio de cinema e a indústria cinematográfica na verdade são algo para os jovens, para a experimentação,
para a vida, para a diversão e todas estas outras qualidades. Eu desprezo
a outra força que quer demolir o cinema e transformá-lo em algo ligado
à contabilidade, à burocracia, a turnos das nove-às-cinco e a “Como
assim, há crianças no estúdio?”. Odeio isso. Vou matar isso. Porque,
para mim, é isto o que já destruiu grande parte da herança cinematográfica neste país. É como se alguém tivesse derrubado o Chrysler
Building, que é o que houve com a Warner Brothers, ou posto abaixo
a Brooklyn Bridge, que é o que aconteceu com a MGM. E não apenas
os edifícios ou os sistemas vão embora, mas a entrada de jovens.
Agora que estou com 45 anos, o que é mais precioso para mim é
garantir que os jovens herdem o cinema. Porque os intermediários, o
pessoal do merchandising e do marketing irá bloquear seu acesso à juventude, e também o acesso aos seus líderes tradicionais – os chamados
cineastas valorosos e antigos que ainda querem trabalhar e participar.
Você vê, toda a minha ideia era “manter” estes dois extremos. Para
mim, é uma guerra, que eu não imagino que tentarei vencer, mas é a
mesma coisa que aconteceu aos automóveis quando os designers pararam de projetar carros, e os garotos não foram correndo ler os jornais
porque o 19xx Pontiac estava sendo lançado… Nós corríamos, nós
andaríamos quilômetros para ver um novo carro. E esse problema se
espalhou para todos os níveis da nossa vida e do nosso mundo. Está se
espalhando tão rapidamente que eu praticamente preciso de uns dois
anos para pensar a este respeito, para entender se eu deveria desistir
ou não… ou talvez eu esteja fazendo do jeito errado.
267
juventude e ressurreiç ão
nição que a Sony desenvolveu mostra que a física pode comportar isto
que estamos discutindo tão logo este imenso mercado global venha
abaixo. É necessário entender que um país é de um tipo, outro país é
de outro – países não podem realmente se comunicar. A qualidade é
pobre, é monofônica, é pequena.
Isso vai mudar bem rápido, se os pequenos interesses ocultos que
controlam as transmissões permitirem. A razão pela qual a mídia não
está se expandindo é porque as pessoas que a controlam não querem
mudanças. Em geral, a história nos diz que não se pode barrar este
tipo de inovação – dez ou vinte anos depois, ela vai avançar. Quando
isso acontecer, ela se tornará o padrão, e todos no mundo poderão ver
qualquer coisa em sua própria língua. Bem, isto vai mudar o mundo. Vai mudar a política, a economia, a arte – e eu suponho que vai
mudar para melhor, uma vez que sabemos que, no passado, em geral,
são grupos de maus interesses ocultos que controlam a informação.
Então estou olhando para esse outro mundo, que é o mundo no qual
serei já um velho. E estou desistindo deste mundo, porque não consigo
mais lidar com ele.
thomson e gr ay Isto significa que o Zoetrope, nas várias formas que ele teve
nos últimos 12, 13 anos, é uma coisa do passado?
coppola Bem, o Zoetrope sempre foi capaz de se reinventar. Já fez isso
quatro ou cinco vezes. Nós nos chamávamos American Zoetrope porque éramos muito jovens, muito sinceros, acreditávamos que éramos
cineastas americanos e que o Zoetrope era o símbolo tradicional do cinema. Depois de um tempo, percebemos, quando éramos mais cínicos,
que o American do nome não ia nos ajudar de modo algum. Que você
precisa se tornar o Zoetrope internacional se quiser ser alguma coisa.
Ou até mesmo em novas dimensões: fomos o Omni-Zoetrope por cerca
de um mês. E então veio a ideia do estúdio e ela realmente esquentou
meu coração, porque o que amo mais do que tudo é o teatro. O estúdio. O comissariado, os atores chegando, o entusiasmo, virar a noite,
passando a limpo o roteiro. Pensamos que teríamos nosso próprio
estúdio de Hollywood à imagem dos antigos. E, quando este projeto
não foi capaz de se sustentar, que é onde estamos agora, eu acho que
ele vai renascer. Acho que provavelmente vai se chamar Zoetrope Corp.,
e que vai terminar no Chrysler Building, que irá adquiri-lo…
thomson e gr ay Até aqui você esteve descrevendo todos estes passados e este
futuro deste modo muito complicado. Você tem um senso do agora?
coppola Eu não tenho qualquer presente. Vivo como uma pulga entre
dois blocos de granito, não há espaço, é horrível. Nunca tenho tempo
para fazer nada que eu queira fazer. Sinto-me como se estivesse basicamente sempre resolvendo algum problema com alguém que não é
importante. Estou sempre sob a mira de uma arma. Tento ser cortês
com as pessoas, mas há muita gente! Geralmente estou trabalhando em
muitos projetos, mas quando eu estava mais feliz em janeiro, fevereiro
par te iv
ídolos do rei
266
coppola Há muitos aspectos nesta questão. Você pode imaginar que
pessoas em Washington falaram comigo, e as pessoas dizem “Bem,
por que você iria querer fazer qualquer coisa num lugar como aquele,
uma região problemática…?” O que não param para pensar é que
regiões problemáticas sempre recebem dinheiro, porque Belize é
necessária à estabilidade daquela região, como Hong Kong ou a
Suíça são necessárias a outros lugares. Há um aeroporto e ele está em
funcionamento. Minha ideia sempre foi baseada na noção de que o
Caribe era o Mediterrâneo do futuro, e que uma das quatro grandes
indústrias mundiais seria a das telecomunicações. E as telecomunicações podem estar baseadas em qualquer lugar onde você as instale.
O que é necessário é um meio-ambiente muito bonito, de modo que
muita gente queira ir pra lá. Belize tem a costa mais vasta e exuberante, intocada, em qualquer lugar do mundo. Em segundo lugar, é
necessário também que seja um país pequeno e independente, porque você quer ter seus próprios satélites e você quer que seu próprio
governo administre a si pelo bem de sua indústria principal, que é a
das telecomunicações.
Belize fica a três horas daqui de Nova York. Fala-se inglês por lá,
quase não há ninguém, eu realmente… O que eu pensava, minha fantasia – bem, eu não vou mesmo fazer isso, é claro, mas, em minha vida
de fantasia, se eu estivesse escrevendo uma história a este respeito, é
isto o que eu faria – eu criaria naquelas pessoas, e nos jovens do Caribe,
e nos jovens em geral, o gosto pelo vídeo. Dar-lhes-ia as ferramentas
para que produzissem vídeos e criaria uma pequena indústria.
thomson e gr ay Então você acredita mais no vídeo do que na película?
coppola Não vai haver película em 15 anos exceto por razões industriais, bioquímicas ou de análise; é simplesmente… lembrem-se do
que aconteceu ao Super 8 preto e branco, em determinado momento
não havia mais preto e branco. Agora não há filmes preto e branco de
35mm. A película é como uma carruagem sem cavalos: não é relevante.
A questão sobre a película é que ela é “tão bela”, e está no apogeu de
seu desenvolvimento, então ninguém pode dizer que ela não deveria
existir. Mas, deixando isso de lado, estou dizendo que a película está
morta, está acabada. Porque a nova mídia é tão incrivelmente flexível,
imediata e econômica, e ela pode ser tão bonita quanto.
thomson e gr ay Pode ser?
coppola Ah, é claro que pode. Quero dizer, basicamente, quando falamos sobre beleza, a razão pela qual a película é tão bela é porque ela
ocupou nossas imaginações por 80, 90, 100 anos, e aprendemos como
obter todas essas emulsões, gerar essas pequenas reações químicas,
enquanto, com o meio eletrônico… Se você visse o Betamax há dez
anos, você não acreditaria que ele existe.
Agora eu tenho uma câmera deste tamanho, e você pode pôr a fita
direto nela, você pode pôr o vídeo direto nela. A televisão em alta defi-
269
juventude e ressurreiç ão
thomson e gr ay Como Joyce?
coppola Como Ulysses. Mas é sobre algo que está na vida de todos nós,
aquela pressão. Megalopolis é como Tóquio… Mas também, Nova York
agora é para mim o cenário perfeito para um filme que vai tentar lidar
com questões como quem nós somos, onde estamos, o que é a raça
humana neste ponto? Baseia-se em parte na história romana, porque
pega um período de Roma imediatamente anterior a César, quando as
condições em Roma eram quase idênticas às nossas. Todos estavam
voltados para a morte, todos os valores haviam se convertido na busca pelo dinheiro. A sociedade estava saindo de si. E esta é a época de
Cícero… e eu pesquisei este período, tomando o incidente da revolta
de Catilina, e quero contar esta história como uma espécie de visão
de Plutarco de Nova York como uma cidade romana, embora o visual
não vá ser romano, será o de Nova York mesmo.
Catilina era um personagem muito interessante. Ele queria apenas
queimar tudo e matar a todos – somente trazer a sociedade abaixo,
destruí-la. Uma ideia muito interessante, é claro. Mas, em última
instância, em sua maior escala… Há muitas dimensões sobre este
assunto. Vocês conhecem o caso da aquisição da Bendix… de certa
forma as coisas são contadas em um desses níveis, e também no
caso da Steve Ross Corporation… Passa-se na cidade inteira: nos
esgotos, no mercado de ações. Mostra a cidade como um organismo.
Eu realmente queria fazer um épico sobre os dias atuais abordando o
tema da utopia. Penso que utopia é uma palavra cujo tempo chegou.
Nós costumávamos fazer graça dela, e todos sabemos que utopia em
grego significa: em lugar nenhum. O modo como vou realizá-la é em
uma espécie de estrutura elaborada e novelística que tem um intervalo
e uma segunda parte que segue mais e mais tarde noite adentro até a
parte que se passa às três da manhã – uma parte realmente selvagem,
que, em última instância, cria a base para o conceito de utopia ao
curso desta louca alucinação que acontece. Mas eu quero fazer um
filme sobre a utopia, sobre o que ela é. Isto é ignorado. Todos riem
dela. Nem sequer pensamos a este respeito.
thomson e gr ay Você estava falando sobre o período no começo deste ano
quando você estava escrevendo muito, obviamente escrevendo parte da base
deste projeto, e então veio Cotton Club. Você pode contar como foi isso?
coppola Bem, Cotton Club aconteceu originalmente devido a Bob Evans,
que eu não conheço muito bem, mas que, de alguma maneira, inspira
as pessoas a tomarem conta dele – talvez porque ele é como um príncipe descuidado ou coisa assim. De qualquer forma, ele se envolveu em
problemas umas duas vezes, e sempre me senti compelido a ajudá-lo.
Ele me ligou desesperado com alguma metáfora afetada sobre como
o seu bebê estava doente e precisava de um médico. Em resumo, eu
disse que ficaria feliz em ajudá-lo por cerca de uma semana, sem custo,
para ver se podia dar minha opinião. Eu estava pensando que talvez o
par te iv
ídolos do rei
268
e março deste ano – foi um período que realmente me encheu de muita
esperança, quando se esperava que eu fosse dirigir Nos Calcanhares
da Máfia (The Pope of Greenwich Village, 1984). Eu tinha algumas boas
ideias sobre o filme: eu tinha Vittorio Storaro e a ideia de realizá-lo
como um filme desesperançado ao estilo de George Orwell – mas
passado em Nova York. Estava empolgado por isso. Então continuaram adiando, em parte porque Al [Pacino] estava ocupado com outro
filme, e então as coisas pararam de acontecer. Então decidi, em vez de
esperar ou de me importar, que eu começaria a trabalhar em outro
projeto no qual estivera pensando. E eu iria para esta casa de campo
que eu tenho – possuo uma bela biblioteca em Napa… Oh, vocês viram.
E eu iria trabalhar todos os dias nesta outra coisa, e então, em dois
meses eu tinha 400 páginas de coisas realmente interessantes, e estava
trabalhando nisso quando recebi o telefonema sobre Cotton Club.
thomson e gr ay Esta outra coisa na qual você estava trabalhando, você
pode nos dar uma ideia do que ela é? Ficção?
coppola Ah, sim. Minha ideia é que eu gostaria de passar para outra
classificação de trabalho. Eu gostaria de ser uma espécie de – não tenho
um nome para isso, então só posso inventar uns nomes engraçados
– mas eu gostaria de uma espécie de romancista de chromakey. Vocês
não viram um dos ensaios, viram? Agora nós temos os meios para que
eu possa dizer a um grupo de atores: “Tudo certo, vá para lá, e você
está em um carro, etc, etc”, e posso fazer isso. E os atores fazem o que
digo e, quando você vê na tela, parece que eles estão em um cenário.
Isso pode ser feito de forma muito convincente, se você souber como.
Você filma na frente de uma tela, que depois fica meio que invisível,
e você pode fazer qualquer coisa que quiser, incluindo muitas coisas
sofisticadas, então você pode totalmente criar qualquer coisa que você
consiga… se você usa atores reais… você pode pôr atores reais… então
não é algo artificial ou frio: é apenas que o cenário é falso.
thomson e gr ay É muito parecido com o teatro.
coppola Mas, ao contrário do teatro, você faz isso por tomadas, então
você pode obter a visão total do cinema e criar a ilusão completa.
Basicamente, eu quero fazer não como os grandes cineastas, mas como
os grandes pensadores e romancistas que eram os interesses do meu
irmão: Joyce, Thomas Mann, etc. E tentar escrever um romance. Mas,
em vez de ser um romance na página escrita, ele seria escrito no cinema.
thomson e gr ay Você distribuiria esta obra na forma de fitas ou de cds?
coppola Não, película. Isto é, impresso como um filme. Mas pode ser
realizado em um vigésimo do tempo. E é isto o que vou fazer. Em vez
de fazer um filme normal… vinte de uma vez, vou pegar o mesmo
dinheiro e farei algo vinte vezes maior. Ir na outra direção. Ele se
chama – vou dizer como se chama – Megalopolis. Se passa em Nova
York. E é contemporâneo. Tem muitos personagens e acontece ao
longo de um dia.
uma chance para descansar. Eu gostaria muito de ter isso. Eu não tive
vida, em minha vida inteira nunca tive férias; nunca pude ficar em um
apartamento ou me divertir. Sempre foi esta vida absurda. E eu sabia
que o material de Cotton Club era tão rico que, se eu tivesse controle
sobre a obra, não havia razão para que não pudesse fazer um belo filme.
juventude e ressurreiç ão
271
par te iv
ídolos do rei
270
roteiro estivesse meio ferrado, e, sendo sincero, sempre fico ansioso
para testar minhas invenções. Ele veio, eu olhei o material e disse que
não tinha nada que pudesse fazer em uma semana. Não havia nada
lá, era uma história rasa de gângsteres que não tentava dizer nada,
você entende? Mas, lendo parte da pesquisa, comecei a ficar mais…
Há muita coisa que aconteceu naquele período e ele é muito rico e
estimulante. Há música, ótima música, e há teatro – porque aquilo
era um teatro – e há belas dançarinas. Então, eu dei uma chance ao
roteiro e comecei a retrabalhá-lo. Eu tentava manter um conjunto para
ele. Ele insistia para que eu dirigisse o filme, e eu não queria porque
tenho pânico de estar em uma situação na qual pessoas opinem sobre
o que faço. Porque minhas ideias não parecem boas na primeira vez
que as digo, mas sempre parecem muito boas depois, se tenho autorização para executá-las. Mas, se eu preciso lutar por tudo, como tive
que lutar por Al Pacino e Marlon Brando, não tenho mais a energia
para isso ou não estou disposto a fazer isso. Então deixei bem claro
que, se eu fosse fazer o filme, eu realmente precisaria controlá-lo em
todos os níveis possíveis. Então é claro que eu chego aqui e, embora
tenha todos estes direitos, a mesma coisa acontece. Então finalmente
estive colocando cada coisa em seu lugar, pelo bem do filme.
O que aconteceu é que eu estava indo fazer este filme, Interface,
que é muito interessante, e meio que me apaixonei por Cotton Club,
se pudesse realizá-lo do modo como o vejo. É uma espécie de épico
à sua própria maneira. É um épico. É uma história de determinado
período: conta a história dos negros, dos gângsteres brancos, dos artistas, de tudo daquela época, como Dos Passos, e todas essas vidas são
permeadas por Minnie the Moocher e Mood Indigo. Não há como perder
num caso como este, contanto você saiba o que fazer.
thomson e gr ay Você obviamente sabia que Evans queria que você dirigisse
este filme, e não demorou muito para ver que o roteiro era uma isca. Quando
você soube que iria aceitar?
coppola Bem, você sabe, minha vida foi muito difícil neste último ano.
Quero dizer, nós temos o empréstimo, então sai um artigo na Newsweek
e perdemos o empréstimo. Realmente foi assim que aconteceu, e eu
não levo tão a mal. Sou bom em lidar com esse tipo de coisa, mas isso
te põe em um estado de confusão, e nos preparamos para decretar
falência, e Ellie precisou entregar todas as suas joias, e vieram até
nossa casa… Então isso estava acontecendo, e não posso dizer com
certeza o que eu ia fazer porque eu não sei quais são as condicionantes.
Nos Calcanhares da Máfia era um trabalho que me pagaria um salário
que iria ajudar, e havia várias ofertas para escrever outras coisas, e eu
praticamente queria trabalhar em algo só para conseguir evitar todo
esse caos. Então eu disse, farei Interface e Cotton Club, um depois do
outro. Eu pensei que, com isso, eu daria um golpe decisivo em meu
problema financeiro – que, em dois anos, eu talvez até pudesse ter…
— f. scott fitzger ald
DRÁCULA DE BRAM STOKER
gene d. phillips
Como Winona Ryder afastara-se de O Poderoso Chefão, Parte iii (The
Godfather, Part iii, 1990) por motivos de saúde, ela estava ansiosa para
trabalhar com Coppola em outro filme. Quando ela leu a adaptação de
Drácula que James Hart fez para o cinema, baseada no romance de Bram
Stoker, de 1897, ela não somente quis o papel da heroína do filme, como
também pediu para que Coppola fosse o diretor. Ela lhe enviou o script, e
Coppola demonstrou interesse imediato. O que mais o impressionou foi
o fato do roteiro de Hart ser tão fiel ao romance, enquanto as adaptações
anteriores haviam ignorado diversas passagens do livro.
Abraham Stoker (1847-1912) nasceu em Dublin, mas, com o tempo,
se mudou para Londres, onde dirigia o Lyceum Theater para o famoso
ator Sir Henry Irving. Ainda assim, ele encontrava tempo para escrever.
Na época, as histórias de Edgar Allan Poe estavam na moda na Inglaterra,
e um grande número de novelas de terror góticas acompanharam esse
movimento e ganharam popularidade. Stoker, então, decidiu aproveitar a
nova onda de ficções góticas e compôs Drácula. Embora algumas novelas
de terror sobre vampiros legendários já tivessem sido publicadas no século
xix, Stoker foi o primeiro a dar ao seu conto um fundamento histórico
ao transformar seu protagonista no sanguinário príncipe do século xv,
Vlad Tepes, que nasceu na Transilvânia, uma província da Romênia.
A maneira pela qual Stoker mescla história autêntica com folclore distingue seu Drácula das histórias sobre vampiros que o precederam, escreve
o historiador literário Leonard Wolf. Além disso, diz Wolf, “a grande
realização de Stoker foi ter criado uma história de aventura cuja principal
imagem – uma criatura morta-viva que bebe o sangue de jovens e atraentes mulheres – resplandece um sentido erótico.” Drácula, como Stoker o
concebeu, parece, à primeira vista, ser um idoso e, portanto, algo como
uma encarnação de um mal antigo. Então, como ele se alimenta do sangue
de suas vítimas, transforma-se em um jovem arrojado e sedutor.
Além de erotismo, Wolf continua, o romance de Stoker possui um
componente religioso, já que o vampiro, afinal, havia perdido sua alma.
Por sua vez, “o vampiro, ao tomar o sangue de sua vítima”, torna-se uma
ameaça para a alma da vítima, que pode também virar um dos mortos-vivos. A história, como Stoker a conta, assume portanto “um significado
mais amplo de uma luta entre as legiões de Deus e de Satanás”¹. É por
isso que os caçadores de vampiros, que estão do lado dos anjos, empregam como defesa contra os vampiros diabólicos objetos sacramentais do
ritual católico, como crucifixos e água benta abençoada. Como Stoker
era um irlandês nascido em Dublin, não era de se estranhar que seu
romance fosse inspirado em elementos de sua religião católica. De fato,
Publicado originalmente
sob o título “Fright Night:
Bram Stoker’s Dracula”
em phillips, Gene D.
Godfather: the intimate
Francis Ford Coppola.
Lexington: The University
Press of Kentucky, 2004.
p. 283–299. Tradução
de Julio Bezerra. Texto
traduzido e publicado
sob cortesia da University
Press of Kentucky, 2015.
1 coppola, Francis
Ford, hart, James. Bram
Stoker’s Dracula: the
film and the legend. New
York: Newmarket, 1992.
p. 167–169.
275
juventude e ressurreiç ão
“Um homem cava sua própria cova e deveria, presumivelmente, deitar-se nela.”
“Pra mim, o passado é eterno.”
par te iv
NOITE ASSUSTADORA
É importante notar que o filme de Browning foi inspirado em sua
maior parte nas peças de Deane e Balderston, e não diretamente no romance de Stoker. O mesmo pode ser dito das versões cinematográficas
subsequentes. Na verdade, uma das coisas no roteiro de Hart que mais
agradavam a Coppola era o fato dele ter voltado ao romance original
como fonte primordial e não utilizado as peças de teatro. De fato, Coppola
observou com aprovação que Hart tinha inclusive trabalhado no roteiro a coleção de cartas e as passagens de diário pelas quais a história é
contada no livro.
Coppola tinha sido um fã de filmes de terror desde a infância, e,
quando era jovem, gostava de ver filmes de terror com seu irmão mais
velho, August. “Quando eu era menino, Drácula era um dos meus filmes de
terror favoritos”, observa ele. Coppola estava encantado com esta criatura
estranha que sugava o sangue de suas vítimas. “Como eu estava obcecado
com o quão assustador Drácula era, fui procurar por ele na Enciclopédia
Britânica que a nossa família tinha, e fiquei muito impressionado com o
fato do Drácula ser baseado em uma pessoa real, que viveu uma vez, uma
figura histórica: Vlad Tepes, o campeão dos romenos contra a invasão
dos turcos infiéis. “
Apesar de Vlad Tepes ter nascido na Transilvânia, ele reinou na verdade
no sul da Romênia, no principado da Valáquia, nas margens do Danúbio.
No entanto, Stoker se referia consistentemente ao Drácula como um nativo
da Transilvânia, e até hoje é essa região que segue associada à lenda do
Drácula. Este líder feroz dos cruzados romenos protegeu a Romênia, que
era a porta de entrada para a Europa cristã, contra a invasão dos sultões
turcos e hordas muçulmanas. Ele ganhou o epíteto de Vlad, o Empalador, por empalar guerreiros inimigos abatidos em estacas e exibi-los em
plena vista do exército turco. Mesmo para aquela época bárbara, a sede
de sangue de Vlad, o Empalador, era considerada como excessiva. Seus
inimigos o chamavam de Vlad Dracul, o que significa “diabo”.
Ainda assim, o jovem Francis Coppola era fascinado por Vlad: “Eu
tinha talvez doze anos quando li sobre ele, mas me lembro que Vlad tinha empalado um monte de gente em estacas, e os turcos viram aquilo
tudo e decidiram dar meia volta ao invés de mexerem com esse cara”. Ele
ainda achava que os historiadores tinham sido muito duros ao julgarem
Vlad. Como governante, Coppola explica, “Vlad Drácula era um déspota
esclarecido”. Ele era imparcial na forma como fazia justiça: “ele empalava
e torturava até mesmo alguns conterrâneos, independentemente de sua
posição na comunidade”. Stoker empregou a figura real e histórica de
Vlad Drácula em seu romance, “e, em seguida, inventou a ideia de essa
pessoa se tornar um vampiro.”
A primeira esposa de Drácula foi a princesa Elisabeta, que, por causa
de um ardil turco, foi falsamente informada da morte de Vlad. Agoniada,
a jovem pulou da torre do castelo de Drácula e se afogou rio abaixo. “Então,
as sementes da história da mulher amada, o amor há muito perdido de
277
juventude e ressurreiç ão
n o i t e a s s u s ta d o r a
276
o romance de Stoker é um conto para todos os tempos que retrata a luta
entre as forças do bem e do mal, a luz e a escuridão, o dia e a noite. Drácula representa o lado negro da nossa própria natureza – razão pela qual
queremos vê-lo vencido.
Stoker idealizou seu romance no formato epistolar, uma forma de
narrativa que remonta a Pamela ou a Virtude Recompensada (1741), de Samuel
Richardson. Em Drácula, o narrador, um cavalheiro Inglês, emprega cartas
e passagens de um diário como documentação, a fim de dar credibilidade
ao seu bizarro conto de horror sobrenatural.
O grande cineasta alemão F.W. Murnau fez a primeira adaptação do
livro de Stoker para o cinema em 1922, dez anos após a morte do romancista. Murnau não tinha conseguido autorização para filmar o Drácula de
Stoker porque a viúva do autor considerava o cinema mudo uma forma
primitiva de arte, menos digna do que o teatro. Implacável, Murnau
progrediu com o filme. Ele mudou o título para Nosferatu, um termo
arcaico eslavo usado na novela para se referir ao morto-vivo. Além disso,
alterou o nome Drácula para Conde Orlok e transferiu a Transilvânia,
terra natal de Drácula, para Bremen, na Alemanha. Além disso, Murnau
omitiu alguns incidentes do livro e acrescentou outros. Dessa maneira,
no filme do vampiro (Max Schreck), uma criatura cadavérica com um
semblante de morcego desencadeia uma praga de roedores em Bremen,
um episódio que não está no livro. “É uma releitura livre da história”, diz
Coppola, “com muitos elementos no enredo que diferem do romance”². No
entanto, apesar das diversas divergências em relação ao romance, o filme
foi reconhecido como uma adaptação do livro de Stoker, e os detentores
dos direitos processaram os produtores do longa por terem feito um filme
não autorizado a partir do livro. O processo limitou a circulação inicial
do filme, mas, eventualmente, ele se tornaria amplamente disponível na
década de 1990.
A viúva de Stoker aprovou uma dramatização teatral por Hamilton
Deane, uma vez que ela respeitava o teatro como uma forma de arte legítima. Deane simplificou a ação, eliminando o prólogo histórico envolvendo
Vlad Tepes e a cena final no castelo de Drácula, na Transilvânia, em que
o personagem é confrontado com os caçadores de vampiros. Ele manteve
apenas a seção central do romance, que se situa em Londres, onde Drácula
persegue novas vítimas. A peça estreou em fevereiro de 1927 na capital
inglesa e foi bem-sucedida o suficiente para justificar uma produção em
Nova York. John Balderston reformulou a peça de Deane para a estreia
na Broadway, em outubro. A produção de Nova York ficou em cartaz por
33 semanas e fez do ator húngaro Bela Lugosi (que na verdade nasceu na
Transilvânia) uma grande estrela. Ao contrário do vampiro grotesco de
Max Schreck em Nosferatu, Lugosi era suave e culto, impecavelmente vestido em roupas de noite, um smoking e uma capa. E assim, ele transmitia
a atração fatal do mal. Lugosi foi convidado pela Universal Pictures para
repetir o papel em 1931 na versão cinematográfica de Tod Browning.
par te iv
2 Idem. p.2.
5 coppola, Francis Ford.
“Journal: 1989–1993” p. 17,
25 em boorman, John
e donahue, Walter
(orgs.), Projections Three:
Filmmakers on Filmmaking.
Boston: Farber and
Farber, 1994. p. 3–34.
Ver também coppola,
1992a: 3.
6 coppola, 1992b: 13.
n o i t e a s s u s ta d o r a
278
DR ÁCUL A DE BR AM S TOKER – 19 92
Em novembro de 1990, Hart foi convidado para se encontrar com Coppola
em sua casa no Vale do Napa, em Inglenook, perto do vinhedo de Inglenook, que Coppola agora opera como a adega Niebaum-Coppola. Há um
bangalô nas terras da propriedade, onde Coppola realiza conferências
durante a fase de pré-produção de um filme – a mesma casa de campo
onde se reuniu com Dean Tavoularis e Vittorio Storaro quando estavam planejando Tucker: Um Homem e Seu sonho (Tucker: The Man and His
Dream, 1988). Embora Hart tenha composto o projeto original de seu
roteiro, sob o título Dracula: The Untold Story, já em 1977, ele achava que
encontrar e discutir uma versão revista do roteiro com Coppola era uma
espécie de revelação.
Coppola sorriu para ele por cima dos óculos como um professor
travesso, Hart se lembra. Então, ele abriu o roteiro “como um condutor
prestes a iniciar uma sinfonia. Por duas horas e meia eu me sentei aos
pés do Mestre enquanto ele passava pelo meu roteiro, página por página,
hipnotizando-me, dizendo-me com imagens que iria transformar minhas
palavras em um “sonho febril e erótico”⁷.
Coppola tinha a intenção de dar a Drácula de Bram Stoker a impressão
de um suntuoso filme de terror no estilo de O Iluminado (The Shining, 1980),
de Stanley Kubrick, e ainda trabalhar com um orçamento previsto de 40
milhões de dólares – uma soma modesta para um filme histórico com
figurinos de alto nível. Ele teve a ideia de cortar os custos com as locações
para poder dispensar mais dinheiro para os trajes luxuosos – se os figurinos conseguissem encantar os olhos, ele raciocinou, os espectadores
não iriam notar que ele havia economizado nas locações. Coppola trouxe,
então, Eiko Ishioka, a designer japonês que tinha colaborado com ele em
seu telefilme Rip Van Winkle (1985). Ao contratar Eiko, Coppola explica,
ele estava confiante de que pelo menos um elemento do design do filme,
os trajes, seria absolutamente único e original.
Os figurinos deslumbrantes de Eiko eram criações exóticas e impressionantes, com sedas requintadas e brocadas, dignas de um museu.
Como o vermelho em geral simboliza o sangue no cinema, Eiko vestia
Drácula principalmente com esta cor (o manto vermelho que Drácula
usa quando Jonathan Harker, um jovem advogado, vem visitá-lo em seu
castelo, demonstra essa técnica). O enorme rastro, que se arrasta atrás
de Drácula enquanto ele caminha, “é ressaltado quando Drácula corre
pelo castelo como um morcego. Ele foi projetado para ondular como um
mar de sangue”⁸.
Coppola selecionou o diretor de fotografia alemão Michael Ballhaus.
Ballhaus era o fotógrafo favorito do diretor alemão Rainer Werner
Fassbinder antes de chegar a Hollywood, e havia filmado mais recentemente Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990), de Martin Scorsese. Como
Coppola não tinha recursos suficientes para contar com as locações elaboradas de seu constante colaborador Dean Tavoularis, acabou apostando
em um jovem diretor de arte, Thomas Sanders.
Como muitas das cenas aconteciam à noite, Coppola fez Ballhaus
fotografar essas cenas com sombras profundas e dissonantes. Portanto,
Coppola foi muitas vezes capaz de conviver com as configurações mais
7 hart, James. “The
first time I met Francis
Coppola” em leecourt,
Peter, e shapiro, Laura
(orgs.). The first time I got
paid for it: writer’s tales.
New York: Perseus, 2000.
p.86.
8 coppola, 1992b: 41.
279
juventude e ressurreiç ão
4 coppola, 1992a: 2.
Ver também coppola,
1992b: 13.
Drácula também se baseiam na história real”, Coppola ressalta. E Stoker
também a trabalhou no romance³.
É preciso dizer: o histórico Vlad Drácula foi morto em batalha fora da
cidade de Bucareste, alguns anos depois, em 1476, aos quarenta e cinco
anos de idade. Ele foi decapitado e sua cabeça enviada por seus inimigos
turcos ao sultão em Constantinopla como prova de que o feroz Vlad Drácula finalmente havia morrido. Foi o gênio de Stoker que transformou
esta figura histórica em um vampiro.
No romance, no entanto, Drácula renuncia a Deus e abraça Satanás
na sequência do suicídio de sua esposa. Ele se torna o vampiro Drácula,
e, como um morto-vivo, procura por sua amada Elisabeta ao longo dos
séculos. Ela retorna 400 anos mais tarde, reencarnada como Mina, uma
garota inglesa, e ele promete fazê-la sua noiva.
Coppola foi exposto pela primeira vez ao romance de Stoker quando
estava em sua adolescência. “Eu tinha treze ou catorze anos”, lembra ele,
“Eu era um conselheiro teatral em um acampamento no interior de Nova
York; eu lia em voz alta para as crianças à noite, e, em um determinado
verão, lemos toda a versão original de Bram Stoker.” Os meninos acharam
aquilo uma experiência arrepiante. Foi nessa época que Coppola viu a
versão de Browning para a história de Stoker com Bela Lugosi: “Eu amei
Lugosi”, lembra ele, embora estivesse desapontado com o fato do filme,
como todas as outras adaptações anteriores da história de Stoker que
dependiam da peça de teatro, ser tão diferente do livro original⁴.
“Fiquei espantado com o quanto eles haviam ignorado do romance de
Stoker”, lembra ele em seu diário de produção. Toda a última seção do
romance, “quando os assassinos do vampiro Drácula o perseguem até seu
castelo na Transilvânia e a coisa toda alcança um clímax em um enorme
tiroteio à la John Ford que ninguém nunca tinha retratado”⁵ em um filme
do Drácula. “Eu sabia o suficiente sobre o autêntico Drácula para perceber
que nunca tinham feito dele um filme”, concluiu ele⁶.
Com Drácula, Coppola voltou ao gênero do horror pela primeira vez
desde Demência 13, seu primeiro filme. Logo após examinar o roteiro de
James Hart, Coppola emitiu um comunicado à imprensa anunciando que
iria filmar Drácula para a American Zoetrope, sua unidade de produção
independente, e que o filme seria financiado e distribuído pela Columbia
Pictures. Coppola tinha vendido o projeto para a Columbia, não apenas
como um filme de terror, mas como “um sonho erótico”, e no qual ele planejava estrelar vários jovens e atraentes atores. Dessa maneira, convenceu
a Columbia de que o projeto era comercializável, e eles deram o seu aval.
par te iv
3 coppola, Francis Ford,
ishioka, Eiko. Coppola
and Eiko on Bram Stoker’s
Dracula. San Francisco:
Collins, 1992b. p. 13–14.
11 timm, Larry. The soul
of cinema: film music.
Upper Saddle River, nj:
Prentice Hall, 2003. p. 80.
12 coppola, 1992a: 162.
n o i t e a s s u s ta d o r a
280
of the Lambs, 1991), interpretaria o Professor Abraham Van Helsing, um
médico e metafísico que brinca com o ocultismo e que é o alter ego de
Abraham Stoker. Hopkins também estaria no papel de um padre romeno
que se choca com Vlad no prólogo do filme.
Coppola reuniu os atores no Castelo Coppola, em Napa, para a semana habitual de ensaios pré-produção. O elenco passou dois dias se
revezando na leitura de passagens do romance de Stoker. Esta leitura
dramática de trechos do livro se parecia com uma performance que o
próprio Stoker encenou no teatro Lyceum, em Londres, logo depois que
a obra foi publicada.
Coppola transferiu os storyboards para videotape e teve o roteiro lido
em voice-over para acompanhar os desenhos. Então, Coppola já tinha uma
fita que contava a história toda, a qual ele poderia se referir durante os
ensaios. O elenco do filme também caminhou por todas as cenas do roteiro.
Até Hopkins, que normalmente torce o nariz para ensaios mais extensos,
considerou-os de grande valia. Coppola criou uma ótima atmosfera para
trabalhar, ele disse depois. O diretor preparava uma cena e, em seguida,
improvisava, “ele te orienta pela cena.” O ator conclui: “A única maneira
de trabalhar com alguém como ele é decorar suas falas, mostrar-se presente e não fazer perguntas, porque ele parece saber o que quer fazer”¹³.
Coppola, então, organizou alguns ensaios gerais diante do público, algo
que ele havia testado originalmente em seu primeiro filme de estúdio,
Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now, 1966). Estes ensaios gerais
foram filmados, e serviram, Coppola observa, como uma versão teatral
da Broadway em Boston.
As filmagens começaram em 14 de outubro de 1991 nos antigos estúdios de som da mgm, que a Columbia havia comprado. Oldman escolheu permanecer no personagem entre as tomadas, o que fez com que
ele parecesse sombrio e desagradável no contato com o resto do elenco
e com o diretor. É certo que Oldman tinha boas ideias para cada uma
das cenas, mas todos, Coppola e os outros atores, acharam-no muito
mandão, tentando sempre se impor sobre eles. Coppola pensava que
Oldman era o ator mais temperamental com o qual ele teve de lidar
desde Marlon Brando, em Apocalypse Now (1979). Quando Coppola tentou argumentar com ele, Oldman respondeu que estava sob uma grande
pressão, esforçando-se para desempenhar um papel tão exigente: “Eu
tenho 400 anos e estou morto; como diabos faço para entrar no personagem?¹⁴” Uma das maneiras que ele encontrou foi alterar astutamente sua
voz para poder ronronar “o timbre perverso de entonações desumanas
de Bela Lugosi”¹⁵.
Coppola ficou preocupado com o consumo etílico de Oldman, e teve,
finalmente, de confrontá-lo sobre o assunto quando o ator foi preso por
dirigir sob a influência de álcool em um determinado fim de semana.
Oldman, contudo, um ator talentoso, entregaria uma performance inesquecível como a fumegante criatura das trevas.
13 grobel, Lawrence.
Above the line:
Conversations with Robert
Evans and Others. Nova
York: Da Cappo Press,
2000. p. 157 . Ver também
coppola, 1992a: 4.
14 bergan, Ronald.
Francis Ford Coppola.
Nova York: Orion Books,
1998. p.96
15 hinson, Hal. “Bram
Stoker’s Dracula” em
keough, Peter (org.) Flesh
and blood: film critics on
violence and censorship.
San Francisco: Mercury
House, 1995. p. 168.
281
juventude e ressurreiç ão
10 coppola, Eleanor.
“Futher Notes” em Notes:
On Apocalypse Now.
Nova York: Limelight,
1995. p.61.
simples, já que elas estavam envoltas em sombras. Desta forma, ele conseguia poupar dinheiro, não era preciso que Sanders construísse sets
extravagantes, e era, portanto, capaz de ficar dentro do orçamento.
Coppola afirma que optou por filmar Drácula inteiramente em estúdio, em vez de em locações como havia feito em Tucker: Um Homem e Seu
Sonho e alguns outros filmes. No estúdio, “nós poderíamos controlar os
cenários de maneira artística e incomum”. Isso simplesmente não era
possível em locações reais, onde as condições meteorológicas poderiam
estragar uma cena⁹. Como outro dispositivo para economizar dinheiro,
Coppola requisitou a utilização de alguns cenários construídos para
Hook – A Volta do Capitão Gancho (Hook, 1991), de Steven Spielberg, que
ainda estavam de pé no estúdio.
Eleanor Coppola ficou surpresa quando visitou o estúdio durante as
filmagens e viu as maravilhas que Sanders poderia produzir com pintura
e gesso. Um dos principais cenários de Sanders era “uma mansão vitoriana”, com um quarto de frente que “abria para um terraço com vista para
um jardim com uma fonte e uma lagoa”¹⁰. O suntuoso jardim havia sido,
na verdade, todo remendado a partir de um conjunto de madeira velha,
luzes coloridas e palmeiras em vasos.
Coppola encomendou a Peter Ramsey e sua equipe de artistas cerca
de mil desenhos de storyboard para planos individuais. Ele instruiu Ramsey e seus artistas a desenharem não só a partir de suas pesquisas, mas
também com base em seus próprios pesadelos. Quando concluídos, os
storyboards foram correlacionados com o roteiro, página por página, para
produzir um guia detalhado para as filmagens, que, consequentemente,
tornou-se uma espécie de bíblia para todo o filme.
Coppola queria uma partitura musical diferente, em pé de igualdade
com aquelas que Sergei Prokofieff compôs para os épicos russos de Sergei
Eisenstein, como a de Alexander Nevsky (1938). Ele importou Wojciech Kilar
da Polônia para imprimir na música um sabor de Leste Europeu. Kilar
compôs uma das trilhas sonoras mais assustadoras de todos os tempos.
Esta música assustadora e medonha, afirma o musicólogo Larry Timm,
“tem uma certa aura satânica que deixa o ouvinte com uma sensação estranha e inquieta”, uma vez que abrange vários temas marcados em uma
variedade de notas menores¹¹.
Quando chegou o momento de escolher o ator principal, Coppola
escolheu o jovem britânico Gary Oldman. O ator via o Drácula de Stoker
justamente como um anjo caído, uma alma torturada. “Os vampiros são
criaturas egoístas e destrutivas, metade deles despreza o que está fazendo,
mas não pode evitar de fazê-lo”, diz Oldman. “Então, eu não interpreto
o Drácula como Mal com M maiúsculo”¹².
Winona Ryder, é claro, faria a primeira esposa de Vlad, Elisabeta,
bem como Mina Murray, a reencarnação de Elisabeta. Mina é a noiva de
Jonathan Harker, vivido por Keanu Reeves. Anthony Hopkins, que havia
recentemente ganhado um Oscar por O Silêncio dos Inocentes (The Silence
par te iv
9 coppola, 1992a: 42.
16 coppola, 1994: 24.
17 Idem. p. 24, 31–32.
283
juventude e ressurreiç ão
As filmagens terminaram no dia 01 de fevereiro de 1992 – dentro do
orçamento e um pouco antes do previsto. Coppola, em seguida, mergulhou na pós-produção com sua equipe de editores na American Zoetrope,
em São Francisco. Em abril, Coppola tinha reunido um primeiro corte.
Logo depois, organizou um teste de audiência em São Diego, no mesmo
lugar em que havia exibido O Poderoso Chefão, Parte ii (The Godfather, Part
ii, 1974). A história se repetiu e a reação do público em relação ao Drácula
não foi melhor do que tinha sido para O Poderoso Chefão, Parte ii. Coppola
refletiu que o tom negativo de vários cartões de visualização apresentados pelos espectadores significava que o filme só tinha atendido às suas
próprias expectativas.
O grande problema era que o público tinha achado o enredo, que se
estende por quatro séculos, difícil de acompanhar. Ou seja: a narrativa
claramente necessitava de mais edição. Ao retrabalhar o primeiro corte,
Coppola manteve em mente que havia se comprometido por contrato a
entregar para a Columbia um filme para maiores de 18 anos. Sendo assim,
ele acabou excluindo algumas cenas que julgou muito sangrentas e lúgubres para sustentar tal classificação. Por exemplo, em uma cena, as noivas
do vampiro carregam uma criança por um corredor escuro enquanto se
preparam para sugar todo o seu sangue. Coppola restringiu o incidente
a um único plano das concubinas de Drácula recolhendo o bebê e deixou
o resto para a imaginação dos espectadores.
Coppola não estava indevidamente deprimido pela reação do público:
“No lado positivo, também sei que, às vezes, bons filmes podem inicialmente
ter uma pontuação baixa”, como aconteceu com O Poderoso Chefão, Parte ii.
Consequentemente, “eu espero que eu possa fazer o público gostar mais do
que em São Diego”, Coppola escreveu em seu diário em 17 de abril¹⁶.
Outro teste foi organizado no final do verão, desta vez em Denver. De
acordo com as cartas de visualização, a continuidade narrativa ainda era
um problema. Cinéfilos pensavam que “como um todo, a narrativa ficava
pulando de um canto ao outro, e as transições eram ruins”, e “as coisas
não foram explicadas o suficiente”, como Coppola escreveu em seu diário
em 2 de setembro¹⁷. Por exemplo: por que Jonathan Harker, um advogado inexperiente, tinha medo de visitar o Conde Drácula em seu castelo
na Transilvânia? Os espectadores também queriam personagens mais
desenvolvidos, especialmente Mina e sua estranha relação com Drácula:
será que ela realmente se apaixonou quando ele tentou seduzi-la?
Esse era um trabalho difícil para Coppola. Ele devia “eliminar a
sensação do público… eles não sabem o que está acontecendo”. Ele estava convencido de que era preciso consertar os nós da trama, o que
envolveria novo material, novas tomadas. Por exemplo, era obviamente
necessário adicionar uma breve cena para estabelecer que Jonathan,
um jovem advogado em um escritório de advocacia, era enviado para a
Transilvânia para fazer com que o Conde comprasse a propriedade em
Londres, porque Renfield, outro advogado, não tinha conseguido concluir
par te iv
n o i t e a s s u s ta d o r a
282
Cada tomada foi gravada ao mesmo tempo em vídeo e em película.
Isso permitiu que o trio de editores do filme, Nicholas Smith, Glenn
Scantelbury e Anne Goursaud, montasse uma edição preliminar de cada
cena em vídeo logo após as filmagens. Por conseguinte, até o fim das filmagens, Coppola tinha um esboço da versão final em película – processo
que ele já havia empregado em outros filmes, como Vidas Sem Rumo (The
Outsiders, 1983), também editado por Goursaud.
O orçamento bastante rigoroso atribuía apenas uma quantia mínima
para os efeitos especiais. Coppola compensava ao ter seu filho de vinte e
sete anos de idade, Roman, que estava no comando dos efeitos especiais,
realizando a maioria dos truques visuais na própria câmera, sem o benefício das custosas imagens geradas por computador (cgi). Roman Coppola
empregava algumas técnicas cinematográficas pitorescas como exposições
duplas, fades lentos e fusões para alcançar efeitos espectrais. Por exemplo:
fazer um vampiro desaparecer por meio de uma lenta fusão sugere sua
capacidade de evaporar-se no ar. Um close-up do rosto de Drácula sorrindo
terrivelmente é sobreposto a um plano do céu, o que implica a presença
sobrenatural do mal pairando sobre a paisagem da escura e sombria
Transilvânia. A iluminação chiaroscuro infunde certos interiores com vastas
sombras ameaçadoras que pairam em paredes e nos tetos, imprimindo
uma qualidade sinistra e gótica, cara a um vampiro. Estes efeitos visuais
artisticamente compostos não eram apenas econômicos, mas também
uma homenagem à magia dos filmes anteriores, os Dráculas de Murnau
e Browning, que se utilizavam de procedimentos similares. Portanto, o
presente filme tinha a aparência de uma produção de estúdio de 1930.
Coppola também pegou emprestado truques que costumavam ser
usados na produção de efeitos mágicos em peças de teatro. Por exemplo,
para a cena em que as três concubinas de Drácula se materializam no
quarto de Jonathan Harker enquanto ele está hospedado no castelo, um
alçapão foi construído debaixo de sua cama para que elas pudessem
emergir debaixo dela. Elas surgiam provocativamente por debaixo dos
lençóis e por entre as pernas de Harker para estuprá-lo.
Da mesma forma, Coppola criou a ilusão de uma longa viagem a
cavalo em um único cenário interior, sem o uso de locações externas.
É a sequência em que Van Helsing e seus assassinos de vampiros viajam
através das montanhas da Transilvânia na direção do castelo do Drácula. Sanders trabalhou um ambiente sonoro que era do tamanho de um
campo de futebol. Construiu uma pista oval em torno do perímetro do
estúdio. Os atores montaram seus cavalos e galoparam ao redor da pista
em meio a uma nevasca gerada por máquinas de vento e neve artificial.
Entre os takes, a equipe movia as árvores e plantas falsas nas mais diversas
composições, a fim de criar uma variedade de paisagens. Como resultado,
os cavaleiros parecem estar atravessando centenas de milhas em estradas diferentes em uma velocidade vertiginosa, quando na verdade estão
apenas a galope em torno do estúdio.
20 coppola, 1992a: 96.
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284
o Príncipe das Trevas. Como um dos infames mortos-vivos, sua existência seria prolongada por beber o sangue de suas vítimas, assim como ele
sacrilegamente consumiu o sangue que jorrou da cruz.
Como as versões cinematográficas anteriores do livro de Stoker, foram
baseadas principalmente nas peças de teatro de Deane e Balderston, ambas
omitiam o prólogo de Stoker. O filme de Coppola é a primeira adaptação
que retrata o contexto histórico do romance. Após o prólogo, que serve
como uma abertura para essa sinfonia de horror, a história salta para o
século xix, em Londres. Jonathan Harker, um jovem e ambicioso advogado, viaja à Transilvânia para concluir as negociações envolvendo alguns
imóveis em Londres com o Conde Drácula. O antecessor de Jonathan, o
Sr. Renfield (Tom Waits), tinha sido enviado para o castelo de Drácula
nos confins dos Cárpatos para concluir o negócio. Ele, contudo, retornou
inexplicavelmente para Londres sofrendo um colapso mental completo
e sendo sumariamente expedido para um asilo de loucos.
Jonathan escreve sobre suas experiências angustiantes no castelo de
Drácula em um diário. Vemos sua mão pegar caneta e papel enquanto
começa a narrar os acontecimentos em voice over. Jonathan inicialmente
vê o Conde Drácula como um idoso excêntrico em um castelo decrépito,
mas ele logo descobre aterrorizado que o Conde é um fantasma sinistro. Drácula diz para Jonathan em determinado momento, “Ouça-os”,
referindo-se aos lobos uivando nos portões do castelo, “as criaturas da
noite – que música elas fazem!” Para grande consternação de Jonathan, o
próprio Drácula é igualmente revelado como uma criatura da noite, um
vampiro. De fato, Drácula possui o poder sobrenatural para se transformar em morcego ou lobisomem.
Quando Drácula põe os olhos em uma foto de Mina Murray, noiva de
Jonathan, espanta-se ao reconhecê-la como a reencarnação de sua amada
Elisabeta. Ele logo decide deter Jonathan em seu castelo, enquanto segue para Londres em busca de Elisabeta/Mina. Ele ordena que suas três
concubinas dominem Jonathan, que elas o seduzam e o mantenham
cativo no castelo. Jonathan, no entanto, consegue finalmente escapar de
sua prisão e encontra refúgio em um convento, onde as freiras cuidam
da saúde do jovem infeliz após sua provação terrível. Embora mais tarde
ele admita ter sido infiel a Mina quando foi seduzido por essas fêmeas
demoníacas, mantém firmemente que nunca chegou a provar o sangue
delas. Jonathan, portanto, não havia sido infectado com “a doença de
Vênus”, o eufemismo vitoriano para doença venérea.
Enquanto isso, Drácula viaja pelo mar até Londres, onde procura por
Mina Murray. Ele, então, pensa ter “cruzado oceanos de tempo para encontrá-la.” Coppola observa que “Drácula é um drama apaixonado, erótico
e obscuro”. Ele retrata “sentimentos tão fortes que podem sobreviver ao
longo dos séculos, como o amor de Drácula por Mina/Elisabeta”²¹.
Drácula se transforma em um jovem dândi vitoriano com direito a
uma cartola. Ele anda pelas ruas enevoadas de Londres em busca de seu
21 coppola, 1994: 18–19.
285
juventude e ressurreiç ão
19 coppola, 1992b: 14.
a transação. Coppola também decidiu gravar a voz de Anthony Hopkins,
como Van Helsing, para usá-la como narração em off e melhor costurar
a trama de forma coerente – algo que ele já havia feito para esclarecer
o enredo de Apocalypse Now. A Columbia rejeitou a despesa adicional
para trazer de volta os membros do elenco para fazer mais trabalho,
mas Coppola insistiu.
O elenco e a equipe se reuniram novamente no início do outono de
1992 para novas tomadas. Em 28 de outubro, Coppola escreveu em seu
diário que estava confiante de que tinha corrigido as falhas observadas
pelo público no teste de audiência: “Eu acho que ganhei por fazer o teste
de Denver, e, certamente, por ser tão teimoso sobre a obtenção dessas
mudanças para a versão final”¹⁸. Drácula estreou no dia 13 de novembro
de 1992, e, rapidamente, tornou-se uma mina de ouro na bilheteria.
Drácula de Bram Stoker começa com um prólogo datado de 1462. Van
Helsing, o narrador, declara, na faixa sonora, que os “turcos muçulmanos
invadiram a Europa, atingindo a Romênia e ameaçando toda a cristandade.” Um cavaleiro romeno, Vlad Drácula, conhecido como o Empalador,
e seus cruzados, defenderam sua pátria cristã contra os turcos infiéis.
A fim de filmar a sequência de batalha de abertura de maneira econômica,
Coppola se utilizou de uma estratégia em que os atores atuavam na frente
de uma tela na qual as silhuetas de homens em combate eram projetadas ao
fundo. Na posição intermediária, ele ainda projetou fantoches na silhueta,
representando soldados turcos mortos empalados em estacas, recuando
para o fundo. Desta forma, Coppola foi capaz de dar uma sensação de
profundidade à cena e sugerir um número muito maior de homens no
campo de batalha, muito mais do que realmente havia em cena.
O Vlad vitorioso e suas tropas expulsam os invasores turcos da Romênia. Como uma despedida vingativa, os turcos atiraram uma flecha na
direção do castelo que continha uma pequena nota endereçada à esposa
de Vlad, a princesa Elisabeta. Nela, alegava-se falsamente que Vlad tinha
caído na batalha. “Assim como em Romeu e Julieta”, comenta Coppola, “ela
decide que, se Vlad está morto, ela não poderia viver”, e comete suicídio.¹⁹
Vlad retorna a seu castelo e encontra o cadáver de Elisabeta deitado na
capela. Padre Chesare e seus colegas pronunciam-se sobre Elisabeta: como
ela tirou a própria vida, ela é maldita e, portanto, proibida pelo direito
da Igreja de ter um enterro cristão ou de ser enterrada em solo sagrado
(suicídio na época era considerado “o pecado imperdoável”).
Vlad responde renunciando à fé cristã que tão corajosamente defendeu contra os infiéis. Vlad, o Empalador, em seguida, com raiva, espeta
a enorme cruz acima do altar com sua espada, e o sangue jorra a partir
dele. Ele pega o sangue em um cálice sacramental da Comunhão tirado
do altar e bebe. Através da “reação desses homens santos”, a cena mostra
o grau de blasfêmia de Vlad Drácula”²⁰, comenta Coppola. Vlad Drácula
condenou a si mesmo a se tornar um vampiro por amaldiçoar a Deus e
proclamar desafiadoramente que ele está agora em aliança com Satanás,
par te iv
18 Idem. p. 32, 34.
Van Helsing convoca três caçadores de vampiros, incluindo Jonathan
Harker, para perseguir Drácula até seu covil na Transilvânia. Eles atravessam os Alpes da Transilvânia em uma tempestade de neve implacável.
Este episódio, como o prólogo, nunca havia sido retratado em qualquer
adaptação anterior do livro de Stoker. No clímax do filme, os assassinos
de vampiro atacam Drácula com facas, e ele se deita no chão, sangrando.
Segue-se uma breve cena final entre Drácula e Mina, a quem Drácula
havia magicamente transportado para o seu castelo. Coppola decidiu
refilmar a cena após as respostas negativas evocadas durante os testes de
audiência. O final original foi impresso na edição publicada do roteiro
(que não inclui as revisões de última hora de Coppola.)
Como originalmente filmado, Mina beija Drácula, e sua juventude é
milagrosamente restaurada. Ele é mais uma vez o Vlad Drácula de quatro séculos antes. Drácula, então, suplica a Mina que enfie uma faca em
seu coração. Ao fazê-lo, ela dá a ele, finalmente, a paz eterna da morte.
A cena termina com Mina correndo para os braços de Jonathan, e eles
se abraçam. O roteiro de filmagem afirma neste momento “Jonathan a
segura, compreendendo o que havia acontecido”²³.
Jonathan pode ter entendido o que aconteceu, mas os espectadores
dos testes de audiência, não. “O final os decepcionou”, escreveu Coppola
em seu diário após a exibição em Denver. “Eles queriam uma morte mais
dramática para Drácula. Eles estavam atormentados com o fato de no
fim não saberem ao certo se Mina era ou não uma vampira; e eles odiavam que ela tivesse beijado Drácula e logo depois Jonathan – vou ver se
consigo chegar a um novo final para Mina e Drácula, talvez até mesmo
envolvendo sua decapitação”, uma vez que no folclore, esta seria a única
maneira decisiva de matar um vampiro²⁴.
Depois de conversar com Hart, Coppola reviu a cena final como se
segue. Após ser esfaqueado pelos caçadores de vampiros, Drácula é levado
até a capela do castelo. Enquanto agoniza na mesma capela em que tinha
amaldiçoado Deus 400 anos antes, Drácula suspira para Mina, “Por que
me abandonaste, meu Deus?” Ele está, na verdade, proferindo as palavras
de Cristo quando este morreu na cruz do calvário, o que implicaria que
Drácula, por ter defendido a cruz de Cristo como um cruzado, ainda
poderia ser resgatado pela cruz de Cristo. De fato, quando Mina beija
Drácula, uma luz celestial brilha a partir da enorme cruz sobre o altar,
transformando-o no jovem Vlad Drácula de quatro séculos atrás.
Mina, em seguida, diz em voice over na trilha sonora, “Lá, na presença
de Deus, eu entendi como meu amor pode libertar-nos dos poderes das
trevas.” Afinal, como Richard Corliss observa, “Drácula é uma alma amaldiçoada que precisa ser exorcizada; e apenas Mina, o avatar de sua esposa
morta, pode fazê-lo”²⁵. Drácula murmura, “Dá-me paz”. Mina o apunhala
no coração e beija seus olhos mortos. A essa altura, Coppola confere um
importante acréscimo à cena: Mina tira a faca de seu coração – e corta
a sua cabeça. Ela, então, liberta-se de sua maldição, cortando a ligação
23 hart, James. “Bram
Stoker’s Dracula: a
screenplay” em coppola,
1992a: 163.
24 coppola, 1994: 31–32.
25 corliss, Richard. “A
vampire with a heart” em
Time, 23 de novembro de
1992. p. 71.
287
juventude e ressurreiç ão
n o i t e a s s u s ta d o r a
286
verdadeiro amor. Ele finalmente descobre Mina, uma professora recatada, e se apresenta como um nobre do continente. Ele leva Mina para ver
um filme mudo, exibido em um cinematógrafo, uma versão primitiva
do projetor de cinema. O filme a que eles assistem é na verdade a cena
de batalha do prólogo do longa – um gracejo cinematográfico da parte
de Coppola.
Drácula corteja Mina, que perdeu contato com Jonathan, e tenta dobrá-la com absinto no esfumaçado Rule Café. (Ele afirma que o absinto
faz o coração crescer mais afeiçoado.) “O absinto era uma espécie de lsd
da era vitoriana”, explica Coppola. Era uma espécie de sedutor sexy “que
mexe com seu cérebro. Esse é o tipo “Oscar Wilde” de droga, decadente,
que Jim Hurt tentou colocar no roteiro como o espírito de Rule Café”, um
bistrô que Wilde de fato frequentava²². Mina estava prestes a sucumbir
aos agrados de Drácula quando descobre que Jonathan tinha sido preso
em seu castelo e que havia conseguido escapar. Ela se apressa na direção
da Transilvânia para se casar com ele em uma elaborada cerimônia católica. Um padre abençoa o casal no altar enquanto recebem o sacramento
sagrado do matrimônio. Coppola planejou a cena do casamento como um
contraponto às seduções profanas de Jonathan pelas noivas do vampiro
e de Mina por Drácula.
Quando o casal retorna a Londres, Jonathan conta ao professor
Abraham Van Helsing sobre suas experiências terríveis no Castelo de
Drácula. Van Helsing fica chocado ao saber que Drácula, sob o disfarce
de um aristocrata estrangeiro, teria tentado atrair Mina para longe de
Jonathan. Antes que Van Helsing pudesse intervir, Drácula enfeitiça
Mina para convencê-la de que ela é a encarnação de sua, há muito perdida, Elisabeta. Em seguida, ele a possui, a fim de se reunir com Elisabeta.
Mina finalmente percebe que ela caiu nas garras de um vampiro, e que a
promessa de “amor eterno” de Drácula significa que ela estará condenada
a suportar a maldição da vida eterna ao lado dele.
Aos poucos, Mina adoece e se torna apática e pálida. Van Helsing
suspeita que ela tenha caído sob o feitiço satânico de Drácula. Ele toca a
testa dela com uma hóstia da Comunhão sagrada que queima sua pele,
deixando uma marca vermelha em sua testa. Quando Mina recua da hóstia
sacramental, Van Helsing se convence de que ela está sob poder de Drácula.
Coppola já havia incorporado elementos de rituais católicos em outros
filmes (o batismo em O Poderoso Chefão, Parte i, a primeira comunhão
em O Poderoso Chefão, Parte ii) e, seguindo o exemplo de Stoker, inclui
referências análogas à religião Católica neste longa, pois o filme, como o
livro, reflete uma perspectiva cristã sobre pecado, culpa e redenção. Van
Helsing se empenha então para salvar Mina da condenação. Van Helsing,
um destemido assassino de vampiros, faz votos para derrotar Drácula.
Ele carrega uma cruz de prata, uma vez que a cruz de Cristo é adversária
de Satanás. Brandindo a cruz, ele proclama, “a guerra de Drácula contra
Deus acabou. Agora, ele deve pagar por seus crimes.”
par te iv
22 coppola, 1992a: 96.
28 hinson, 1995: 169.
29 corliss, 1992: 71.
Ver também fry, Carol,
craig, Robert. “The
genesis of Coppola’s
Dracula” em Literature/
Film Quarterly 30, nº 4,
2002. p. 272–275.
n o i t e a s s u s ta d o r a
288
Coppola fugiu para um local de férias isolado na Guatemala antes
da estreia do filme em 13 de novembro, “para que eu não tivesse que
saber ou me preocupar com o lançamento do filme”, como ele escreveu
em seu diário em 19 de novembro. Ele finalmente fez Eleanor telefonar
para o escritório para saber sobre os resultados dos primeiros cinco dias.
“Eu sabia que ele teria que fazer pelo menos sete ou oito milhões de dólares
para não ser uma desgraça”³⁰. Ela relatou que o longa tinha feito mais de
31 milhões de dólares no primeiro fim de semana, a maior abertura da
Columbia em todos os tempos.
Em 30 de junho de 1992, apenas poucos meses antes, Coppola havia
pedido falência, pessoal e corporativa. Um de seus principais credores
era Jack Singer, que lhe havia emprestado uma soma substancial em 1981
para ajudar a financiar a produção de Do Fundo do Coração (One From the
Heart, 1982), um empréstimo que Coppola ainda não tinha devolvido.
“Eu estava sendo processado e perseguido por este homem”, diz Coppola³¹.
Consequentemente, os lucros de Drácula permitiram-lhe, finalmente,
limpar suas dívidas e seguir em frente. A American Zoetrope, em São
Francisco, estava novamente no azul. O filme arrecadou us$ 82 milhões
no mercado interno e alcançou um lucro mundial de us$ 200 milhões
(além disso, a adega de Coppola, Niebaum-Coppola, estava crescendo
e saindo de sua toca). Ao recontar a história de Drácula em uma forma fresca e original, Coppola tinha “triunfado em um gênero desgastado³²”. Sem falar nos Oscars de figurino (Eiko Ishioka), maquiagem
(Michelle Burke) e edição de som (Leslie Schatz). Coppola apresentou
uma versão absolutamente bem feita do romance de Stoker. Dessa maneira, tornou-se o critério pelo qual todas as subsequentes adaptações
deverão ser julgadas.
A única adaptação do romance de Stoker posterior à versão de Coppola
é A Sombra do Vampiro (Shadow of the Vampire, 2000), de Elias Merhige,
sobre a realização de Nosferatu, de Murnau. Este filme incomum e assustador se baseia na premissa ficcional de que Max Schreck, o ator que
Murnau escalou como Drácula, era realmente um vampiro que caçava
os membros do elenco e da equipe durante a produção. Coppola tinha
uma conexão implícita com o filme, pois Cary Elwes, que foi escalado
como o cineasta Fritz Arno Wagner em A Sombra do Vampiro, viveu um
dos caçadores de vampiros na obra de Coppola. Além disso, A Sombra do
Vampiro tinha sido coproduzido por Nicolas Cage, sobrinho de Francis
Ford Coppola.
Drácula de Bram Stoker sinalizou que o impulso autoral de Coppola
tinha não só sobrevivido às turbulências financeiras da última década,
mas havia prevalecido. “Não há nenhum perigo para mim, pela primeira
vez em trinta anos, nenhuma preocupação”, refletiu. “Eu tenho tempo para repousar”³³. Na década de 1982–1992, Coppola fez nove filmes,
com média de quase um longa por ano. Não era mais necessário que
ele atirasse para todos os lados, dirigindo obras como Jardins de Pedra
30 coppola, 1994: 37–38.
31 lewis, Jon.
The Godfather. Londres:
The British Film Institute,
2010. p. 50
32 cook, David. “Auteur
cinema and the film
generation in the 1970’s
Hollywood” em lewis,
Jon (org.). The new
American cinema.
Durham, nc: Duke
University Press, 1999.
p. 19.
33 schumacher, Michael.
Francis Ford Coppola,
Nova York: Crown
Publishers, 1999. p. 455.
289
juventude e ressurreiç ão
27 coppola, 1994: 19.
entre eles, enquanto lhe concede o descanso eterno que ele tanto desejava.
Ela olha para a pintura no teto, um retrato de Elisabeta e Vlad Drácula
quando jovens. Vlad Drácula e Elisabeta sobrevivem, “congelados no voo
através do céu em uma cúpula pintada, muito acima da carnificina”²⁶.
Coppola estava confiante de que as refilmagens representariam uma
grande melhoria no corte final do filme. O novo desfecho, diz Coppola,
mostra “que o amor pode vencer a morte, ou, pior do que a morte, que
Mina pode realmente dar a alma perdida de volta ao vampiro”²⁷. Por conseguinte, Coppola terminou o filme mais preocupado com a libertação
de Drácula e Mina dos poderes das trevas do que com Mina voltando,
inevitavelmente, para os braços de Jonathan.
Eu examinei os finais alternativos de Drácula em detalhe porque a
maioria dos comentaristas do filme não o fizeram. Claramente, Coppola
fez um bom trabalho ao amarrar as pontas soltas no final, o que fez com
que a versão lançada do longa fosse melhor do que a original do roteiro
de filmagem, que deixava o destino de Mina em dúvida.
Críticos e cinéfilos comemoraram o retorno de Coppola à boa forma
com O Drácula de Bram Stoker. “Drácula é o manuscrito iluminado de
Coppola do clássico de Stoker”, escreve Hal Hinson, “como se o livro
tivesse realmente ganhado vida diante de nossos olhos”²⁸. Corliss festeja
o fato de Coppola “reimaginar de maneira poderosa o mito vitoriano…
trazendo a velha e assustadora história à vida – bem, morta-viva – como
um romance emocionante e infernal”. Mais recentemente, Carol Fry e
John Craig declararam Drácula de Bram Stoker como a adaptação mais fiel
ao romance. Embora Drácula continuasse a ser um monstro, uma criatura
da noite, no filme de Coppola o cinema lhe dá um toque de simpatia, fazendo dele algo como uma figura trágica com qualidades redentoras – já
que seu amor eterno por Elizabeta/Mina vive em seu coração. Coppola
fez uma interpretação elegante, a mais visualmente impressionante, de
Drácula²⁹. Em outras palavras, Coppola elevou as apostas de seu filme,
prometendo a versão definitiva do romance de Stoker, o que é precisamente o que ele entrega.
Drácula de Bram Stoker é uma homenagem afetuosa à era dourada do
cinema de terror. O ambiente misterioso e fantasmagórico constituía
um cenário quase perfeito para as tendências mais barrocas de Coppola.
O corajoso esquema de cores expressionista do design do filme é bastante apropriado para um conto de horror. Além disso, os efeitos visuais
complementam a história – uma raridade em termos de filmes de terror.
Este sombrio, sedutor e perfeitamente editado longa é muito melhor
que a grande maioria dos filmes de terror. Até podemos esquecer dos
sustos, mas a tristeza no coração da imagem permanece por muito mais
tempo. Em um momento em que o gênero da ficção científica estava
em ascensão, graças a Star Wars e Star Trek, Coppola evocava a magia da
fantasia, não da tecnologia, das espadas e não dos lasers, e do passado,
não do futuro.
par te iv
26 cowie, Peter. Coppola.
Croydon: cpi Group,
1989. p. 249.
(Gardens of Stone, 1987) apenas para pagar as contas. Ele agora podia se
dar ao luxo de ser exigente, e o filme que ele escolheria fazer o tornaria ainda mais bem sucedido, seja no que diz respeito à crítica, seja no
que concerne à bilheteria. O filme, um drama de tribunal, chamava-se
O Homem que Fazia Chover (John Grisham’s The Rainmaker, 1997).
n o i t e a s s u s ta d o r a
290
parte v
ana rebel barros e paulo ricardo g. de almeida
1 delorme, Stéphane.
Francis Ford Coppola.
Cahiers du Cinema, 2010.
p. 93.
2 Idem.
295
epílogo
“Seja ouro, Ponnyboy, seja ouro”, diz Johnny Cade a Ponnyboy Curtiss
em Vidas Sem Rumo (The Outsiders, 1982), adaptação de Coppola para o
romance adolescente de S.E. Hinton. O conselho de Johnny se reflete nas
imagens do nascer e do pôr do sol em Tulsa, Oklahoma, os raios fugidios
de luz que representam a brevidade da juventude, período intenso, mas
efêmero, da vida, condenado a se esvair rapidamente.
De acordo com Stéphane Delorme¹, “o elemento comum [do cinema
de Coppola] é o tempo. O Poderoso Chefão, Vidas Sem Rumo e Peggy Sue,
Seu passado à Espera representam as pontes mais longínquas na busca
pelo tempo perdido. A obra inteira de Coppola se divide entre vitalidade, velocidade, vida e juventude (que é da maior importância para ele) e
declínio, melancolia e morte. É como se a vida se reduzisse a essas duas
idades. Ao passarem dos trinta anos, Tucker e Peggy Sue se comportam
como adolescentes; abaixo dessa idade, Michael Corleone e Motorcyle Boy
são curvados pelo peso dos anos”.
“E as duas idades estão ligadas”, prossegue Delorme, “pelo elemento
da trasmissão. Willard e Kurtz, Michael e Vito, Vincent e Michel, Hazar
e Willow – é menos um caso de sucessão (da perspectiva do poder), do
que de transmissão”².
Em Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now, 1966), Coppola lida
pela primeira vez com o universo dos jovens: Bernard Chanticleer sai
da casa dos pais, embora continue sob a vigilância deles, para se tornar
adulto. É um filme sobre o rito de passagem, em que os relacionamentos
amorosos são essenciais para o amadurecimento do herói.
Tanto em Demência 13, quanto em Agora Você É Um Homem, Coppola
desenvolve o tema da família, seja com os aterrorizantes Haloran no primeiro, seja com os dominadores Chanticleer no segundo; em Caminhos
Mal Traçados (The Rain People, 1969), talvez a primeira produção feminista
de Hollywood, Natalie Ravenna, em dúvida sobre a vida de casada, abandona o marido e cai na estrada (e as comparações com Sem Destino [Easy
Rider, 1969] não ajudaram na carreira do filme nos cinemas), onde adota
Jimmy “Killer” Kilgannon, ex-jogador de futebol americano, com sérios
problemas mentais devido à violência do jogo. Ao assumir o papel de
mãe de Kilgannon, que espelha sua própria gravidez, Natalie leva junto
a família, da qual não se liberta, embora busque a independência quando
decide atravessar de carro os Estados Unidos.
No entanto, Coppola jamais representou o peso massacrante da família como na trilogia O Poderoso Chefão (The Godftaher, 1972–1990), em
que Michael Corleone, o filho mais novo que, a princípio, quer se afastar
dos negócios da Máfia, é obrigado a suceder seu pai, Don Vito, devido
a circunstâncias que fogem ao controle de ambos. Como na tragédia
clássica, o destino de Michael já está traçado quando, ainda criança, Vito
Andolini chega à Ellis Island e, sentado no quarto de onde observa Nova
York pela janela, alimenta o desejo de vingança contra Don Ciccio, que
matou seus pais e seu irmão mais velho na Sicília: a espiral interminável
par te v
SE JA OURO,
FRANCIS, SE JA OURO
3 koehler, Robert.
“‘Megalopolis’: helmer
chases utopia.” em
Variety, nº 6, agosto de
2001. p. 40.
297
epílogo
adolescência, mas sem perder a memória da vida adulta. Conceito semelhante permeia Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula, 1992), no qual
Vlad tepes é amaldiçoado a vagar como morto-vivo através dos séculos,
com a lembrança do suicídio de sua amada Elisabeta e a traição da Igreja
Católica, mas que rejuvenesce quando encontra Mina, a reencarnação de
sua esposa, na Londres Vitoriana. Em Jack (1996), o personagem título
envelhece em ritmo quatro vezes mais rápido que o normal: embora tenha
apenas dez anos de idade, o corpo de Jack já está com quarenta anos, ao
contrário de Vlad em Drácula de Bram Stoker.
Peggy Sue, Drácula e Jack vivem a “juventude sem juventude”, que
seria a tradução literal para o português de Youth without Youth que, no
Brasil, recebeu o título de Velha Juventude (2007). Baseado no romance
do romeno Mircea Eliade, Velha Juventude narra o conto fantástico do
idoso filólogo Dominic que, ao ser atingindo por um raio, rejuvenesce
inexplicavelmente. Como Drácula e Peggy Sue, embora jovem, Dominic
carrega o peso da idade, pois mantém todas as vivências e as lembranças
do passado. Quando encontra Laura, a reencarnação de Verônica, seu
amor da juventude (outra conexão com Drácula de Bram Stoker), a trama se
torna ainda mais complexa, uma vez que Laura é o repositório de todas
as línguas criadas pelo Homem.
Com Velha Juventude, Francis Ford Coppola retornou para trás das
câmeras após hiato de dez anos. Não que o diretor tenha se afastado do
cinema depois de O Homem que Fazia Chover (The Rainmaker, 1997) para
cuidar exclusivamente de sua vinícola no Vale do Napa, na Califórnia:
além da restauração e do lançamento de sua própria obra em dvd e em
Blu-ray – a trilogia O Poderoso Chefão, Vidas Sem Rumo (que adicionou
mais de vinte minutos ao filme), Apocalypse Now Redux, O Selvagem da
Motocicleta –, Coppola também atuou, por meio da American Zoetrope,
como produtor de Sofia Coppola nos filmes As Virgens Suicidas (The Virgins
Suicides, 1999), Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003), Maria
Antonieta (Marie Antoinette, 2006), Um Lugar Qualquer (Somewhere, 2010) e
Bling Ring: A Gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013).
Os projetos mais importantes de Coppola na década entre O Homem que
fazia Chover e Velha Juventude, entretanto, não saíram do papel: Megalopolis
e Pinóquio. Com ideias escritas desde meados de 1968, Megalopolis era uma
ficção científica de proporções épicas, acalentada pelo cineasta por décadas.
A história de Megalopolis se passava na Nova York contemporânea,
mas, segundo Coppola, “a Nova York de quinze anos atrás, quando a cidade
estava terrivelmente em crise e desesperada por renovação. Ela se centra
em dois personagens principais. Um, o prefeito, tem a erudição de um
Mario Cuomo e se dedica a preservar a herança do passado. Seu antagonista é o arquiteto inspirado pelo legendário construtor e empreiteiro
Robert Moses, mas com a visão artística de Frank Lloyd Wright. Porém,
ao contrário da maioria dos artistas, ele tem poder real, e busca o salto
rumo ao futuro”³.
par te v
s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o
296
de sangue e de violência tragará Michael que, sob o pretexto de proteger
a família, transformar-se-á em um assassino frio e brutal, cuja sede de
poder, paradoxalmente, levará os Corleone à ruína. Michael alienará
Kay, matará Freddo e verá Mary ser assassinada nas escadarias da Ópera.
“Nada é mais importante nesta vida do que os filhos”, Michael resume no início de O Poderoso Chefão, Parte iii (The Godfather, Part iii, 1990).
O Tempo, principal tema de Coppola, aparece na questão sucessória que
permeia a trilogia. Como em Rei Lear, Vito, o velho patriarca, deve passar
seu Império à nova geração dos Corleone. O primogênito Sonny, contudo,
não tem o equilíbrio necessário para ser o próximo Don, Freddo é frágil
demais e Tom Hagen não partilha dos laços de sangue – apenas Michael,
que reluta, possui a capacidade de liderar a família. Quando Michael envelhece e parte em busca do sucessor, não o encontra nos filhos: Anthony
renega os negócios dos Corleone em favor de uma carreira na ópera,
enquanto Mary, inocentemente, acredita que o pai os legitimou. Resta a
Michael trazer Vincent Mancini, filho bastardo de Sonny, para o seio da
família, e transformá-lo no próximo Don Corleone.
O conflito de gerações reaparece em O Selvagem da Motocicleta (Rumble
Fish, 1983) e em Jardins de Pedra (Gardens of Stone, 1987). O Selvagem da
Motocicleta se inicia com planos em alta velocidade das nuvens que, assim
como as imagens constantes de relógios – incluindo um sem ponteiros
–, expressam a passagem do tempo, a urgência da juventude. No filme,
Rusty-James admira e é assombrado pela aura mítica do irmão mais
velho, Motorcycle Boy. Em Jardins de Pedra, por sua vez, sargento Clell
Hazard e o recruta Jackie Willow mantêm uma relação de pai e filho,
enquanto prestam o serviço militar no Cemitério Nacional de Arlington,
enterrando os mortos da Guerra do Vietnã. São obras diferentes, pois se
O Selvagem da Motocicleta é um dos projetos mais autorais de Coppola, em
preto e branco altamente contrastado, que bebe do Expressionismo Alemão, com a trilha sonora percussiva e quase abstrata de Stuart Copeland
(baterista do grupo de rock The Police), Jardins de Pedra, cujo roteiro não
foi escrito pelo cineasta, situa-se no período em que Coppola trabalhou
como “hired-gun”, ou seja, como diretor contratado dos estúdios, a fim
de pagar as dívidas que acumulou com a falência do Zoetrope Studios
e o fracasso de Do Fundo do Coração (One from the Heart, 1982). Jardins de
Pedra, no entanto, ganhou trágica ressonância pessoal quando o filho mais
velho e assistente de Coppola, Gian-Carlo, morreu durante as filmagens,
em acidente de lancha provocado por Griffin O’Neal, filho do ator Ryan
O’Neal. O corpo de Gian-Carlo foi velado na mesma capela que recebia os
soldados mortos da Guerra do Vietnã: de repente, o projeto sob encomenda
se transformava em doloroso reflexo de acontecimentos privados.
Mesmo quando trabalhou como diretor contratado, Francis Ford
Coppola imprimiu sua preocupação com o Tempo. Em Peggy Sue, Seu
Passado à Espera (Peggy Sue Got Married, 1986), maior sucesso de público e
de crítica do cineasta nos anos 1980, a dona-de-casa Peggy Sue retorna à
o estúdio emprestou 600 mil dólares para o então jovem cineasta se
estabelecer em São Francisco. Com 300 mil dólares, Coppola adquiriu
equipamentos de ponta na Alemanha; com os outros 300 mil dólares, ele
teria que desenvolver projetos para a aprovação da Warner. O cineasta
voltou com sete roteiros, entre os quais os de A Conversação e Apocalypse
Now – todos rejeitados. Pior: a Warner exigiu que a American Zoetrope
devolvesse o empréstimo. A fim de pagar as dívidas e salvar a produtora
da falência, Coppola cedeu à Paramount (seguindo o conselho de George
Lucas) e aceitou dirigir O Poderoso Chefão.
Os constantes atrasos da Warner Brothers para aprovar o financiamento de Pinóquio permitiram que a New Line Cinema lançasse
sua própria versão, As Aventuras de Pinocchio (The Adventures of Pinocchio,
1996), de Steve Barron, com Martin Landau no papel de Geppetto, ao
custo de 25 milhões de dólares. Sem perspectivas de continuar com o
projeto, que já se encontrava na fase de pré-produção, Coppola processou a Warner Brothers – e venceu. Em caso raríssimo no qual o artista
ganhou nos tribunais do estúdio, o diretor recebeu 80 milhões de dólares de indenização. Dos filmes de Coppola, apenas O Poderoso Chefão
e Drácula de Bram Stoker faturaram mais nas bilheterias do que a ação
judicial de Pinóquio.
Livre das dívidas que o perseguiam desde a falência do Zoetrope
Studios e do fracasso de Do Fundo do Coração, com o sucesso comercial
de sua vinícola no Vale do Napa e com a carreira dos filhos estabelecida
(Sofia venceu o Oscar de melhor roteiro original⁵ por Encontros e Desencontros e o Leão de Ouro em Veneza por Um Lugar Qualquer), Coppola se
voltou para os projetos autorais que desejava realizar no início da carreira,
a exemplo de Caminhos Mal Traçados e A Conversação.
Após Velha Juventude, Francis Ford Coppola dirigiu Tetro, seu filme
mais pessoal e autobiográfico. Realizado na Argentina, em digital e em
preto e branco de alto contraste (como O Selvagem da Motocicleta, inclusive
com algumas sequências coloridas), Tetro narra o relacionamento entre
Bennie e seu irmão mais velho, Angelo “Tetro” Tetrocini, e de ambos
com o pai, o compositor e regente Carlo. A história remete, claramente,
à admiração do próprio Francis pelo irmão August (Augie) e à complexa
infância que os dois viveram sob o pai, Carmine, ao mesmo tempo músico
frustrado e ambicioso, cujo irmão mais velho – como no filme – era mais
reconhecido, embora menos talentoso, do que ele.
No entanto, se Angelo representa Augie, ele também personifica
Francis: o artista que alcançou o reconhecimento cedo demais e caiu no
ostracismo. Seria Alone (“Sozinha”, em português), a crítica interpretada
por Carmen Maura, uma referência sarcástica de Coppola a Pauline Kael,
que o elevou a gênio com O Poderoso Chefão, Parte ii, e depois lhe foi implacável nos filmes seguintes? Como Francis, em relação a Megalopolis (ou como
Dominic, com o infindável dicionário em Velha Juventude), Tetro é incapaz
de terminar o romance que começou. A conclusão do projeto inacabado
5 Três gerações da família
Coppola venceram o
Oscar: Carmine, o de
melhor trilha sonora
por O Poderoso Chefão,
Parte ii; Francis, os
de melhor roteiro
por Patton – Rebelde
ou Herói?, O Poderoso
Chefão e O Poderoso
Chefão, Parte ii, os de
melhor direção e melhor
filme por O Poderoso
Chefão, Parte ii; e Sofia,
o de melhor roteiro por
Encontros e Desencontros.
(Mas vale ressaltar que
Nicholas Cage, sobrinho
de Coppola, também
ganhou o prêmio,
de melhor ator, por
Despedida em Las Vegas
[Leaving Las Vegas, 1995]).
Antes, somente a família
Huston conseguira tal
feito: Walter Huston
venceu o Oscar de ator
coadjuvante (dirigido pelo
filho) por O Tesouro de
Sierra Madre (The Treasure
of Sierra Madre, 1948);
John Huston ganhou
os de melhor roteiro e
direção também por
O Tesouro de Sierra Madre;
e Anjelica, o de melhor
atriz coadjuvante (dirigida
pelo pai), por A Honra do
Poderoso Prizzi (Prizzi’s
Honor, 1985).
299
epílogo
s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o
298
A renovação maciça da cidade se tornava o nexo de uma batalha sobre
visão, escala e lucros, que envolvia “todas as camadas da sociedade – dos
trabalhadores, dos sindicatos, do homem na rua, até os homens de ideias,
os homens do dinheiro e todos aqueles que se conectam com eles”, diz
Coppola. “A filha do prefeito se une ao visionário arquiteto, que é tão
hedonista em sua vida privada, quanto seu adversário é moral e justo.
O prefeito está perdendo sua filha para o futuro”⁴.
Toda a ação se dava em apenas um dia, como o Ulisses, de James Joyce.
Coppola se inspirou na Conjuração Catilina, mas transposta para Nova
York, que, naquele momento, parecia o cenário perfeito para lidar com
as questões sobre quem somos, para onde vamos e o que era a espécie
humana. A Conjuração Catilina, que ocorreu logo antes da ascensão de
César, entrou para a História como o memorável embate entre a República
Romana e a Desordem, e ajudou Coppola a pensar a respeito da política
contemporânea dos eua, quando a sociedade perdia o controle. O diretor via um paralelo entre o Cônsul, que ao não aceitar a perda do posto
máximo da República na disputa com Cícero, simplesmente ameaçou
incendiar a cidade de Roma, e a Nova York contemporânea, que amargava
altos índices de corrupção e de criminalidade
Segundo Coppola, Megalopolis seria ao mesmo tempo grandioso – em
seu tema, disposto a discutir a utopia de uma sociedade que está se pensando e que se transformará em algo diferente no futuro – e econômico,
já que utilizaria então incipiente chroma key. Lançar mão dessa tecnologia,
para o cineasta, seria uma maneira de usar cenários elaborados e não
dispendiosos, pois os atores interpretariam de acordo com as imagens,
que o diretor projetaria sobre um fundo verde.
Em abril de 1998, Coppola retomou o projeto, seu primeiro roteiro
original desde A Conversação (The Conversation, 1974). Megalopolis esteve
perto de sair do papel, com trinta horas de filmagens prévias feitas ao
redor de Manhattan. Porém, os ataques terroristas ao World Trade Center
em 11 de setembro de 2001 mudaram radical e inevitavelmente os planos
do diretor, que chegou à conclusão de que seria impossível não se referir
ao incidente. Sem saber como lidar com o problema, Coppola viu que era
hora de desistir. E ainda havia a questão orçamentária: de onde tirar 100
milhões de dólares para a produção?
Apesar de engavetá-lo indefinidamente, Megalopolis permitiu que
Coppola se correspondesse com a professora de Civilizações Orientais
em Yale, Wendy Doniger, que lhe enviou o romance Youth without Youth
(Uma Segunda Juventude, em Portugal), do filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade. Velha Juventude estreou mundialmente no Festival
de Roma, em novembro de 2007.
Após o sucesso de Drácula de Bram Stoker, Coppola assinou com a Warner
Brothers para escrever e dirigir a adaptação live-action de Pinóquio, baseada nos romances de Carlo Collodi. O relacionamento entre Coppola e a
Warner sempre foi conturbado e data da fundação da American Zoetrope:
par te v
4 Idem.
6 delorme, Stéphane.
Francis Ford Coppola.
Paris: Cahiers du Cinema,
2010. p. 93.
s e j a o u r o, f r a n c i s , s e j a o u r o
300
requer a intervenção de Bennie, como se apenas a jovem e ainda inocente
versão do alter ego de Coppola pudesse retornar ao manuscrito.
Se a intenção de Coppola, com Bennie, é o retorno às origens, seu
último longa-metragem, Virgínia (Twixt, 2011), marca a volta do cineasta
ao início da carreira: ao terror exploitation de Demência 13 e de Roger
Corman. Segundo Coppola, a ideia do filme nasceu de um pesadelo, após
uma noite de bebedeira, quando o fantasma de Edgar Allan Poe o visitou.
Novamente como em Tetro, o protagonista funciona como o alter ego do
cineasta: Hall Baltimore é o escritor fracassado, que produz literatura
barata sobre vampiros, apenas para pagar as contas. Baltimore, contudo,
possui a primeira edição de Folhas de Relva, de Walt Whitman – seu gosto
como colecionador mostra a admiração pela arte, em conflito permanente
com as “pulp fictions” que escreve.
Quando Baltimore chega à pequena cidade para a tarde de autógrafos
de seu último romance, chama-lhe a atenção a torre do relógio, cujas várias
faces nunca marcam a hora certa (outra vez, o Tempo no cinema de Coppola).
Enquanto trava discussões sobre a arte da narrativa e o processo criativo
com o fantasma de Edgar Allan Poe, Baltimore é assombrado por V, adolescente que, junto com outras crianças, foi assassinada por um maníaco
religioso. Ela pode, ou não, estar relacionada à jovem morta com uma estaca
de madeira. Foram as gangues de jovens (referência a Vidas Sem Rumo e O
Selvagem da Motocicleta), que vivem nos limites da cidade, que a assassinaram,
como sugere o xerife Bobby LaGrange? Ou foi o próprio xerife?
Coppola leva a narrativa entre o pesadelo, o delírio ébrio e a pura
gozação. A atmosfera fantástica alimenta (e se reflete) no novo livro de
Baltimore, que espertamente usa as pistas e as informações do mistério
em proveito próprio. Virgínia é um conto de terror gótico pós-moderno,
com duas breves sequências em 3d e com toda a estilização visual barroca
de Coppola, com uso abundante de chroma keys. Mas o diretor transforma
Virgínia, assim como fizera com Tetro, em outra história autobiográfica,
ao incluir o acidente de lancha que matou seu filho Gian-Carlo durante
as filmagens de Jardins de Pedra nas memórias de Hall Baltimore, cuja
filha sofreu o mesmo trágico destino.
Que Coppola seja capaz de lidar tão abertamente com os traumas
familiares, a ponto de utilizá-los como matéria-prima de seu cinema,
talvez apenas confirme a aceitação, pelo diretor, da inevitabilidade do
tempo. Como ele escreveu em diário, em 18 de setembro de 1991, enquanto
preparava Drácula de Bram Stoker:
Pode-se estar congelado no tempo
Pode-se estar além do tempo
Pode-se estar adiante do tempo
Pode-se estar atrás do tempo
Mas não se pode estar sem o tempo
(…)
O tempo não espera por ninguém⁶
o c aminho do arco-íris
o c aminho do arco-íris
19 68
19 68
19 69
c aminhos mal tr aç ados
filmogr afia
c aminhos mal tr aç ados
c aminhos mal tr aç ados
19 69
19 69
o p oderoso chefão
o p oderoso chefão
1972
1972
a conver saç ão
a conver saç ão
19 74
19 74
19 74
o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i
filmogr afia
o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i
o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i
19 74
19 74
1979
a p o c a ly p s e n o w
filmogr afia
a p o c a ly p s e n o w
do fundo do cor aç ão
1979
1981
vidas sem rumo
cot ton club
1983
1984
peggy sue, seu pa ssad o à esper a
peggy sue, seu pa ssad o à esper a
1986
1986
o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i i
o p o d e r o s o c h e f ã o, p a r t e i i i
19 90
19 90
dr ácul a de br an stoker
dr ácul a de br an stoker
19 92
19 92
velha juventude
tetro
2007
2009
2011
virgínia
1961 69" COR
Tonight For Sure é uma comédia skin flick sobre
um par de carolas hipócritas que, mesmo sendo
secretos entusiastas de obscenidades, querem
fechar uma casa burlesca em Las Vegas.
roteiro Jerry Shaffer e Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Jack Hill
direção de arte Albert Locatelli
edição Ronald Waller
música Carmine Coppola
elenco Karl Schanzer, Don Kenney, Marli
Renfro, Virigina Gordon , Barbara Martin,
Linda Gibson, Sandy Silver, Pat Brooks, Laura
Cornell, Karen Lee e Sue Martin
produção Francis Ford Coppola
THE BELLBOY AND
THE PLAYGIRLS
1962 9 4" COR
The Bellboy and the Playgirls narra as aventuras
de George, um mensageiro no Happy Holiday
Hotel que observa secretamente o diretor de uma
companhia de teatro na esperança de aprender
como se tornar um especialista em mulheres.
Madame Wimplepoole, uma designer de lingerie
erótica, chega ao hotel com um grupo de modelos, dando a George a oportunidade de praticar
sua nova técnica e forçando-o a interagir com
as sexy playgirls.
roteiro Fritz Umgelter e Francis Ford Coppola
direção Fritz Umgelter e Francis Ford Coppola
fotografia Jack Hill
direção de arte Albert Locatelli
elenco June Wilkinson, Don Kenney, Karin
Dor, Willy Fritsch, Michael Cramer, Louise
Lawson, Laura Cummings, Gigi Martine, Ann
Perry, Jan Davidson e Lori Shea
produção Wolfgang Hartwig
DEMÊNCIA 13
DEMENTIA 13 1963 75" P&B
Demência 13 conta a história de uma maldição
envolvendo uma nobre família irlandesa que vive
no enorme Castelo Haloran, uma edificação de
pedra no melhor estilo gótico que foi atingida
pela tragédia da morte de Kathleen, uma criança
que se afogou no lago da residência quando brincava com seu irmão Billy. Após o acidente fatal,
a família se separou, ficando apenas a matriarca
Lady Haloran vivendo no castelo com seus criados Arthur e Lillian. Porém, a família, formada
ainda pelos irmãos John, o escultor de estátuas
Richard e o jovem Billy Haloran, reúne-se todos
os anos para celebrar o memorial da morte da
irmã Kathleen. Passados alguns anos da morte da
garota, quando a família se encontra novamente
para mais um memorial, um assassino começa a
atuar nas imediações do castelo utilizando um
machado para dilacerar suas vítimas.
337
roteiro Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Charles Hannawalt
direção de arte Albert Locatelli
edição Mort Tubor e Stewart O'Brien
música Ronald Stein
elenco William Campbell Richard Holloran,
Luana Anders Lousie Holoran, Bart Patton
Billy Holloran, Mary Mitchell Kane, Patrick
Magee Justin Caleb, Eithne Dunn Lady Holoran,
Peter Reed John Holoran, Karl Schanzer Simon,
Ron Perry Arthur, Derry O'Donovan Lillian e
Barbara Dowling Kathleen
produção Francis Ford Coppola para Roger
Corman Productions
Première em 25 de setembro de 1963.
AGORA VOCÊ
É UM HOMEM
YOU'RE A BIG BOY NOW 196 6 96" COR
Bernard Chanticleer é um jovem ansioso para
entrar no "mundo dos adultos". Seu plano é se
mudar da casa dos pais para o oitavo andar de
um prédio no Village, em Nova York, tendo de
lidar com a vigilância paterna e materna e as
filmogr afia
TONIGHT
FOR SURE
338
roteiro Francis Ford Coppola, baseado no
romance de David Benedictus
direção Francis Ford Coppola
fotografia Andy Laszlo
direção de arte Vassele Fotopoulos
figurino Theoni V. Aldredge
coreografia Robert Tucker
edição Abram Avakian
música Bob Prince (canções de John Sebastian
interpretadas por Lovin' Spoonful)
elenco Peter Kastner Bernard Chanticleer,
Elizabeth Hartman Barbara Darling, Geraldine
Paige Margery Chanticleer, Julie Harris Sra.
Thing, Rip Torn I.H. Chanticleer, Tony Bill Raef,
Karen Black Amy, Michael Dunn Richard Mudd,
Dolph Sweet Francis Graf e Michael O'Sullivan
Kurt Doughty
produção Phil Feldman para Seven Arts,
lançado pela Warner Bros.
Première em 20 de março de 1967.
O CAMINHO
DO ARCO-ÍRIS
FINIAN'S R AINBOW 196 8 141" COR
filmogr afia
Finian McLonergan é um malandro irlandês que
enterra um pote de ouro, roubado de um duende,
próximo ao Fort Knox, pensando em, no futuro,
colher ricos frutos. Com ele estão sua espirituosa
filha, um duende e um senador sulista transformado em afro-americano por mágica.
roteiro E.Y. Yarburg e Fred Saidy, baseado
na peça da Broadway (libreto de E.Y. Yarburg e
Fred Saidy, letras de E.Y. Harburg, música de
Burton Lane)
direção Francis Ford Coppola
fotografia Philip Lathrop
desenho de produção Hilyard M. Brown
direção Musical Ray Heindorf
direção de arte Vassele Fotopoulos
figurino Dorothy Jeakins
coreografia Hermes Pan
som M.A. Merryick e Dan Wallin
edição Melvin Shapiro
elenco Fred Astaire Finian McLonergan, Petula
Clark Sharon McLonergan, Tommy Steele Og,
Don Francks Woody Mahoney, Barbara Hancock
Susan, Keenan Wynn Senador “Billboard”
Rawkins, Al Freeman, Jr. Howard, Ronald Colby
Buzz Collins, Dolph Sweet Xerife, Wright King
Procurador, Louis Silas Henry, Brenda Arnau
Arrendatária, Avon Long, Roy Glen e Jerster
Hairston Evangelistas Peregrinas da Paixão
produção Joseph Landon para
Warner Bros. – Seven Arts.
Première em 9 de outubro de 1968.
CAMINHOS
MAL TRAÇADOS
THE R AIN PEOPLE 1969 101" COR
Insegura, grávida de dois meses e sentindo-se
presa em sua própria vida, Natalie Ravenna deixa
tudo para trás e parte em uma viagem pelos eua.
Aparentemente sem destino, sua jornada acaba
tomando um rumo trágico quando ela decide dar
carona a Killer Kilgannon, um atraente jogador
de futebol que possui uma lesão cerebral.
roteiro Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Bill Butler
direção de arte Leon Ericksen
som Nathan Boxer
coreografia Robert Tucker
edição Barry Malkin
edição de som Walter Murch
música Ronald Stein
elenco James Caan Kilgannon, Shirley Knight
Natalie Ravena, Robert Duvall Gordon, Maria
Zimmet Rosalie, Tom Aldredge Sr. Alfred,
Laurie Crews Ellen, Andrew Duncan Artie,
Margaret Fairchild Marion, Sally Gracie Beth,
Alan Manson Lou e Robert Modica Vinny
produção Bart Patton e Ronald Colby
(American Zoetrope) para Warner Bros. –
Seven Arts.
Première em 27 de agosto de 1969.
O PODEROSO
CHEFÃO
THE GODFATHER 19 72 175" COR
Esta obra-prima retrata a turbulência no poder
de um clã mafioso siciliano na América. Don Vito
Corleone, o patriarca da família e chefe de uma
dinastia do crime organizado, tenta transferir o
controle de seu império clandestino a Michael, seu
filho relutante. A narrativa equilibra magistralmente a história entre a vida familiar dos Corleone
e os negócios fora da lei em que estão envolvidos.
roteiro Mario Puzo e Francis Ford Coppola,
baseado no romance de Mario Puzo
direção Francis Ford Coppola
fotografia Gordon Willis
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Warren Clymer
figurino Anna Hill Johnstone
som Christopher Newman
edição William Reynolds e Peter Zinner
música Nino Rota, com música adicional
de Carmine Coppola
elenco Marlon Brando Don Vito Corleone, Al
Pacino Michael Corleone, James Caan Sonny
Corleone, Richard Castellano Clemenza, Robert
Duvall Tom Hagen, Sterling Hayden McCluskey,
John Marley Jack Woltz, Richard Conte
Barzini, Al Lettieri Sollozzo, Diane Keaton Kay
Adams, Abe Vigoda Tessio, Talia Shire Connie,
Gianni Russo Carlo Rizzi, John Cazale Fredo
Corleone, Rudy Bond Cuneo, Al Martino Johnny
Fontane, Morgana King Mama Corleone, Lenny
Montanna Luca Brasi, John Martino Paulie
Gatto, Salvatore Corsitto Bonasera, Richard
Bright Neri, Alex Rocco Moe Greene, Tony
Giorgio Bruno Tattaglia, Vito Scotti Nazorine,
Tere Livrano Theresa Hagen, Victor Rendina
Philip Tattaglia, Jeannie Linero Lucy Mancini,
Julie Gregg Sandra Corleone, Ardell Sheidan
Sra. Clemenza, Simonetta Stefanelli Apollonia,
Angelo Infanti Fabrizio, Corrado Gaipa Don
Tommasino, Franco Citti Calo e Saro Urzi Vitelli
produtor associado Gray Frederickson
produção Albert S. Ruddy (Alfran
Productions) para a Paramount Pictures
Première em 11 de março de 1972.
A CONVERSAÇÃO
THE CONVER SATION 19 74 113" COR
Harry Caul é um especialista em vigilância de
áudio que enfrenta um dilema moral após ser
contratado pelo diretor de uma grande empresa
para vigiar e gravar a conversa de um casal de
amantes. No passado, um trabalho de Harry
provocou a morte de três pessoas, e agora ele
teme que algo parecido aconteça.
roteiro Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Bill Butler e
Haskell Wexler (não creditado)
desenho de produção Dean Tavoularis
cenografia Doug von Koss
figurino Aggie Guerard Rodgers
supervisão de edição, som e
edição de som Walter Murch
edição Richard Chew
música David Shire
consultores técnicos Hal Lipset,
Leo Jones e Jim Bloom
elenco Gene Hackman Harry Caul, John
Cazale Stan, Allen Garfield Bernie Moran,
Frederic Forrest Mark, Cindy Williams Ann,
Michael Higgins Paul, Elizabeth MacRae
Meredith, Harrison Ford Martin Stett, Robert
Duvall o Diretor, Mark Wheeler Recepcionista,
Teri Garr Amy, Robert Shields Mime e Phoebe
Alexander Lurleen
produção Francis Ford Coppola e Fred Roos
(American Zoetrope) para The Directors
Company, lançado pela Paramount Pictures
339
Première em 7 de abril de 1974.
O PODEROSO
CHEFÃO, PARTE II
THE GODFATHER PART II 19 74 20 0" COR
A continuação da saga da família Corleone intercala a história do jovem Vito Corleone, na década
de 1910, em Little Italy, Nova York e na Sicília, bem
como, a de Michael Corleone, na década de 1950,
enquanto tenta expandir o negócio da família
em Las Vegas, Hollywood e Cuba.
filmogr afia
dificuldades dos relacionamentos – apaixona-se por uma mulher experiente e fria, mas
acaba por achar o amor verdadeiro em uma
mocinha leal.
fotografia Vittorio Storaro
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Angelo Graham
figurino Charles E. James
som Walter Murch
supervisão de edição Richard Marks
edição Walter Murch e Gerald B. Greenberg,
Lisa Fruchtman e Barry Malkin (não creditado)
música Carmine Coppola e
Francis Ford Coppola
elenco Marlon Brando Coronel Walter E. Kurtz,
Robert Duvall Tenente Coronel Bill Kilgore,
Martin Sheen Capitão Benjamin L. Willard,
Frederic Forrest “Chef ” Hicks, Albert Hall
Chefe Phillips, Sam Bottoms Lance B. Johnson,
Larry Fishburne “Clean”, Dennis Hopper
Fotojornalista, G.D. Spradlin General Corman,
Harrison Ford Coronel Lucas, Jerry Ziesmer
Civil e Scott Glenn Capitão Richard Colby
produtora associada Mona Skager
coprodutores Fred Roos, Gray Frederickson
e Tom Sternberg
produção Francis Ford Coppola para
American Zoetrope, United Artists
desenho de produção Dean Tavoularis
figurino Ruth Morley
direção de arte Angelo Graham
desenho de som Richard Beggs
coreografia Kenny Ortega e Gene Kelly (não
creditado)
edição Anne Goursaud, com Rudi Fehr e
Randy Roberts
canções e música Tom Waits, cantadas por
Tom Waits e Crystal Gayle
elenco Frederic Forrest Hank, Teri Garr
Frannie, Raul Julia Ray, Nastassja Kinski Leila,
Lainie Kazan Maggie, Harry Dean Stanton Moe,
Allen Goorwitz (Garfield) Dono do Restaurante,
Jeff Hamlin Agente Aéreo, Carmine e Italia
Coppola Casal no Elevador
produção Gray Frederickson e Fred Roos para
Zoetrope Studios, Columbia Pictures
produtora associada Mona Skager
produtor executivo Bernard Gersten
coprodutor Armyan Berenstein
Première em 15 de agosto de 1979.
VIDAS SEM RUMO
THE OUTSIDER S 1983 91" COR
DO FUNDO DO
CORAÇÃO
ONE FROM THE HE ART 1982 107" COR
Première em 12 de dezembro de 1974.
APOCALIPSE NOW
19 79 153" COR
filmogr afia
Durante a guerra do Vietnã, o capitão Willard
recebe a missão de encontrar e matar o comandante das Forças Especiais, Coronel Kurtz, que
aparentemente enlouqueceu e se refugiou nas selvas do Camboja, onde é tido como um líder para
um exército de fanáticos. Livremente baseado na
novela “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad.
roteiro John Millius e Francis Ford Coppola,
baseado na novela O Coração das Trevas,
de Joseph Conrad (não creditada).
Narração escrita por Michael Herr
direção Francis Ford Coppola
Première em 15 de janeiro de 1982.
Hank e Frannie não parecem ser capazes de viver
juntos. Depois de um relacionamento de cinco
anos, a sonhadora Fanny deixa Hank no aniversário de seu casamento, que também é o Dia da
Independência dos Estados Unidos. Andando por
Las Vegas, cada um deles encontra o que parece
ser seu par ideal. Será que o amor verdadeiro
prevalecerá sobre uma paixão momentânea aparentemente glamorosa?
roteiro Armyan Bernstein e Francis Ford
Coppola, do roteiro original de Armyan
Bernstein
direção Francis Ford Coppola
fotografia Vitorio Storaro
efeitos visuais Robert Swarthe
cinema eletrônico Thomas Brown, Murdo
Laird, Anthony St. John e Michael Lehman, em
cooperação com a Sony Corporation
› 113" VER SÃO L ANÇ ADA EM 20 05
Em um subúrbio da pequena cidade de Tulsa,
Oklahoma, Ponyboy Curtis é o caçula dos irmãos
Darrel Curtis e Sodapop Curtis, envolvidos em
brigas de gangues. Eles tentam vencer e amadurecer enfrentando os ricos. Os acontecimentos
são vistos pela ótica de Ponyboy, que gosta de
poesia e …E o Vento Levou.
roteiro Kathleen Knutsen Rowell e Francis
Ford Coppola (não creditado), baseado no
romance de S.E. Hinton
direção Francis Ford Coppola
fotografia Stephen H. Burum
efeitos visuais Robert Swarthe
desenho de produção Dean Tavoularis
figurino Marge Bowers
som Jim Webb
desenho de som Richard Beggs
edição Anne Goursaud
música Carmine Coppola
elenco Matt Dillon Dallas Winston, Ralph
Macchio Johnny Cade, C. Thomas Howell
Ponyboy Curtis, Patrick Swayze Darrel Curtis,
Rob Lowe Sodapop Curtis, Emilio Estevez
Two-Bit Mathews, Tom Cruise Steve Randle,
Glenn Withrow Tim Shephard, Diane Lane
Cherry Valance, Leif Garrett Bob Sheldon, Darren
Dalton Randy Anderson, Michelle Meyrink
Marcia, Gailard Sartain Jerry, Tom Waits Buck
Merrill e William Smith Clerk
produção Fred Roos e Gray Frederickson para
Zoetrope Studios e Warner Bros.
produtor associado Gian-Carlo Coppola
Première em 25 de março de 1983.
O SELVAGEM DA
MOTOCICLETA
RUMBLE FISH 1983 9 4" P&B E COR
O filme narra a história de luta de um jovem
bandido (Rusty-James) para viver de acordo
com a reputação lendária de seu irmão adorado,
Motorcycle Boy, que retornou da Costa Oeste, em
uma cidade industrial empobrecida.
roteiro S.E. Hinton e Francis Ford Coppola,
baseado no romance de S.E. Hinton
direção Francis Ford Coppola
fotografia Stephen H. Burum
desenho de produção Dean Tavoularis
figurino Marge Bowers
som David Parker
desenho de som Richard Beggs
edição Barry Malkin
música Stewart Copeland
elenco Matt Dillon Rusty-James, Mickey
Rourke Motorcycle Boy, Diane Lane Patty,
Dennis Hopper Pai, Diana Scarwid Cassandra,
Vincent Spano Steve, Nicolas Cage Smokey,
Christopher Penn B.J. Jackson, Larry Fishburne
Midget, William Smith Patterson, Michael
Higgins Sr. Harrigan, Glenn Withrow Biff Wilcox,
Tom Waits Benny, Herb Rice Jogador de Sinuca,
Maybelle Wallace Última Vendedora de Passagens,
Nona Manning Mãe de Patty, Domino Irmã de
Patty, Gio Primo James e S.E. Hinton Prostituta
produção Fred Roos e Doug Claybourne para
Zoetrope Studios, lançado por Universal
produtor executivo Francis Ford Coppola
produtores associados Gian-Carlo Coppola
e Roman Coppola
Première em 7 de outubro de 1983.
341
filmogr afia
340
roteiro Francis Ford Coppola e Mario Puzo,
baseado em eventos do romance de Mario Puzo
direção Francis Ford Coppola
fotografia Gordon Willis
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Angelo Graham
cenografia George R. Neison
figurino Theadora Van Runkle
som e edição de som Walter Murch
edição Peter Zinner, Barry Malkin e
Richard Marks
música Nino Rota e Carmine Coppola
elenco Al Pacino Michael Corleone, Robert
Duvall Tom Hagen, Diane Keaton Kay
Adams, Robert De Niro Vito Corleone, John
Cazale Fredo Corleone, Talia Shire Connie, Lee
Strasberg Hyman Roth, Michael V. Gazzo Frank
Pentangeli, G.D. Spradlin Senador Pat Geary,
John Martino Paulie Gatto, Salvatore Corsitto
Bonasera, Richard Bright Neri, Gaston Moschin
Fanucci, Tom Rosqui Rocco Lampone, B. Kirby,
Jr. Clemenza, Frank Sivero Genco, Francesca
de Sapio Jovem Mama Corleone, Morgana
King Mama Corleone, Mariana Hill Deanna
Corleone, Leopoldo Trieste Sr. Roberto, Dominic
Chianese Johnny Ola, Amerigo Tot Bodyguard,
Troy Donahue Merle Johnson, John Aprea Tessio
e Joe Spinell Willi Cicci
produção Francis Ford Coppola para
American Zoetrope/Paramount Pictures
produtora associada Mona Skager
coprodutores Gray Frederickson e Fred Roos
THE COT TON CLUB 198 4 127" COR
Cotton Club apresenta uma visão genuína da era de
ouro do jazz, ambientado no famoso clube noturno
do Harlem. A história segue as pessoas que visitaram o clube e aqueles que o comandaram, tendo
no músico Dixie Dwyer sua personagem central.
342
roteiro William Kennedy e Francis Ford
Coppola, baseado em uma história de
William Reynolds, Francis Ford Coppola
e Mario Puzo, sugerida por uma narrativa
pictórica de James Haskins
direção Francis Ford Coppola
fotografia Stephen Goldblatt
desenho de produção Richard Sylbert
direção de arte David Chapman e
Gregory Bolton
figurino Milena Canonero
coreografia principal Michael Smuin
coreografia do sapateado Henry LeTang
edição de som Edward Beyer
edição Barry Malkin e Robert Q. Lovett
música John Barry e Bob Wilber
elenco Richard Gere Dixie Dwyer, Gregory
Hines Sandman Williams, Diane Lane Vera
Cicero, Lonette McKee Lila Rose Oliver, Bob
Hoskins Owney Madden, James Remar Dutch
Schultz, Nicolas Cage Vincent Dwyer, Allen
Garfield Abbadabba Berman, Fred Gwynne
Frenchy, Gwen Verdon Tish Dwyer, Lisa Jane
Persky Frances Flegenheimer, Maurice Hines
Clay Williams, Julian Beck Sol Weinstein, Novella
Nelson Madame St. Claire, Larry Fishburne
Bumpy Rhodes, John Ryan Joe Flynn e Tom Waits
Irving Stark
produção Robert Evans para a American
Zoetrope e Orion Pictures
coprodutores Silvio Tabet e Fred Roos
produtor executivo Dyson Lovell
Première em 14 de dezembro de 1984.
roteiro Mark Curtis, Rod Ash e Francis Ford
Coppola (não creditado), baseado na história de
Washington Irving
direção Francis Ford Coppola
direção de iluminação George Riesenberger
desenho de produção Michael Erler
consultora artística Eiko Ishioka
figurino Sam Kirkpatrick
edição Murdo Laird e Arden Rynew
música Carmine Coppola
elenco Harry Dean Stanton Rip Van Winkle,
Talia Shire Esposa de Rip, Sofia Coppola e
Hunter Carson
produção Fred Fuchs e Bridget Terry
para a série Teatro dos Contos de Fadas (Faerie
Tale Theater) do canal de televisão hbo
produtora executiva Shelley Duvall
CAPTAIN EO
198 6 17" COR 3D
O Capitão Eo e sua tripulação espacial se aventuram em uma missão para salvar o mundo de uma
rainha do mal através de som e dança.
direção Francis Ford Coppola
fotografia Vittorio Storaro
coreografia Jeffrey Hornaday
edição Walter Murch
música Michael Jackson
elenco Michael Jackson Capitão Eo, Anjelica
Huston She-Devil Supreme
produção Lucas Film Ltd. para Disney
PEGGY SUE,
SEU PASSADO
A ESPERA
PEGGY SUE GOT MARRIED 198 6 103" COR
RIP VAN WINKLE
filmogr afia
1985 49" COR
A história de um homem preguiçoso que adormece nas montanhas de Catskill por vinte anos
e acorda depois da Revolução Americana.
Uma mulher de 43 anos, à beira do divórcio, desmaia, volta no tempo (de 1985 para 1960) e vê,
entre outras coisas, seu namorado com quem
vai se casar e se separar 25 anos depois. Surge
então uma questão: se ela vai se separar, deve
se casar ou não? Nesta volta no tempo ela tem a
oportunidade de transformar o curso da sua vida.
roteiro Jerry Leichtling e Arlene Sarner
direção Francis Ford Coppola
fotografia Jordan Cronenweth
cinema eletrônico Murdo Laird,
Ted Mackland e Ron Mooreland
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Alex Tavoularis
figurino Theadora Van Runkle
supervisão de edição de som Michael
Kirchberger
edição Barry Malkin
música John Barry
elenco Kathleen Turner Peggy Sue Kelcher,
Nicholas Cage Charlie Bodell, Barry Miller
Richard Norvik, Catherine Hicks Carol Heath,
Joan Allen Maddie Nagle, Kevin J. O'Connor
Michael Fitzsimmons, Jim Carrey Walter Getz,
Lisa Jane Persky Dolores Dodge, Lucinda
Jenney Rosalie Testa, Wil Shriner Arthur Nagle,
Barbara Harris Evelyn Kelcher, Don Murray Jack
Kelcher, Sofia Coppola Nancy Kelcher, Maureen
O'Sullivan Elisabeth Alvorg, Leon Ames Barney
Alvorg, com Helen Hunt e John Carradine
produção Paul R. Gurian para Tri-Star. Uma
produção Paul R. Gurian/American Zoetrope.
produtor executivo Barrie M. Osborne
Première em 5 de outubro de 1986.
roteiro Ronald Bass, baseado no romance
de Nicholas Proffitt
direção Francis Ford Coppola
fotografia Jordan Cronenweth
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Alex Tavoularis
figurino Will Kim e Judianna Makovsky
desenho de som Richard Beggs
edição Barry Malkin
música Carmine Coppola
elenco James Caan Clell Hazard,
Anjelica Houston Samantha Davis, James
Earl Jones Sargento Major Goody Nelson, D.B.
Sweeney Jackie Willow, Dean Stockwell Homer
Thomas, Mary Stuart Masterson Rachel Feld,
Dick Anthony Williams Slasher Williams,
Lonette McKee Betty Rae, Sam Bottoms
Tenente Webber, Elias Koteas Pete Deveber, Larry
Fishburne Flanagan, Casey Siemaszko Wildman,
Peter Masterson Coronel Feld, Carlin Glynn
Mrs. Feld, Erik Holland Colonel Godwin e Bill
Graham Don Brubaker
produção Michel I. Levy e Francis Ford
Coppola para Tri-Star
produtores executivos Stan Weston,
Jay Emmett e Fred Roos
coprodutor executivo David Valdes
343
Première em 8 de maio de 1987.
JARDINS
DE PEDRA
GARDENS OF S TONE 1987 111" COR
Jardins de Pedra se situa no Cemitério Nacional
de Arlington, onde as infindáveis sepulturas
emolduram os heróis mortos na guerra. Este
jardim está sob a responsabilidade da "Velha
Guarda" do grupo de elite do exército, liderado
por veteranos de guerra que não estão mais em
serviço. Quando o jovem recruta Jackie Willow
é designado para a unidade, torna-se subalterno
do Sargento Clell Hazard e do Sargento Major
Goody Nelson. Hazard tem que mostrar o caminho e preparar o jovem para o duro e mortal
ambiente de guerra, ao mesmo tempo em que se
envolve com uma jornalista pacifista, enquanto
Willow reata com sua namorada do colégio. Em
um ambiente de protesto, de incerteza e de violência, a guerra em casa e a guerra fora dela trazem
inesquecíveis consequências.
TUCKER:
UM HOMEM E
SEU SONHO
TUCKER : THE MAN AND HIS DRE AM 198 8 110" COR
O filme narra a história do “maverick” Preston
Tucker, designer de carros e empreendedor que
desafiou a indústria automobilística com seu
conceito de carro revolucionário.
roteiro Arnold Schulman e David Seidler
direção Francis Ford Coppola
fotografia Vittorio Storaro
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Alex Tavoularis
figurino Milena Canonero
desenho de som Richard Beggs
edição Priscilla Nedd
música Joe Jackson
filmogr afia
COTTON CLUB
Lundy Gia Scianni Devo, Diane Lin Cosman
Margit, Selim Tlili Abu, Robin Wood-Chapelle
Gel, Celia Nestell Hillary, Alexandra Becker
Andrea, Adrien Brody Mel, Michael Higgins
Robber, Chris Elliot Assaltante, Thelma
Carpenter Empregada, Carmine Coppola Músico
de Rua, Carole Bouquet Princesa Soroya e Jo Jo
Starbuck Patinador do Gelo
produção Fred Roos e Fred Fuchs para
Touchstone Pictures
Première em 12 de agosto de 1988.
A história do filme começa em 1979, com um breve
flashback sobre os momentos trágicos da Família
Corleone. Michael Corleone ainda se sente culpado. Seu irmão adotivo, Tom Hagen, está morto.
A propriedade dos Corleone em Lake Tahoe está
abandonada. Michael e Kay se divorciaram e ela
ficou com a custódia dos dois filhos, Anthony e
Mary. Michael retorna a Nova York, onde usa sua
energia e poder para restaurar sua dignidade e reputação.Michael criou a Fundação Vito Corleone
e é agraciado com a comenda de Comandante da
Ordem de São Sebastião. Vincent Mancini, filho
ilegítimo de Sonny Corleone, aparece na festa após
a cerimônia e Michael o convida a entrar para
a família. Michael continua com seus planos e
negocia com o Banco do Vaticano uma operação
milionária, ajudado pelo Arcebispo Gilday.
CONTOS DE NOVA
YORK, SEGMENTO
A VIDA SEM ZOE
LIFE WITHOUT ZOE – SEGMENT T WO IN
NEW YORK S TORIES 1989 34" COR
filmogr afia
O segundo segmento de Contos de Nova York,
“A vida Sem Zoe”, conta a história de Zoe, uma
menina que vive esquecida em um hotel de luxo,
enquanto seus pais artistas viajam pelo mundo.
roteiro Francis Ford Coppola e Sofia Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Vittorio Storaro
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Speed Hopkins
figurino Sofia Coppola
som Frank Graziadei
edição Barry Malkin
música Carmine Coppola
canções Kid Creole and the Coconuts
elenco Heather McComb Zoe, Talia Shire
Charlotte, Gia Coppola Bebê Zoe, Giancarlo
Giannini Claudio, Paul Herman Clifford, James
Keane Jimmy, Don Novello Hector, Bill Moor
Sr. Lilly, Tom Mardiosian Hasid, Jenny Bichold
Première em 16 de fevereiro de 1989.
O PODEROSO
CHEFÃO, PARTE III
THE GODFATHER PART III 19 9 0 162" COR
› 170" VER SÃO FINAL 20 01
roteiro Mario Puzo e Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Gordon Willis
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Alex Tavoularis
figurino Milena Canonero
som Richard Beggs
edição Barry Malkin,
Lisa Fruchtman e Walter Murch
música Carmine Coppola
música adicional e temas Nino Rota
desenho de som Richard Beggs
elenco Al Pacino Michael Corleone, Diane
Keaton Kay Adams, Talia Shire Connie Corleone
Rizzi, Andy Garcia Vincent Mancini, Eli Wallach
Don Altobello, Joe Mantegna Joey Zasa, George
Hamilton B.J. Harrison, Bridget Fonda Grace
Hamilton, Sofia Coppola Mary Corleone, Raf
Vallone Cardeal Lamberto, Franc D'Ambrosio
Anthony Corleone, Donal Donnelly Arcebispo
Gliday, Richard Bright Al Neri, Helmut Berger
Frederick Keinszig, Don Novello Dominic
Abbandando, John Savage Andrew Hagen, Franco
Citti Calo, Mario Donatone Mosca, Vittorio
Duse Don Tommasino, Enzo Robutti Lucchesi,
Michele Russo Spara, Al Martino Johnny
Fontane, Robert Cicchini Lou Pennino, Rogerio
Miranda Armand, Carlos Miranda Francesco e
Jeannie Linero Lucy Mancini
produção Francis Ford Coppola para
Zoetrope Studios e Paramount Pictures
produtores executivos Fred Fuchs e
Nicholas Cage
coprodutores Gray Frederickson, Fred Roos
e Charles Mulvehill
produtora associada Marina Gefter
Première em 26 de dezembro de 1990.
música Wojciech Kilar
elenco Gary Oldman Drácula, Winona Ryder
Mina/Elisabeta, Anthony Hopkins Abraham Van
Helsing, Keanu Reeves Jonathan Harker, Sadie
Frost Lucy Westenra, Richard E. Grant
Dr. Jack Seward, Cary Elwes Arthur Holmwood,
Bill Campbell Qunicey Morris, Tom Waits
Reinfield, Monica Bellucci Noiva de Drácula,
Michaela Bercu Noiva de Drácula, Florina
Kendrick Noiva de Drácula, Jay Robinson Mr.
Hawkins, I.M. Hobson Hobbs e Laurie Frank
Empregada de Lucy
produção Francis Ford Coppola, Fred Fuchs
e Charles Mulvehill para American Zoetrope e
Columbia Pictures
produtores executivos Michael Apted e
Robert O’Connor
coprodutor James V. Hart
produtora associada Susie Landau
Première em 13 de novembro de 1992.
345
JACK
19 96 113" COR
DRÁCULA DE
BRAM STOKER
BR AM S TOKER'S DR ACUL A 19 92 12 8" COR
No século xv, Vlad Tepes, líder e guerreiro dos
Cárpatos, renega a Igreja quando esta se recusa
a enterrar em solo sagrado sua esposa Elisabeta,
que se matou acreditando que o marido estava
morto. Drácula perambula através dos séculos
como um morto-vivo e, ao contratar o advogado
Jonathan Harker, descobre que a noiva deste,
Mina, é a reencarnação de sua amada. Assim, Drácula parte para Londres, no intuito de encontrar
a mulher que sempre amou através dos séculos.
roteiro James V. Hart
direção Francis Ford Coppola
fotografia Michael Ballhaus
desenho de produção Thomas Sanders
direção de arte Andrew Precht
figurino Eiko Ishioka
som David Stone
efeitos visuais Roman Coppola
edição Nicholas C. Smith,
Glenn Scantlebury e Anne Goursaud
Jack é um menino especial: por conta de um
distúrbio que o faz envelhecer quatro vezes mais
rápido que as crianças comuns, o garoto entra
na quinta série da escola com a aparência de um
homem de quarenta anos, e precisa viver seus
desafios junto aos pais e à comunidade.
roteiro James DeMonaco e Gary Nadeau
direção Francis Ford Coppola
fotografia John Toll
desenho de produção Dean Tavoularis
direção de arte Angelo Graham
figurino Aggie Guerard Rodgers
som Agamemnon Andrianos
edição Barry Malkin
música Michael Kamen
elenco Robin Williams Jack Powell, Diane
Lane Karen Powell, Jennifer Lopez Miss
Marquez, Brian Kerwin Brian Powell, Fran
Drescher Dolores Durante, Bill Cosby Lawrence
Woodruff, Michael McKean Paulie, Don Novello
Bartender, Allan Rich Dr. Benfante, Adam
Zolotin Louis Durante, Todd Bosley Edward,
Seth Smith John-John, Mario Yedidia George,
Jeremy Lelliott Johnny Duffer, Rickey O’Shon
Collins Eric e Hugo Hernandez Victor
filmogr afia
344
elenco Jeff Bridges Preston Tucker, Joan Allen
Vera, Martin Landau Abe Karatz, Frederic
Forrest Eddie, Mako Jimmy, Elias Koteas
Alex, Christian Slater Junior, Nina Siemaszko
Marilyn Lee, Anders Johnson Johnny, Corky
Nemec Noble, Marshall Bell Frank, Jay O.
Sanders Kirby, Peter Donat Kerner, Lloyd
Bridges Senator Ferguson, Dean Goodman
Bennington, John X. Heart Ajudante de Ferguson,
Don Novello Stan, Patti Austin Millie, Sandy
Bull Assistente de Stan, Joseph Miksak Juiz,
Scott Beach Floyd Cerf, Roland Scrivner Oscar
Beasley, Dean Stockwell Howard Hughes, Bob
Safford Narrador, Larry Menkin Doc, Ron Close
Fritz e Joe Flood Dutch
produção Fred Roos e Fred Fuchs para
Lucasfilm Ltd., Zoetrope Studios, lançado pela
Paramount Pictures
produtor executivo George Lucas
produtor associado Teri Fettis
Première em 9 de agosto de 1996.
O HOMEM QUE
FAZIA CHOVER
JOHN GRISHAM'S THE R AINMAKER 19 9 7 135" COR
Um jovem advogado desempregado luta para
ajudar um casal que precisa do dinheiro de uma
companhia de seguros para o transplante do filho,
ao mesmo tempo em que se envolve com uma
mulher casada que sofre de violência doméstica.
filmogr afia
346
roteiro Francis Ford Coppola, baseado no
romance de John Grisham. Narração escrita
por Michael Herr
direção Francis Ford Coppola
fotografia John Toll
desenho de produção Howard Cummings
direção de arte Robert Shaw e Jeffrey
McDonald
figurino Aggie Guerard Rodgers
som Nelson Stoll
edição Barry Malkin
música Elmer Bernstein
elenco Matt Damon Rudy Baylor, Claire
Danes Kelly Riker, Jon Voight Leo F. Drummond,
Mary Kay Place Dot Black, Mickey Rourke
Bruiser Stone, Danny DeVito Deck Schifflet, Dean
Stockwell Juiz Harvey Hale, Teresa Wright
Sra. Birdie, Virginia Madsen Jackie Lemancyzk,
Andrew Shue Cliff Riker, Red West Buddy Black,
Johnny Whitworth Donny Ray Black, Danny
Glover Juiz Tyrone Kipler, Wayne Emmons
Prince Thomas, Adrian Roberts Butch, Roy
Scheider Wilfred Keeley, Randy Travis Billy
Porter, Michael Girardin Everett Luf kin, Randall
King Jack Underhall, Justin Ashforth F. Franklin
Donaldson e Michael Keys Hall B. Bobby Shaw
produção Michael Douglas, Steven Reuther e
Fred Fuchs para Constellation Films, Douglas/
Reuther Productions, American Zoetrope e
Paramount Pictures
coprodutora Georgia Kacandes
produtor associado Gary Scott Marcus
Première em 21 de novembro de 1997.
APOCALYPSE
NOW REDUX
20 01 202" COR
Versão expandida de Apocalypse Now, com 53 minutos de sequências adicionais.
edição Walter Murch
supervisão de edição de som Michael
Kirchberger
elenco A Plantação Francesa – Christian
Marquand Hubert DeMarais, Aurora Clément
Roxanne Surrault
produção Kim Aubry para American
Zoetrope e Miramax Films
Première em 15 de agosto de 2001.
VELHA JUVENTUDE
YOUTH WITHOUT YOUTH 20 07 124" COR
Uma história de amor envolta em mistério. Situado na Europa pré-Segunda Guerra Mundial,
o filme retrata um professor tímido cuja vida é
alterada por um evento cataclísmico, lançando-o em uma exploração acerca dos mistérios
da vida.
roteiro Francis Ford Coppola, baseado no
romance de Mircea Eliade
direção Francis Ford Coppola
fotografia Mihai Malaimare Jr.
desenho de produção Calin Papura
direção de arte Ruxandra Ionica e
Mircea Onisoru
figurino Gloria Papura
som Pete Horner
efeitos visuais Liviu Gherghe e Vít Komrzy
edição Walter Murch
música Osvaldo Golijov
elenco Tim Roth Dominic, Alexandra Maria
Lara Veronica/Laura, Bruno Ganz Professor
Stanciulescu, André Hennicke Josef Rudolf,
Marcel Iures Professor Giuseppe Tucci, Adrian
Pintea Pandit, Alexandra Pirici Mulher no
Quarto 6, Florin Piersic Jr. Dr. Gavrila, Zoltan
Butuc Dr. Chirila e Adriana Titieni Anetta
produção Francis Ford Coppola para
American Zoetrope
coprodução srg Atelier, Pricel, bim
Distribuzione e participação de Bavaria Atelier
produtores executivos Anahid Nazarian e
Fred Roos
Première em 14 de dezembro de 2007.
TETRO
20 09 127" P&B E COR
Bennie, de 17 anos, chega a Buenos Aires devido
a um problema no navio onde trabalha. Ele encontra seu irmão mais velho, Angelo, que agora
responde apenas por Tetro. O período em que
Bennie vive com ele faz com que os irmãos relembrem experiências do passado.
roteiro Francis Ford Coppola e
Mauricio Kartun
direção Francis Ford Coppola
fotografia Mihai Malaimare Jr.
desenho de produção Sebastián Orgambide
direção de arte Federico García Cambero
figurino Cecilia Monti
som Juan Ferro
efeitos visuais Vít Komrzy e Alejo Varisto
edição Walter Murch
música Osvaldo Golijov
elenco Vincent Gallo Angelo “Tetro” Tetrocini,
Alden Ehrenreich Bennie, Maribel Verdú
Miranda, Silvia Pérez Silvana, Rodrigo de la
Serna José, Erica Rivas Ana, Mike Amigorena
Abelardo, Lucas Di Conza Jovem Tetro, Adriana
Mastrángelo Ángela, Klaus Maria Brandauer
Carlo/Alfie, Leticia Brédice Josefina, Sofía Gala
María Luisa, Jean-François Casanovas Enrique,
Carmen Maura Alone, Francesca De Sapio
Amalia, Ximena Maria Iacono Naomi, Susana
Giménez, Pochi Ducasse Lili, Nora Elisabeth
Robles Naomi Dançarina, Pedro Arturo Calveyra
Carlo Dançarino, Mariela Noemi Magenta Ángela
Dançarina e Marcelo Fabio Carte Tetro Dançarino
produção Francis Ford Coppola e Valerio De
Paolis para American Zoetrope
coprodução Zoetrope Argentina, Tornasol
Films e bim Distribuzione
produtores executivos Anahid Nazarian e
Fred Roos
coprodutores Mariela Besuievsky e
Gerardo Herrero
Première em 12 de junho de 2009.
VIRGÍNIA
T WIX T 2011 8 8" COR
Um escritor decadente chega a uma pequena
cidade como parte da turnê de seu livro e se
vê envolvido no misterioso assassinato de uma
jovem. Naquela noite, em um sonho, é abordado
por uma menina-fantasma, V. Ao mesmo tempo
inseguro em sua ligação com o assassinato na
cidade, Hall é grato pela história que o está sendo
entregue. Em última análise, é levado à verdade
da história, surpreso ao descobrir que o fim tem
mais a ver com a sua própria vida do que jamais
poderia ter antecipado.
roteiro Francis Ford Coppola
direção Francis Ford Coppola
fotografia Mihai Malaimare Jr.
desenho de produção Adriana Rotaru
direção de arte Jimmy DiMarcellis
figurino Marjorie Bowers
som Richard Beggs
efeitos visuais Doug E. Williams
edição Kevin Bailey, Glen Scantlebury e
Robert Schafer
música Dan Deacon e Osvaldo Golijov
elenco Val Kilmer Hall Baltimore, Bruce Dern
Xerife Bobby LaGrange, Elle Fanning V., Ben
Chaplin Poe, Joanne Whalley Denise, David
Paymer Sam, Anthony Fusco Pastor Allan
Floyd, Alden Ehrenreich Flamingo, Bruce A.
Miroglio Delegado Arbus, Don Novello Melvin,
Ryan Simpkins Caroline, Lucas Rice Jordan
P.J., Fiona Medaris Vicky, Katie Crom Circe,
Lucy Bunter Assistente de Biblioteca, Dorothy
Tchelistcheff Sra. Gladys, Lorraine Gaudet
Operator, Stacey Mattina Woman in Store e
Tom Waits Narrator Voz
produção Francis Ford Coppola para
American Zoetrope
produtores executivos Anahid Nazarian e
Fred Roos
produtores associados Josh Griffith e
Masa Tsuyuki
347
filmogr afia
produção Ricardo Mestres, Fred Fuchs e
Francis Ford Coppola para American Zoetrope
e Buena Vista
produtor executivo Doug Claybourne
SOBRE OS AUTORES
autores
gene d. phillips é um escritor e professor
americano. Escreveu diversas biografias críticas
a respeito da obra de grandes cineastas, além de
prolongadas entrevistas com realizadores como
Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, Fritz Lang e
Joseph Losey. Participou do júri de alguns dos mais
importantes festivais do mundo, como Cannes e
Berlim, e integra o conselho editorial da revista
Film Quarterly desde a sua fundação, em 1973.
Membro da Companhia de Jesus (Jesuítas), exerce
o sacerdócio desde 1965, quando foi ordenado.
mario gianluigi puzo foi um escritor americano – também escreveu alguns livros sob o
pseudônimo de Mario Cleri. É mais conhecido
por suas obras de ficção acerca da máfia, sobretudo O Poderoso Chefão, originalmente publicado
em 1969. Puzo ajudou a escrever o roteiro dos três
filmes de Francis Ford Coppola inspirados na sua
obra. Ele também se envolveu com outros filmes,
como Terremoto (Earthquake, 1974) e Super-Homem
(Superman, 1978). Morreu de ataque cardíaco em
2 de julho de 1999.
jon lewis é professor da School of Writing,
Literature, and Film da Oregon State University,
onde leciona cursos sobre cinema e estudos culturais desde 1983. Publicou dez livros, entre os quais
Hollywood v. Hard Core (nyu Press, 2002), American
Film: A History (W.W. Norton & Company, 2007) e
Essential Cinema: An Introduction to Film Analysis
(Cengage Learning, 2013). Atualmente, coordena
a Behind the Silver para Rutgers University Press,
uma coleção sobre a história de algumas das
principais profissões dentro do cinema (roteirista, diretor, ator, produtor, diretor de fotografia,
diretor de arte, engenheiro de som, animador,
editor, e figurinista).
david thomson é um escritor e historiador
inglês. Escreveu biografias sobre Nicole Kidman
e Orson Welles. Crítico de cinema, colaborou
com as mais diversas publicações, como The
New Republic, The New York Times, Film Comment,
Movieline e Salon. Foi professor de cinema na Dartmouth College e integrou a comissão de seleção
do New York Film Festival. Autor de The Whole
Equation: A History of Hollywood (Knopf, 2004), é
o criador e compilador do The New Biographical
Dictionary of Film (Knopf ), editado anualmente.
luc y gr ay é uma artista de São Francisco.
Estudou cinema na Dartmouth College e criou
inúmeros projetos de arte pública. Fez Naming
the Homeless na Catedral da Graça em 1998. Suas
montagens realizadas com a atriz Tilda Swinton
foram projetadas nos lados norte e sul da prefeitura da cidade por uma semana durante o San
Francisco International Film Festival de 2007.
Escreveu e produziu sua primeira peça na Catedral da Graça em 2009. Dirigiu o filme Genevieve
Goes Boating (2011).
michael schumacher é um escritor americano. Publicou mais de dez livros. Entre eles
estão festejadas biografias de Allen Ginsberg,
Eric Clapton, Phil Ochs, George Mikan e Francis
Ford Coppola.
ana r ebel barros é formada em Comunicação Social – Cinema pela Universidade Federal
Fluminense, Mestra pelo programa de Pós Graduação em História Social da Cultura da puc-rj.
Trabalhou na produção de diversos curtas e mostras, e foi bolsista do Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica (icict), na
Fundação Oswaldo Cruz, onde colaborou com os
projetos “Walt Disney e a Fundação sesp”, Rede
Unida, Cooperação Tripartite Brasil–Haiti–Cuba,
entre outros.
curador
paulo ricardo g. de almeida é formado em
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(ufrj) e em Comunicação Social – Cinema pela
Universidade Federal Fluminense (uff). É sócio
fundador e gerente geral da Voa – Comunicação e
Cultura ltda. Foi curador e organizou o catálogo
nas mostras “Oscar Micheaux: O Cinema Negro
e a Segregação Racial”, “Francis Ford Coppola: O
Cronista da América” e “Surrealismo e Vanguardas”. Na última, atuou também como produtor.
351
CRÉDITOS FINAIS
352
patrocínio
Banco do Brasil
legendagem eletrônica
Casarini Produções
sesc – serviço social do comércio
administração regional no estado de são paulo
realização
Centro Cultural Banco do Brasil
revisão de cópias
Mnemosine Serviços Audiovisuais
presidente do conselho regional Abram Szajman
diretor do departamento regional Danilo Santos de Miranda
correalização
sesc
cópias e reproduções
Eduardo Reginato
produção
Voa Comunicação e Cultura
tráfego de cópias nacional
tpk Transportes
superintendências
técnico-social Joel Naimayer Padula comunicação social Ivan Paulo
Giannini administração Luiz Deoclécio Massaro Galina assessoria técnica e
de planejamento Sérgio José Battistelli
produtora associada
Vai e Vem Produções
tráfego de cópias internacional e
liberação alfandegária
Wind Logistics
apoio cultural
Cine Odeon – Centro Cultural Severiano Ribeiro
Cine Brasília
curadoria
Paulo Ricardo G. de Almeida
coordenação de produção
José de Aguiar
Marina Fonte Pessanha
produção executiva
José de Aguiar
Marina Fonte Pessanha
pesquisa e
produção de cópias
Fábio Savino
assistente de
produção executiva
Rafael Bezerra
produção local
Ana Rebel Barros – rj
Rafaella Rezende – df
Renata da Costa – sp
identidade visual
Guilherme Gerais
Marcus Bellaver – estúdio mero
Pablo Blanco – estúdio mero
assessoria de imprensa
Claudia Oliveira – rj
Objeto Sim – df
Thiago Stivaletti – sp
catálogo
idealização
Paulo Ricardo G. de Almeida
organização
Ana Rebel Barros
Paulo Ricardo G. de Almeida
produção editorial
José de Aguiar
Marina Pessanha
projeto gráfico editorial
Guilherme Gerais
Marcus Bellaver – estúdio mero
Pablo Blanco – estúdio mero
tradução de textos
André Duchiade
Julio Bezerra
revisão de textos
Ana Moraes
Manuela Medeiros
gerências
ação cultural Rosana Paulo da Cunha adjunta Kelly Adriano de Oliveira
assistentes Rodrigo Gerace e Talita Rebizzi estudos e desenvolvimento
Marta Colabone adjunto Iã Paulo Ribeiro artes gráficas Hélcio Magalhães
adjunta Karina C.L. Musumeci difusão e promoção Marcos Carvalho adjunto
Fernando Fialho cinesesc Gilson Packer Adjunta Simone Yunes
353
agradecimentos
agradecimento especial
Francis Ford Coppola
354
agradecimentos
Adriana Rotaru
Alexandra Alonso
Cecília Lara
Charles Pessanha
David Thomson
Edu Ferrer
Elina Fonte Pessanha
Gene D. Phillips
Hernani Heffner
James Mockoski
Jon Lewis
Lee Bye
Leslee Dart
Lucy Gray
Liciane Mamede
Mark Spratt
Michael Schumacher
Monike Mar
Sandra Gomes
Sophie Glover
Viviane da Rosa Tavares
Denize Araújo
Joice Scavone
Walerie Gondim
Rita Araújo Pessoa
créditos finais
agradecimento às intituições
University Press of Kentucky:
Craig Wilkie e Mack McCormick
Duke University Press:
Diane Grosse e Ken Wissoker
Cambridge University Press: Linda Nicol
University Press of Mississipi: Cynthia Foster
Film Comment Magazine: Vicki Robinson
British Film Institut: George Watson
As imagens publicadas neste catálogo
tem como detentoras as seguintes
produtoras/distribuidoras: Europa Filmes,
Imovision, Pathé, Tamasa e Park Circus.
A organização da mostra lamenta
profundamente se, apesar de nossos esforços,
porventura houver omissões à listagem
anterior. Comprometemo-nos a reparar tais
incidentes em caso de novas edições.
bibliografia consultada
browne, Nick (org.). Francis Ford Coppola’s
The Godfather Trilogy. Nova York:
Cambridge University Press, 2000.
cowie, Peter. Coppola. Milwaukee: Applause
Theater & Cinema Books, 2014.
delorme, Stéphane. Francis Ford Coppola.
Paris: Cahiers du Cinema, 2010.
koehler, Robert. “‘Megalopolis’: helmer
chases utopia” em Variety n° 6 agosto de 2001
lewis, Jon. Whom God Wishes to Destroy…
Francis Ford Coppola and The New Hollywood.
Durham: Duke University Press, 1995.
. American Film: a History.
Nova York: W.W. Norton & Company, 2008.
phillips, Gene D. Godfather: the intimate
Francis Ford Coppola. Lexington: University
Press of Kentucky, 2004.
phillips, Gene D. e hill, Rodney (orgs.).
Francis Ford Coppola: Interviews.
Jackson: University Press of Missisipi, 2004.
schumacher, Michael. Francis Ford Coppola:
a filmmaker’s life. Nova York:
Crown Publishers, 1999.
francis ford coppola: o cronista da américa
ccbb rio de janeiro
3 a 29 de junho de 2015
centro cultural severiano ribeiro: odeon – rj
18 a 24 de junho de 2015
ccbb brasília e cine brasília
25 de junho a 20 de julho de 2015
ccbb são paulo
1 a 27 de julho de 2015
sesc sp
cinesesc
23 a 29 de julho de 2015
Este livro foi impresso em junho de 2015 na gráfica Midiograf.
O papel empregado no miolo é o Pólen bold 90g/m².
As fontes utilizadas são das famílias Nexus e Brothers.
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7788567
153018
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O CRONISTA DA AMÉRICA