Livro de contos publicado em 1975. Foi censurado pela ditadura sob a alegação de conter "matéria contrária à moral e aos bons costumes“ e acusado de fazer “apologia da violência”. De fato, a obra se caracteriza, em diversos momentos, pelo brutalismo e pela banalização da violência. Segundo Fábio Lucas, “poucos são capazes como ele de descrever a vida nas grandes cidades como uma verdadeira selva trágica, em que o cotidiano aparece como um conjunto de ciladas fatais e irreversíveis”. Feliz Ano Novo (1X) Narrativa em 1ª pessoa – um marginal. O Narrador, Pereba e Zequinha estão se drogando e olhando televisão. Impressionam-se com o consumo de final de ano dos ricos. Lembram que Lambreta, assaltante de banco, deixou suas “ferramentas” com uma vizinha. Decidem, então, roubar um carro e praticar um assalto. Invadem uma mansão na Zona Sul do Rio e rendem 25 pessoas em uma festa de Revellion. Instaura-se o terror: todos ficam imóveis, enquanto Pereba vai ao andar de cima, mata a mãe da dona da festa e mais uma “gordinha”, que se recusava a se entregar. O narrador arranca o dedo de uma das mortas com uma mordida, para pegar o anel, e faz suas necessidades sobre a cama. Voltam à sala. Um homem quer controlar a situação, dirigindo-se aos marginais: “Não se irritem, levem o que quiserem, não faremos nada”. Era o que faltava para indignar o narrador, que percebe que ali tinha comida para alimentar todo um presídio, que todo aquele luxo não era nada para aquelas pessoas que tinham muito mais. Então o narrador pede ao homem que se manifestou que encoste na parede. Pega a espingarda doze, de cano serrado, e atira. Deixa um rombo no peito do morto e reclama aos colegas que o morto não tinha grudado na parede, ao que Zequinha responde que tinha de ser na madeira da porta, que na parede não grudava. Então mandam um outro convidado se aproximar da porta. Zequinha atira, e o homem gruda por instantes. O mesmo Zequinha ainda violenta uma das convidadas. O narrador não quer. Diz que tem nojo dessas mulheres. Enchem toalhas e fronhas com comidas e objetos, voltam para casa e abandonam o carro roubado. Escondem as armas e os objetos de valor no apartamento de dona Candinha, servem as comidas e bebidas roubadas numa toalha de mesa no chão e brindam: que o próximo ano seja melhor. Feliz ano novo. Corações Solitários O narrador em primeira pessoa, nome desconhecido, era repórter policial de um jornal popular e foi despedido. Por influência de um primo que trabalhava no Banco do Brasil, consegue emprego no jornal Mulher, cujo editor-chefe e proprietário, Oswaldo Peçanha, devia dinheiro ao banco. Peçanha afirma que Mulher é feita para a classe C, um tablóide com fotonovela, horóscopo, entrevistas com artistas da televisão, corte e costura. O narrador é convidado a fazer a seção de cartas, o consultório sentimental chamado de mulher para mulher, quando é informado que ninguém no jornal usa pseudônimo masculino. O narrador escolhe o nome de Nathanael Lessa e consegue autorização para usá-lo ao lembrar o primo bancário. Ao se informar sobre o funcionamento do novo trabalho, descobre que ninguém escreve cartas para a seção de cartas; ele deve inventar as perguntas e as respostas. Após uma série de correspondências com situações hilárias, o chefe o convida para fazer também o texto da fotonovela, o que ele faz valendo-se de sua cultura literária, chupando idéias de obras clássicas diversas, que vão ser assinadas com o pseudônimo de Clarice Simone. Ao mostrar ao chefe uma carta que conta a história de alguém que gosta de usar vestido longo e de pintar os lábios, assinada por Pedro Redgrave, é advertido de que todas as cartas devem ser de mulheres, mas o jornalista afirma que essa é verdadeira, que alguém realmente escreveu para o jornal. Uma confusão de troca de papéis na mesa do chefe vai revelar que ele, Oswaldo Peçanha, é Pedro Redgrave. Envergonhado, tenta convencer o jornalista de que foi uma brincadeira, mas pede que o ocorrido fique entre eles. Abril, no Rio, 1970 Era época de treino da seleção brasileira, às vésperas do embarque para a copa do México. O narrador, Zé, é um aspirante a jogador de futebol. Assistindo ao treino, um homem pede que ele repare no cuspe do Gérson: limpo, transparente, cristalino. Sinal de bom preparo físico, porque eles treinavam todos os dias e não viam mulher. Impressionado com o ambiente luxuoso que cerca os jogadores, com lindas mulheres, Zé sonha com a oportunidade de mudar de vida, de deixar de ser contínuo da firma em que trabalha também sua namorada, a datilógrafa Nely. Vai ter jogo no domingo, onde existe a possibilidade de ser observado por Jair da Rosa Pinto, técnico do Madureira, e Zé está convencido a se abster sexualmente até depois do jogo, o que não vai ser fácil, pois Nely é um furacão na cama. Com vergonha de contar a verdade, Zé janta com Nely e diz que quer dormir cedo, que não está bem, mas ela acha que ele vai se encontrar com outra. Mesmo revelando a preocupação com o sexo antes da partida, Nely não acredita e o xinga de ignorante, pé-rapado, enquanto Zé se despede ouvindo que ela não quer mais saber dele. Durante o jogo, nervoso, Zé erra passes. O jogador que Zé devia marcar faz gol. Perdem a partida, e Zé nem tem coragem de cuspir, pois está no bagaço. É o último a sair do vestiário. Pensa em jogar o uniforme no lixo. Nem tem certeza se o técnico do Madureira foi ver a partida. Botando pra quebrar (1X) O narrador, de nome desconhecido, passou cinco anos na cadeia e está com dificuldades para conseguir emprego. A mulher, costureira, sustenta ele e a filha. Ele teve proposta para buscar muamba na Bolívia, mas não quer encrenca com a polícia, e por isso aguentou o deboche e a vergonha quando o Porquinho, que trouxe a proposta, fez pouco dele na frente de outros dois. Para piorar, no mesmo dia sua mulher, Mariazinha, disse que a menina precisava de um pai trabalhador, e pediu permissão para procurar outro homem. O narrador consegue finalmente emprego de leão-de-chácara numa boate e, quando vai feliz comunicar à mulher, fica sabendo que ela já arranjou outro. Não chega a contar a novidade. Quer apenas conhecer o outro. Encontra com ele, que está assustado, mas o narrador se contém. No trabalho, recebe a instrução do dono: “bicha louca, crioulo e traficante não entra”. Chega um homem vestido de mulher, e é barrado pelo narrador, que leva uma bronca do dono, é chamado de burro por não ter percebido que se tratava de um sujeito importante. O segurança responde ao patrão com ironia e agressividade, percebendo que vai ser mandado embora no fim do serviço. O patrão pede que ele coloque para fora um homem que está se portando de maneira inconveniente. O segurança conhece esse tipo de gente, sabe que eles não dão trabalho, mas, já que vai perder o emprego mesmo, resolve provocar o cliente mal-comportado, que nem assim reage. O narrador, então, provoca três grandalhões na mesa ao lado e dá um soco na mulher de um deles. A boate é toda quebrada, e o narrador cobra do dono que lhe pague o hospital e o dentista, já que perdeu alguns dentes na briga. O dono da boate dá um maço de notas para ele, e o segurança parte. Passeio Noturno (parte I) (1X) Narrado em primeira pessoa. Homem bem sucedido chega em casa do trabalho. Percebe-se o isolamento do narrador, a superficialidade das relações com a mulher e os filhos. Após o jantar, convida a mulher para um passeio de carro, sabendo que ela não toparia, por ser na hora da novela. Ele passeia de carro sozinho todas as noites. Emociona-se, ao tirar o carro da garagem, com a potência do motor, com a resistência do para-choques. Sai como sempre sem saber para onde ir. Chega numa rua maliluminada, com árvores escuras. Vê uma mulher carregando compras. Desliga os faróis, acelera e pega a mulher na altura dos joelhos, projetando-a para cima do muro de uma casa. Muito sangue. “Motor bom o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos.” Chegando em casa, examina o carro na garagem. Paralamas e para-choques estão sem marca alguma. Gaba-se que poucos no mundo se igualam a ele na habilidade com máquinas. A mulher: “Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?” Ele diz que vai dormir, pois amanhã tem um dia horrível na companhia. Passeio Noturno (parte II) O mesmo narrador do conto anterior relata que um carro encostou no seu Jaguar, buzinando. Uma mulher que ele nunca tinha visto alcançou um papelzinho com nome e telefone: Ângela. Ele ligou e a convidou para jantar. Apanhou-a, e foram a um restaurante onde ele nunca tinha estado. No jantar, ela disse que era atriz de cinema, que só tinha feito um filme, As Virgens Desvairadas. Ela perguntou o que ele pensou dela, em ter agido assim, laçando-o na rua. Ele disse que pensou em duas hipóteses: a primeira, que ela o viu no carro e se interessou pelo seu perfil. A segunda, que ela é uma puta que sai com uma bolsa cheia de pedacinhos de papel com nome e telefone, que viu o carro grande, com um sujeito com cara de rico e idiota; ele escolhe a segunda hipótese. Ela diz que nunca foi tão humilhada em toda a vida, e ele recomenda que ela não beba mais, para ficar em condições de fugir. Ele está aborrecido com esta situação no restaurante, ali com ela, mas sabe que depois vai ser bom. Ela pergunta o que ele faz, e ele diz que controla a distribuição de tóxicos na zona sul. Ela acha que ele é um industrial. Entram no carro. Ele diz que vai deixá-la um pouco antes de casa, porque é casado, e o cunhado mora no prédio dela. Ela pergunta se eles não vão se ver mais, e ele responde que acha difícil. Ela desce, sai andando pela calçada. Ele apaga as luzes e acelera. Não podia correr o risco de deixá-la viva. Ela tinha visto o rosto e conhecia o carro. Ele a atropela e passa com o carro por cima. Quando chega em casa, a mulher está vendo televisão. “Hoje você demorou mais. Estava muito nervoso?” Ele responde que já passou e que agora vai dormir. Amanhã vai ter um dia terrível na companhia. Dia dos Namorados Narrado pelo protagonista (e também em 3ª pessoa), o famoso personagem Mandrake, que também aparece em outras histórias de Rubem Fonseca. J.J. Santos, banqueiro de Minas, há um ano no Rio, foi a uma festa de casamento sem a esposa. Saiu meia hora depois, pegou seu Mercedes e passou pela praia, quando avistou uma menina. Ela entrou no carro. Disse que tinha 16 anos e que se chamava Viveca. Foram para um hotel, suíte presidencial. Quando ele saiu do banheiro, ela estava nua, deitada de bruços. Ele tirou a roupa e se deitou do lado dela. Ela se virou, revelando a genitália masculina. O banqueiro entrou em pânico, tirou a carteira do bolso e constatou que o dinheiro havia sumido. O travesti puxou uma gilete e disse que se matava se não recebesse dez mil. Deu um golpe com a gilete no próprio braço, alegando que sempre quis morrer destruindo um poderoso. Então J.J. ligou para o advogado Medeiros, que acionou Mandrake, especialista em situações complicadas. Mandrake estava com “uma princesa loura” quando atendeu o telefone. Disse que ia custar uma grana firme. J.J. e Viveca estavam parados dentro do Mercedes, na praia. Mandrake chegou, puxou o banqueiro para fora do carro, tomou a direção do Mercedes e arrancou. Disse que iam buscar o dinheiro, enquanto Viveca dava outro golpe no próprio braço, ameaçando se matar. Mandrake parou rispidamente diante de uma delegacia e saltou do carro gritando que o travesti estava armado de uma gillete. Um policial se aproximou e foi golpeado. Viveca começou a contar uma triste história de mentiras, dizendo que o cliente sabia que ele era homem e que se recusou a pagar. Fez o jogo de “frágil e pobre”, vítima dos ricos, começando a sensibilizar os policiais. Negava que tinha roubado o cliente, mas Mandrake teve o intuito de arrancarlhe a peruca e encontrar dois mil que o travesti tinha roubado do banqueiro. O travesti foi preso. Mandrake avisou que o cliente não precisava saber que os dois mil foram encontrados, sugerindo suborno pelo silêncio, que pareceu ser aceito. Disse ainda que o Mercedes era dele, que comprara no dia anterior e que faltava transferir para seu nome. Ainda passou no hotel, subornou o gerente para destruir a ficha dos hóspedes. Chegando em casa, com o dinheiro do resgate e o carro do banqueiro, que supostamente ficarão com ele, constatou que a loura havia partido. O Outro Narrado em primeira pessoa. O narrador é um executivo sobrecarregado pelo trabalho, ao ponto de se irritar com feriados, que lhe tiravam tempo dos seus deveres. Começa a sentir taquicardia, até desmaiar. O médico lhe recomenda mudar de vida, perder peso, caminhar, parar de trabalhar. Então o narrador passa a encontrar na rua um pedinte. Dá uns trocados, inicialmente. Outro dia, caminhando, é abordado pelo mesmo sujeito, descrito como “um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos.” Dá mais algum dinheiro. Novo encontro, e o narrador pergunta, indignado, se aquilo vai ser todo o dia, e o pedinte diz que a mãe está morrendo, que ele precisa de remédios e que não conhece mais ninguém que possa ajudar. Ganhou cem cruzeiros. Dias depois, se encontram novamente, e o pedinte conta que a mãe morreu, que precisava de cinco mil para o enterro, e o narrador, furioso, faz um cheque, dizendo que agora chega. A vida no escritório está complicada. O narrador sai para uma caminhada na hora do almoço, avista o pedinte e foge para o lado contrário. Sente-se perseguido e corre, mas é alcançado, e o pedido de dinheiro continua. O homem insiste, enervando o narrador, que diz que pela primeira vez viu bem o rosto do homem, cínico e vingativo, e deu dinheiro, dizendo que era a última vez. Mas não era. O homem continua aparecendo, “súplice e ameaçador”, arruinando ainda mais a saúde do narrador, que decide parar de trabalhar por uns tempos. Aos poucos, passa a dormir melhor, a fumar menos, começa a se sentir tranquilo, até que um dia, saindo de casa, reencontra o pedinte. “Como foi que ele descobriu meu endereço?” “Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.” O narrador apanha um revólver em casa e atira no pedinte. “Então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto.” Agruras de um jovem escritor (1X) O narrador é um escritor desconhecido do público. Está em casa, nu, depois de um mal-estar, quando ouve a campainha. Vê um vulto encapuzado pelo olho mágico e pensa que é um ladrão. Pega uma faca, abre a porta e vê uma freira, que sai correndo apavorada e dá queixa na polícia. Quando ele ganhou o prêmio de poesia da Academia e teve seu retrato publicado no jornal, uma fã chamada Lígia se instalou no apartamento dele. Fazia as compras com o dinheiro dela, batia à máquina o longo romance que ele ditava, obrigando-o a escrever oito horas por dia. Um dia ela o pegou com uma garota no cinema e quebrou a cabeça dele, vinte pontos. Ela andava armada e o ameaçou. Para se livrar dela, mentiu que estava impotente, mas ela o levou ao médico, em vez de ir embora. Quando ela dormia, ele tirou o revólver da bolsa, para jogar fora. Como não tinha lixeira no prédio, foi até a rua para jogar a arma num bueiro, quando um assaltante lhe abordou. O escritor atirou no homem e recolocou o revólver na bolsa. Quando ela acordou, ele disse que ia deixá-la, mas ela se desesperou, disse que ele nunca terminaria o romance sem ela e que se mataria se fosse abandonada. Ele foi dar uma volta. Quando voltou, encontrou-a em coma, ao lado de um vidro de tranqüilizantes vazio, e um bilhete suicida, em que dizia que ela esperava que um dia ele se tornasse um grande escritor, mas que achava difícil, e que viveria com ele mesmo sendo impotente. Saiu para telefonar, foi pedir uma ficha para um homem, que era o mesmo assaltante em quem tinha atirado. Ele o ajudou, acompanhando-o de volta ao apartamento. Após chamar a polícia, o escritor forjou o bilhete de suicídio, pois não queria que encontrassem o outro em que ela afirmava que ele era péssimo escritor e impotente. Falsificou a assinatura dela. Tentando finalizar o romance que escrevia, percebeu que tudo que estava feito tinha sido criado por Lígia, que ela não colocava uma só palavra do que ele ditava e que o romance dela era mesmo uma obra-prima. A polícia reapareceu dizendo que ele estava encrencado, pois a perícia constatou que ele havia forjado a assinatura dela, que os comprimidos foram comprados com uma receita dele e que ele já tinha tentado matar uma freira. O Pedido Os portugueses Amadeu e Joaquim, ainda meninos, haviam emigrado juntos para o Brasil e não se viam há cinco anos, desde que brigaram por motivo que Amadeu nem lembra mais. Durante dois dias Amadeu rondou o depósito de garrafas de Joaquim. Queria pedir dinheiro emprestado e não tinha coragem, até que entrou. Joaquim nos últimos cinco anos esperara aquele momento de vingança. Quanto Amadeu solicitou 500 cruzeiros, Joaquim perguntou por que ele não pedia ao filho médico. Foi então que Amadeu contou que o filho Carlos havia morrido. Joaquim brigara com Amadeu porque o filho daquele, Manuel, ao contrário do de Amadeu, era um vagabundo, nem terminara o colégio. Quando Carlos se formou em Medicina, Joaquim se sentiu ofendido e deixou de falar com Amadeu. A miséria de Amadeu e a morte do filho comoveram Joaquim, que se dirigiu ao cofre para pegar o dinheiro. Percebendo que receberia o empréstimo, feliz, Amadeu puxa conversa e pergunta como vai o filho, Manuel. Como que em choque, Joaquim joga o dinheiro de volta no cofre e diz que Amadeu sabe muito bem como vai o cretino, que está com mais de 30 anos e vive às custas do pai, que um dia ainda mata aquele filho inútil. Derramando uma lágrima pelo filho morto e pelo filho de Joaquim, Amadeu se levanta e parte. Depois de um instante, Joaquim, envergonhado pela mesquinhez, corre à porta gritando por Amadeu, que volte, que vai ter o dinheiro, mas não encontra ninguém. Então Joaquim derrama muitas lágrimas. O Campeonato A história se passa num futuro não determinado. O narrador, de nome Açoreano, é Mediador (árbitro) profissional. Será o juiz do, apesar de ilegal, campeonato de conjunções carnais (sexo), no Hotel Aldebaran, que vai reunir os competidores Miro Palor, magro, calvo nervoso, detentor do recorde de 14 conjunções em 24 horas, e Maurição Chango, o desafiante, musculoso e grande. Com um vocabulário técnico, com termos em Latim, o narrador explica as regras da competição. Miro Palor vence quebrando o próprio recorde, com 15 conjunções. Nau Catrineta O personagem-narrador José está completando 21 anos. Ele é órfão (a mãe morreu de parto e o pai suicidou-se) e vive com quatro tias velhas: Helena, Regina, Julieta e Olímpia. Há um clima de mistério e expectativa. Hoje é o dia em que ele vai ler pela primeira vez o Decálogo secreto do tio Jacinto, onde está definida a sua missão, uma obrigação de todo primogênito da família. As tias perguntam se ele já escolheu a moça. Sim, é Ermelinda, a Ermê, que virá para o jantar. A moça chega e é muito bem recebida. Está com um pouco de medo, não sabe por quê. Tia Helena conta durante o jantar que todos os primogênitos da família são artistas e carnívoros, que sempre que possível caçam, matam e comem a presa, e que o avô, Manuel de Matos, trabalhava na Nau Catrineta, embarcação que levou para a Europa Jorge de Albuquerque Coelho, quando quatro marinheiros foram sacrificados e comidos para salvar os demais da fome. Albuquerque proibiu que falassem do assunto, do qual saiu a versão romântica em forma de poema, Nau Catrineta. Ermê repara que o namorado José não come, e ele afirma que está guardando a fome para mais tarde. As tias se retiram, e o casal vai para o quarto-biblioteca. Fazem amor, conversam um pouco, e José sai para apanhar das mãos da empregada (que já o esperava) duas taças e a champanhe. Ele tira do bolso um frasco negro de cristal, dado pela tia Helena, que contém um veneno poderosíssimo, causador de morte instantânea. Ele mostra o frasco e diz que é algo capaz de deixálos apaixonados, e ela diz que já está. No primeiro gole, ela cai morta. As tias aparecem orgulhosas dizendo que tudo vai ser aproveitado. Os ossos vão ser dados aos porcos. As carnes nobres, José comerá. Então tia Julieta retira o anel do dedo e coloca-o no de José. “Fui eu que o tirei do dedo do teu pai, no dia de sua morte, e guardava-o para hoje. És agora o chefe da família.” Entrevista (1X) Diálogo entre um homem (que se encontra num quarto com pouca luz) e uma mulher que acaba de chegar. Ela diz que foi mandada por dona Gisa (o título parece indicar uma entrevista para emprego, mas o contexto sugere provavelmente prostituição). Ela pergunta o nome dele. Ele diz que depois fala. Ele pergunta a razão para ela estar no Rio, ao que ela responde que foi o marido, que viveram ali quatro anos felizes, até que acabou por causa de outra mulher. Estavam jantando num restaurante quando a outra se aproximou. Ele estava bêbado e beijou a amante na boca diante da esposa. Ela, a esposa, atacou a amante com um caco de garrafa. Diz que não é cão sem dono, que tem seus irmãos e seu pai para protegê-la, ao que o entrevistador responde (ela já havia dito) que eles estão lá no norte, e ri. Ela continua contando que fugiu pedindo ajuda, perseguida pelo marido até em casa, que ele chegou quebrando tudo e que lhe deu pontapés na barriga até perder o bebê. Ela então chamou o pai e os cinco irmãos, que deram uma surra no marido até deixá-lo desmaiado. Ele teve de usar muletas. O entrevistador pergunta se ela não se lembra do marido, e ela diz que lembra apenas as muletas, que disseram que ele anda atrás dela para matá-la. Ele pergunta se ela não tem medo de ser encontrada, e ela responde que já teve, que agora não tem mais. Observe o fragmento: M – Dona Gisa me mandou aqui. Posso entrar? H – Entra e fecha a porta. M – Está escuro aqui dentro. Onde é que acende a luz? H – Deixa assim mesmo. M – Como é seu nome mesmo? H – Depois eu digo. M – Essa é boa! H – Senta aí. M – Tem alguma coisa para beber? (...) 74 degraus O título se refere aos 74 parágrafos numerados do conto. Há uma constante alternância da narração entre os personagens. Tereza era casada com Alfredo, campeão olímpico de hipismo, que teve um acidente de cavalo ao montar seu animal Lord Jim, rompendo a medula. Alfredo, homem rico, veio a falecer. Tereza recebe a visita de Elisa, amiga de infância, por quem nutre sentimentos amorosos. Sempre quis Elisa por perto, mas não naquele dia. Havia dado folga aos empregados. As duas conversam por um tempo, e Elisa resolve deixar recado para o marido, Daniel, dizendo onde está. Nisso chega Pedro, e Elisa sai porta a fora. Pedro entrou na vida de Tereza quando o marido se acidentou. Dizia que era fazendeiro em Minas Gerais e amigo de Alfredo, mas ninguém o conhecia. Vai revelar a ela que não tem onde cair morto, que era sargento de cavalaria e que desertou para ficar perto de seu ídolo olímpico quando do acidente. Ela lembra que quando o marido morreu vários amigos dele deram em cima dela, mas com displicência. Nenhum queria ter o trabalho de seduzi-la. Ela pede a Pedro que a seduza. Ele diz que não foi educado assim, que prefere primeiro que fiquem noivos. Ela o leva para o quarto e tenta iniciar uma relação, mas ele falha. Ela o xinga de pobretão, acha que ele está interessado só nos cavalos do falecido. Ele a sufoca com as mãos e ela desmaia. Nisso, Elisa bate à porta. Eles não se conhecem, mas começam a falar de cavalos. Pedro se coloca de quatro e pede que Elisa monte nele para ver como um cavalo é melhor que um homem. Tereza acorda, pega uma estatueta de bronze e golpeia Pedro na cabeça. Ao ver que ainda não está morto, Elisa golpeia-o até a morte. Elas se abraçam, percebem que se amam. Colocam o corpo de Pedro dentro de uma mala. Daniel, marido de Elisa, aparece e pergunta o que há na mala. Elisa diz que é o corpo de um homem, e Tereza dá uma gargalhada. Daniel responde que não cabe um corpo naquela mala, e Tereza diz que cabem até dois, entreolhando-se com Elisa. Tereza pede que Daniel feche os olhos e ataca-o com a estatueta. Ele fica tonto, mas não cai. Elisa tira o objeto das mãos dela e golpeia o marido até a morte. Decidem colocar os corpos no carro de Daniel e abandonar tudo numa praia deserta. Depois, telefonarão para hospitais e para a polícia, e ninguém desconfiará. “É tão fácil matar uma ou duas pessoas, principalmente se você não tem motivo para isso.” Intestino Grosso (2X) O narrador é um repórter que vai fazer uma entrevista com um escritor. O conto é uma espécie de autoentrevista de Rubem Fonseca, como que se quisesse defender das acusações que sofre na imprensa, respondendo a esses ataques. Ele quer receber por palavra publicada. Começa dizendo que sempre achou que uma boa história tem que terminar com alguém morto, que ao invés de denotar uma preocupação mórbida com morte pode significar uma preocupação saudável com a vida. Sobre a acusação de ser um escritor pornográfico, ele diz que é porque seus livros estão cheios de miseráveis sem dentes, mas que também escreve sobre gente fina e nobre. O autor acrescenta que pornográficas são histórias como a de João e Maria, em que as crianças são ladras e assassinas e os pais são criminosos, que isso é uma história de sacanagem. Quando os defensores da decência acusam alguma coisa de pornográfica é porque ela descreve funções sexuais ou excretoras. Para ele, o ser humano ainda é afetado por tudo aquilo que o relembra inequivocamente de sua natureza animal, por isso cria metáforas ou eufemismos para se referir às questões sexuais. O autor acha que uma sociedade inteligente deveria evitar que fossem reprimidos esses caminhos de alívio e de redução de tensão. “As alternativas para a pornografia são a doença mental, a violência, a bomba.” Para ele, há pessoas que aceitam pornografia em toda a parte, principalmente na vida particular, menos na arte. Perguntado se existe uma literatura latino-americana, ele diz não acreditar nem em uma literatura brasileira. Para ele existem apenas pessoas escrevendo numa mesma língua. “Eu nada tenho a ver com Guimarães Rosa.” Últimas observações: 11 contos narrados em 1ª pessoa 1 conto narrado em 1ª e 3ª pessoas (“Dia dos Namorados”) 15 contos 1 conto narrado em 3ª pessoa (“O Pedido”) 1 diálogo (“Entrevista”*) 1 conto com 4 narradores (“74 degraus”) *Não confundir o conto “Entrevista” com “Intestino Grosso”, que apresenta um repórter entrevistando um escritor.