O TESTEMUNHO DE UMA PROFESSORA-ESTAGIÁRIA PARA
UM PROFESSOR-ESTAGIÁRIO: UM OLHAR SOBRE O ESTÁGIO
PROFISSIONAL
RELATÓRIO DE ESTÁGIO PROFISSIONAL
Relatório de Estágio Profissional apresentado
à Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto com vista à obtenção do 2º ciclo de
estudos conducente ao grau de Mestre em
Ensino de Educação Física nos Ensinos
Básico e Secundário (Decreto-lei nº 74/2006
de 24 de março e Decreto-lei nº 43/2007 de
22 de fevereiro).
Orientadora: Doutora Paula Maria Fazendeiro Batista
Relatório profissional integrado no Projeto Financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia (FCT): o papel do estágio profissional na (re)construção da identidade profissional
no contexto da Educação Física. (PTDC / DES / 115922 / 2009).
Cátia Patrícia Pereira Ferreira
Porto, setembro de 2012
Ficha de catalogação:
Ferreira, C. (2012). O testemunho de uma professora-estagiária para um
professor-estagiário: um olhar sobre o estágio profissional: Relatório de Estágio
Profissional. Porto: C. Ferreira. Relatório de Estágio Profissional para obtenção
do grau de Mestre em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e
Secundário, apresentado à Faculdade de Desporto, Universidade do Porto.
PALAVRAS-CHAVE:
ESTÁGIO
PROFISSIONAL,
IDENTIDADE
PROFISSIONAL, NARRATIVA, PARTILHA, PROFESSOR-ESTAGIÁRIO.
II
Sobre mim …
Azul em pessoa
Há dias cinzentos e amores de capuz.
Há sóis brancos e amarelos.
Ambos dão luz.
Um deles brilha.
E o outro, reflete?
Há desejos vermelhos e secretos.
Há dias verdes discretos.
A paz é azul.
Quem o disse, conhece?
Conheço.
A sério? Mas é só azul?
Não, também é rosa efervescente.
Porquê?
Vejo.
O quê?
A cor de pele.
Então és água!
Sim, sou transparente.
III
DEDICATÓRIA
Ao Daniel,
o exemplar de pessoa mais utópica que já conheci.
V
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Ana Luísa Pereira que me falou acerca de “dar o mundo
ao outro”. Que me elucidou sobre o azul.
Ao Mestre Paulo Mota e à Professora Doutora Paula Batista, que depois de
tudo, me falaram da importância de deixar um testemunho.
Porque partilhámos,
À minha primeira turma, 12ºH
Aos meus colegas de estágio, Daniela Ferreira e Paulo Farinhas
Ao David Amorim.
Pela inspiração partilhada, pelos momentos repletos de um todo que me
completa,
À Daniela Martins.
Porque me permitiram ser,
Aos meus pais.
VII
ÍNDICE GERAL
AGRADECIMENTOS ....................................................................................... VII
ÍNDICE GERAL ................................................................................................. IX
ÍNDICE DE QUADROS ..................................................................................... XI
RESUMO......................................................................................................... XIII
ABSTRACT ..................................................................................................... XV
LISTA DE ABREVIATURAS ...........................................................................XVII
Preâmbulo .......................................................................................................... 1
Capítulo I – Missão............................................................................................. 7
Capítulo II – Questões e respostas preliminares .............................................. 11
Capítulo III – Conhecer o advir ......................................................................... 17
Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca
equivalente ....................................................................................................... 23
Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator ......................... 27
Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de ontem,
um sentido para hoje, um amanhã (re)construído ............................................ 31
Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência ....................................... 41
Capítulo VIII – O aprendido .............................................................................. 47
Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão ........................................ 57
Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor ............................ 61
Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de
organização: Breve consideração .................................................................... 65
Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário ........... 69
Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo .......... 73
Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel ...................................................... 79
Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor .................................................. 83
Capítulo XVI – A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um olhar
sobre a literatura .............................................................................................. 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 103
IX
ÍNDICE DE QUADROS
QUADRO 1 - Ficha de pesquisa da Revisão Sistemática acerca da Identidade
Profissional do Professor-estagiário …………………………………………........92
QUADRO 2 - Sinopse de Estudos relativos à Identidade Profissional do
professor-estagiário …………………………………………………………………93
XI
RESUMO
Esta é a narrativa do meu estágio profissional, e é dedicada a ti, que
escolheste
o
mesmo
caminho
que
eu
–
ser
professor.
Falar-te-ei
essencialmente de sentimentos, da minha experiência e do que retirei dela.
Recordo-te de que irás ler uma verdade que é a minha, mas uma verdade
também refletida. Esta narrativa pretende ser, portanto, um reflexo do caminho
percorrido e uma interpretação do processo que me levou à construção da
minha identidade profissional. Está inscrita em 16 capítulos, e falar-te-á de um
entendimento do estágio profissional, do poder da partilha, do aprendido, e da
jornada de ser cada vez mais professor, e menos estagiário. Um dos capítulos
corresponde a um estudo de revisão sistemática acerca da identidade
profissional do professor-estagiário. O meu estágio profissional foi realizado na
Escola Secundária de Almeida Garrett em Vila Nova de Gaia, num núcleo de
estágio constituído por mim e mais dois professores-estagiários.
PALAVRAS-CHAVE:
ESTÁGIO
PROFISSIONAL,
IDENTIDADE
PROFISSIONAL, NARRATIVA, PARTILHA, PROFESSOR-ESTAGIÁRIO.
XIII
ABSTRACT
This is a narrative of my professional practicum, and is dedicated to you, who
have chosen the same path that I - being a teacher. I will talk essentially about
feelings, about my experience and what I learned from it. I remind you that you
will read a truth that is mine, but also a reflected truth. This narrative is intended
to be, therefore, a reflection of the path, and an interpretation of the process
that led to the construction of my professional identity. Is fulfilled in 16 chapters,
and it will tell you about an understanding of the professional practicum, the
power of sharing, what I have learn, and the journey of to be more teacher, and
less pre-service teacher. One of the chapters corresponds to a systematic
review study about the professional identity of the pre-service teacher. My
professional practicum was conducted at the Almeida Garrett School in Vila
Nova de Gaia, within a group consisting of myself and two other pre-service
teachers.
KEYWORDS: PROFESSIONAL PRACTICUM, PROFESSIONAL IDENTITY,
NARRATIVE, SHARING, PRE-SERVICE TEACHER.
XV
LISTA DE ABREVIATURAS
ESAG – Escola Secundária de Almeida Garrett
MEC – Modelo de Estrutura do Conhecimento
MED – Modelo de Educação Desportiva
XVII
Preâmbulo
Preâmbulo
Espero que não te importes que te trate por tu. Garanto-te que te direi
toda a verdade. A minha verdade. Mas não te prometo que saiba responder a
todas as tuas perguntas. Este escrito é dedicado a ti. A ti, que escolheste o
mesmo caminho que eu. E porque acredito em ti, e em nós, professores,
respeito-te por me ouvires.
O meu nome é Cátia Patrícia Pereira Ferreira, uma aquariana de gema,
com uma visão clara(mente) natural. Nasci numa noite de Inverno, no vigésimo
oitavo dia do primeiro mês do primeiro ano da minha vida, 1989. Foi também
numa noite, que no colo da minha mãe pronunciei a minha primeira palavra:
“luz”.
Assim como o escuro me deu à luz, eu devolvi-me à sua fonte, e para
mim são muitas as coisas que brilham. Uma dessas é o homem, que por ser
racional se deixa ser o mais natural possível – a utopia perfeita – um
sentimento imaginário. Qual é o sentido da vida? E qual é o meu? Não sei. O
que é o homem? E o que pode ser? Tudo. Tudo, porque pelo menos no
imaginário parece-me possível.
Ora esta premissa levou-me desde cedo a dois lemas, “a vida é tua, faz
dela o que quiseres” e “faz dos teus sonhos objetivos”. Contudo, eu perdi-me
nos meus sonhos. Perdi-me nos trilhos do sentir, do metamorfosear, do
idealizar. Parte de mim era, e é, fantasia, era, e é, sonho. Como poderia
objetivar uma fantasia? Na verdade, perdi-me naquilo que queria ser, pois, se a
possibilidade de ser, para mim, reunia tudo, então eu queria ser tudo.
No entanto, reparei que este meu “tudo”, por ser meu, e fantasiado no
belo e no ideal, me encaminhou no sentido da minha existência.
No meu interior ambicionava ser professora (independentemente da
matéria), gostava de cuidar do outro fazendo-o crescer, e adorava a sensação
de felicidade que o desporto me permitia ascender. Esta tríade fazia todo o
sentido.
Lembro-me de pensar que o desporto estava em tudo e em todos os
lugares. Todavia, conseguia observar a minha perspetiva a voltar-se
3
progressivamente para uma visão romântica e natural, tal como sinto o meu eu,
pois acredito que esta nossa área tem um potencial infindável, tal como o
homem. Afinal de contas, o que seria o desporto se não existisse a pessoa?
Mais, não contribuirá o desporto para a formação do homem enquanto pessoa?
Certamente que sim.
Costumo dizer que aprendemos por “modelagem”, isto é, tudo aquilo que
observamos e, ou, vivemos, permite-nos edificar aquilo que pensamos que
devemos ser, e como eu não sei ser sem pessoas (talvez uma brecha a
trabalhar, para não me tornar num handicap de mim própria), faço minhas,
palavras de Fernando Pessoa, citando:
“E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.”
Fernando Pessoa. (1993). “Quando estou só reconheço”
Para mim, o coletivo tem um sabor especial, que nos apimenta e
apaixona, que nos dececiona ou impressiona e, por isso, é que nos é
complementar.
Prontamente, parece-me que o meu maior sonho, tendo em conta a
minha tríade e o meu tudo, é “dar o mundo ao outro”. Serão o Desporto, a
Educação Física, e a Escola, a nova tríade itinerária para o concretizar? Creio
que sim.
Chegou então a hora de vos contar uma história. Pois, estas são suaves
memórias. Tão suaves que se deleitam sobre o rosto em forma de gota. Esta é
a minha chuva. Nas nuvens pesam o tempo de um presente que termina. Olho
para trás e vejo um pequeno excerto de um livro por escrever. Chove
torrencialmente. É a saudade. É a nostalgia que sei que vou sentir quando
terminar esta narrativa.
Daqui a umas nuvens a etapa estará completa. Passarei ao próximo nível,
mas nunca vou esquecer a ânsia que tive em vencer o primeiro. A vontade que
4
tinha de explorar este meu jogo novo. O labirinto está cada vez mais apertado,
e por isso, penso que encontrarei a saída em breve. Fui recolhendo as pistas,
fui observando as pegadas de outros. O terreno ajudou a delinear caminhos.
As inúmeras pedras no meio da estrada fizeram-me tropeçar. Não me magoei e
levantei-me. Foi aí que o próprio enredo me deu um novo rumo. Parei para
pensar. Cheguei até aqui. Chegam-me uma caneta por favor?
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Capítulo I – Missão
Capítulo I – Missão
Está na hora de transparência e sinceridade.
Firmeza, pulso e verdade.
Nunca terás um produto acabado.
Ser professor é infindável.
Ser pessoa não termina num passado.
O aluno deixa de ser o teu mercado,
Quando percebes que nunca se saberá
Quanto de ti ele percorrerá.
Aos meus olhos, falar-te-ei essencialmente de sentimentos. O que se
sente no ano de estágio. Aquele em que pensas que serás posto à prova. Não
com outros, mas contigo mesmo. Aquele em que te queres conhecer e saber
se estás no caminho certo. Por ti não posso falar, mas pode ser que te ajude se
estiveres à espera de uma história como a minha. Falar-te-ei da minha
experiência e do que retirei dela, sob a forma de sentimentos, como te disse.
Tentarei expor esses sentimentos por fases. Algumas sob a forma de crises
existenciais. Um termo que sei que também usas, para explicar tempos de
devaneios. Não só no sentido pejorativo, mas também naquele em que nos
achamos capazes de… tanta coisa.
Algumas pessoas, que me conhecem, pensam que me é fácil escrever e
que por isso escrevo a toda a hora. Tal, não é verdade. Eu escrevo quando
algo me inspira, quando paro realmente para pensar, e quando tenho de deitar
cá para fora algo que quero partilhar. Normalmente, nunca escrevo só para
mim. E se escrevo, a escrita tem de caber nalgum lugar.
Acho que no fundo realiza-me apenas o facto de partilhar contigo. E é
essa a minha motivação para fazer deste relatório, algo tão simples como um
relato.
Optei por uma narrativa pois gostava de manter a genuinidade da
experiência que vivi. Porque o que te vou dizer vem de dentro. Porque acredito
em Rodriguez (2002) quando refere: “Narratives are meant to be shared. In our
9
narrativeness
we
find
our
impulse
to
share
our
experiences,
our
understandings, our meanings, our humanity. No narrative is meant to be kept
to ourselves. Narratives make us human by binding and weaving us to each
other in unique ways.”
Mais uma vez, recordo-te de que esta é a minha verdade. Mas uma
verdade também refletida. Deste jeito, entendo que estarei, igualmente, a
produzir sentidos sobre o que é ser professor. Estarei, pois, a atribuir
significados às vivências. “A necessidade de narrar advém do desejo de
encontrar um sentido para as situações que estão de regresso ao seu
raciocínio para descobrir quem são e para onde vão.” (Brooks, 1984, cit por
Gomes, 2004, p. 20)
Verás
que
é,
no
mínimo,
estranha,
a
dualidade
de
se
ser
simultaneamente professor na escola e aluno na faculdade. Ainda mais,
quando mesmo na escola, percebes que estás ali para aprender.
Como serei capaz de auxiliar o meu aluno na descoberta de si próprio e
das suas potencialidades, se eu, em parte, procuro o mesmo? Não consigo, de
momento, lembrar-me de outra sensação, a não ser estranha. E ainda mais,
depois de ouvir tantas vezes “não abdico nunca de ser professor”…
Esta narrativa pretende ser, portanto, um reflexo do caminho percorrido e
uma interpretação do processo que me levou à construção da minha identidade
profissional, de jeito que te falarei abertamente de um entendimento do estágio
profissional, do poder da partilha, do aprendido, e da jornada de ser cada vez
mais professor, e menos estagiário.
Este documento, que é o meu relatório de estágio profissional, é para mim
o meu primeiro livro e, por isso, está inscrito em capítulos.
10
Capítulo II – Questões e respostas preliminares
Capítulo II – Questões e respostas preliminares
Tudo começa antes de realmente começar.
São várias as questões que te farão tropeçar.
Não há linha que separe ser professor e ser pessoa.
Mas há uma linha que separa ser pessoa e ser professor.
Poderás não concordar comigo,
Mas não é verdade que bem te soa?
Nas últimas férias de verão estive na Pala. A Pala é uma aldeia da
freguesia de Ribadouro, concelho de Baião. Eu e um grupo de amigos fomos
aproveitar o tempo de não ter horas para acordar nem deitar.
Num dos primeiros dias, fartos de olhar para a torre de latas de atum,
decidimos ir ao hipermercado mais próximo comprar a real carne para a
churrascada da semana. Tivemos que ir de carro porque ainda era longe.
Chegados ao mercado, o nosso sotaque pronunciou-se entre as
gargalhadas ao encontrar os mais estranhos nomes de vinho.
Uma a uma, íamos colocando no cesto as garrafas de perdição que nas
noites frescas da aldeia, nos iam aconchegando. Este era o tempo de falar e
desabafar. De imaginar.
Livres, podíamos sonhar bem alto porque ninguém mais nos ouvia. Cada
um de nós, ansiosos pelo próximo Setembro, partilhava as suas motivações e
expetativas. Falávamos daquilo que tínhamos feito e o que pensávamos que
iriamos fazer. As conversas, mais não eram, o último pensamento que
levávamos connosco para a almofada - questionários sobre o futuro e
interrogações de nós.
Talvez, não fosse o tempo certo para matutar no assunto. Afinal de
contas, estava de férias, e o modo como pensava tinha um cheirinho de
preocupação.
Uma dessas preocupações, que possivelmente terás é, “será que o que
quero é mesmo ser professor?”. Quanto te perguntas sobre isto, imediatamente
te perguntas, sobre o que é ser professor. Aqui vais recordar os teus anos de
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escola e os professores que te marcaram, na tentativa de encontrar definições
através do concreto. Chegarás à conclusão que vais querer ser como alguns
deles foram. Contudo, vais pensar, “não, há coisas que eu quero, e que serão
minhas, e serei diferente e melhor”.
E é nesse momento, que estás disposto a descobrir-te, colocando sobre a
mesa um monte de expetativas sobre esse ano.
A minha expectativa em relação ao estágio profissional, em primeiro,
passava por vivenciar o mais possível, experimentando, no sentido da palavra,
para chegar a conclusões. Estava certa que não iria aprender tudo num ano,
até porque a nossa jornada nunca é estanque, contudo, esperava conseguir
pelo menos um guião acerca daquilo que deve ser o ensino, desmitificado de
preconceções. Para isso, sabia que teria de convocar, repito, convocar, o
background teórico da etapa inicial da minha formação, associado à reflexão
daquilo que a prática me iria dar. Para além disso, entendi que o estágio
profissional é uma aproximação à realidade. A este respeito, Piconez (1991,
p.25) refere que “A aproximação da realidade possibilitada pelo Estágio
Supervisionado e a prática da reflexão sobre essa realidade têm se dado numa
solidariedade que se propaga para os demais componentes curriculares do
curso, apesar de continuar sendo um mecanismo de ajuste legal usado para
solucionar ou acobertar a defasagem existente entre conhecimentos teóricos e
atividade prática.” Por sua vez, Pimenta (2005, p. 70) enfatiza, ainda, que “A
finalidade do Estágio Supervisionado é proporcionar que o aluno tenha uma
aproximação à realidade na qual irá atuar. Portanto, não deve colocar o estágio
como pólo prático do curso, mas como uma aproximação à prática, na medida
em que será consequente à teoria estudada no curso, que, por sua vez, deverá
se constituir numa reflexão sobre e a partir da realidade da escola”.
E porquê esta aproximação à realidade? Quanto mais não seja, porque
este ano serás apenas professor (estagiário) de uma turma, ou talvez duas.
Terás à tua disposição dois orientadores, um na escola (professor cooperante)
e outro na faculdade.
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Cabe-te a ti, seres tão ou mais professor do que aqueles que o são na
realidade. Mas verás, não será tarefa fácil deixar de pensar, ou até mesmo
deixar de separar, o professor, do estagiário… por um hífen.
Não obstante, eu acreditava que o estágio me iria permitir um tempo para
pensar e testar, para construir e reconstruir pensamentos. Ele pode ser o que
tu quiseres, mas será sempre mais um lugar de formação. Neste sentido, as
palavras de Cunha (2008b) fazem sentido para mim quando refere que “A
formação está ao serviço dos indivíduos e das organizações, não podendo ser
encarada como uma mera preparação para um posto de trabalho, mas
fundamentalmente como uma aquisição de competências de reflexão”. (p. 35)
Irás ter, também, certamente, expetativas em relação ao teu núcleo de
estágio. O orientador será bom, mau? Quem será que vai contigo para a
escola? Serão os teus amigos? Como será que vai ser trabalhar com eles?
Será que irás trabalhar mais contigo, ou mais com eles? Digo-te sinceramente,
que isto depende do modo como pensas encarar o estágio. Eu encarei o meu
como um palco de partilha, porque acredito que somos mais, partilhando. Mas
sobre isto, terei um pouco a dizer-te, mais à frente.
E a turma, será “insurreta”? Será que vai ser diferente por seres professor
estagiário?
Vais-te questionar tanto no início. Vais sentir receio e ao mesmo tempo
entusiasmo! É um misto de sensações. Foi o que senti quando estava na Pala.
Naquela ida ao hipermercado, acabamos por gastar cem euros em álcool
e pão! Até com esta atitude me perguntei, “Meu Deus, que tipo de professora
serei?”.
Esquece. Quando se aproximar a tua primeira ida à escola, aí sim, vai-te
doer a barriga. Não fiques com medo. É normal. Sabes, a primeira vez que
entrei na escola foi uma surpresa! Receberam-nos com um agradável sorriso,
literalmente, abrindo-nos as portas da casa (abriram mesmo a sala de
professores). Só poderia esperar um honesto apoio a partir desse momento.
Sabes porquê? Não és o primeiro nesta situação, nem vais tão pouco ser o
último. Eles sabem o que estás lá para fazer, só não sabem o que vais
realmente fazer e ser.
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Na aula de apresentação, vais até combinar com cuidado, a roupa que
irás vestir. Não vais querer correr o risco de não pareceres professor!
Eu, por vezes, sonhava que poderia fazer mil e uma coisas interessantes
com os meus futuros alunos, que poderia envolvê-los e fazermos outras tantas
coisas juntos. Percebo agora, que este ano é como viajar de comboio. Quando
estamos lá dentro e olhamos para fora, vemos imagens já passadas e
desenroladas, quando estamos cá fora e olhamos para o trem em movimento,
ele demora um pouco mais a passar e conseguimo-lo ver por mais tempo. O
estágio é assim, passa mais depressa quando o vivemos do que quando o
recordamos. Quando chegas ao fim, por muito que consideres que fizeste tudo,
pensas sempre de como poderia ter sido se fizesses melhor.
E aí, percebes que tens o resto da vida para resolver o assunto, pois já
não o podes remediar. Tal como nós, na Pala, que mesmo dando tudo o que
tínhamos, os cem euros, no meio de tanto pensar o que faríamos com mais de
vinte garrafas de álcool, nos esquecemos da carne. Aquele que foi o nosso
propósito. Ainda bem que compramos pão, pois deste modo, foi mais fácil
deixar ruir a torre de atum.
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Capítulo III – Conhecer o advir
Capítulo III – Conhecer o advir
Um dos passos que ajuda à tua afirmação pessoal e que, de certa forma,
te permite “ganhar” uma identidade profissional é assumires-te como parte de
um grupo presente na escola. Conhecer e conviver com os professores,
participar em reuniões, e até tomar pequeno-almoço no bar, ou simplesmente
ser cumprimentado por um aluno, contempla-te com um sentimento de
pertença. E este, dá-te alento para ires mais longe. É claro que só pelo facto de
pertenceres a um núcleo de estágio, te sentes mais “protegido”, mas sentires
que pertences à escola, e particularmente, ao grupo do fato de treino, não te
deixa “tão só”. É como se o teu lugar fosse reconhecido. “Mas não é?”
Perguntas tu. É. É, sim senhor, mas continuas a ser o estagiário, se é que me
entendes.
Para além disso, uma pessoa importantíssima que te acompanha neste
mar de sentimentos confusos é o professor cooperante, o professor que te
orienta na escola. Eu senti um descanso quando reparei que a sua ação na
escola partia de “ter os alunos comigo”, pois em certa medida, esta também era
a minha perspetiva. A sua premissa “tenho ideias claras, não fixas”, ajustou-se
àquilo que considerei que deveria ser o papel da orientação. Confirmarás com
certeza, que o sentimento de confiança em relação a este desafiador
assegurará uma serenidade progressiva em ti.
E se estiveres, como eu estive - sempre pronta a aprender - o ano de
estágio profissional contribuirá para a tua vontade de lutar por um ensino
inovador e de qualidade crescente.
O estágio profissional, sendo a última fase da formação inicial, tem como
objetivo promover as vivências que conduzam ao desenvolvimento da
competência profissional, como sejam, as “competências docentes a integrar
no exercício da prática pedagógica” (artigo 7º do Decreto-Lei nº 344/89, de 11
de Outubro). Na verdade, aquilo que se pretende, e que eu pretendo, é ser-se
competente na profissão. Neste ano, torna-se quimérico atingir-se a
competência - o que não é impeditivo de começar a colecionar formas de lá
chegar. Isto, porque, “ter competências não é ser competente, isto é, ser
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detentor de competências não é garantia de competência, porquanto a
competência é situacional, manifesta-se na acção e é de natureza relacional”
(Batista, 2011, p. 437). Portanto, a formação deve ser “um espaço onde se
adquira os requisitos da competência e não meras competências. Assim, é
necessário que se criem condições para que exista tempo e espaço para
pensar, para analisar, para produzir, para construir e (re)construir o
pensamento, o conhecimento, as crenças e as concepções. É ainda necessário
que a criatividade, a sensibilidade, o autodesenvolvimento, a comunicação e as
metacompetências sejam objecto de desenvolvimento, o que apenas é viável
se houver investimento no pensamento crítico e reflexivo, porquanto a
atribuição de sentido e de significado às vivências é fundamental” (Batista,
2011, pp. 437-438).
Daí que, quanto mais conhecimento e vivência, mais se abre o leque de
opções para tomarmos decisões. Segundo Matos (2011b), “O Estágio
Profissional visa a integração no exercício da vida profissional de forma
progressiva e orientada, através da prática de ensino supervisionada em
contexto real, desenvolvendo as competências profissionais que promovam
nos futuros docentes um desempenho crítico e reflexivo, capaz de responder
aos desafios e exigências da profissão” (p. 2). O estágio também é isto mesmo,
o nosso leque para o futuro.
Importa, ainda, saber que a estrutura e funcionamento do estágio
profissional consideram os princípios decorrentes das orientações legais do
Decreto-lei nº 74/2006 de 24 de março e do Decreto-lei nº 43/2007 de 22 de
fevereiro e têm em conta o Regulamento Geral dos segundos Ciclos da
Universidade do Porto, e o Regulamento do Curso de Mestrado em Ensino de
Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário.
Agora que começas a entrar no assunto, fica sabendo que sim, no início
são muitas as coisas em que tens de pensar. E apesar de teres dito a ti mesmo
que “não, há coisas que eu quero, e que serão minhas, e serei diferente e
melhor”, no fundo, vais observar com atenção o que fazem os outros, vais
atentar especificamente nas orientações do professor cooperante, vais quase
tentar juntar um pouco de todos para experimentares. Acerca disto, Cunha
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(2008b) refere que “os professores deixam para depois a preocupação com a
compreensão de si próprios e dos outros, ao serem submergidos pelas suas
preocupações iniciais de sobrevivência. (…) No que concerne ao seu estilo
pessoal, evoluem da imitação rígida de modelos de ensino para o seu modo
pessoal de ensinar” (p. 90). Não é mau, de todo, é apenas a maneira de te
começares a descobrir.
Aliás, fases de receio, de insegurança, de luta, de conquista vão-te
aparecer de certeza. Segundo Huberman (2000), o professor estagiário
defronta-se com dois sentimentos: o da sobrevivência, que se caracteriza pela
luta em não desistir da profissão, ao deparar-se com todas as adversidades; e
o da descoberta, que se caracteriza pelo facto de se sentir um profissional, de
se descobrir enquanto profissional. É um pouco isto que vai acontecer contigo.
Apesar de estares preocupado com a tua imagem enquanto professor,
tens de perceber que mesmo que este espaço de formação te leve a construir
uma imagem idealizada sobre aquilo que deves ser e fazer, nunca podes
esquecer os que permitem a concretização desta etapa – os teus alunos. É
com eles, que neste ano, tens de ser e fazer! Porque eles é que te vão permitir
dar o melhor de ti. Tu vais ser quanto mais eles te derem para ser, e eles vão
ser quanto mais tu deres para serem!
E da mesma forma que quando convidas alguém para passar férias na
tua casa de verão sabes quantos quartos e colchões tens vagos, terás de
conhecer a escola onde vais lecionar e o que ela oferece.
Eu fiquei colocada na escola que escolhi para realizar o meu estágio, a
Escola Secundária de Almeida Garrett (ESAG), em Gaia. Na verdade, não era
a escola mais perto de casa, pois sou de Rio Tinto, mas tive ótimas referências
acerca da mesma e decidi envergar pelo entusiasmo que me tinham
despertado.
Jamais me arrependi, mesmo não tendo vivido, sensivelmente até ao
último mês de estágio, todo o seu espaço estrutural e funcional já que a escola
se encontrava em obras. No entanto, um dos pavilhões gimnodesportivos ainda
estava disponível. Ainda assim, o meu espaço de estágio foi praticamente o
Estádio Municipal do Parque da Cidade de Gaia, pois dado que as instalações
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na escola não eram suficientes, algumas turmas tinham que ter aulas no
exterior. Deste modo, no estádio, contámos com dois espaços interiores,
situados debaixo da bancada. Um era uma zona de aquecimento para atletas,
e outro, uma sala de conferências. Usufruímos ainda, do espaço exterior - o
relvado sintético e a pista.
Isto trouxe alguns constrangimentos ao planeamento, pois tornou-se
necessário adequar os conteúdos programáticos aos recursos espaciais e
materiais, assim como às condições climatéricas. Quando estas não eram
favoráveis, lecionava-se a aula no espaço interior, e neste, não havia balizas
ou tabelas, e o uso de bolas não era recomendado por questões de segurança
(mas ainda consegui lecionar voleibol, com cuidadinho).
Nota que, dada a circunstância, para uma aula de 90 minutos, o tempo útil
era de 60, tendo em conta as deslocações dos alunos. Mas até as viagens
curtas de camioneta eram engraçadas e sempre davam para conversar sobre
que se iria fazer na aula.
Eu em pouco tempo apaixonei-me pelos alunos da escola, e em
particular, pela minha turma. Cedo, criei expetativas em relação ao bom clima
de trabalho, de aprendizagem e de relacionamento. Foi aqui que comecei a ter
receio de não conseguir “dar o mundo ao outro”, pois sabia que em algum
momento me poderia concentrar no estágio como tarefa a concluir. Sempre
disse que iria fazer tudo para que isso não acontecesse, porque assim que
olhasse para o estágio como uma simples tarefa, ele iria perder o valor. O valor
“de quem anda a gosto não cansa”. Parte de mim encontrar significados
intrínsecos, e eu, (tal como tu deves fazer), tive de encontrar sentidos para as
tarefas inerentes ao estágio. E digo-te sinceramente, que realizei apenas o que
fez sentido para mim. Vai haver coisas que te farão questionar, “mas porque é
que eu tenho de fazer isto?”. Quando esses momentos chegarem, em última
instância, mesmo, lembra-te do que o povo diz, “guarda o que não presta,
encontrarás o que precisas”. Não digas, depois de leres isto, que eu disse que
há coisas que não prestam, (risos)! Só quero frisar que as coisas têm uma
razão de ser, e tu tens de encontrá-las.
22
Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca
equivalente
Capítulo IV – Entendimento do Estágio Profissional como uma troca
equivalente
Quando eu conheci a minha turma, e depois de me ter apaixonado por
ela, questionei-me mais uma vez, acerca daquilo que nós, professores, temos
em mãos. É muito fácil sentirmo-nos apaixonados quando percebemos que
essas pessoas, quer queiramos quer não, serão um elo de vinculação entre o
nosso próprio futuro e o futuro que elas desejam destinar para as suas vidas. É
tão grande a beleza deste laço!
Por um lado, temos as questões práticas do processo, como sejam as
características da turma, e com as quais tens de trabalhar. A minha era uma
turma do 12º ano, constituída por 25 alunos, dos quais, 17 rapazes e 8
raparigas, do curso de Ciências Socioeconómicas. A média de idades situavase nos 17 anos. Ora, que é que isto quer dizer? Em primeiro, sabia que estas
pessoas da turma H, estariam na fase de pensar naquilo que querem fazer no
futuro. Sabia também, ainda que revelassem uma maturidade diferente entre
uns e outros, que eram apenas, em média, 5 anos mais novos do que eu.
Éramos do mesmo tempo, digamos assim. Este era um fator que nos podia
aproximar se soubesse tirar partido daquilo que o nosso tempo nos permite ter
em comum. Porém, isto podia ser visto, igualmente como um fator de
vulnerabilidade face às representações socias de respeito aos mais velhos e
experientes. Não te consigo dar receitas acerca disto. Terás de apelar ao teu
tato e aos conhecimentos, entre os quais, os pedagógicos, para lidar com a
situação.
Por outro lado, há as questões sublimes, como sejam: como conseguirei
concentrar-me em mim e na minha atuação, sem esquecer que para estas
pessoas que estão comigo, este também é mais um ano de formação?; como
conseguirei formar estas pessoas através do desporto?; como conseguirei
formar, sem me esquecer que tenho de ensinar o desporto?
Foi ao tentar encontrar uma resposta para estas questões, que numa
conversa com um amigo surgiu o conceito de troca equivalente.
Assim, como todos os que pisam a Terra comentam vulgarmente o
desporto, a discussão sobre o que é ser professor está longe de se esgotar. A
25
definição que fica entre o seu papel e as suas funções, nem sempre é fácil de
distinguir. E não querendo ousar fazer acrescentos ao debate, vou-te declarar
um dos meus entendimentos sobre a temática, no sentido, em que esse
ambicionou ser sujeito da minha máxima no ano de estágio.
Ser professor hoje é um processo inacabado. Como já te disse, somos
tanto mais professores quanto mais nos derem para o ser. Eu gosto de
desporto, mas amo muito mais as pessoas. Foi então, que tive de encontrar um
equilíbrio entre as questões que coloquei. Eu adorei conhecer a minha turma e
as individualidades dela, e sempre disse aos meus alunos “se me pedirem uma
mão, eu dou-vos as duas”. Porquê? Transportei o fundamento dos propósitos
enunciados pela alquimia em que é preciso oferecer algo em troca de valor
equivalente, para o estágio profissional. Quero com isto dizer que, só é
possível maximizar as aptidões e potencialidades do aluno, quando este e
docente encontram um elo de ligação em equilíbrio. Então, se eu quero que os
meus alunos sejam o máximo, eu tenho de dar o máximo. Se eu der o máximo,
vou esperar que eles despertem as suas capacidades ocultas máximas. E se o
resultado não for o que eu estou à espera? Continuas a dar o máximo. Pois só
assim saberás que a possibilidade de eles darem também, lá reside. É a beleza
da incerteza de conseguires ou não “dar o mundo ao outro”.
A outra face desta troca é a questão: então e eu, que recebo? O que
recebo de uma pessoa maximizada? Recebes experiência e prazer. Recebes
novos horizontes máximos, porque não há limite na condição humana, nem na
tua atuação, nem no ser professor.
Termino este capítulo com Cunha (2008b, p. 35): “A formação pode e
deve fomentar o processo de auto e hetero-desenvolvimento do indivíduo,
abrindo novos caminhos, estabelecendo novos objectivos, proporcionando
condições de desenvolvimento pessoal e profissional, baseados em estratégias
que possibilitem uma maior capacidade de adaptação e modos de equilíbrio
superiores.”
26
Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator
Capítulo V – Uma crise existencial: a importância de ser ator
Decerto, já ouviste dizer que o professor tem de ser um ator. Inicialmente,
esta premissa fez-me muita confusão. Simplesmente, não a percebia. Nóvoa
(1992, p. 7) diz que “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional”.
Então, o que é isso de ser ator? Terei que ser alguém que não sou?
Não. Nós interpretamo-nos na busca de significados para a construção de
uma identidade profissional. E a apropriação dos significados profissionais, têm
que ver com os teus próprios modos de ver e a própria experiência, porquanto
há uma harmonia entre aquilo que és e aquilo que ensinas.
Está na altura de deixar de acreditar que para ser professor o que
interessa é apenas ter jeito. Sabemos agora, que são precisos muitos mais
saberes. Sabemos da mesma forma, que também não basta saber o que
ensinar, é preciso que consigamos que o aluno queira aprender. Este é um
fator que frequentemente distingue uns professores de outros. E aqui entra o
pessoal, e não é mesmo nada difícil acreditar não ser possível retirar a pessoa
que mora no profissional.
O tato pedagógico enunciado por Nóvoa (2008, p. 3), e que é um conceito
difícil de definir, mas que compreendemos bem, vem dar mais uma mão ao
entendimento de que as dimensões profissionais e pessoais caminham lado a
lado. Onde quero chegar com isto? Que realmente é importante que o
professor se adeque mediante as situações que encontra, para ser capaz de
satisfazer e potenciar o aluno “a” e o aluno “b”. De tal forma, que a tal troca
equivalente, pode perfeitamente aplicar-se ao equilíbrio entre o eu pessoal e o
eu profissional. Deste modo, a importância do professor ser um ator, e a sua
potencialidade, reside, não na forma como encarna o papel, mas sim, pela
forma como consegue aceder a outros papéis. Não um ator que representa
mas um ator que age e reage, que atua de acordo com o que a situação pede.
Isto é adequar. Percebes agora? Não tens que ser uma pessoa que não és.
Um dia eu escrevi no meu bloco de notas, que o estágio para além de me
ter permitido conhecer-me enquanto profissional, também me permitiu
conhecer-me enquanto pessoa. Mas afinal não era bem isto que queria dizer.
29
Eu acho que … o estágio, por te fazer reconhecer alguns traços característicos
da tua atuação enquanto professor, é que evidencia algumas características da
tua personalidade que já te enraizavam, só que como não as tinhas de pôr
permanentemente em prática …
Quando pensas melhor sobre o assunto, e pensas sobre ti e sobre quem
és, percebes que já eras um pouco assim. Então, chegas à conclusão que
afinal, não te conheceste só agora. Apenas fizeste uso da pessoa que és e
encontraste-te contigo. Um contigo mais teu, que repousava até um novo
despertar. Que lindo, quando começas a inteirar-te que “tu és tu, e tu és
professor”.
30
Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de
ontem, um sentido para hoje, um amanhã (re)construído
Capítulo VI – Ensaio sobre uma comunidade de prática: a partilha de
ontem, um sentido para hoje, um amanhã (re)construído
Se partilhar for dar um pouco de si,
Se partilhar for dividir um pouco de nós,
Então, há uma parte de nós,
Em toda a parte, de uma parte de ti.
Neste capítulo vou-te falar, essencialmente, sobre o valor e o poder da
partilha. Começo pelo meu bloco de notas que data 5 de janeiro de 2012:
“Parte do meu ser aceitar o conceito de partilha. Não estranhem quando
digo aceitar. Eu aceito, no sentido em que me permito ser alvo dessa noção. Já
disse outrora que não sei ser sem os outros, e já falei antes em modelagem.
Acredito que partilhar, é um verbo construtivo da nossa pessoa, é um verbo
que nos constrói.
Por vezes, dou por mim a pensar que a nossa identidade estará sempre a
edificar-se. Porque estaremos sempre em contacto com novas pessoas, novos
lugares, outros tempos. Há coisas que decerto se vão manter e que fazem
parte daquilo que nos identifica e distingue dos outros. Há outras que talvez
vêm e ficam por minutos, outras que vêm para nos adaptar, outras que vêm
para nos mudar.
Este é um processo de crescimento, até que a luz se apague. À medida
que para lá vamos caminhando, vão-se alternando interruptores, vão-se
descobrindo novos tons e novas cores, vão-se revisitando povoados e
reacendendo-se lumes e chamas. Por outras palavras, nós somos e vamos
sendo. O estágio profissional é um dos reflexos desta conceção, a partilha
edifica.”
Esta é uma nota introdutória de mim. Mas na verdade, esta poderá ser
uma nota introdutória para ti, no teu ano de estágio. Quando deleitas o olhar
sobre uma paisagem, já pensaste sobre o que estará ela a pensar de ti, por
estares tão fixado em todos os seus pontos de altos e baixos, de verde e azul,
de tom de pedra e cinza? Já pensaste que ela poderá estar a perguntar-se
33
sobre o que tem de tão seu, que a faz chamar por ti? De que é feito esse tecido
que vos entrelaça utopicamente por bens comuns? Já pensaste que ela ali está
para ser admirada e tu ali estás para a admirar? Alguma vez ousaste pensar
que estão a partilhar? Já? Aposto que neste preciso momento paraste por um
segundo e recordaste certo momento (sorriso).
Pega agora nesse sentimento e transporta-o para o estágio profissional.
Difícil? Nada a ver? Calma, vou-te mostrar.
Etienne Wenger (2006, p.1) diz-nos que “Communities of practice are
groups of people who share a concern or a passion for something they do and
learn how to do it better as they interact regularly.”
Partindo do enunciado de Wenger, podemos inferir que o funcionamento
do núcleo de estágio é congruente com a conceção de comunidade de prática,
porquanto este grupo partilha preocupações e paixões comuns pelo que faz, e
aprende a fazê-lo melhor interagindo regularmente. Considerarás, certamente,
que não há dúvidas quanto a isto. Por isso, o que vou (tentar) fazer é mostrarte … ousar mostrar-te, que o processo de partilha ultrapassa os elementos do
núcleo de estágio (a comunidade de prática). Vou ensaiar “alargar” o conceito
de Wenger, consciente, de que isto, nada mais é do que um mero ensaio. Não
obstante, o meu objetivo último é fazer-te compreender que a partilha tem o
poder de te ajudar a construir enquanto profissional.
Antes de passar à ousadia, vou falar-te de partilhas importantes no seio
da comunidade de prática.
Sabes, eu tive a sorte de ter um professor cooperante sempre presente.
Foi muito mais do que um mero observador de mim. Não penses que esta
pessoa será um condutor, e tu um carro telecomandado. Não. Esta pessoa é
um mapa, que entre um ponto de partida e um destino, te mostra os possíveis
caminhos. E a escolha será sempre tua. Influenciada para bem, mas tua. Esta
pessoa, com experiência, vai reparar em ti. Vai tentar traçar-te um perfil. E olha
que acertou no meu! Refiro-me ao perfil inicial que cada professor cooperante
deve traçar acerca de ti. Vais estar “mortinho” por saber o que é que ele acha
de ti e quais são as suas expetativas para ti. E por isso, tenho a certeza que as
34
suas primeiras palavras acerca de como te considera te vão marcar, para o
bem, ou para o mal. Espero que tenhas a mesma sorte que eu.
É que o meu núcleo reunia com muita regularidade. Estávamos sempre
juntos. Passávamos as manhãs na escola. Observávamos as aulas uns dos
outros, e em grupo, comentávamos tudo o que havia para comentar. O
professor cooperante ouvia-nos e comentava também. E quando não
falávamos sobre as aulas, falávamos sobre a escola, sobre nós, sobre um tema
de interesse. E aqui, cria-se uma relação de hábitos, uma relação de partilha,
uma relação de confiança. Sentes-te tão mais puro, tão mais liberto, tão mais
descansado quando sabes que tens um grupo com quem contar … que é
capaz de falar contigo abertamente … porque, repara, todos os estagiários,
entre outras coisas, procuram as mesmas. Descobrirem-se, darem de si, serem
melhores. Ambos sabemos que se nos ajudarem a desembrulhar um presente,
descobrimos mais depressa o que lá está. Que dar sabe bem melhor quando
alguém está disposto a receber. Que para sermos melhores, o primeiro passo é
tomar consciência de que o podemos ser. E que por vezes, se alguém nos
sussurrar ao ouvido “tu consegues”, tu acreditas que vais conseguir.
Chamávamos seminários a estes momentos de conversa. Eu fui
crescendo nestes momentos, pois estes eram grandes em reflexão, e os meus
colegas de estágio e o professor cooperante quase se tornavam moderadores
do meu próprio pensamento. Ao partilhar as minhas preocupações com eles
pude distanciar-me dos problemas e “observá-los de fora”, pelo que surgiram
instantes de clareza e que me permitiram tomar decisões mais assertivas, com
um sentimento de segurança extra, na medida em que o assunto tinha sido
discutido, refletido e considerado. A propósito, tenho um exemplo muito
explícito no meu bloco de notas (10 de novembro de 2011) referente a isto:
“Em conversa com os colegas de estágio, pensou-se em duplicar o valor
do golo feminino, ou, criar uma regra, em que o golo só é válido, se nessa
jogada tiverem participado todos os elementos de equipa. Vou aplicar. A ver
vamos se resulta.”
35
Fomos trabalhando em comunidade para uma comunidade. Porque não
basta dizer que pertencemos a uma comunidade de prática, só pelo sentido
identitário, se não formos, de facto, praticantes.
Como te disse, para mim, partilhar é um verbo construtivo, e estar
disponível para observar aulas e falar sobre elas, permite-te aprender com
erros sem, na verdade, teres de os cometer. Permite-te de igual forma,
contemplar ideias geniais e que não tinhas pensado (mas olha que por
funcionar com ele, pode não funcionar contigo, obviamente). E o interessante
de seres praticante dentro de uma comunidade, é que se aprendeste com o
erro do outro, esse outro aprendeu a corrigi-lo.
Por vezes, observar uma aula, é olhar para ti, através do seu reflexo. E
mais importante do que isso, refletir sobre o que observaste é olhar para nós,
professores, e o que é que nós estamos a fazer com os nossos aprendizes.
Porque numa aula está presente o professor, o aluno, e a possibilidade de
consequências daqueles minutos, que te fazem refletir sobre as tuas práticas.
Afinal, para que(m) queres melhorar? Para que queres saber os erros que não
podes cometer? É inevitável, tu deves querer ser bom professor porque os
alunos precisam que tu o sejas. O pensamento de querer ser bom professor só
por ser, porque te preenche o ego, ou o pensamento de querer ser melhor para
te sentires grande e valoroso não existe. Desculpa-me a comparação bacoca,
mas pensares assim é tão inútil como um chef ser excelente e não ter ninguém
que aprecie os seus cozinhados.
Comecemos então, a ousar. Disse-te que te ia mostrar que o processo de
partilha ultrapassa os elementos do núcleo de estágio, no sentido em que este
preconiza uma comunidade de prática.
Tendo como ponto de partida, o processo que envolveu a minha primeira
grande decisão no meu ano de estágio, o meu primeiro atrevimento é dizer-te
que o processo de partilha passa, também, pelos alunos. O segundo
atrevimento é perguntar-te, se considerarias que os alunos pudessem fazer
parte de uma comunidade de prática, onde tu também estivesses. Que te
parece?
Repara nestes excertos do meu bloco de notas:
36
“Em relação às jornadas competitivas,
continua-se a notar um
constrangimento por parte das raparigas da turma. É certo que elas estão a
evoluir, no entanto, não são criadas tantas oportunidades de prática como o
desejado, em situação de jogo. As equipas são heterogéneas, e como tal, há
níveis diferenciados numa mesma equipa. O objetivo é que se fomente um
trabalho cooperativo, para que a competição seja inclusiva e integradora. Não
obstante, este trabalho demora o seu tempo, para atingir-se na sua plenitude.
Neste caso concreto, há pessoas da turma que em 15 minutos não tocam na
bola, apenas se movimentam (e por vezes até esta movimentação perde o
sentido, pois o objetivo dela não é cumprido). Portanto, isto preocupa-me.
Neste sentido, havia já criado a regra do golo da rapariga valer por dois. Numa
equipa resulta, noutras continua a ser insuficiente. (...) Por outro lado, houve
uma aluna que fez uma observação que me surpreendeu. Disse, “professora,
se o MED tenta trazer características do desporto institucionalizado, lá fora há
o futebol masculino, e o futebol feminino. Aqui podíamos fazer a mesma coisa.
Não está a resultar muito bem”.
(…) Estou prestes a tomar uma decisão. Todos devem ter aprendizagens
significativas.” (17 de novembro de 2011)
“Decidi separar os rapazes das raparigas na época desportiva de futsal.
Vou continuar com o Modelo de Educação Desportiva, mas há que adaptar o
processo de ensino e aprendizagem.” (23 de novembro de 2011)
“A turma aplaudiu a sugestão e, de facto, o entusiasmo, a vontade e a
motivação foram outros. As meninas referiram que conseguiam aprender mais,
e eles, bem, só visto.” (29 de novembro de 2011)
Fica claro que o comentário da aluna foi decisivo para a minha tomada de
decisão. Na verdade, discutimos o assunto, de modo que senti que a
deliberação foi partilhada. Eu intitulei esta atitude como a “minha primeira
grande decisão”, pelo simples facto de ter sido a primeira vez no estágio em
37
que tive de decidir entre duas opções que me estavam a causar um
constrangimento, separar ou não, raparigas e rapazes.
Embora esta partilha tenha sido muito concreta para a minha atuação, há
outras que aconteceram em momentos de conversas informais e que se
revelaram elementos importantes, ao passo que me levaram a questionar
algumas conceções, e que de certa forma influenciaram as minhas práticas.
Dou-te o exemplo de uma aluna (não pertencente ao 12º H) que conheci
no dia 9 de dezembro de 2011:
“Antes não conseguia correr cinco minutos e agora corro meia hora.
Graças à professora. É exigente e é assim mesmo que deve ser. A minha
condição física melhorou.”
Acabamos por conversar sobre o desporto, a importância que tem e o
modo como é visto. A perceção que os alunos têm, embora possa ser não
refletida, faz-nos refletir a nós.
Dou-te outro exemplo:
“Estou a gostar mais deste ano porque o professor olha para todos nós e
não apenas para os rapazes. Ele explica tudo e não está sempre a parar.”
Para além de te ter mostrado que partilhámos, confesso-te que os
momentos de conversa informal são privilegiados. Acerca disto, tenho
registado conclusivamente, no bloco de notas (19 de janeiro de 2012):
“Foi hoje, numa conversa informal com duas alunas (uma delas não
pertence ao 12ºH) que se falou sobre a relação entre aluno e professor. Tenho
notado que este tipo de momentos são um meio privilegiado para se conhecer
individualidades. Os alunos estão muito mais recetivos e descontraídos. Muitas
vezes, são eles que nos procuram. Estas conversas também influenciam, em
certa medida, a nossa atuação enquanto professores. Depois de ouvir muitas
38
vezes que no primeiro dia de aulas “não se mostram os dentes aos alunos”,
chegam agora perceções do outro lado, reafirmando que sim, “mostra-se os
dentes se se tiver que mostrar”.
(…) entendo os dois lados, pois, já pude verificar que ambos podem ou
não resultar. De qualquer maneira, considero que a melhor opção é despirmonos de conceções e agir de acordo com o que encontramos pela frente,
sempre com moderação, e em prol de um bom relacionamento com os alunos.
Se nós queremos isso com o outro (em linguagem corrente “com toda a gente”)
por que não com aqueles que pretendemos educar e ensinar? Somos todos
pessoas.”
Resta-me dizer-te que é também em conversas informais com elementos
de outros núcleos de estágio, que partilhas conhecimentos, no sentido em que
estão a viver experiências similares. E o meu último atrevimento será
perguntar-te se considerarias que estes elementos pudessem fazer parte de
uma comunidade de prática, onde tu também estivesses. Que te parece?
Através da minha experiência, pude perceber que de facto, o valor da
partilha reside na possibilidade do amanhã. O tal amanhã que tanto procuras.
Partilhar edifica mesmo.
Imagina agora … que a paisagem de que te falei são os teus alunos.
Continua a ser difícil transportar sentimentos? Não é pelo mundo que eles
podem criar que em parte escolheste esta profissão?
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Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência
Capítulo VII – Escola e comunidade: uma exigência
“Foi essa a educação que te deram em casa?” “Foi isso que te ensinaram
na escola?” Quantas vezes nos deparámos com estas questões! Quem somos
nós no meio destes dois mundos de professores e pais? Seria possível a
perfeição, se estes dois nos dessem à luz em uníssono? Não me leves à letra,
porque tanto quanto sabemos, o meu pai é diferente do teu, e eu sou diferente
de ti. Mas se as envolvências fossem simétricas … não seríamos cada vez
mais íntegros?
Não obstante, será que a escola está preparada para assumir funções de
“pai” quando é preciso? Será que o “pai” tem tudo aquilo que é preciso para
assumir o papel de professor?
Como é possível que escola e comunidade caminhem lado a lado, se na
escola está uma comunidade de individualidades? Quais os valores a ensinar?
Segundo Canário (2005), a escola como instituição funciona como uma
“fábrica de cidadãos” que visa a integração social, e que parte de um conjunto
de valores intrínsecos. A escola é detentora de uma cultura própria, que se
constrói e desenvolve durante o percurso de interação social, embora se
considere a escola como um veículo transmissor da cultura da sociedade em
que se insere (Santos Guerra, 2002).
Mas a escola de hoje está carregada de diversidades culturais. Enquanto
agência desta mediação, a escola assemelha-se metaforicamente a um
entreposto cultural, a um posto dinâmico entre culturas (Torres, 2008).
Portanto, há que ter em conta a diversidade e a diferença, que são valores
positivos e fatores importantes de progresso, no rumo a uma escola inclusiva.
Neste contexto, as sociedades democráticas devem oferecer um sistema
educativo capaz de assegurar que todos os alunos atingem o máximo das suas
potencialidades, através das mesmas possibilidades e oportunidades (Pereira,
2004). E como conseguir isto? É muito difícil viajar até às profundezas da
questão, porque muitas outras aparecem pelo caminho.
Eu pensei nisto, e penso, porque eu acredito na escola. Acredito que a
escola tem o potencial de ser um acrescento às individualidades, na medida
43
em que lhes é complementar. A escola deu-me coisas sem as quais já não sei
ser. É quando penso nisto, que percebo o que é “dar o mundo ao outro” sem o
saber explicar, na verdade. Parece que pegaram numa bolinha de
ensinamentos e passaram-na para a minha mão, para que pudesse vê-la,
cheirá-la, escutá-la, descobrir os seus sabores e a sua textura, e no final, sentila, pensar sobre ela e o que fazer com ela.
E os meus pais, ainda que por vezes, duvidassem do que tinha em mãos,
ajudaram-me a segurá-la na mesma, e certificaram-se de que a tratava bem,
alimentando-a com esperanças e anseios, e dando-lhe valores e ambições a
beber.
Foi a pensar nessa bolinha palpável, fruto de uma relação requisito da
maioria de nós, que recordei com júbilo as mostras que a escola pode dar à
comunidade. Mostras simples, mas que aproximam estes dois elos que te
tenho vindo a falar. Aproximam-se, no sentido em que estão juntas em eventos
de expressão daqueles que seguram a tal bolinha. Se participares, durante o
estágio profissional, na escola, poderás ficar mais sensível a estas questões.
Desculpa-me se vou falar apenas daquilo que é relacionado com a
Educação Física, mas a verdade é que esta me impressiona sobremaneira,
porque considero-a “extremamente visionável”. A quantos saraus já fomos em
que depois de procurarmos um lugar para nos sentarmos terminámos de pé?
Repara na força que a Educação Física pode ter num chamamento à
comunidade ansiosa por ver o que os seus filhos estão a fazer na escola.
Na ESAG, impressionou-me o facto de o pavilhão gimnodesportivo estar
repleto à hora de almoço. É a que a escola onde lecionei no meu ano de
estágio tem uma vinculação muito forte com a ginástica. Tão forte que esta
modalidade aparece no currículo da Educação Física de todos os anos de
escolaridade. É um exemplo da ponte entre esta disciplina e o desporto
escolar. E claro, no sarau, a ginástica foi “imperial”.
Foi também na ESAG que me apercebi, desta vez, do lado de cá
(professora), que os alunos são mesmo a fonte de dinamização de uma escola.
Era uma alegria imensa passar pelo “recreio” e ficar a observar as atuações de
uns, as danças de outros, a expressão de quem sabe que está ali para criar
44
valor. A união entre ator e espetador era de uma riqueza tal que chegava a
deixar os “pelos em pé”.
Lembro-me do corta-mato na fase distrital em Santo Tirso, lotado de
familiares e amigos à espera que o seu ente querido superasse mais uma
prova. E eu, nesse dia, vesti três roupas. A de professora, ao acompanhar os
meus
“garrettianos”,
a
de
professora-estagiária
ao
encontrar
antigos
professores de escolas que frequentei, e a de familiar, pois a minha irmã
também se encontrava em prova. Este foi um dia em que vivi três sensações
diferentes. A sensação de ser professora e de ter uma identidade profissional,
a sensação de ser professora sem o ser na totalidade, e a sensação de
pertencer à comunidade.
Foi ainda, no Torneio Compal Air que o núcleo de estágio organizou, que
o sentimento de ser professora ganhou, outra vez, forma, como se os olhares
atentos e as questões dos mais pequenos jogadores fossem o reconhecimento
de um estatuto. “Professora para que campo vou agora?” “Professora ajuda-me
a arbitrar?”
Contudo, mais importante do que este meu sentimento mais crescido foi
poder olhar à volta e reparar que havia filas de alunos à porta do pavilhão à
espera de uma oportunidade para participarem na atividade. Para mim, esta foi
mais uma espécie de resposta ao meu “porquê” de acreditar na escola. Um
“porquê” do acreditar que sim, os alunos estão à nossa espera e estão
disponíveis, e sim, precisam de nós, professores, para lhes darmos azos.
É com este sentimento que me apetece clamar que a escola está viva, e
bem viva! E que é preciso mostrá-la e que também é preciso que a queiram
ver. Para que deixemos de escutar tantas vezes as mesmas questões de um
lado e de outro, como se não houvesse ninguém no meio, e como se a escola
e a comunidade estivessem impedidas de se verem. Não estão!
O diretor de turma, por exemplo, é uma figura importantíssima na relação
entre estas duas. “O director de turma (…) é particularmente responsável pela
adopção de medidas tendentes à melhoria das condições de aprendizagem e à
promoção de um bom ambiente educativo, competindo-lhe articular a
intervenção dos professores da turma e dos pais e encarregados de educação
45
e colaborar com estes no sentido de prevenir e resolver problemas
comportamentais ou de aprendizagem.” (artigo 5º do Decreto-lei nº30/2002, de
20 de dezembro)
Compete-lhe, portanto, entre outras, “garantir uma informação actualizada
junto dos Pais e Encarregados de Educação acerca da integração dos Alunos
na comunidade escolar, do aproveitamento escolar, do comportamento, da
assiduidade e das actividades escolares”; “articular as actividades da Turma
com os Pais e Encarregados de Educação promovendo a sua participação”.
(artigo 64º do Regulamento Interno ESAG, 2012).
Tive a oportunidade de reunir algumas vezes com uma diretora de turma
da ESAG, e pude perceber que esta pessoa deve ter características muito
peculiares, face àquilo que lhe compete. Obviamente, que cada professor se
sente responsável pelos seus alunos, mas a envolvência do diretor de turma
acaba por ser maior, precisamente por ser o elo de ligação com os
encarregados de educação.
Durante o teu estágio profissional, vais poder com certeza, participar em
eventos como os referidos anteriormente, viver de perto o desporto escolar e
participar em reuniões importantes, que por um lado te farão sentir mais
professor, e por outro, te farão sentir que a escola tem muito para mostrar, e
que é importante para cada um de nós, que a comunidade esteja presente para
que possamos ser cada vez mais completos, e para que ambas possam atirar
para a vida o melhor de nós.
Participa na escola e sentir-te-ás grato. Porque vai haver alturas em que
te poderás questionar, se a escola em que acreditas, existe.
Confesso-te que doía quando em conversas com os alunos, eles falavam
dos exames nacionais como se aquele momento lhes definisse o resto da vida.
Parece que a escola é agora o espaço de treinar para um momento, e que não
há espaço para aprender coisas interessantes e para aprender a ser.
Eu quero continuar a acreditar que a escola, no máximo, treina as suas
pessoas a pensar para poder decidir e a estar preparado para o futuro. E o
futuro … esse, está sempre a mudar.
46
Capítulo VIII – O aprendido
Capítulo VIII – O aprendido
Já deves estar impaciente e a perguntar-te nesta altura, “afinal, como foi
para ela ser professora? Como foi planear, lecionar, lidar com as dificuldades?”
Pois, falar-te-ei agora sobre isso.
O título deste capítulo, “O aprendido”, não quer dizer que as outras coisas
aqui faladas não tenham sido aprendizagens. Quer antes dizer, que te vou falar
de algumas coisas muito concretas que aprendi em relação ao processo de
ensino e aprendizagem. Não vou ser muito extensa, vou antes focar-me em
três premissas que te serão essenciais, e que serão as tuas preocupações
mais práticas na lecionação no estágio profissional: controlo da turma, gestão
do tempo de aula e instrução.
Claro está, que quando chegares à escola, terás de conhecer, para além
das suas características físicas, as orientações pelas quais se rege e por isso,
é importante que leias, entre outros, o Projeto Educativo de Escola, o
Regulamento Interno, o Regimento do Conselho da Área Disciplinar de
Educação Física, o Projeto Curricular de Escola e o Currículo Nacional de
Educação Física. Até porque, como refere Bento (2003, p.19), “A planificação
do processo educativo é extremamente complexa, pluridimensional e
multiforme, dependendo também de condições diversas. A programação e
direcção dos factores e momentos essenciais e decisivos, fundamentais e
orientadores, com os meios e formas ajustadas, requerem dois níveis: o nível
das indicações gerais e centrais, o nível das indicações locais, relativas a cada
situação, específicas e particulares.” E tu vais planear. A este nível destaco a
importância da construção do Modelo de Estrutura de Conhecimento (MEC),
que estrutura conhecimentos indispensáveis ao processo de ensino e
aprendizagem, como sejam, a análise da matéria de ensino, do envolvimento e
dos alunos, a extensão e sequência da matéria, os objetivos de ensino, a
configuração da avaliação e as progressões de ensino.
Depois de selecionar as modalidades desportivas a lecionar, tendo em
conta os documentos orientadores e as condições existentes na escola, e de
49
as planear (sem esquecer o contributo da avaliação diagnóstica), chega, então,
a hora de nos colocarmos perante a turma.
Entre organizar a turma, falar com ela com especial atenção à linguagem
e à terminologia específica, gerir o tempo, tentar cumprir o planeado e fazer
com que os alunos aprendam alguma coisa, ter em atenção os objetivos
fundamentais da aula, concentrar o feedback nas componentes críticas dos
exercícios, motivá-los … parece que quanto mais tarefas enunciamos mais
temos para enunciar. Então, o que fazer primeiro? Qual a primeira
preocupação que deves ter?
Resposta: Assegurar o controlo da turma, de preferência com uma
postura serena, segura e confiante, para que, progressivamente, possas “ter os
alunos contigo”.
Como consegui-lo? Não há receitas, mas há ingredientes.
Já dizia Bento (2003, p.101) que “Uma aula é um trabalho duro para o
professor. Significa cinquenta minutos de atenção concentrada e de esforço
intenso.” Digamos que até podem ser noventa, os minutos de atenção
concentrada, mas o que é certo, é que se não conseguires ter a turma contigo,
não vais conseguir fazer nada com ela, porque ela vai apoderar-se de ti. Tens
de ser o líder, mas um líder aceite. Há, por isso, algumas considerações para a
tua atuação, que tu até já sabes, mas digo-te por experiência, que terás de as
por em prática.
Quando falas com alguém, gostas que essa pessoa te escute, certo?
Com os teus alunos passa-se o mesmo. Tens de te certificar que todos te estão
a ouvir quando tomares a palavra. Não permitas que falem por cima de ti. E se
estiverem sentados, melhor. Este é o primeiro passo, ser-se ouvido. O modo
como o fazes, isso já é contigo. Eu, por exemplo, fui muito calma, se calhar até
calma de mais, mas ia resultando. A minha orientadora chegou-me a dizer, que
quando chamava os alunos à atenção, parecia que os estava a elogiar, pois
acabava sempre por ser positivista. Contudo, esta minha maneira resultava
com a minha turma, mas poderá não resultar com a tua.
Houve alturas em que tive de ser mais assertiva e até o modo como
organizava a turma, auxiliava no controlo daqueles alunos mais “críticos”.
50
Colocá-los a trabalhar em grupos diferentes, ou colocá-los num local-chave
para que fiquem mais próximos de ti, ajuda.
Depois de conseguires a atenção dos alunos, quando estes estiverem em
prática, tu tens de continuar a estar atento a todos eles. “Todos? Todos?” Sim!
“Mas como?” É difícil, e no início da tua prática pedagógica, mais difícil é, mas,
com hábitos certos, vai ficando cada vez mais fácil. O segredo é não cruzares
os braços e estacionares. Tens de te movimentar, de preferência, “por fora” dos
exercícios para que consigas ver todos os alunos, e para que nunca, ou quase
nunca, fiques virado de costas para eles. “E se quiser parar para observar, ou
para falar com alguém?” Tens de manter sempre o controlo ativo dos alunos,
assegurando o controlo à distância. Se tiveres que parar, fá-lo de modo que
consigas ter um bom ângulo de visão. Geralmente, ficar na diagonal às
atividades, permite-te, com a visão periférica, “ver tudo”. Se ficares muito no
centro, e se o espaço destinado à atividade for muito grande, não vais
conseguir assegurar o controlo da turma.
No meu bloco de notas, tenho registado uma situação, aquando da
lecionação da ginástica porque, também para mim, esta foi uma dificuldade
inicial:
“Nesta aula propus-me a melhorar a postura, posicionamento e
movimentação, assegurando o controlo à distância. (…) a colocação dos
colchões mais afastados do que o costume, não favoreceu a visão geral e
controlada da turma. Neste sentido, deveria ter optado por outra colocação e
movimentação, não tão frontal e central, mas mais diagonal, procurando um
melhor ângulo de visão. (…) o professor cooperante salienta que, “quanto
maior for a área que tenhamos para controlar, maior será essa dificuldade,
exigindo do professor colocações mais deslocalizadas de forma a aumentar o
ângulo de visão debaixo do controlo.”” (8 de novembro de 2011)
Outra nota, acerca do controlo dos alunos “críticos” e do controlo à
distância:
51
“Tal como tinha referido em escritos anteriores, optei então, por colocar os
grupos de trabalho com os “elementos entusiastas” em lugares estratégicos
para que pudesse controlar melhor o clima de aprendizagem da turma. Alertei
também o capitão destas equipas para que incidisse mais sobre o empenho
desses mesmos alunos. Foi uma boa opção. De facto, eles estiveram mais
empenhados e a trabalhar com a equipa.
Noto, que também já estou a consolidar o meu posicionamento e o controlo
à distância. Em relação a isto, houve mesmo uma situação na aula, em que ao
chamar a atenção de um dos alunos, ele não sabia onde me encontrava e que
o estava a observar. Um posicionamento diagonal às atividades permite-nos
um mais alargado campo de visão.” (17 de janeiro de 2012)
Tendo superado o primeiro desafio, as questões que se colocam são,
“como fazer para rentabilizar o tempo de aula? Como vou gerir, os alunos, as
atividades, o tempo?”
Siedentop e Tannehill (2000) falam de algumas considerações a ter em
conta para melhorar a gestão do tempo de aula, como começar a aula no
horário estipulado, reduzir os tempos de transição, utilizar métodos para reunir
os alunos que permitam economizar tempo, tornar as regras claras e manter o
controlo da turma, já que comportamentos de indisciplina reduzem o tempo de
prática.
Estas orientações de Siedentop e Tannehill (2000) foram fundamentais,
mas aqui vão algumas dicas, fruto da experiência que tive no meu ano de
estágio profissional.
Em primeiro, digo-te que deves marcar bem o início da aula. A aula
começa no 1º minuto, e não no 2º, e por isso, apela à primeira exigência - o
controlo da turma, para que a aula comece sem entusiasmos nefastos. Se
começares a horas, é meio caminho andado para terminares a horas.
Durante a ativação geral, sem descuidar o controlo e o acompanhamento
da atividade, podes dispor e montar o material necessário, se não pudeste
fazê-lo antes.
52
Em relação à gestão dos materiais, eu aprendi muito com os meus
colegas de estágio. É que se conseguires “montar” o espaço, de forma a ficar
quase preparado para o exercício seguinte, não perdes esse tempo nas
transições entre exercícios.
Em relação aos alunos, quando for para formar grupos, forma-os tu.
Normalmente, eles perdem mais tempo a organizarem-se sozinhos. Se tiverem
que vestir coletes, podes ir distribuindo os mesmos enquanto tens a conversa
inicial da aula.
Quando organizares uma atividade, explica-a primeiro, e só depois,
encaminha os alunos para os devidos lugares. Mas dirige-te a cada grupo de
alunos, pois se disseres “agora, distribuam-se pelos espaços indicados”, eles
vão demorar imenso tempo a fazê-lo.
Agora, o maior conselho que te posso dar é, cria rotinas.
Rink (1993) propõe algumas estratégias para ajudar a criar e a manter um
clima de aprendizagem, e para auxiliar os alunos a serem cada vez mais
independentes do controlo do professor. Uma delas é precisamente, a criação
de rotinas: “An essential ingredient of good management in the gymnasium and
one of the first steps a teacher must consider when establishing a management
system is the use of established routines” (Rink, 1993, p.131). Através destas o
professor pode consagrar mais tempo às partes essenciais da aula.
Segundo Rink (1993), podem ser estabelecidas: rotinas de balneário;
rotinas pré-aula (o que fazer após a saída do balneário, antes da aula
começar); rotinas relacionadas com a aula; rotinas de fim de aula (como deve
terminar a aula); e outro tipo de rotinas, a exemplo, como lidar com alunos
atrasados. Estas devem ser ensinadas aos alunos, praticadas e reforçadas, até
estarem bem estabelecidas.
Algumas rotinas que implementei (algumas por naturalidade), e que me
ajudaram a rentabilizar o tempo de aula e a assegurar o controlo da turma,
foram, por exemplo, entre outras, começar a aula sempre no mesmo local com
os alunos sentados, para que os alunos à medida que saíssem do balneário
soubessem para onde se dirigir; ter um sinal para o final das atividades
(assobio); realizar os exercícios de condição física sobre uma linha; ter as
53
bolas paradas aquando da instrução; ajudar a arrumar o material no final da
aula, e é importante que a ação seja dirigida, pois se apenas se disser “ajudem
a arrumar”, ninguém arruma; colocar o calçado num sítio específico nas aulas
de ginástica; realizar ajudas obrigatoriamente em certos elementos gímnicos
(rotinas de segurança).
Deixo-te alguns excertos do meu bloco de notas:
“Em relação às rotinas da aula, os alunos aderiram bem quanto à
colocação das sapatilhas num local e às t-shirts dentro dos calções, assim
como o modo de transporte dos colchões.
Devo também, transmitir em primeiro, e só depois organizar a turma, para
rentabilizar o tempo, e para que percebam bem qual é o objetivo.
Aquando da arrumação do material, não me posso esquecer de dirigir a
tarefa ao aluno.” (4 de outubro de 2011)
“Há que relembrar pequenas coisas e incidir sobre elas até que se
cumpram sempre. “Bolas paradas” ou “bolas debaixo do braço” são as palavras
de ordem.
No trabalho de condição física, tenho optado por organizar os alunos ao
longo de uma linha. Eles são muitos, eu sei. Mas passo a explicar: em xadrez,
isto é, uns atrás, outros à frente, resulta, mas quem fica atrás está muito
distante; em meia-lua… resulta, mas não como gostaria. Ao longo da linha,
estão todos virados para o mesmo sítio, todos alinhados lado a lado, ninguém
se pode esconder e consigo ver toda a gente. Tão ou mais importante do que
isso, agora já posso dizer “na linha, o costume”. A turma dirige-se para lá e
realiza o trabalho. Rotina. Pode não ser das melhores, mas há que pensar em
estratégias. Mais, é uma forma de transição em que os alunos já sabem o que
vem a seguir sem muitas palavras.” (13 de janeiro de 2012)
“No trabalho de condição física, a nova disposição dos alunos ajuda no
controlo da atividade, e para além disso, parece já estar implementada uma
nova rotina. Agora, há que a consolidar.” (19 de janeiro de 2012)
54
As rotinas permitem também, desenvolver a responsabilidade e a
autogestão dos alunos. São estratégias de prevenção. Deste modo, torna-se
mais simples para ti, atentares noutras tantas tarefas que não as de gestão,
parecendo que estás mais liberto.
Finalmente, chegamos ao terceiro desafio, melhorar a instrução.
É fundamental que consigas ser um bom comunicador na orientação do
processo de ensino e aprendizagem.
Da instrução fazem parte todos os comportamentos, verbais ou não
verbais, como a exposição, a explicação, a demonstração, o feedback, entre
outras formas não-verbais, e que estão associados aos objetivos da
aprendizagem. (Rosado, A., & Mesquita, I., 2009, p. 73).
Passemos então, a algumas considerações importantes.
“Um dos aspetos que os professores devem ter em consideração na
optimização da comunicação é o nível de atenção que o aluno apresenta.
Quando um aluno é confrontado com uma tarefa motora, é estimulado por um
conjunto vasto e variado de estímulos. (…) Daqui resulta uma necessidade, a
de selecionar apenas a informação mais relevante” (Rosado, A., & Mesquita, I.,
2009, p. 71).
Também Rink (1993) refere que a transmissão de informação deve ser
clara, no sentido de orientar o praticante para o objetivo da tarefa, dispondo a
informação numa sequência lógica. Portanto, é importante que identifiques os
objetivos e os critérios de êxito da tarefa, as regras de organização, que
descrevas a tarefa segundo as componentes críticas, demonstrando, e
questionando os alunos.
Parecem que são muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, mas o
essencial
também passa
pela
clareza
da
sequência
de
informação
apresentada.
A tua exposição não deve ser demasiado longa, porque para além de
consumir muito tempo, despista a atenção dos alunos. Planeia aquilo que vais
dizer na apresentação da tarefa. Recorre a palavras-chave, e emite a
55
informação de forma clara e fluida. Certifica-te de que todos os alunos te estão
a ouvir e ver. E dá um sinal para começarem a atividade, pois, se acabares de
falar e não indicares que já podem iniciá-la, eles vão naturalmente, dispersar.
“A demonstração dos exercícios, por parte do professor, tem de ser uma
cópia “fiel” do excelente”, dizia o meu professor cooperante. Portanto, se não o
conseguires, deixa que sejam os alunos a fazê-lo, desde que estes não
apresentem muitas dificuldades, evitando assim, algum constrangimento ou
vulnerabilidade.
“Uma das minhas dificuldades na lecionação de ginástica reside na
demonstração. Para combater este aspeto, utilizo o aluno como modelo e
algumas fichas informativas com os elementos gímnicos a trabalhar.” (bloco de
notas - 6 de outubro de 2011)
No dia 22 de maio de 2012, com o auxílio dos colegas de estágio, fez-se
uma análise da minha instrução. Pude concluir, que embora tenhamos a
conceção de que o ensino por questionamento é fundamental para a
compreensão, na verdade, eu não o utilizei de forma tão frequente como o
desejado. Neste sentido, aconselho-te para que tentes aproximar mais a tua
atuação desta conceção, pois, de facto, “a grande implicação cognitiva que
este tipo de intervenção suscita pode ser decisiva em muitas aprendizagens”
(Rosado & Mesquita, 2009, p. 102).
Em relação ao feedback pedagógico, não te esqueças que este deve ser
oportuno e referenciado às componentes críticas da tarefa, e que é essencial
que feches o seu ciclo, de modo a verificares se este teve o efeito desejado.
Fechando, o controlo da turma, a gestão da aula e a instrução são tarefas
do professor que estão intimamente ligadas e dependentes umas das outras. À
medida que vais superando os desafios, a tua atuação vai-se tornando cada
vez mais segura e eficaz. Vais sentir-te progressivamente mais professor.
56
Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão
Capítulo IX – Do estádio para um terço do pavilhão
Ainda não estava terminada e já fazia suspirar quem por lá passava. A
expetativa era grande e prometia. A escola não se esqueceu de ninguém. Há
espaço para todos. Há espirito de estudo e espíritos vários. Cabe tudo naquele
lugar. Imponências, grandiosidades, pequenos e subtis conselhos traçando
rumos, gravados no chão. Sítios que transpiram paz, sociabilidade e
fraternidade. A árvore lá estava. Só faltava dar-lhe vida. Foi assim a primeira
visita à escola, que ainda terminava as suas reconstruções no dia 13 de março
de 2011.
Depressa, eu e os meus “H’s” passámos do estádio para um terço do
pavilhão. Queres saber a minha primeira impressão? Foi esta:
“Hoje foi diferente. Já não estava habituada ao espaço partilhado. Sintome ferida pela minha própria voz.” (10 de abril de 2012)
É muito diferente ter um espaço amplo, aberto e sem divisórias, e ter um
espaço milhentas vezes mais pequeno, fechado, com milhentas vozes e
respirações ofegantes, com o eco das bolas a entoar pelas paredes, e as
sapatilhas a “chiar” no chão! Para o melhor e para o pior!
Lembro-me de sair completamente esgotada, esbaforida, rouca, daquela
primeira aula de voleibol no novo pavilhão. Credo! Foi o esforço para colocar a
voz que me deixou assim … é que eu não estava habituada a ter que me fazer
ouvir perante tanto barulho. A minha turma, por vezes, mostrava um
“entusiasmo exacerbado” (foi assim que lhe chamei, porque eles até estavam a
trabalhar, mas o entusiasmo era tal, que chegava a ser prejudicial à
manutenção de um bom clima de trabalho), que até foi difícil de contornar, mas
isto? Ui, que choque!
Contudo, depois de me habituar a ter que elevar um pouco mais o tom,
até foi bom passar para o pavilhão. Olha, reparei, que o meu feedback se
tornou mais frequente, (em parte pela exigência da minha voz se fazer ouvir) e
fui muito mais interventiva e dinâmica. Tinha que o ser.
59
O controlo da turma foi também mais fácil, porque o espaço tinha
barreiras próprias e físicas, e não dava azo a tanta dispersão. As bolas batiam
na parede e voltavam, não era como no relvado do estádio, em que se estava
sempre com “trinta olhos” para não as deixar escapar. O material esteve
sempre muito mais à mão.
“Nenhuma outra disciplina é tão dependente do clima e do tempo como a
Educação Física”, como refere Bento (2003, p.122) mas, quer chovesse ou
fizesse sol, tínhamos sempre ali o nosso cantinho.
Acabou por ser uma boa mudança, e o espaço condiciona em muito a tua
atuação. Não obstante, repara que simplesmente me adaptei e por isso te
disse que até foi bom passar para o pavilhão. Eu encontrei o equilíbrio e assim
me aguentei até ao final do ano letivo (também já não faltava muito). Talvez se
estivesse desde o início neste espaço e depois passasse para outro, iria
encontrar novos constrangimentos e consequentemente, por dever, novos
equilíbrios. Até mesmo, no mesmo lugar, isto acontece!
Portanto, não tires apenas ilações positivas daqui. Mas digo-te, ao
contrário do que possas pensar, sim, consegue-se lecionar boas aulas num
terço de pavilhão.
60
Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor
Capítulo X – Classificar: uma função “ingrata” do professor
“Um professor, consciente da responsabilidade pelo desenvolvimento dos
seus alunos, compreenderá que ensinar tem que ser mais do que simples
“deixar correr” ou do que actividade rotineira” (Bento, 2003, p. 178).
Durante o teu estágio profissional vais andar sempre preocupado com a
tua atuação enquanto professor, porquanto uma reflexão e uma avaliação
sobre a mesma serão constantes no sentido de melhorares. Compreendemos
que em parte, a tua melhoria tem o propósito de se refletir numa melhoria da
aprendizagem dos alunos, de maneira que, “o sucesso do ensino depende
tanto da actividade do docente como das actividades de aprendizagem dos
alunos” (Bento, 2003, p.176).
Não obstante, vão chegar as horas em que passarás para “o outro lado” e
terás que avaliar os teus alunos, e quanto mais esclarecedor fores, quanto
mais este processo for transparente para com eles (neste contexto os meus
alunos tinham de antemão as matrizes de avaliação), quanto mais lhes
explicares o que precisam de melhorar, melhores resultados eles irão alcançar.
Bento (2003, p. 182) refere que “Um produto só urge, geralmente,
mediante um processo, sendo indispensável, consequentemente, examinar
este cuidadosamente. Até porque nem todo o resultado de aprendizagem
consagra de antemão os meios com que é alcançado!”. Neste sentido, a
avaliação deve ser um processo contínuo, passando por momentos formais ou
informais.
No teu estágio profissional, para melhor planeares o processo de ensino e
aprendizagem e para poderes prever os passos evolutivos dos teus alunos
convém realizares uma avaliação diagnóstica, no início do ano, ou no início de
uma unidade temática. Não confundas esta avaliação com a avaliação inicial,
embora esta última tenha um carácter diagnóstico. Por outras palavras, não
confundas as formas de avaliação com os momentos em que se realizam.
A avaliação poderá ainda ser formativa ou sumativa. A avaliação
formativa permite-te regulares o processo de ensino e aprendizagem,
adaptando e adequando as tarefas aos alunos, onde recolhes informações com
63
regularidade. A avaliação sumativa, de carácter formal, pode ocorrer por
exemplo, no final de uma unidade temática, no final de cada período letivo ou
no final do ano. Geralmente esta presta-se à classificação.
E um momento inevitável da tua atuação enquanto professor será
realmente, classificar o aluno, depois de muito refletires, analisares e avaliares
o seu “ser e fazer”. Para mim, este foi um momento constrangedor, pois, pela
primeira vez, tive que fazer um juízo de valor global e final acerca de uma
pessoa, atribuindo-lhe um número, sabendo que esse iria ficar pautado para
sempre na sua vida.
Fiquei terrivelmente assustada, quando pensei que não seria capaz de
avaliar independentemente das pessoas em causa, e que isso me iria fazer
sentir injusta. Daí, apelidar de “ingrata”, esta tarefa do professor. Depois de
tudo o que passámos juntos, e da gratidão que foi crescer ao lado dos meus
alunos, quem era eu para os julgar? Pois bem, tive que assumir, utilizando a
expressão de Bento (2003, p.178) o “incómodo necessário”.
Foi difícil classificar entre os meandros de uma avaliação criterial, e uma
inevitável normativa, embora estando consciente de duas coisas: “a avaliação
educacional não utiliza provas de avaliação suficientemente rigorosas e não
podemos controlar em absoluto todos os aspectos que nela interferem,
correndo-se diversos riscos e cometendo-se sucessivos erros de avaliação”
(Rosado et al., 2002, p.23); “No que se refere à Educação Física (…) e numa
perspetiva de avaliação formativa, a avaliação referida à norma tem pouco
interesse, devendo ser privilegiada uma avaliação referida ao critério, isto é, em
função dos objectivos definidos.” (Rosado et al., 2002, p.32).
É que estamos constantemente a avaliar, para depois, classificar através
da atribuição de uma nota.
Parece que se perde a beleza… parece que a potencialidade do aluno
termina ali. Será que esta classificação tem um bom poder preditivo?
64
Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de
organização: Breve consideração
Capítulo XI – O Modelo de Educação Desportiva como uma forma de
organização: Breve consideração
Quando revelei a alguns colegas de outros núcleos de estágio que iria
aplicar o Modelo de Educação Desportiva (MED) em todas as modalidades que
lecionasse, chamaram-me de doida, e que essa era uma missão impossível.
Pois, meu caro, não foi.
Segundo Siedentop (2004), O MED tem como propósito formar a pessoa
desportivamente competente, culta e entusiasta, e integra seis características
estruturais do desporto institucionalizado: a época desportiva, a filiação, a
competição formal, o registo estatístico, a festividade e os eventos culminantes.
Digamos, que eu e a minha turma aplicámos estas características de
forma adaptada, e fundamentalmente, como forma de organização das nossas
aulas de Educação Física.
A nossa época desportiva não tinha pelo menos 20 aulas, como
recomendado, mas continha a fase pré-competitiva e a fase de competição
formal. Os alunos, embora estivessem enquadrados em grupos/equipas, não
propunham todos os exercícios de treino na fase pré-competitiva. Estes eram
propostos por mim, exceto na época desportiva de ginástica acrobática, onde
os alunos criavam os seus próprios esquemas de grupo, com a minha
supervisão.
As equipas, após uma avaliação diagnóstica em cada modalidade a
lecionar foram feitas por mim. Estas sofreram alterações quando os alunos,
que já se conheciam há dois anos, me sugeriam que não estavam
perfeitamente homogéneas entre si, assegurando o equilíbrio competitivo
(Siedentop, 2004). Cada equipa tinha um nome, por vezes, um grito de guerra,
e, por exemplo, no andebol, usavam sempre a mesma cor de coletes, para ser
de mais fácil identificação.
Tínhamos um quadro de competição formal nas modalidades lecionadas
(futsal, andebol, voleibol), à exceção da ginástica, em que a competição foi
realizada aquando de eventos culminantes. Houve, a par deste quadro
67
competitivo, um registo das pontuações das jornadas, incluindo uma pontuação
para o fair-play, enfatizado durante toda a época.
Os alunos passaram por diversas funções, como capitão, jogador, árbitro,
oficial de mesa e jornalista. O trabalho de jornalismo foi fundamental para os
alunos que não podiam realizar as aulas práticas de Educação Física.
No final da época, realizávamos os eventos culminantes, com atribuição
de prémios. Alguns deles foram até realizados pelos próprios alunos.
Já leste num capítulo atrás que eu tive que tomar uma decisão na época
desportiva de futsal. Isto, porque, as raparigas não estavam a ter as mesmas
oportunidades de prática que os rapazes. Ainda assim, mesmo depois de
separar a turma, o MED foi aplicado e adaptado tanto para elas, como para
eles. A principal diferença foi ter que realizar dois quadros competitivos. Não é
isto que recomenda Siendentop, mas o professor tem que adaptar o processo
de ensino e aprendizagem.
É sempre um pouco mais trabalhoso para o professor coordenar todas as
tarefas inerentes ao MED. E imagina, no teu ano de estágio tens uma ou duas
turmas, mas quando iniciares a carreira terás mais certamente. Não obstante, o
MED pode mesmo ser utilizado como uma forma de organizares a turma e o
seu trabalho ao longo do ano. Para além disso, o fator competitivo e a filiação a
uma equipa contribui para o clima motivacional dos alunos, e até mesmo os
que não podem realizar tarefas práticas, podem participar na aula.
Não tenhas medo, e mãos à obra.
68
Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário
Capítulo XII – Outros momentos que te fazem sentir menos estagiário
Sinto-me constantemente a dar significados às coisas. É tão esgotante
(sorriso) …
Eu tive a oportunidade de acompanhar a minha turma numa visita de
estudo ao convento de Mafra. Quando cheguei de novo a casa, não queria
conversar. Precisava apenas que alguém se sentasse ao meu lado e que não
dissesse nada. Como se aquele momento de partilha de um silêncio fosse o
reviver de sensações. É que este foi um dia com um sentido de
responsabilidade acrescido. Para além disso, a convivência com os restantes
professores responsáveis pelas turmas, fez-me sentir que pertencia a um grupo
profissional. Foi um dia atrelado ao sentimento de uma identidade.
Dias parecidos a este são todos aqueles em que assinas o livro de ponto.
Em que os professores e os alunos da escola reparam em ti, e perante a
dúvida ao olhar para uma cara jovem, logo te identificam como professor.
Agora imagina o que é passar pelos corredores da escola e levares
contigo os testes intermédios de matemática. Sim, porque também tive a
oportunidade de fazer vigilância a provas. Aquelas caras de pânico e ânsia por
parte dos alunos até quase te fazem sentir soberano.
E as conquistas? O sentimento de conquistar é de uma satisfação tal…
Senti-me realizada quando me apercebi que uma aluna minha que claramente
não gostava de Educação Física, foi a única que nunca faltou a um treino de
ginástica (é que eu disponibilizei-me para apoiar os alunos da turma à hora de
almoço, na construção dos seus esquemas de grupo). Mesmo perante a
dificuldade, ela sorria. Coisa que não acontecia no início.
Este espaço de treino tornou-se um espaço de partilha, de convívio, de
criação. Chegaram a levar guitarras para o pavilhão para criar o hino da turma!
Sabes? Cada conquista era mais um passo, e mais um, e mais um. Um
desses, também foi a ação de formação sobre a aplicação do MED na escola
que eu e os meus colegas de estágio promovemos.
Todo o mais pequeno passo durante o ano de estágio profissional
caminha para o “ser mais professor”. E este desenvolvimento profissional é “um
71
processo que envolve múltiplas etapas, sendo que enquanto processo que
suscita a capacitação do docente para o desempenho da sua função/atividade
profissional, é um processo em contínuo e que está sempre incompleto” (Elias,
F. 2008, p. 131).
Ainda assim, há coisas que ficam. Foi há pouco tempo que recebi um
email de um aluno a contar novidades. Penso que não há melhor frase do que
esta, para descrever o que senti: “Afinal é bom sentir que não se vive em vão,
que os outros não são indiferentes à nossa passagem pela vida e que esta é
uma ocasião única de trocarmos olhares e afetos.” (Bento, 2008, p.15).
72
Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo
Capítulo XIII – Um dia vais reparar que foi simplesmente acontecendo
Primeira aula:
“Estive tranquila e ponderada, com um discurso seguro.”
Primeira semana de outubro:
“Ainda é um pouco estranho não saber certamente se somos professores
ou se tomamos o ser professor como um papel, ou se ambos. Sinto-me
confortável nesta posição, mas é verdade que me passam muitos pensamentos
simultâneos pela mente.”
8 de novembro de 2011:
“É deveras gratificante ter a oportunidade de observar os passos
evolutivos dos alunos. Ainda mais é, quando estes superam as nossas
expetativas. Confesso que numa fase inicial, a minha posição em relação à
resposta dos alunos era muito mais tímida. Mas tal como costumo dizer,
esperei para ver. E do que vi, comecei a gostar, e como comecei a gostar, quis
ver mais, e agora que vejo mais, quero ver melhor. O mais interessante disto
tudo é sentir que os nossos alunos também passam por este processo.
Claro está que todo este entusiasmo, e toda esta procura pelo feedback por
parte da professora, fez-me abster de tudo o que se passava à minha volta e
voltar-me apenas para aquele clima motivador da minha própria atuação. Hoje
senti-me verdadeiramente útil! Hoje tive a sensação que alguém me sussurrava
ao ouvido constantemente, “isto faz parte de ser professor, isto é ensinar”.
Neste sentido, hoje senti que atingi a minha primeira conquista. (…)
Fiquei particularmente feliz, quando realçaram o empenho dos alunos.
Sim, porque eu sou a primeira a ficar feliz por eles. Zelo de verdade por eles.
Honesta e sinceramente, e consciente de que quem lê, interpreta, encaro a
minha posição perante a turma, como um elo de um grande grupo.”
75
12 de janeiro de 2012:
“Um dia em dualidade de papéis na terceira pessoa
São 7 horas. O despertador não deixa o sonho terminar.
Saio de casa com um computador na mochila, e um saco onde levo o
equipamento para dar treino mais tarde.
Leciono uma aula de manhã. Depois ligo o computador para adiantar
trabalho. Vou almoçar. A senhora que me perguntou “o que era menina?”,
disse “faz favor s’ doutora”. Acompanho a turma num treino de ginástica.
Conduzo até à faculdade. Encontro um velho amigo que me pergunta se o
estágio está a correr bem. Conduzo até ao estádio. Os miúdos recebem-me
com um “olá professora”. Os pais despedem-se com um “até sábado
professora.”
Chego a casa. Depois chega a mãe. A seguir a irmã.
A irmã diz e pergunta: “Acho que marquei uma professora minha.
Gostaste de ser estudante?”
Respondo perguntando: “Estás a dizer que já não sou estudante?”. Ao
que responde: “Já não és uma estudante normal. Já tens cargos como um
professor, e até foste a uma visita de estudo como uma responsável pela
turma”.
Pergunto: “Quando alguém te pergunta o que é que eu faço, que
respondes?” Irmã: “Digo que estás a estagiar numa escola (…).”
Pergunto à mãe: “Passa-te pela cabeça dizer que sou professora de
Educação Física?” A mãe responde: “Não, ainda não és.””
17 de abril de 2012:
“A turma ensinou-me a transportar sentimentos. Percebi isso, mais agora
do que antes. Talvez porque está a chegar ao fim. Talvez porque começo a
reconhecer de olhos abertos a tal troca equivalente. Vê-se. Hoje, sensibilizoume a atitude dele (aluno). Foi a sua melhor aula. Foi ele que disse que queria
falar comigo, e esperou por mim. Estarmos disponíveis para ouvir tem destas
coisas. A desilusão que senti por ele ter faltado a um evento importante da
76
turma foi colmatada pela espécie de uma sensação de alívio amistoso. O seu
cuidado para comigo demandou lealdade. Desta vez, eu não pedi nem exigi, e
ele deu. Com toda a sinceridade, fiquei surpreendentemente satisfeita. Deu-se
realmente uma troca. São estas ocasiões que nos relembram o galhardete de
ser professor.”
Num dos seminários finais:
“Quando eu era estudante.”
Já tiveram algum sonho que gostariam de reviver só para saber como termina?
Este foi o reler de palavras dactilografadas. Não sei explicar, mas sei que o
vais sentir.
77
Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel
Capítulo XIV – Os meus pedaços de papel
“A prática é fonte de construção do conhecimento e a reflexão sobre as
práticas, o instrumento dessa construção.”
(Cunha, 2008b, p. 94)
Durante o estágio profissional passei muito do meu tempo a questionarme. Interroguei-me até sobre o porquê de me questionar tanto. Percebi que a
resposta era sempre a mesma: “é por eles, pelos alunos”. Tens mesmo a
noção daquilo que nós professores temos em mãos? Já te disse antes, e
continuo a dizer, “somos tanto mais professores quanto mais nos derem para o
ser” e os alunos “vão ser quanto mais tu deres para serem”. E é daqui que
emerge a importância de seres um professor reflexivo, pensador e
questionador.
Mas quando sentimos que não há nada para refletir, o que fazer? Nada.
Apenas pensamos que não temos nada para dizer, e pensamos. Reparamos
que quando isto acontece, a nossa mente começa a vaguear pelas memórias.
Relembramos o que planeamos e porque planeamos assim. Passamos por
desejos, vemos à nossa frente imagens felizes. Construímos cenários do “e
se”. Entristecemos, enfurecemos. Traçamos espetros de possibilidades.
Ficamos subitamente surpreendidos. Com vontade até, de fazer alguma coisa.
Do nada. E aí, concluímos que afinal, acabamos por pegar num pacote de
açúcar pois não havia nada mais à mão onde apontar, e escrevemos uma
palavra.
Muitas vezes, foi assim…
Por vezes, é mais fácil pensar, escrevendo. É uma maneira mais distante
de perceber o interior, pois a cada palavra rabiscada vai surgindo outra.
É preciso deixar que o eu se exprima. Pensar também é uma forma de
expressão. Quando penso o meu corpo reage. Palpitações quando o
pensamento sorri, suores quando o pensamento transpira. Transpira de
matutar, de rever, de formular, de magicar. Mas esta expressão interior, apesar
da reação consequente, não é suficiente. O olhar também pode enganar
81
quando vem de dentro. Daí ser necessário desencaixar. Daí ser necessário
escrever.
Porque a palavra escrita tem um acrescento de sentido. Tem o de quem
escreve, tem o de quem quer escrever e tem o de quem lê. A palavra foi
pensada.
Não escrevas por obrigação. Não reflitas só para poderes escrever.
Escreve apenas, quando estiveres disposto a pensar. E se escrever te ajuda a
pensar, então escreve.
82
Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor
Capítulo XV – Nunca é tarde para ser melhor
“Os professores são os mais afortunados e bem-aventurados, entre todos
aqueles que trabalham. É-lhes dado o privilégio de fazer renascer a vida em
cada dia, semeando novas perguntas e respostas, novas metas e horizontes.
Constroem edifícios que perdurarão para sempre, porque a sua construção usa
o cimento da entrega, da verdade e do amor.”
Jorge Olímpio Bento (2008, p.77)
Não posso acreditar que chegou a hora de escrever um capítulo final. Sei
que te disse aquilo que te queria dizer e nada mais do que isso, mas de certeza
que ficaram muitas coisas por contar. Talvez um dia conversemos.
Espero que nunca me perguntes sobre o que é para mim ser professora,
e o que é para mim ser professora de Educação Física, porque não vou
conseguir responder-te sem recorrer a metáforas dos meus sentimentos. Eu
apenas acredito genuinamente na possibilidade utópica de “dar o mundo ao
outro”. E é esta convicção que me move.
O Daniel, a quem dedico em primeiro este escrito disse-me que “a única
coisa que precisas da vida é tirar o melhor dos outros”. Não um tirar de
arrancar, mas um tirar de fazer emergir o que há de melhor no outro. Penso
que não encontrarei, realmente, melhor recompensa da vida do que esta troca.
Foi com este sentimento que encarei o estágio profissional. Porque
embora sejas tu o protagonista desta etapa, não podes esquecer que a tua
atuação recai sobre quem não está a atuar, e por isso, terás de ser um grande
pensador de ti.
Sim, esse ano foi um ano de descoberta de mim. Sim, foi um ano de
aprendizagens. Sim, foi um ano de construção de uma identidade profissional.
Mas não é isto que queres ouvir pois não? O que tu queres realmente saber é
se hoje, me sinto professora. Vou-te dar uma resposta verdadeira e objetiva.
Ao longo do estágio profissional, embora estejas, até ao final, consciente
de que foste um professor-estagiário com toda a dualidade possível de
85
sentimentos
inerentes
a
essa
consciência,
sim,
vais
SenTir-te
progressivamente MaiS professor. Quando terminares o estágio, vais Sentir-tE
PrOfesSor. Vais mesmo, porque te transformaste no papel que foste
desempenhar. MAS, sentir é uma coisa, SER é outra. E eu sou! MAS,
enquanto não estiver vinculada à profissão, nunca vou dizer “sou professora”
com a convicção das convicções de quem o é (sorriso). E esta é a minha
verdade.
Fica aqui o meu testemunho. Vim para ficar neste mundo vivo e modelado
no natural de ser-se pessoa, mas nunca é tarde para ser melhor.
Porque o natural é belo em forma e em feitio, transcrevo, subscrevendo:
“Sim, a beleza comove-me. A mim e a todo o professor. Porque no cerne da
nossa função mora o ofício ininterrupto e inconcluso de configurar a beleza.
(…) São assim os professores de desporto e de educação física. Cuidam da
pessoa de fora para aumentar a medida, a grandeza, a elegância, e a
expressão da pessoa de dentro. (…) Chama-se a isto condição humana, um
templo de luz e razão implantado em cima da natureza.”
Jorge Olímpio Bento (2006, p.267)
86
Capítulo XVI – A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um
olhar sobre a literatura
A Identidade Profissional do Professor-Estagiário: Um olhar sobre a
literatura
Resumo
O presente estudo é uma aproximação a uma revisão sistemática da literatura
cujo objetivo foi cartografar a tipologia de estudos empíricos realizados acerca
da Identidade Profissional do professor-estagiário. A pesquisa foi efetuada na
base de dados eletrónica ERIC, entre 2001 e 2012. A equação de pesquisa
utilizada foi “Professional Identity” AND “pre-service teacher”, tendo sido
integrados 9 artigos, em resultado da aplicação dos critérios de inclusão e de
exclusão. Na análise da informação utilizou-se a análise de conteúdo com
categorias definidas a priori: i) ano e local de publicação; ii) objetivo de estudo
iii) participantes; iv) instrumentos; e v) principais conclusões. Os resultados
evidenciaram um aumento da pesquisa na área e nas metodologias
qualitativas.
Palavras-chave:
Identidade
Profissional;
Sistemática da Literatura
89
Professor-estagiário;
Revisão
Abstract
The present study is an approach to a systematic review of literature focused on
the empirical studies conducted about pre-service teacher's Professional
Identity. The research used electronic database ERIC in articles published
between 2001 and 2012. The research equation used was "Professional
Identity" AND "pre-service teacher". After applied the inclusion and exclusion
criteria’s 9 articles were integrated. Content analysis was used with categories
defined a priori: i) year and place of publication; ii) aims; iii) participants; iv)
instruments and v) main conclusions. The results showed an increase in
research in the professional identity and in qualitative methodologies.
Keywords: Professional Identity; Pre-service Teacher; Systematic Literature
Review
90
Introdução
O processo de formação do futuro professor é marcado por um conjunto
alargado de experiências, sendo que ao nível da formação inicial o contacto
com o contexto real de ensino (estágio profissional) se assume como um
elemento de elevada relevância.
O estágio profissional é apontado como um momento de transição para o
professor estagiário, caracterizado pelo assumir de novas tarefas e exigências
profissionais, as quais conduzem à vivência de contradições e ambivalências
que resultam da duplicidade de papéis, o de professor e de estudante
(Albuquerque
et
al.,
2005).
É
indispensável,
portanto,
que
sejam
proporcionadas experiências adequadas às situações reais da profissão
docente, para que o futuro professor lhes possa atribuir significados. Desta
forma, no estágio profissional constrói-se um reportório de competências e
conhecimentos que permite criar uma identidade profissional, no sentido em
que tornar-se professor envolve, a formação da identidade docente num
processo que é descrito como aberto, negociado e dinâmico (Sachs, 2001).
Também, segundo Giddens (1994) entende-se a identidade como um
processo contínuo e dinâmico, que implica a criação de sentido e
(re)interpretação dos próprios valores e experiências.
Desta forma, interessa conhecer mais aprofundadamente o processo de
construção da identidade profissional do estagiário, pelo que, o presente
estudo teve como propósito mapear os estudos efetuados acerca das questões
da identidade profissional do professor-estagiário e identificar os fatores que
são apontados pela investigação como contributos para o desenvolvimento da
identidade profissional.
Metodologia
Este é um estudo de natureza essencialmente descritiva. O primeiro
passo efetuado foi a construção de uma ficha de pesquisa, tendo como
91
referência KOFINAS e SAUR-AMARAL (2008), cujo propósito foi sistematizar
os critérios de pesquisa da revisão sistemática a efetuar, a equação e o âmbito
da pesquisa, bem como, definir os critérios de inclusão e exclusão a utilizar no
decorrer da pesquisa (QUADRO 1).
QUADRO 1 - Ficha de pesquisa da Revisão Sistemática acerca da Identidade Profissional
do Professor-estagiário
Conteúdo
Objetivo da pesquisa
Equação de pesquisa a
experimentar
Âmbito da pesquisa
Critérios de inclusão
Critérios de exclusão
Explicação
Identificar a tipologia de estudos empíricos realizados acerca da
Identidade Profissional do professor-estagiário.
“Professional Identity” AND “pre-service teacher”.
A pesquisa será realizada na base de dados electrónica ERIC,
focada nos artigos publicados nos últimos 11 anos, de 2001 a
2012, em todos os campos de procura (“all fields”).
Somente serão considerados artigos empíricos publicados em
jornais com peer review, pelo facto destes serem fontes de
informação científica reconhecidas pela comunidade académica
associada às ciências sociais e humanas.
Artigos sem texto integral.
Artigos publicados em livros, conferências, etc.
Artigos não relacionados com o tema em causa e de revisão de
literatura.
Fonte: adaptado de Kofinas e Saur-Amaral (2008)
Após a pesquisa e aplicação dos critérios de inclusão foram obtidos 50
estudos, porém, e tendo em conta os critérios de exclusão apenas foram
considerados para este estudo 9 artigos de jornais com peer review por terem o
texto integral.
Na análise da informação utilizaram-se procedimentos de análise de
conteúdo, tendo as categorias sido estabelecidas a priori: i) ano de publicação;
ii) objetivo de estudo iii) participantes; iv) instrumentos; e v) principais
conclusões.
92
Resultados
No QUADRO 2 está descrita a sinopse dos 9 estudos empíricos
integrados na pesquisa.
QUADRO 2 - Sinopse de Estudos relativos à Identidade Profissional do professorestagiário
Título
“Extending
the Learning
Community:
The Birth
of a New
Teacher
Support
Group”
“Emergence
of
professional
identity for the
pre-service
teacher”
País/Autor/Ano
USA
Donna Sanderson
2003
Objetivo de Estudo/
Participantes
Explorar a necessidade,
e consequente
nascimento de um novo
grupo de apoio ao
professor para
professores novos
(recém-formados).
1 supervisor e 5
professores recémformados.
Austrália
Georgina Cattley
2007
Identificar os fatores
que influenciam a
construção de uma
Identidade Profissional
sólida dos Estudantes
Estagiários, durante o
estágio, e quais podem
ser indicadores da
Identidade Profissional.
8 Estudantes
estagiários.
93
Instrumento
Principais resultados
Anotações
diárias dos
participantes,
notas de
encontros
mensais,
questões
estruturadas
e não
estruturadas
via email.
Muitos membros do grupo tiveram
dificuldades com questões de
gestão da aula e disciplina, e
experienciaram sentimentos de
isolamento e solidão;
Os professores iniciantes tiveram
dificuldades em enquadrar-se numa
cultura
escolar
que
já
foi
estabelecida;
Os dados sugerem que um grupo
informal de apoio formado por
todos os professores iniciantes
pode ser benéfico no fornecimento
de "uma ponte para o mundo real
de ensino fora dos muros da
universidade. ".
Registos
reflexivos dos
EE
(Reflective
Log
Proforma)
O incentivo à reflexão acerca do
papel multifacetado do professor,
dentro
e
fora
de
aula,
reconhecendo
emoções
e
responsabilidades,
parece
influenciar
a
construção
da
Identidade
Profissional
dos
estudantes estagiários;
A autora refere como principais
indicadores
da
Identidade
profissional: a relação com os
outros; a consciência do mundo
social e político além da sala de
aula; a consciência da partilha e da
ajuda; a consciência dos benefícios
da observação (eu e os outros) e
análise das próprias ações.
“Bridging
Worlds:
Changes in
Personal and
Professional
Identities
of PreService
Urban
Teachers”
“Developing
Practices
in Multiple
Worlds:
The Role of
Identity in
Learning To
Teach”
USA
Katherine Merseth;
Julia Sommer;
Shari Dickstein.
2008
USA
Ilana S. Horn;
Susan B. Nolen;
Christopher Ward;
Sara Campbell.
Explorar as
identidades de um
grupo de professoresestagiários que
ensinou em salas de
aula urbanas.
Portefólio,
relatos
escritos.
O desenvolvimento da identidade
profissional
dos
professoresestagiários é influenciado pelas
identidades pessoais que trazem
para o processo de ensino e
aprendizagem
e
pelas
suas
experiências de ensino em escolas
públicas urbanas.
Entrevistas,
observações.
Os estagiários modificam as suas
identidades para incorporar novas
imagens de boas práticas de ensino
com
que
se
depararam
no programa de formação de
professores;
As
práticas
promovidas
no
programa
de
formação
de
professores podem ou não, ser
visíveis e viáveis em diferentes
combinações
no
estágio
profissional e vice-versa;
Os estagiários que fizeram maiores
avanços
na
aprendizagem
pareciam ter experimentado uma
certa tensão decorrente das
lacunas entre o programa de
formação de professores e o
estágio profissional. Essa tensão
ajudou os estagiários a desenvolver
o seu raciocínio pedagógico e a
aprimorar a sua capacidade de
adaptar e coordenar diferentes
práticas.
65 professoresestagiários.
Explorar a relação entre
a identidade de
professores iniciantes e
a sua aprendizagem
durante o estágio,
ilustrando a forma
como a identidade
molda e é moldada por
essa aprendizagem.
2008
8 professores
“Fostering
Nonverbal
Immediacy
and Teacher
Identity
through an
Acting
Course in
English
Teacher
Education”
“Putting
Theory into
Practice:
Moving from
Student
Identity to
Teacher
Identity”
Turquia
Kemal Özmen
2010
Avaliar o impacto de
um curso de atuação no
comportamento
proximal não-verbal de
professores-estagiários
e no desenvolvimento
da identidade
profissional.
44 professoresestagiários de ensino de
inglês.
Austrália
Dawn Joseph;
Marina Heading.
2010
Refletir sobre o ensino
com um professor de
música, para melhorar
a sua aprendizagem
profissional, a fim de
encontrar novas
maneiras de ensinar.
1 professoraestagiária
94
Instrumento
Quantitativo:
Nonverbal
Immediacy
Scale-Self
Report
(Richmond,
McCroskey &
Johnson,
2003)
Instrumento
qualitativo:
Entrevistas,
reflexões.
Narrativa
Os resultados indicaram que um
curso de atuação na formação de
professores-estagiários tem um
impacto
significativo
no
desenvolvimento
do
comportamento proximal não-verbal
e na identidade profissional dos
professores-estagiários.
Observando o educador musical na
universidade e o seu professor
orientador na escola Sem nome
teve uma ideia acerca de que
professora gostaria de ser. A
colocação escolar no seu último
ano deu-lhe a confiança para
querer ensinar música quando se
formasse como professora de
escola primária generalista.
“A Course
Exploration:
Guiding
Instruction to
Prepare
Students as
Change
Agents in
Educational
Reform”
USA
Kathy L. Church
2010
Explorar o
desenvolvimento da
identidade de
professores através
de experiências de
curso dirigidas a
questões sociais.
Examinar o uso de
várias estratégias
usadas para ajudar a
promover os
professores como
agentes de mudança.
Projetos,
discussões,
reflexões.
A avaliação dos projetos dos
estudantes e as perceções sobre o
seu trabalho sugerem que a
investigação
orientada
para
questões educacionais constrói
habilidades de pensamento crítico e
um sentido de propósito, liderança
e de trabalho através da construção
da identidade do professor.
Questionários
Acerca da perceção sobre a
profissão
do
professor,
os
professores-estagiários
consideraram que: ensinar é uma
profissão nobre e que revela
preocupação com os outros; depois
de terem ido para a escola no seu
estágio, ficaram mais conscientes
acerca do que é ensinar. Outros
revelaram ainda que as suas
expetativas
não
foram
correspondidas, ou que não tinham
nada que ver com a realidade.
Quanto ao que sentem acerca de
ser professor, o fator “papel do
ensino e aprendizagem” foi o mais
significante.
O sentido de identidade profissional
embora não tenha sido o fator mais
significante, com o tempo, a
socialização, o apoio escolar, o
desenvolvimento profissional e o
sentido
de
eficácia
e
reconhecimento da escola, irá
crescer.
28 estudantes estagiários
“Emerging
Professional
Teacher
Identity of
Pre-service
Teachers”
Singapore
Sylvia Chong;
Ee Ling Low;
Kim Goh.
2011
Examinar as atitudes
dos professores
estagiários, o seu
entendimento sobre o
ensino, e como se
sentem quando
terminam o programa
de estágio, no sentido
de explorar a
emergência de uma
identidade profissional.
105 professoresestagiários.
95
“Exploring
Ethical
Tensions
on the Path to
Becoming a
Teacher”
USA
M. Murphy;
Eliza Pinnegar;
Stefinee Pinnegar.
2011
Compreender a
natureza ética do
trabalho do professor
estagiário.
2 formadores de
professores e 1
professora- estagiária.
Narrativas
Da análise das narrativas pôde-se
concluir
que
tanto
emergem
questões associadas a relações
éticas durante o percurso para se
tornar professor, como no percurso
para se tornar formador de
professores. Os
espaços de
tensões éticas foram claros e
relembrados
nas
narrativas:
Há a necessidade de criar espaços
seguros para as crianças; há
tensões
devido
aos
constrangimentos causados nas
vidas relacionais de professoresestagiários
e formadores
de
professores.
Os formadores de professores
perguntam-se sobre o impacto que
os relacionamentos entre eles e os
professores-estagiários têm na
capacidade destes aprenderem
com a formação de professores e
criarem relacionamentos éticos.
O que muitas vezes permanece
escondido para os formadores de
professores é o impacto das suas
relações éticas com os futuros
professores, em suas salas de aula
no futuro.
Não há sugestões sobre o que um
formador de professores deve fazer
para atender a relacionamentos
éticos ou maneiras simples de se
estabelecerem como tendo
autoridade moral.
Quanto à data de publicações dos estudos, nota-se um aumento nos
últimos anos na temática da identidade profissional do professor-estagiário,
pese embora a pesquisa tenha sido apenas numa base de dados, tendo
resultado um número de artigos pouco representativo para se tirarem
conclusões fundamentadas.
O ano de 2010 é aquele em que se verifica um maior número de artigos
(3 estudos). Em ternos de local, dos 9 artigos peer review selecionados, 5
foram realizados no continente Americano, 2 na Oceânia e 2 no continente
Asiático.
Os estudos no cômputo geral tiveram como objetivo identificar os fatores
que influenciam a construção de uma identidade profissional, explorando o seu
desenvolvimento e evidenciando o confronto entre as expetativas iniciais e a
experiencia prática no estágio.
96
Os dados representados no QUADRO 2 revelam que os participantes dos
estudos são professores-estagiários, professores em carreira, formadores de
professores e supervisores.
Relativamente aos instrumentos de investigação aplicados, encontram-se
com mais frequência reflexões escritas, seguidas de narrativas e entrevistas,
questionários e anotações diárias. Assim, é notória a predominância de
estudos de natureza qualitativa em torno desta temática.
De facto, os dados têm um forte caráter pessoal no que diz respeito à
interpretação do processo de construção da identidade profissional, e deste
modo, é importante compreender as influências da diversidade de contextos
para o professor.
Enfatizando agora os principais resultados dos estudos empíricos
incluídos na revisão sistemática, conclui-se no estudo de Merseth et al. (2008),
que o programa de formação de professores deve desempenhar um papel
fundamental na promoção da reflexão sobre a prática pedagógica. Muitos dos
sujeitos deste estudo, incluindo aqueles que foram inicialmente céticos,
revelaram que a reflexão lhes foi útil para o entendimento acerca do
desenvolvimento das suas identidades profissionais. Também no estudo de
Cattley (2007), o incentivo à reflexão acerca do papel multifacetado do
professor, dentro e fora de aula, reconhecendo emoções e responsabilidades,
pareceu influenciar a construção da identidade profissional dos estudantes
estagiários.
Já Horn et al. (2008) concluíram que os estagiários que fizeram maiores
avanços na aprendizagem pareciam ter experimentado alguma tensão,
decorrente das lacunas entre o programa de formação de professores e o
estágio escolar. Segundo os autores a tensão ajudou os estagiários a
desenvolver o seu raciocínio pedagógico e a aprimorar a sua capacidade de
adaptar e coordenar diferentes práticas. Da mesma forma, no estudo de
Murphy et al. (2011) ficou evidente que tanto emergem tensões associadas a
relações éticas, durante o percurso para se tornar professor, como no percurso
para
se
tornar
formador
de
professores.
Há
tensões
devido
aos
constrangimentos causados nas vidas relacionais de professores-estagiários e
97
formadores de professores. Os formadores de professores perguntam-se sobre
o impacto que os relacionamentos entre eles e os professores-estagiários têm
na capacidade destes aprenderem com a formação de professores e criarem
relacionamentos éticos. Ademais, os dados de Sanderson (2003) sugerem que
um grupo informal de apoio formado por todos os professores iniciantes pode
ser benéfico no fornecimento de uma ponte para o mundo real de ensino.
No estudo de Chong et al. (2011) ficou evidente que os professoresestagiários após as experiências tidas na escola, durante o seu estágio,
ficaram mais conscientes acerca do que é ensinar. Não obstante, alguns
revelaram ainda que as suas expetativas não foram correspondidas, ou que
não tinham nada que ver com a realidade.
Merseth et al. (2008) vem acrescer a ideia de que o desenvolvimento da
identidade profissional dos professores-estagiários é influenciado pelas
identidades pessoais que estes trazem para o processo de ensino e
aprendizagem.
Horn et al. (2008) referem que os estagiários modificam as suas
identidades para incorporar novas imagens de boas práticas de ensino com
que eles se depararam no programa de formação de professores. Mencionam
ainda, que as práticas promovidas no programa de formação de professores
podem, ou não, ser visíveis e viáveis em diferentes combinações no estágio
profissional e vice-versa.
No estudo de Chong et al. (2011), acerca da perceção sobre a profissão
do professor, os professores-estagiários consideraram que ensinar é uma
profissão nobre e que revela preocupação com os outros, e que o papel do
processo de ensino e aprendizagem foi o mais significante quanto ao que
sentem acerca de ser professor.
Church (2010) refere que as perceções sobre o trabalho do professorestagiário sugerem que a investigação orientada para questões educacionais
constrói habilidades de pensamento crítico e um sentido de propósito, liderança
e de trabalho através da construção da identidade do professor.
Joseph e Heading (2010) concluíram que uma professora-estagiária ao
observar o educador musical na universidade e o seu professor orientador na
98
escola, teve uma ideia acerca de que professora gostaria de ser. Emerge daqui
a noção de influência que os professores em carreira podem ter na construção
da identidade do professor-estagiário.
Os resultados de Özmen (2010) indicaram que um curso de atuação na
formação de professores-estagiários tem um impacto significativo no
desenvolvimento do comportamento proximal não-verbal e na identidade
profissional dos professores-estagiários.
No que diz respeito àqueles que podem ser entendidos como indicadores
da identidade profissional, Cattley (2007) enumerou a relação com os outros, a
consciência do mundo social e político além da sala de aula, a consciência da
partilha e ajuda, bem como, a consciência dos benefícios da observação e
análise da própria ação e da ação dos outros.
A perspetiva apresentada por Church (2010) sugeriu que os projetos de
investigação-ação são um meio forte para o desenvolvimento do conhecimento
dos alunos e da identidade do professor. O estágio é uma maneira eficaz de
fazer com que os estagiários se envolvam pessoalmente como aprendizes e
que se prepararem para assumir o papel de um agente de mudança na
educação.
Conclusões
Nesta revisão sistemática, perante os artigos de peer review obtidos e de
acordo com os critérios de seleção determinados, a investigação no âmbito da
identidade profissional do professor-estagiário tem vindo a aumentar.
Os instrumentos de investigação mais utilizados são as reflexões escritas.
Há assim, uma predominância da natureza qualitativa em torno desta temática,
com o objetivo de melhor interpretar.
As conclusões dos presentes estudos dão ênfase às vivências durante o
estágio profissional e em que medida estas contribuem para a construção de
uma identidade profissional, realçando o confronto entre os programas de
formação de professores e a realidade experienciada no estágio, na medida em
99
que o impacto com a realidade não corresponde sempre às expetativas iniciais
dos professores-estagiários. Esta construção é um processo ainda influenciado
pelas vivências e crenças anteriores à formação inicial de professores.
Como características fundamentais ao desenvolvimento da identidade
profissional foram apontadas a experiência prática em si, a reflexão, e a
partilha entre os estagiários.
Da revisão efetuada, ficou clara a necessidade de se investigar a
identidade profissional no âmbito da Educação Física. O professor de
Educação Física na construção da sua identidade profissional terá, certamente,
alguns traços comuns aos demais professores, no entanto é expetável que a
especificidade desta disciplina e o seu contexto de lecionação introduzam
algumas particularidades na identidade profissional deste professor.
Referências bibliográficas
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um olhar sobre o estágio profissional