OS DISPOSITIVOS DA ORGANIZAÇÃO LOCAL DA
CONVERSAÇÃO
OS PARES ADJACENTES
INTRODUÇÃO
Um dos dispositivos universais que os falantes utilizam para as suas interações
verbais é o de par adjacente. Trata-se de um conjunto de dois enunciados, entre si
associados, formado por um enunciado que ocupa uma primeira parte e por um outro
enunciado que ocupa a segunda parte, de tal modo associadas entre si que, sempre que
um dos interactantes produz a primeira parte desencadeia da parte de um outro
interactante a produção da segunda parte do conjunto a que a primeira parte pertence, tal
como nos exemplos seguintes:
A: Bom dia!
B: Bom dia!
N: Que horas são?
M: São dez horas.
Estes exemplos podem ser considerados paradigmáticos: A formula uma
saudação e desencadeia da parte de B a retribuição da saudação recebida; N pede uma
informação e N a satisfação esse pedido. Mas evidentemente, além dos pares adjacentes
formados por saudações ou pedidos (primeira parte) e pela retribuição da saudação ou
pela satisfação de pedidos (segunda parte), há muitos outros pares adjacentes, tais como,
por exemplo, perguntas / respostas; convites / aceitação (ou recusa) do convite; ofertas /
agradecimentos; pedidos de desculpa / aceitação (ou recusa) das desculpas.
Nunca é demais insistir neste ponto: falar não é apenas dizer ou expressar
pensamentos, sentimentos, tratar de tópicos ou de temas. É antes de mais realizar
determinados atos, adotar comportamentos desencadeados pelos comportamentos e
desencadeadores dos comportamentos de outros seres humanos. É por isso que falamos
de interactantes.
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A organização dos pares adjacentes é central na análise que os interactantes são
levados a fazer das interações verbais em que se envolvem. Se repararmos, é essa
organização que explica, não só a maneira como os interactantes entendem os
enunciados que são produzidos localmente, mas também a relevância da ausência de
determinados atos de linguagem. Se não vejamos: dizer «está a chover» pode realizar
diferentes atos de linguagem e pode, por conseguinte, ser entendido de muitas maneiras
diferentes, tais como, entre outras coisas, como resposta a uma pergunta, como anúncio
de uma atividade ou como uma ordem para realizar uma atividade que só pode ser feita
se chover, como indicação da intenção de não sair de casa. Para saber qual o sentido a
dar a este enunciado temos que observar se ocupa a primeira parte de um par adjacente e
qual a segunda parte que desencadeou ou, se pelo contrário, ocupa a segunda parte de
um par adjacente e por que primeira parte foi desencadeado. Assim, por exemplo, para
sabermos se é a satisfação de um pedido de informação sobre a situação meteorológica
temos que saber se a sua enunciação foi desencadeada pelo enunciado «Que tempo
está?», mas se ocupar a primeira parte dificilmente terá este sentido, mas pode por
exemplo desencadear o enunciado de uma segunda parte tal como «então ficas em
casa». Por seu lado, ao longo de uma conversa, podemos facilmente notar a ausência de
uma grande diversidade de enunciados. Assim, por exemplo, é muito plausível que na
conversa que marido e mulher têm quando chegam a casa nenhum deles fale do
primeiro rei de Portugal, da Segunda Guerra Mundial, dos nomes dos Presidentes da
República e de uma infinidade de outras coisas. No entanto, a ausência de enunciados
acerca destas e de muitas outras coisas pode não ser nada ou pouco relevante. Já a
ausência de uma resposta de um do cônjuges a determinadas perguntas do outro, tais
como: «Com quem almoçaste hoje?» ou «Porque não me telefonaste esta tarde?» é
notada imediatamente como altamente relevante, a ponto de poder levar o que produziu
a pergunta a exigir uma explicação. Como vemos, a organização dos pares adjacentes é
um poderoso dispositivo para assinalar a relevância de determinado enunciado.
Uma das questões que a organização dos turnos em pares adjacentes coloca tem
a ver com a natureza da adjacência, uma vez que nem sempre as segundas partes são
efetivamente adjacentes das primeiras, mas é muito frequente observar a ocorrência de
segundas pares em posições distantes da primeira parte do par a que pertencem. Veja-se,
por exemplo, o caso de uma interação no guichet da estação de comboio:
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(1) A: Um bilhete para o Porto?
(2) B: Para o Alfa ou o Intercidades?
(3) A: Para o Alfa.
(4) B: Primeira ou segunda classe?
(5) A: Segunda classe.
(6) B: Para hoje ou para amanhã?
(7) A: Para hoje.
(8) B: Aqui tem
O enunciado da linha (1) é a primeira parte de um par adjacente de que a
segunda parte só ocorre no enunciado da linha (8). Daí que também teremos que
abordar os diferentes tipos de fenómenos de inserção que se observam, quer antes das
primeiras partes, quer entre as duas partes, quer depois das segundas partes dos pares
adjacentes.
Se exceptuarmos as saudações (Olá / Olá; Bom dia / Bom dia) e as despedidas
(Ciao / Ciao; Até logo / Até logo), habitualmente formados por expressões idênticas ou
que realizam os mesmos atos que os que são realizados pelas primeiras partes, os outros
pares adjacentes podem não desencadear apenas um ato de linguagem como segunda
parte idêntico ao da primeira parte, mas pelo menos dois. Assim, por exemplo, um
pedido pode desencadear tanto a satisfação como a recusa de satisfazer o pedido. Daí
uma questão que temos que abordar, a de saber as consequências interacionais de cada
uma das hipóteses de segundas partes dos pares adjacentes.
O Michel Binet e o David Monteiro vão agora abordar estas duas questões.
Referências bibliográficas:
Schegloff, E. A. (2009) – Sequence Organization in Interaction. A Primer in
Conversation Analysis, Cambridge, Cambridge University Press.
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Os dispositivos da organização local da interação