Livro de contos publicado
em 1975. Foi censurado
pela ditadura sob a
alegação de conter
"matéria contrária à moral
e aos bons costumes“ e
acusado de fazer
“apologia da violência”. De fato, a
obra se caracteriza, em diversos
momentos, pelo brutalismo e pela
banalização da violência. Segundo
Fábio Lucas, “poucos são capazes
como ele de descrever a vida nas
grandes cidades como uma
verdadeira selva trágica, em que o
cotidiano aparece como um
conjunto de ciladas fatais e
irreversíveis”.
Feliz Ano Novo (1X)
Narrativa em 1ª pessoa – um marginal.
O Narrador, Pereba e Zequinha estão se drogando e olhando
televisão. Impressionam-se com o consumo de final de ano dos
ricos. Lembram que Lambreta, assaltante de banco, deixou suas
“ferramentas” com uma vizinha. Decidem, então, roubar um carro
e praticar um assalto. Invadem uma mansão na Zona Sul do Rio
e rendem 25 pessoas em uma festa de Revellion. Instaura-se o
terror: todos ficam imóveis, enquanto Pereba vai ao andar de
cima, mata a mãe da dona da festa e
mais uma “gordinha”, que se recusava
a se entregar. O narrador arranca o
dedo de uma das mortas com uma
mordida, para pegar o anel, e faz suas
necessidades sobre a cama.
Voltam à sala. Um homem quer controlar a situação,
dirigindo-se aos marginais: “Não se irritem, levem o que
quiserem, não faremos nada”. Era o que faltava para
indignar o narrador, que percebe que ali tinha comida para alimentar
todo um presídio, que todo aquele luxo não era nada para aquelas
pessoas que tinham muito mais. Então o narrador pede ao homem que
se manifestou que encoste na parede. Pega a espingarda doze, de
cano serrado, e atira. Deixa um rombo no peito do morto e reclama aos
colegas que o morto não tinha grudado na parede, ao que Zequinha
responde que tinha de ser na madeira da porta, que na parede não
grudava. Então mandam um outro convidado se aproximar da porta.
Zequinha atira, e o homem gruda por instantes. O mesmo Zequinha
ainda violenta uma das convidadas. O narrador não quer. Diz que tem
nojo dessas mulheres. Enchem toalhas e fronhas com comidas e
objetos, voltam para casa e abandonam o carro roubado. Escondem as
armas e os objetos de valor no apartamento de dona Candinha, servem
as comidas e bebidas roubadas numa toalha de mesa no chão e
brindam: que o próximo ano seja melhor. Feliz ano novo.
Corações Solitários
O narrador em primeira pessoa, nome
desconhecido, era repórter policial de um jornal popular e foi
despedido. Por influência de um primo que trabalhava no Banco
do Brasil, consegue emprego no jornal Mulher, cujo editor-chefe e
proprietário, Oswaldo Peçanha, devia dinheiro ao banco.
Peçanha afirma que Mulher é feita para a classe C, um tablóide
com fotonovela, horóscopo, entrevistas com artistas da televisão,
corte e costura. O narrador é convidado a fazer a seção de
cartas, o consultório sentimental chamado de mulher para mulher,
quando é informado que ninguém no jornal usa pseudônimo
masculino. O narrador escolhe o nome de Nathanael Lessa e
consegue autorização para usá-lo ao lembrar o primo bancário.
Ao se informar sobre o funcionamento do novo trabalho, descobre
que ninguém escreve cartas para a seção de cartas; ele deve
inventar as perguntas e as respostas.
Após uma série de correspondências com
situações hilárias, o chefe o convida para fazer também o texto
da fotonovela, o que ele faz valendo-se de sua cultura literária,
chupando idéias de obras clássicas diversas, que vão ser
assinadas com o pseudônimo de Clarice Simone. Ao mostrar ao
chefe uma carta que conta a história de alguém que gosta de
usar vestido longo e de pintar os lábios, assinada por Pedro
Redgrave, é advertido de que todas as cartas devem ser de
mulheres, mas o jornalista afirma que essa é verdadeira, que
alguém realmente escreveu para o jornal. Uma confusão de
troca de papéis na mesa do chefe vai revelar que ele, Oswaldo
Peçanha, é Pedro Redgrave. Envergonhado, tenta convencer o
jornalista de que foi uma brincadeira, mas pede que o ocorrido
fique entre eles.
Abril, no Rio, 1970
Era época de treino da seleção brasileira,
às vésperas do embarque para a copa do México. O
narrador, Zé, é um aspirante a jogador de futebol.
Assistindo ao treino, um homem pede que ele repare no cuspe do
Gérson: limpo, transparente, cristalino. Sinal de bom preparo
físico, porque eles treinavam todos os dias e não viam mulher.
Impressionado com o ambiente luxuoso que cerca os jogadores,
com lindas mulheres, Zé sonha com a oportunidade de mudar de
vida, de deixar de ser contínuo da firma em que trabalha também
sua namorada, a datilógrafa Nely. Vai ter jogo no domingo, onde
existe a possibilidade de ser observado por Jair da Rosa Pinto,
técnico do Madureira, e Zé está convencido a se abster
sexualmente até depois do jogo, o que não vai ser fácil, pois Nely
é um furacão na cama.
Com vergonha de contar a verdade, Zé janta com
Nely e diz que quer dormir cedo, que não está
bem, mas ela acha que ele vai se encontrar com
outra. Mesmo revelando a preocupação com o sexo antes da
partida, Nely não acredita e o xinga de ignorante, pé-rapado,
enquanto Zé se despede ouvindo que ela não quer mais saber
dele. Durante o jogo, nervoso, Zé erra
passes. O jogador que Zé devia marcar
faz gol. Perdem a partida, e Zé nem tem
coragem de cuspir, pois está no bagaço.
É o último a sair do vestiário. Pensa em
jogar o uniforme no lixo. Nem tem certeza
se o técnico do Madureira foi ver a partida.
Botando pra quebrar (1X)
O narrador, de nome desconhecido, passou cinco
anos na cadeia e está com dificuldades para conseguir emprego.
A mulher, costureira, sustenta ele e a filha. Ele teve proposta
para buscar muamba na Bolívia, mas não quer encrenca com a
polícia, e por isso aguentou o deboche e a vergonha quando o
Porquinho, que trouxe a proposta, fez pouco dele na frente de
outros dois. Para piorar, no mesmo dia sua mulher, Mariazinha,
disse que a menina precisava de um pai trabalhador, e pediu
permissão para procurar outro homem. O narrador consegue
finalmente emprego de leão-de-chácara numa boate e, quando
vai feliz comunicar à mulher, fica sabendo que ela já arranjou
outro. Não chega a contar a novidade. Quer apenas conhecer o
outro. Encontra com ele, que está assustado, mas o narrador se
contém. No trabalho, recebe a instrução do dono: “bicha louca,
crioulo e traficante não entra”.
Chega um homem vestido de mulher, e é barrado
pelo narrador, que leva uma bronca do dono, é
chamado de burro por não ter percebido que se tratava de um
sujeito importante. O segurança responde ao patrão com ironia e
agressividade, percebendo que vai ser mandado embora no fim
do serviço. O patrão pede que ele coloque para fora um homem
que está se portando de maneira inconveniente. O segurança
conhece esse tipo de gente, sabe que eles não dão trabalho,
mas, já que vai perder o emprego mesmo, resolve provocar o
cliente mal-comportado, que nem assim reage. O narrador,
então, provoca três grandalhões na mesa ao lado e dá um soco
na mulher de um deles. A boate é toda quebrada, e o narrador
cobra do dono que lhe pague o hospital e o dentista, já que
perdeu alguns dentes na briga. O dono da boate dá um maço de
notas para ele, e o segurança parte.
Passeio Noturno (parte I) (1X)
Narrado em primeira pessoa. Homem bem sucedido
chega em casa do trabalho. Percebe-se o isolamento do narrador, a
superficialidade das relações com a mulher e os filhos. Após o
jantar, convida a mulher para um passeio de carro, sabendo que ela
não toparia, por ser na hora da novela. Ele passeia de carro
sozinho todas as noites. Emociona-se, ao tirar o carro da garagem,
com a potência do motor, com a resistência do para-choques. Sai
como sempre sem saber para onde ir. Chega numa rua maliluminada, com árvores escuras. Vê uma mulher carregando
compras. Desliga os faróis, acelera e pega a mulher na altura dos
joelhos, projetando-a para cima do muro de uma casa. Muito
sangue. “Motor bom o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove
segundos.” Chegando em casa, examina o carro na garagem. Paralamas e para-choques estão sem marca alguma. Gaba-se que
poucos no mundo se igualam a ele na habilidade com máquinas. A
mulher: “Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?” Ele diz que
vai dormir, pois amanhã tem um dia horrível na companhia.
Passeio Noturno (parte II)
O mesmo narrador do conto anterior relata que um
carro encostou no seu Jaguar, buzinando. Uma mulher que ele
nunca tinha visto alcançou um papelzinho com nome e telefone:
Ângela. Ele ligou e a convidou para jantar. Apanhou-a, e foram a
um restaurante onde ele nunca tinha estado. No jantar, ela disse
que era atriz de cinema, que só tinha feito um filme, As Virgens
Desvairadas. Ela perguntou o que ele pensou dela, em ter
agido assim, laçando-o na rua. Ele disse que pensou em duas
hipóteses: a primeira, que ela o viu no carro e se interessou pelo
seu perfil. A segunda, que ela é uma puta que sai com uma
bolsa cheia de pedacinhos de papel com nome e telefone, que
viu o carro grande, com um sujeito com cara de rico e idiota; ele
escolhe a segunda hipótese. Ela diz que nunca foi tão humilhada
em toda a vida, e ele recomenda que ela não beba mais, para
ficar em condições de fugir.
Ele está aborrecido com esta situação no
restaurante, ali com ela, mas sabe que depois vai
ser bom. Ela pergunta o que ele faz, e ele diz que
controla a distribuição de tóxicos na zona sul. Ela acha que ele é
um industrial. Entram no carro. Ele diz que vai deixá-la um pouco
antes de casa, porque é casado, e o cunhado mora no prédio
dela. Ela pergunta se eles não vão se ver mais, e ele responde
que acha difícil. Ela desce, sai andando pela calçada. Ele apaga
as luzes e acelera. Não podia correr o risco de deixá-la viva. Ela
tinha visto o rosto e conhecia o carro. Ele a atropela e passa
com o carro por cima. Quando chega em casa, a mulher está
vendo televisão. “Hoje você demorou mais. Estava muito
nervoso?” Ele responde que já passou e
que agora vai dormir. Amanhã vai ter um
dia terrível na companhia.
Dia dos Namorados
Narrado pelo protagonista (e também
em 3ª pessoa), o famoso personagem Mandrake,
que também aparece em outras histórias de Rubem
Fonseca. J.J. Santos, banqueiro de Minas, há um
ano no Rio, foi a uma festa de casamento sem a esposa. Saiu
meia hora depois, pegou seu Mercedes e passou pela praia,
quando avistou uma menina.
Ela entrou no carro. Disse que tinha 16 anos e que se
chamava Viveca. Foram para um hotel, suíte presidencial.
Quando ele saiu do banheiro, ela estava nua, deitada de bruços.
Ele tirou a roupa e se deitou do lado dela. Ela se virou, revelando
a genitália masculina. O banqueiro entrou em pânico, tirou a
carteira do bolso e constatou que o dinheiro havia sumido. O
travesti puxou uma gilete e disse que se matava se não
recebesse dez mil. Deu um golpe com a gilete no próprio braço,
alegando que sempre quis morrer destruindo um poderoso.
Então J.J. ligou para o advogado Medeiros, que
acionou Mandrake, especialista em situações
complicadas. Mandrake estava com “uma princesa loura”
quando atendeu o telefone. Disse que ia custar uma grana
firme. J.J. e Viveca estavam parados dentro do Mercedes,
na praia. Mandrake chegou, puxou o banqueiro para fora do
carro, tomou a direção do Mercedes e arrancou. Disse que
iam buscar o dinheiro, enquanto Viveca dava outro golpe no
próprio braço, ameaçando se matar. Mandrake parou
rispidamente diante de uma delegacia e saltou do carro
gritando que o travesti estava armado de uma gillete. Um
policial se aproximou e foi golpeado. Viveca começou a
contar uma triste história de mentiras, dizendo que o
cliente sabia que ele era homem e que se recusou a pagar.
Fez o jogo de “frágil e pobre”, vítima dos ricos,
começando a sensibilizar os policiais. Negava que
tinha roubado o cliente, mas Mandrake teve o intuito de arrancarlhe a peruca e encontrar dois mil que o travesti tinha roubado do
banqueiro. O travesti foi preso. Mandrake avisou que o cliente
não precisava saber que os dois mil foram encontrados,
sugerindo suborno pelo silêncio, que pareceu ser aceito. Disse
ainda que o Mercedes era dele, que comprara no dia anterior e
que faltava transferir para seu nome. Ainda passou no hotel,
subornou o gerente para destruir a ficha dos hóspedes.
Chegando em casa, com o dinheiro do resgate e o carro do
banqueiro, que supostamente ficarão com ele, constatou que a
loura havia partido.
O Outro
Narrado em primeira pessoa. O narrador é um
executivo sobrecarregado pelo trabalho, ao ponto de se irritar
com feriados, que lhe tiravam tempo dos seus deveres. Começa
a sentir taquicardia, até desmaiar. O médico lhe recomenda
mudar de vida, perder peso, caminhar, parar de trabalhar. Então
o narrador passa a encontrar na rua um pedinte. Dá uns
trocados, inicialmente. Outro dia, caminhando, é abordado pelo
mesmo sujeito, descrito como “um homem branco, forte, de
cabelos castanhos compridos.” Dá mais algum dinheiro. Novo
encontro, e o narrador pergunta, indignado, se aquilo vai ser todo
o dia, e o pedinte diz que a mãe está morrendo, que ele precisa
de remédios e que não conhece mais ninguém que possa ajudar.
Ganhou cem cruzeiros. Dias depois, se encontram novamente, e
o pedinte conta que a mãe morreu, que precisava de cinco mil
para o enterro, e o narrador, furioso, faz um cheque, dizendo que
agora chega. A vida no escritório está complicada.
O narrador sai para uma caminhada na hora do almoço, avista o
pedinte e foge para o lado contrário. Sente-se perseguido e corre,
mas é alcançado, e o pedido de dinheiro continua. O homem
insiste, enervando o narrador, que diz que pela primeira vez viu
bem o rosto do homem, cínico e vingativo, e deu dinheiro,
dizendo que era a última vez. Mas não era. O homem continua
aparecendo, “súplice e ameaçador”, arruinando ainda mais a
saúde do narrador, que decide parar de trabalhar por uns tempos.
Aos poucos, passa a dormir melhor, a fumar menos, começa a se
sentir tranquilo, até que um dia, saindo de casa, reencontra o
pedinte. “Como foi que ele descobriu meu endereço?” “Ele era
mais alto do que eu, forte e ameaçador.” O narrador apanha um
revólver em casa e atira no pedinte. “Então vi que era um menino
franzino, de espinhas no rosto.”
Agruras de um jovem escritor (1X)
O narrador é um escritor desconhecido do público.
Está em casa, nu, depois de um mal-estar, quando ouve a campainha.
Vê um vulto encapuzado pelo olho mágico e pensa que é um ladrão.
Pega uma faca, abre a porta e vê uma freira, que sai correndo
apavorada e dá queixa na polícia. Quando ele ganhou o prêmio de
poesia da Academia e teve seu retrato publicado no jornal, uma fã
chamada Lígia se instalou no apartamento dele. Fazia as compras com
o dinheiro dela, batia à máquina o longo romance que ele ditava,
obrigando-o a escrever oito horas por dia. Um dia ela o pegou com uma
garota no cinema e quebrou a cabeça dele, vinte pontos. Ela andava
armada e o ameaçou. Para se livrar dela, mentiu que estava impotente,
mas ela o levou ao médico, em vez de ir embora. Quando ela dormia,
ele tirou o revólver da bolsa, para jogar fora. Como não tinha lixeira no
prédio, foi até a rua para jogar a arma num bueiro, quando um
assaltante lhe abordou. O escritor atirou no homem e recolocou o
revólver na bolsa. Quando ela acordou, ele disse que ia deixá-la, mas
ela se desesperou, disse que ele nunca terminaria o romance sem ela e
que se mataria se fosse abandonada. Ele foi dar uma volta.
Quando voltou, encontrou-a em coma, ao lado de
um vidro de tranqüilizantes vazio, e um bilhete
suicida, em que dizia que ela esperava que um dia
ele se tornasse um grande escritor, mas que achava difícil, e que
viveria com ele mesmo sendo impotente. Saiu para telefonar, foi
pedir uma ficha para um homem, que era o mesmo assaltante em
quem tinha atirado. Ele o ajudou, acompanhando-o de volta ao
apartamento. Após chamar a polícia, o escritor forjou o bilhete de
suicídio, pois não queria que encontrassem o outro em que ela
afirmava que ele era péssimo escritor e impotente. Falsificou a
assinatura dela. Tentando finalizar o romance que escrevia,
percebeu que tudo que estava feito tinha sido criado por Lígia,
que ela não colocava uma só palavra do que ele ditava e que o
romance dela era mesmo uma obra-prima. A polícia reapareceu
dizendo que ele estava encrencado, pois a perícia constatou que
ele havia forjado a assinatura dela, que os comprimidos foram
comprados com uma receita dele e que ele já tinha tentado matar
uma freira.
O Pedido
Os portugueses Amadeu e Joaquim, ainda meninos,
haviam emigrado juntos para o Brasil e não se viam há cinco anos,
desde que brigaram por motivo que Amadeu nem lembra mais.
Durante dois dias Amadeu rondou o depósito de garrafas de
Joaquim. Queria pedir dinheiro emprestado e não tinha coragem,
até que entrou. Joaquim nos últimos cinco anos esperara aquele
momento de vingança. Quanto Amadeu solicitou 500 cruzeiros,
Joaquim perguntou por que ele não pedia ao filho médico. Foi
então que Amadeu contou que o filho Carlos havia morrido.
Joaquim brigara com Amadeu porque o filho daquele, Manuel, ao
contrário do de Amadeu, era um vagabundo, nem terminara o
colégio.
Quando Carlos se formou em Medicina, Joaquim se
sentiu ofendido e deixou de falar com Amadeu. A
miséria de Amadeu e a morte do filho comoveram Joaquim, que
se dirigiu ao cofre para pegar o dinheiro. Percebendo que
receberia o empréstimo, feliz, Amadeu puxa conversa e pergunta
como vai o filho, Manuel. Como que em choque, Joaquim joga o
dinheiro de volta no cofre e diz que Amadeu sabe muito bem
como vai o cretino, que está com mais de 30 anos e vive às
custas do pai, que um dia ainda mata aquele filho inútil.
Derramando uma lágrima pelo filho morto e pelo filho de Joaquim,
Amadeu se levanta e parte. Depois de um instante, Joaquim,
envergonhado pela mesquinhez, corre à porta gritando por
Amadeu, que volte, que vai ter o dinheiro, mas não encontra
ninguém. Então Joaquim derrama muitas lágrimas.
O Campeonato
A história se passa num futuro não determinado. O
narrador, de nome Açoreano, é Mediador (árbitro)
profissional. Será o juiz do, apesar de ilegal, campeonato de
conjunções carnais (sexo), no Hotel Aldebaran, que vai reunir os
competidores Miro Palor, magro, calvo nervoso, detentor do
recorde de 14 conjunções em 24 horas, e Maurição Chango, o
desafiante, musculoso e grande. Com um vocabulário técnico,
com termos em Latim, o narrador explica as regras da
competição. Miro Palor vence quebrando o próprio recorde, com
15 conjunções.
Nau Catrineta
O personagem-narrador José está
completando 21 anos. Ele é órfão (a mãe morreu de parto e o pai
suicidou-se) e vive com quatro tias velhas: Helena, Regina, Julieta e
Olímpia. Há um clima de mistério e expectativa. Hoje é o dia em que
ele vai ler pela primeira vez o Decálogo secreto do tio Jacinto, onde
está definida a sua missão, uma obrigação de todo primogênito da
família. As tias perguntam se ele já escolheu a moça. Sim, é
Ermelinda, a Ermê, que virá para o jantar. A moça chega e é muito
bem recebida. Está com um pouco de medo, não sabe por quê. Tia
Helena conta durante o jantar que todos os primogênitos da família
são artistas e carnívoros, que sempre que possível caçam, matam e
comem a presa, e que o avô, Manuel de Matos, trabalhava na Nau
Catrineta, embarcação que levou para a Europa Jorge de
Albuquerque Coelho, quando quatro marinheiros foram sacrificados
e comidos para salvar os demais da fome. Albuquerque proibiu que
falassem do assunto, do qual saiu a versão romântica em forma de
poema, Nau Catrineta.
Ermê repara que o namorado José não come, e ele
afirma que está guardando a fome para mais tarde.
As tias se retiram, e o casal vai para o quarto-biblioteca. Fazem
amor, conversam um pouco, e José sai para apanhar das mãos
da empregada (que já o esperava) duas taças e a champanhe.
Ele tira do bolso um frasco negro de cristal, dado pela tia Helena,
que contém um veneno poderosíssimo, causador de morte
instantânea. Ele mostra o frasco e diz que é algo capaz de deixálos apaixonados, e ela diz que já está. No primeiro gole, ela cai
morta. As tias aparecem orgulhosas dizendo que tudo vai ser
aproveitado. Os ossos vão ser dados aos porcos. As
carnes nobres, José comerá. Então tia Julieta retira o
anel do dedo e coloca-o no de José. “Fui eu que o tirei
do dedo do teu pai, no dia de sua morte, e guardava-o
para hoje. És agora o chefe da família.”
Entrevista (1X)
Diálogo entre um homem (que se encontra num quarto
com pouca luz) e uma mulher que acaba de chegar. Ela diz que foi
mandada por dona Gisa (o título parece indicar uma entrevista para
emprego, mas o contexto sugere provavelmente prostituição). Ela
pergunta o nome dele. Ele diz que depois fala. Ele pergunta a razão
para ela estar no Rio, ao que ela responde que foi o marido, que
viveram ali quatro anos felizes, até que acabou por causa de outra
mulher. Estavam jantando num restaurante quando a outra se
aproximou. Ele estava bêbado e beijou a amante na boca diante da
esposa. Ela, a esposa, atacou a amante com um caco de garrafa.
Diz que não é cão sem dono, que tem seus irmãos e seu pai
para protegê-la, ao que o entrevistador responde (ela já havia dito) que
eles estão lá no norte, e ri. Ela continua contando que fugiu pedindo
ajuda, perseguida pelo marido até em casa, que ele chegou quebrando
tudo e que lhe deu pontapés na barriga até perder o bebê.
Ela então chamou o pai e os cinco irmãos, que
deram uma surra no marido até deixá-lo desmaiado.
Ele teve de usar muletas. O entrevistador pergunta se ela não se
lembra do marido, e ela diz que lembra apenas as muletas, que
disseram que ele anda atrás dela para matá-la. Ele pergunta se
ela não tem medo de ser encontrada, e ela responde que já teve,
que agora não tem mais. Observe o fragmento:
M – Dona Gisa me mandou aqui. Posso entrar?
H – Entra e fecha a porta.
M – Está escuro aqui dentro. Onde é que acende a luz?
H – Deixa assim mesmo.
M – Como é seu nome mesmo?
H – Depois eu digo.
M – Essa é boa!
H – Senta aí.
M – Tem alguma coisa para beber? (...)
74 degraus
O título se refere aos 74 parágrafos numerados do
conto. Há uma constante alternância da narração entre os
personagens. Tereza era casada com Alfredo, campeão olímpico de
hipismo, que teve um acidente de cavalo ao montar seu animal Lord
Jim, rompendo a medula. Alfredo, homem rico, veio a falecer. Tereza
recebe a visita de Elisa, amiga de infância, por quem nutre sentimentos
amorosos. Sempre quis Elisa por perto, mas não naquele dia. Havia
dado folga aos empregados. As duas conversam por um tempo, e Elisa
resolve deixar recado para o marido, Daniel, dizendo onde está. Nisso
chega Pedro, e Elisa sai porta a fora. Pedro entrou na vida de Tereza
quando o marido se acidentou. Dizia que era fazendeiro em Minas
Gerais e amigo de Alfredo, mas ninguém o conhecia. Vai revelar a ela
que não tem onde cair morto, que era sargento de cavalaria e que
desertou para ficar perto de seu ídolo olímpico quando do acidente. Ela
lembra que quando o marido morreu vários amigos dele deram em
cima dela, mas com displicência. Nenhum queria ter o trabalho de
seduzi-la. Ela pede a Pedro que a seduza. Ele diz que não foi educado
assim, que prefere primeiro que fiquem noivos. Ela o leva para o quarto
e tenta iniciar uma relação, mas ele falha.
Ela o xinga de pobretão, acha que ele está interessado
só nos cavalos do falecido. Ele a sufoca com as mãos
e ela desmaia. Nisso, Elisa bate à porta. Eles não se
conhecem, mas começam a falar de cavalos. Pedro se coloca de
quatro e pede que Elisa monte nele para ver como um cavalo é
melhor que um homem. Tereza acorda, pega uma estatueta de
bronze e golpeia Pedro na cabeça. Ao ver que ainda não está morto,
Elisa golpeia-o até a morte. Elas se abraçam, percebem que se
amam. Colocam o corpo de Pedro dentro de uma mala. Daniel,
marido de Elisa, aparece e pergunta o que há na mala. Elisa diz que
é o corpo de um homem, e Tereza dá uma gargalhada. Daniel
responde que não cabe um corpo naquela mala, e Tereza diz que
cabem até dois, entreolhando-se com Elisa. Tereza pede que Daniel
feche os olhos e ataca-o com a estatueta. Ele fica tonto, mas não
cai. Elisa tira o objeto das mãos dela e golpeia o marido até a morte.
Decidem colocar os corpos no carro de Daniel e abandonar tudo
numa praia deserta. Depois, telefonarão para hospitais e para a
polícia, e ninguém desconfiará. “É tão fácil matar uma ou duas
pessoas, principalmente se você não tem motivo para isso.”
Intestino Grosso (2X)
O narrador é um repórter que vai fazer uma
entrevista com um escritor. O conto é uma espécie de autoentrevista de Rubem Fonseca, como que se quisesse defender
das acusações que sofre na imprensa, respondendo a esses
ataques. Ele quer receber por palavra publicada. Começa dizendo
que sempre achou que uma boa história tem que terminar com
alguém morto, que ao invés de denotar uma preocupação
mórbida com morte pode significar uma preocupação saudável
com a vida. Sobre a acusação de ser um escritor pornográfico,
ele diz que é porque seus livros estão cheios de miseráveis sem
dentes, mas que também escreve sobre gente fina e nobre. O
autor acrescenta que pornográficas são histórias como a de João
e Maria, em que as crianças são ladras e assassinas e os pais
são criminosos, que isso é uma história de sacanagem.
Quando os defensores da decência acusam alguma
coisa de pornográfica é porque ela descreve
funções sexuais ou excretoras. Para ele, o ser humano ainda é
afetado por tudo aquilo que o relembra inequivocamente de sua
natureza animal, por isso cria metáforas ou eufemismos para se
referir às questões sexuais. O autor acha que uma sociedade
inteligente deveria evitar que fossem reprimidos esses caminhos
de alívio e de redução de tensão. “As alternativas para a
pornografia são a doença mental, a violência, a bomba.” Para ele,
há pessoas que aceitam pornografia em toda a parte,
principalmente na vida particular, menos na arte. Perguntado se
existe uma literatura latino-americana, ele diz não acreditar nem
em uma literatura brasileira. Para ele existem apenas pessoas
escrevendo numa mesma língua. “Eu nada tenho a ver com
Guimarães Rosa.”
Últimas observações:
11 contos narrados em 1ª pessoa
1 conto narrado em 1ª e 3ª pessoas (“Dia dos
Namorados”)
15 contos
1 conto narrado em 3ª pessoa (“O Pedido”)
1 diálogo (“Entrevista”*)
1 conto com 4 narradores (“74 degraus”)
*Não confundir o conto “Entrevista” com “Intestino Grosso”,
que apresenta um repórter entrevistando um escritor.
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