COBRA NORATO
– CONTEÚDO NARRATIVO DE CADA
SEGMENTO –
I – “Um dia
eu hei de morar nas terras do Sem-fim”
Este é o verso de abertura. O desejo do Poeta. A
ideia de BUSCA. O Poeta estrangula a Cobra
Norato, mete-se em sua pele e começa a correr o
mundo. Quer visitar a Rainha Luzia. “Quero me
casar com sua filha”.
II – “Começa agora a floresta cifrada”
O Poeta entra na floresta “cifrada”; a floresta
que tem de ser decifrada, entendida,
compreendida. Sombras, sapos, pedaço de mato,
árvores, fio d’água, lama, atoleiros, o Bicho do
Fundo, a selva imensa. Sempre buscando a filha
da Rainha Luzia, buscando suas pegadas.
III– “Sigo depressa machucando a areia
Erva-picão me arranhou.”
O Poeta continua sua busca pela floresta, que se
revela pouco a pouco. Caules gordos, galhinhos
fazendo psiu. Moitas de tiririca, um charco de
umbigo mole. Tais elementos compõem o quando
da travessia do Poeta, em busca da filha da
Rainha Luzia.
IV – “Esta é a floresta de hálito podre
parindo cobras.”
É a descrição da floresta parada, imensa nas
águas podres. Rios magros, raízes despenteadas,
o charco que engole a água do igarapé, o fedor, o
pau seco que despenca, o sapo que pergunta:
“Quem é você? – Sou Cobra Norato/ Vou me
amasiar com a filha da Rainha Luzia.”
V – “Aqui é a escola das árvores
Estão estudando geometria.”
Árvores cegas de nascença que têm de obedecer
ao rio. São as escravas do rio. Na “escola das
árvores”, as árvores cantam em uníssono, como
as crianças, na escola primária: “Ai ai! Nós
somos escravas do rio.” As árvores fazem
sombras para afogar o homem.
VI – “Passo nas beiras de um encharcadiço
Um plasma visguento se descostura
e alaga as margens debruadas de lama”
O Poeta avança, sempre mais, na pele da Cobra
Norato, fura paredões moles, cai num fundo de
floresta mal assombrada, soldados fabricam
terra, o mato amontoado se derrama no chão,
arbustos desconhecidos, vento-ventinho, etc.
VII – “Ai! Tenho presa. Vou andando
Furo tabocas
- onde estou?”
Árvores de galhos idiotas, águas defuntas
esperando apodrecer, raízes com fome, carobas
sujas, açaís pernaltas, miritis, sapo sozinho, o
ronco do trovão, a sombra com os horizontes.
VIII – “Desaba a chuva
levando a vegetação”
A tempestade assola a floresta, nuvens negras,
palmeiras voltadas para o céu, as tiriricas fogem,
as saracuras piam, guariba puxa rezas lagoas se
arrebatam, galhos secos despencam... O “céu tapa
o rosto/ Chove... Chove... Chove...”
IX – “Ai que estou perdido
Num fundo de mato espantado mal-acabado”
Cobra Norato (o Poeta) fica na lama, depois da
tempestade. Aparece alguém na escuridão: o Tatu
de bunda-seca. O Poeta pede auxílio para sair do
lodaçal (“goela podre”). Responde o Tatu: “Então
segure no meu rabo que eu le puxo”.
X – “Agora
quero um rio emprestado pra tomar banho”
É uma imagem. Os rios estão sujos de lama, o
Poeta quer um rio limpo para tomar banho e
dormir “três dias e três noites/com o sono do
Acutipuru.”
XI – “Acordo
O silêncio dói dentro do mato”
Aparecem as estrelas, depois da tempestade, as
águas refluem. O Poeta explica sua vontade:
ouvir música mole, “música com gosto de lua” e
do corpo da filha da Rainha Luzia. O Poeta
prossegue.
XII – “A madrugada vem se mechendo atrás do
mato”
Dia claro, depois da noite de lua “ com olheiras”
(crescente/minguante). As raízes acordam, o rio
vai para a escola estudar geografia, gaivotas,
árvores acocoradas. Os horizontes chamam o
Poeta que tem de prosseguir na busca, na
travessia.
XIII – “Solzinho Infantil
cresceu engordurado e alegre”
A floresta atravancada, fechada. Rios escondidos,
que surgem aqui e acolá. O sol forte.
XIV– “Meio dia
de um céu demorado”
O sol que começa a secar tudo. Dormem os
sáurios.
XV – “Céu muito azul
Garcinha branca voou voou
Pensou que o lago era lá em cima.”
Modorra, o mormaço, passarão que voa sozinho no
silêncio.
XVI – “Mar fica longe, compadre?
- Fica
São dez léguas de mato e mais dez léguas.
- Então vamos.”
Começa a escurecer, a tarde fica vermelha,
sombras se alongam, um inhambu, um grito de
pixi-pixi, a noite “encalhou com um carregamento
de estrelas.”
XVII – “A floresta vem caminhando
- Abra-se que eu quero entrar”
O charco começa a secar; um rio filhote passa
pedindo para o sol não aparecer, senão ele seca;
não há comida, a água da lagoa parou.
XVIII – “Vou me estirar neste paturá
para ouvir barulhos na beira de mato
e sentir a noite toda habitada de estrelas.”
Quem sabe as estrelas não teriam visto o rasto da
filha da Rainha Luzia? O silêncio total da noite
quente.
XIX – “Mar desarrumado
de horizontes elásticos
passou toda a noite com insônia
monologando e resmungando”
O mar quebrando suave na areia, falando
sozinho (marulhando) “De onde vem tanta água,
compadre?”
XX – “Começa hoje a maré grande”
A pororoca vai começar com a lua (cheia). É
preciso andar de pressa.
XXI - “Noite pontual
Lua cheia apontou, pororoca roncou.”
A pororoca vem, em vagalhões imensos. As ilhas
somem, a vegetação desaparece, a água invade a
floresta, as árvores se rompem, a pororoca traz
de volta a terra que fugiu com a correnteza.
XXII – “Paisagem encharcada
o luar espesso amansa as águas
árvores parecem pássaros inchados”
A reversão do rio, o mar inverte o fluxo, a polpa
de mato que surge ao longe: o melhor é navegar
para ela, aproveitando a enchente.
XXIII – “Noite grande”
Navega-se num braço de mar e num céu que não
acabam mais.
“Há tanta coisa que a gente não entende,
compadre/ - O que é que haverá atrás das
estrelas?”
XXIV – “Compadre, eu já estou com fome
Vamos lá pro putirum roubar farinha?”
O cunhado jabuti sabe o caminho para o
Putirum. Joaninha Vintém, a farinheira conta o
causo do Boto.
XXV – “A festa parece animada, compadre
- Vamos virar gente pra entrar?
- Então vamos.”
O Poeta entra na festa, dizendo um verso
quebrado para a dona da casa. Um golinho de
cachaça, e mais “chorado” na viola.
XXVI – “Noite está bonita
Parece envidraçada”
As pororocas dormem na beira do rio, os jacarés
em férias, uma suçuarana que passa de leve,
vento suave.
XXVII – “Mais estrelas adiante uma pajelança.”
É a sessão com o Pajé, o feiticeiro da tribo. O
Pajé atende aos que o solicitam, fazendo suas
benzeduras e suas mágicas.
XXVIII – “A floresta se avoluma
Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas pelo chão.”
O luar no mato sonolento. A paisagem no silêncio.
Ruídos que anunciam o trem Maria-fumaça, que
passa. Um navio que se vai.
XXIX– “Escuta, compadre
O que se vê não é navio. É a Cobra Norato.”
O Navio é a Cobra Grande que vai em procura
de uma virgem. Casamento de Cobra Grande
chama desgraça. É preciso fazer mandinga para
afastar a Cobra Grande.
XXX – “Abre-te vento
que eu te dou um vintém queimado”
É preciso passar pelo mundo mágico, em busca
da Cobra Grande. O Poeta leva um anel e um
pente de ouro para a noiva da Cobra Grande.
XXXI – “Esta é a entrada da casa da Boiúna”
A Boiúna é o outro nome da Cobra Grande. Um
Cururu está de sentinela. O Poeta desce a grota
cheio de medo. Passa uma canoa carregada de
esqueletos. O Poeta avista a noiva de Cobra
Grande. Fica surpreendido: é a filha da Rainha
Luzia que ele estava procurando. A Cobra Grande
vai acordar. A Cobra Grande vem vindo, o Poeta
fugindo, pedindo auxílio para despistá-la. Pajépato, a pedido do Poeta, ensina o caminho errado
para Cobra Grande. A Cobra Norato se salva,
enquanto a Cobra Grande, no caminho errado,
entra com a cabeça no cano da Sé, e fica com ela
enfiada “debaixo dos pés de Nossa Senhora”.
XXXII– “E agora, compadre
vou de volta pro Sem-fim.”
É o canto e o desejo da Cobra Norato (o Poeta).
Ir para as terras altas, levar consigo a noiva, filha
da Rainha Luzia.
XXXIII – “Pois é, compadre,
Siga agora o seu caminho.”
É o canto final do Poeta (Cobra Norato), o
epílogo. Dirige-se ao compadre que o
acompanhou na aventura. As pessoas convidadas
para o casamento se encontram no poema.
ESTUDO SOBRE O POEMA
Exemplo da estética antropofágica – põe em
movimento o ritual de devoração das tradições,
da mescla do universal com o local.
Há no poema ecos das epopeias greco-latinas, nas
quais um personagem atravessa mundos
desconhecidos em busca da superação dos
próprios limites.
A lenda, o mito e o folclore em que Bopp se
baseia para construir sua história são oriundos
das narrativas colhidas entre índios, negros,
caboclos, ribeirinhos, etc., com quem o poeta
conviveu ao longo de sua viagem.
Poema: drama épico e mitológico nas selvas
amazônicas, incorporando à moderna estrutura
do verso livre elementos do folclore e da fala
regional, fundindo imagens originais com o ritmo
tenso, sintético, sincopado, quase telegráfico.
O poema “Cobra norato”, trata da história de
um eu poético que mergulha no mundo
maravilhoso do sonho, encarna a cobra lendária
da Amazônia e segue para as “ilhas decotadas”,
isto é, as terras do “sem fim”, em busca da
mulher desejada.
A aventura de Cobra Norato segue o padrão de
unicidade ao descrever a trajetória do herói
mítico:
PARTIDA (SEPARAÇÃO)/ INICIAÇÃO/RETORNO.
“Um dia
Hei de morar nas terras do Sem-fim
Vou andando caminhando caminhando
Me mistura no ventre do mato mordendo raízes.”
Expressa o desejo do narrador de retornar às
origens, portanto, à mãe. O herói vive o momento
do sonho, configurado pelo tempo “um dia”. Ao
penetrar no “ventre” da floresta, ele segue por
tortuosos caminhos, logo sente que “(...) o sono
escorregou nas pálpebras pesadas”.
O termo “sem fim” remete para os horizontes
sem fronteiras do imaginário, confirmando, dessa
forma, a irrupção do inconsciente.
Inspirado na experiência pessoal, o poeta tenta
transmitir em seus versos o sentimento de
deslumbramento e de terror que a floresta
infunde no estrangeiro que adentra seus
domínios.
A personificação da floresta é um recurso
recorrente na construção de “Cobra Norato”.
Por meio desse artifício, o autor reitera o caráter
mítico de sua narrativa, igualando num só nível
os universos humano, animal e vegetal.
A justaposição de imagens na composição dos cenários da
floresta é índice do dinamismo descritivo de “Cobra
Norato”. Busca-se associar a linguagem ao ritmo da
viagem, recurso que aproxima a forma e o sentido do
poema.
Na pororoca, o mar e o rio são elementos díspares que se
enfrentam, devorando e transformando tudo em volta, o
que é uma alegoria do Movimento Antropofágico. A
violência extasiante da cena é apresentada numa sucessão
de imagens, por meio da exploração musical dos signos
em suas recorrências aliterativas.
“Noite pontual
Lua cheia apontou, pororoca roncou.
Vem que vem vindo como uma onda inchada
Rolando e embolando
Com a água aos tombos.”
Download

resumo de Cobra Norato