Copa para quem?
Paula Turra, 1°B
Nunca fui muito boa em física. Tive que me esforçar para a prova sobre a lua, suas
fases e seu lado obscuro. Não sei nada sobre o lado obscuro da lua. O que eu sei bem mesmo
é geografia e já que estamos estudando reformas urbanas, ao invés do lado obscuro da lua,
depois da viagem que fiz para o Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, acho que consigo falar
melhor sobre o lado obscuro da Copa.
Finalmente o novo Maracanã será inaugurado gastando quase 800 milhões, e não
duvido que chegue a 1 bilhão, para construir aquela arquitetura fantástica e moderna para que
todo o Brasil consiga ver o verde e amarelo na época da Copa e das Olimpíadas e para
vibrarmos todos juntos torcendo pela nossa amada pátria! Pensando bem, para falar a verdade,
não sei se todos.
Conversei com o cacique Carlos, da tribo Tukano, e outros representantes das tribos
que moravam nas regiões próximas ao Maracanã, no antigo Museu do Índio, num dia em que
deram uma palestra. Expulsos de sua habitação anterior, tentavam de tudo para se mostrar
existentes na sociedade e protestar para garantir seus direitos. Contavam, tristes, com seus
pequenos porém interessantes detalhes, aquilo que sobrou de sua cultura e como foi o dia da
expulsão.
No Museu do Índio, ao lado do Maracanã, eles viviam até que bem. Era difícil se
acostumar e se adaptar à cidade capitalista, diziam, tendo que abandonar suas crenças e se
afastar do ambiente que tanto amavam: a floresta, os animais, os rituais, as danças,
praticamente tudo. Às vezes até mesmo o seu modo de se vestir. Como podemos ver no
próprio dia da expulsão: o cacique Afonso, que era de uma outra tribo, mas que também dividia
o espaço com o cacique Carlos, estava fugindo da polícia e tentou se abrigar em um prédio que
era público; porém, como usava as vestimentas tradicionalmente indígenas, que incluíam
pinturas no corpo e peito nu, não o deixaram se abrigar.
E essa expulsão? O que foi aquilo? Eu achava que eles teriam que sair devido à
especulação imobiliária! Ouvi dizer que ela estava atacando os arredores devido às reformas,
mas fiquei sabendo, a partir de conversas com eles e notícias em jornais, que na verdade foram
brutalmente despejados para fora de suas moradias, sem ter tempo para salvar nada.
Tentaram se proteger e não ir embora, afinal, aquela era a casa deles, mesmo não pagando
impostos pelo local. Ninguém utilizava o lugar para nada; eles estavam lá pacificamente. Não
tinha problema nenhum, não estavam atrapalhando ninguém. Ao contrário, eram a cultura em
massa e a população que os atrapalhava. Mesmo assim, tentavam se adaptar e conseguir ser
aceitos na nossa sociedade, que, ao longo do tempo, cada vez mais exclui os indígenas da
história do país. O que é bem irônico, porque eram o povo original daqui e ao invés de termos
que nos adaptar a eles, eles tiveram que se adaptar a nós.
Talvez os indígenas não tenham como participar dos grandes eventos, o que é triste,
porque um dos caciques pretendia fazer algo grande na época, já que a atenção estaria um
tanto voltada para eles por serem como que um símbolo do país. Mas parece que, para
representar o índio nos megaeventos, provavelmente vão acabar colocando uma tanga e penas
na cabeça de um italiano e pronto...
Mesmo assim, ainda temos o povo brasileiro, que é louco por futebol, louco pelo país,
ansiando pela vitória, que vai pintar as ruas do Brasil inteiro de verde e amarelo, cantando as
músicas e gritos de guerra para incentivar nosso time de campeões e sacudir esse novo estádio
se aproveitando de todas as maneiras possíveis dessa nova arquitetura linda que está sendo
construída para todos nós!
Pensando bem, não o povo inteiro... Imaginando como estaria a região ao redor das
reformas depois de ler reportagens, perguntei para moradores da região se estavam tão
ansiosos quanto eu para a abertura dos grandes eventos e não encontrei toda a empolgação
“de brasileiro”...
Muitos terão que se mudar devido ao aumento dos aluguéis, que crescem com a
proximidade dos eventos (a área ao redor do estádio Maracanã está ficando cada vez mais
valorizada). Para confirmar, fui pesquisar em sites de imobiliárias quanto estava um aluguel
razoável perto da área do Maracanã --e não estavam muito baratos mesmo...
A especulação imobiliária está intensa. Ninguém consegue pagar para ficar perto
daquele novo espetáculo. Acabam tendo que sair de suas casas para dar lugar a gringos ou
pessoas com melhor condição financeira. Será muito difícil para a população daquela região,
formada por uma classe mais baixa e trabalhadores, continuar lá depois das reformas.
Mas, qual é, pessoal? O novo estádio é do Brasil! Representando esse nosso país lindo!
E é futebol, todo mundo ama futebol! Todo mundo vai querer ir ver os jogos, vai ser o melhor
estádio do país, o estádio de todos! Ou talvez quase todos...
Quis dar uma olhada nas obras de perto. Dei uma volta completa ao redor do estádio.
Centenas de operários trabalhando sem parar no sol intenso de verão; nem sei como ainda não
estavam derretendo dentro daqueles uniformes embaixo daquele calor desgastante, sendo que
eu já estava quase sentando no chão pra descansar. Fui perguntar para um o que achava das
reformas e se viria para ver algum dos jogos, ao que me respondeu “Ih, eu só construo! Não
tenho dinheiro pra vir, não”.
Vi também durante o meu pequeno passeio o Parque aquático Julio Dellamare, que
passava por reformas intensas também. Não sabia que a reforma ia pegar uma área tão
grande... Perguntei, a um outro trabalhador, o que aconteceria lá, se seria aprimorado para as
Olimpíadas, não sei... Foi quando me respondeu, em meio a risos e limpando o suor da testa:
“Ali? Vai ser o estacionamento do Eike Baptista!”. Fiquei de boca aberta.
Para fazer o novo Maracanã, terão que expulsar índios, expulsar pessoas da classe
mais baixa (indiretamente, claro, a partir da especulação imobiliária), trabalhadores que
inclusive ergueram o estádio do chão e não vão ter chance de ir ver um jogo sequer devido ao
preço absurdo. Além de destruir patrimônios históricos e locais de treino para profissionais
existentes há décadas? Para quê? Para não ir povão no jogo e mostrar para o mundo uma
imagem do Brasil onde no estádio de futebol o garçom vestido de terno traz o seu caviar
diretamente ao seu assento marcado enquanto você aplaude de pernas cruzadas e olha o
Neymar dançar de um lado para o outro e ganhar mais de 1 milhão de reais por mês por isso?
Essa Copa verei de costas.
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Copa para quem? Paula Turra, 1°B Nunca fui muito boa em física