Bauru, domingo, 10 de junho de 2012 - Página 14
Entrevista da semana:
ARTUR FALEIROS NEVES
Fotos: Aceituno Jr.
‘Soldado’ do Enxame Coletivo explica
como funciona o braço bauruense de
movimento nacional que usa a cultura
como instrumento de modificação social
Transformação social
pela força da
cultura
Luiz Beltramin
A estrutura de organização e as metas a cumprir
lembram bem a hierarquia e
organogramas de um quartel.
No entanto, a “guerrilha” em
questão aqui tem outro fim.
Baseada nas armas do
“faça você mesmo”, a faceta bauruense da rede Fora do
Eixo - o Enxame Coletivo -,
propõe realização de atividades
culturais como instrumento de
transformação social apoiada
na cooperação mútua sem depender exclusivamente de boa
vontade ou patrocínio alheios.
Desde a inclusão de uma
banda do Pará no cenário independente de Bauru ou organização de uma mostra audiovisual na periferia, o grupo prima
por atitudes sustentáveis e cooperativas em que o guitarrista
que deu show no palco numa
noite vai para a bilheteria no
evento seguinte com a mesma
empolgação.
Moeda interna como materialização de troca de favores
entre artistas e realizadores,
desenvolvimento de tecnologias e um primoroso esquema
de comunicação também diferenciam o movimento social,
cujo trabalho é detalhado nesta
entrevista por seu agente de articulações políticas e planejamento em Bauru.
Jornal da Cidade - Afinal, o que é e o que pretende
o Enxame Coletivo?
Artur Faleiros Neves - É
um empreendimento cultural,
com agentes e gestores conectados que trabalham na perspectiva da ressignificação de
uma cadeia produtiva da cultura. Nossa principal missão é a
articulação e produção cultural
visualizada como uma ferramenta de conexão entre atores
sociais. Integramos um circuito cultural e um movimento
social conectado. Através de
uma pauta, que é a cultura,
trabalhamos por mudanças na
sociedade.
JC - De onde vem a
ideia do “enxame”?
Artur - O Fora do Eixo
começou em 2006 pensando
no contexto da “ressaca”, principalmente musical, a partir
dos anos 1980. É casado com
o advento da Internet e o surgimento do Napster, um marco
para a indústria fonográfica.
Nesse contexto, os festivais
assumiram muita importância
na cena musical e aí surgiu a
Abrafim (Associação Brasileira de Festivais Independentes).
A partir disso, em 2006, após
um encontro em Minas Gerais, Começou com um cenário mualgumas pessoas perceberam sical, ainda não tinha esse caque tinham ideias em comum e ráter de movimento social que
idealizaram uma rede de troca tem hoje
de serviços e tecnologia para
JC - Você fala de mubaratear e até dividir os custos. Entre eles perceberam que dança social e liga as gerapoderiam trocar experiências ções dos anos 1980 e 1990 a
e potencializar os projetos. A uma “ressaca” cultural, espepartir disso, foram gerados al- cificamente quanto à música.
guns escambos sociais, uma Mas o movimento do qual
banda fazendo roading para a você faz parte, aos 22 anos,
outra e vice-versa. Neste pri- não corre o risco de ser tameiro momento foi formado o xado como “fogo de palha”
Fora do Eixo, com uma banda estudantil?
Artur - Sou um agente
de determinada região do país
ajudando outra. Após congres- do Fora do Eixo que atua em
Bauru. Semana
sos em Cuiabá
passada eu estae no Acre, em
Estamos com
va em Manaus,
2008, a princidisposição
semana que vem
pal discussão
de fazer e
no Rio de Janeifoi sobre o
corremos atrás ro. Hoje estou em
conceito de ser
Bauru, depois do
fora do eixo,
para construir.
Rio volto para cá
vimos que era
muito mais de vivência do que e vou para São Paulo. Rodaolhar para o mapa. Percebemos mos muito dentro da rede até
que tínhamos que ocupar o mesmo para trocar tecnologia
eixo Rio-SP, essa grande vitri- e conhecer novas coisas. Acho
que a rede estimula a não ser
ne, e apresentar a proposta.
fogo de palha e buscar novos
JC - E por falar em fora desafios. Se eu sair de Bauru,
do eixo, São Paulo e Rio estão por exemplo, hoje não é sair do
muito voltados aos próprios movimento. Mas nesse sentido
nós temos uma preocupação
umbigos?
Artur - Na verdade todo muito grande. Trabalhamos
mundo fala que a sua própria muito com sustentabilidade,
cidade tem esse tipo de pro- economia criativa e economia
blema, com bandas com rixa, solidária. Uma das coisas que a
casas de shows fechadas para gente preza muito é pensar no
bandas independentes, o con- processo e em continuidade.
selho de cultura não funciona, Dentro da nossa missão há proetc. Esse chororô na verdade jetos de formação, aproximaexiste em todas as cidades. A ção de novos públicos internos
questão é muito mais construir e externos e como estimular
do que dizer apenas que as coi- o fluxo de que o Enxame não
são as pessoas. O que estimula
sas não acontecem.
são as propostas. Caso o EnJC - Como Bauru foi in- xame um dia acabe, o que eu
serida nesse mapa e ganhou acredito que não aconteça ao
o seu braço do Fora do Eixo, menos em cinco anos, que a
no caso, o Enxame Coletivo? gente crie uma zona autônoma
Artur - Foi quando o pes- permanente que consiga trabasoal do Fora do Eixo percorreu lhar com uma movimentação
umas vinte cidades do interior no setor cultural e
de São Paulo, de carro, fizeram que deixe um rasuma palestra aqui na Unesp, em tro, para as pessoparceria com o Centro Acadê- as absorverem as
mico de Comunicação. A gente tecnologias. O que
saiu de lá e formou (o enxame). nos mantém é o
O Fora do Eixo veio até nós e desafio da construdecidimos fazer junto, isso ção e que nunca vai
aconteceu no final de 2009. A terminar porque
partir daí começamos a estudar a política cultural
alguns textos de economia soli- nunca está 100%.
dária. Engraçado é que a galera nunca
gostou de
e s t u d a r,
nem textos da faculdade,
não sabíamos direito o que
acontecia.
JC - O legado é o que
conta...
Artur - Não precisa ser
como Enxame. Precisa ter
continuidade. Por exemplo,
se o Enxame terminasse hoje.
O rastro que deixaríamos em
Bauru seria com a música independente. Temos o Jack Music
Pub, que é um grande parceiro
nosso, e que trabalha com mú-
sica independente de forma intensa e que, talvez, seja o único
bar de Bauru que trabalhe desta forma. Outros bares também
trabalham com uma banda ou
outra (independente) mas priorizam muito o cover. O Jack
prioriza o autoral. Nossa parceria com eles trabalha nesse
sentido. Colocamos bandas de
quase todos os Estados brasileiros para tocar na casa.
JC - Como organizar
toda essa rede e logística?
Artur - Não somos produtores de grupos musicais.
Somos parceiros e essa parceria não precisa ser contínua.
Nesse sentido, existem milhares de bandas que se aproximam e construímos algumas
plataformas, alguns softwares para facilitar isso. A gente
constrói atualmente o software da música do Fora do Eixo
que é um lance que vai facilitar
muito o contato entre produtores e bandas, que se cadastram
e colocam todo o seu perfil.
A banda pode se cadastrar em
eventuais oportunidades. Ano
passado realizamos quase
cinco mil shows no Brasil. E
quanto mais espaços são abertos, mas bandas se empenham
em fazer música independente. Só trabalhamos assim, não
existe a proposta cover dentro
de nosso movimento social.
JC - As outras gerações,
principalmente nos anos
1960 e 1970, tinham no regime militar uma causa, um
motivador para se mexer. O
jovem de hoje não sofreria de
uma certa alienação cultural,
justamente por não ter algo
contra lutar?
Artur - A nossa é o que
chamamos de primeira geração
livre. Nascemos numa democracia. Falamos muito de girar
a chavinha fora do eixo.
Até existem algumas coisas contra as quais lutar,
mas não é o que vai mobilizar hoje. Atualmente as
articulações da juventude
não funcionam mais via
protesto ou desconstrução. Estamos em vias de construção. Mas falta entendimento
de como se insere num processo, qual o protagonismo e inserção política de cada um. O
principal é entender a nobreza
do termo política e principalmente saber como encontrar
pautas comuns. Se temos algo
em comum para caminhar, então vamos, depois a gente se di-
Perfil
Nome: Artur Faleiros Neves.
Idade: 22 anos.
Local de nascimento: São Paulo.
Hobby: malabares e skate.
Livro de cabeceira: “Cem Anos de Solidão”
(Gabriel García Márquez).
Filme preferido: “Brilho Eterno de uma Mente
sem Lembranças”.
Estilo Musical: MPB, rap e rock.
Time: Corinthians.
Para quem dá nota 10: Pablo Capilé (gestor
do movimento Fora do Eixo) e Alfredo Manevy
(assessor de Gilberto Gil e Juca Ferreira no
Ministério da Cultura)
Para quem dá nota 0: Anna de Holanda (ministra
da Cultura).
Email: [email protected]
vide, mas certos passos juntos
a gene vai mais rápido.
JC - Como funciona o
esquema de trabalhar e morar no mesmo ambiente?
Artur - Por mais que
a gente more e trabalhe no
mesmo lugar, por incrível que
pareça, temos uma dinâmica
online, até mesmo entre nós,
muito grande. Primeiro porque
é só parte da equipe, os quatro
moram na casa, e somos em
dois mil espalhados por todo o
Brasil, e que Bauru é uma parte
operacional do processo. Estamos sempre conectados, dando
suportes, com mais de cem listas de email no Fora do Eixo,
divididas por segmentos de trabalho e Estados. Cada frente de
nosso organograma tem uma
lista, são mais de 100.
JC - Mas e dentro da
casa, desplugados, como é a
organização de vocês?
Artur - Temos muitas
ferramentas de sistematização
online e off-line também. As
ferramentas off-line são aquelas que a gente usa para se distribuir entre as tarefas
cotidianas, quem faz
o almoço, arruma a
casa...Cada gavetinha
tem uma etiqueta.
Tudo é sistematizado para auxiliar nesse processo. Temos
mais uma série de
sistematizações online justamente para
os projetos, com um
coquetel de planilhas.
JC - Geralmente estudante de
humanas, principalmente artes e comunicação, é rotulado
como desorganizado. Mas vocês provam o contrário...
Artur - (risos) ...é um
mito que cai. A sistematização,
na verdade, é uma das maiores
tecnologias que temos dentro
do Fora do Eixo.
JC - E como viabilizar
isso tudo financeiramente, o
que são os conceitos de economia criativa e moeda social que vocês aplicam?
Artur - A moeda social
faz com que a gente consiga
trabalhar com as trocas. E elas
não precisam ser equânimes,
por exemplo, você investiu x
em minha banda e eu tenho que
me dispor do mesmo depois. É
o Fora do Eixo Card, moeda
complementar dentro da economia criativa e solidária.
JC - E o Festival Canja,
qual o balanço que você faz?
Artur - O Festival Canja retrata um pouco do DNA
do que é o Enxame Coletivo hoje. Começamos com o
festival em 2010, como um
evento de artes integradas e
algumas questões ambientais
envolvidas. Na segunda edição do festival já tivemos um
apoio muito forte da secretaria
de cultura, com uma estrutura no Vitória de Régia, palco,
som e a prefeitura bancando
um artista que veio de fora,
o Emicida. Num dia tivemos
5 mil pessoas de público. Aí
notamos que precisaríamos de
uma linha editorial para o festival, um eixo temático que é a
sustentabilidade, seja artística,
política, econômica e também
ambiental.
JC - E para a edição
2013, o que esperar?
Artur - Para a terceira
edição, marcada para entre
27 de agosto e 2 de setembro,
em diversos pontos da cidade com teatro, circo, dança,
música, audiovisual, debates,
oficinas, encontros e atividades na periferia, preparamos
na temática “Artes Integradas, Economia Criativa e
Sustentabilidade”. Pensamos
em visualizar o festival como
catalizador nesse processo na
cidade. Ele é um exemplo de
economia criativa, tem um
orçamento de R$ 300 mil dos
quais o fluxo financeiro não
chega a R$ 70 mil. A gente
tem mais de 60% do festival
com moeda complementar. É
um modelo sustentável de se
construir. O que mais me estimula no Fora do Eixo é o modelo de construção, que está
em constante transformação.
JC - Vocês enfrentam
algum problema em mostrar
essa nova proposta cultural e
social?
Artur - Existe uma galera na cena há 15, 20 anos,
ocupando vários espaços,
com várias relações viciadas,
um chororô de sempre reclamar. Em Bauru, temos uma
política cultural, por mais
que seja fraca, ela é muito
mais avançada do que em
outras cidades. Resumindo:
estamos com disposição de
fazer e corremos atrás para
construir.
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