Os Pilares de atuação da CPLP e os interesses do Brasil
IRENE GALA
O
s estatutos da CPLP estabelecem, em seu artigo 5º, a concertação político-
diplomática, a cooperação e a promoção e difusão da língua portuguesa como seus
três objetivos. Sobre esses três pilares, definidos quando da criação da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa, em 1996, devem, portanto, erigir-se as ações comunitárias. Nos seis anos passados desde aquela data, novos dois pilares vêm, mais
recentemente, se conformando de modo a alargar os objetivos comunitários. São eles
a promoção da cooperação econômica e comercial, por um lado, e, por outro, da
cidadania e circulação de pessoas no universo geográfico da Comunidade.
Interesses comuns e os pilares da Comunidade
Todos esses domínios compõem o denominador comum dos interesses do conjunto dos países da Comunidade, os quais concordaram em promovê-los a partir de uma
ação multilateral que, de forma geral, se soma a ações de natureza bilateral, sem, no
entanto, pretender substituí-las ou enfraquecê-las. Isso quer dizer que os estadosmembros da CPLP e, em particular, o Brasil, seguem perseguindo esses interesses
também pelos canais bilaterais de modo a maximizar as oportunidades surgidas ora
em parcerias tradicionais, ou seja, nas relações entre dois Governos, ora em parcerias
alargadas, no âmbito da Comunidade. Sendo assim, cada um dos Governos que compõe a CPLP busca reconhecer as ações que, pelo esforço comunitário, podem aportar
melhores resultados para seu país. No caso do Brasil, desde a constituição da CPLP,
ou mesmo no período que antecedeu sua criação, ou seja, nos anos em que, ainda no
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Governo Itamar Franco, o Brasil lançou a proposta de constituição da CPLP, a
sociedade e os agentes políticos brasileiros vêm avaliando os novos espaços que se
abrem para o país graças à construção de um espaço alargado de diálogo e de cooperação em língua portuguesa.
Como amplamente reconhecida e anunciada, essa perspectiva de presente e de
futuro tem como pressupostos uma matriz histórica comum – a da expansão do
império português e os laços privilegiados que se forjaram entre as colônias e a metrópole, ou mesmo entre as colônias, além da matriz cultural, também comum, cujo traço
mais marcante não é apenas a língua portuguesa, mas também a tradição política e
institucional do direito romano e da própria religião católica. Não obstante essa base
histórica e cultural, que necessariamente a justifica, a CPLP assume-se, portanto, para
seus estados-membros, como um instrumento para a promoção de seus interesses
presentes e futuros.
Os avanços da CPLP estão, dessa forma, condicionados aos interesses dos estadosmembros e à capacidade desses mesmos estados, em especial de seus Governos, mas
também do conjunto da sociedade civil desses países, de identificarem conjuntamente
os elementos de convergência naquilo que internamente definiram como sendo seu
interesse nacional. A plataforma de ação da CPLP é fruto do consenso, mas revela-se,
sobretudo, como sendo o resultado de um exercício conduzido por atores cujas características nacionais, ou mesmo de inserção no cenário global e regional, são entre si
bastante díspares. Registre-se, ademais, que o sistema de voto dentro da CPLP é consensual, donde todos os estados que a compõem têm direito a veto. Isso torna a CPLP,
sem dúvida, um exemplo no tocante às práticas democráticas nesse tipo de organização internacional, mas, ao mesmo tempo, faz com que cada estado-membro, ao buscar a consecução de seus objetivos e interesses, deva ter em mente os benefícios a
serem aportados ao conjunto da Comunidade.
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A combinação entre convergência de interesses presentes e futuros e a necessidade de
resultados mutuamente vantajosos para sete, mais recentemente oito países, considerando-se a adesão de Timor-Leste à CPLP em julho de 2002, determina, portanto, a agenda da
CPLP e, necessariamente, as ações a serem implementadas em cada um dos cinco
domínios acima referidos. Desses cinco, três revelaram-se consensuais deste o princípio da
institucionalização da CPLP, enquanto os outros dois, ainda não inscritos nos estatutos da
CPLP, são exatamente a manifestação da percepção conjunta ulterior dos estados-membros sobre as vantagens possíveis de um projeto comunitário que englobasse também os
pilares da cidadania e circulação de pessoas e da economia e do comércio.
O Brasil e seus interesses na CPLP
Em maio de 2002, durante seminário intitulado “CPLP: Oportunidades e
Perspectivas”, realizado em Brasília, o Ministro das Relações Exteriores, Embaixador
Celso Lafer afirmou, que “a CPLP é uma orientação estratégica da política externa
brasileira em sua dimensão mais universal e positiva. Ninguém constrói uma política
internacional sem parcerias. E as parcerias, como as que estamos construindo na CPLP,
demonstram nossa vocação, enquanto país, para a promoção dos ideais do desenvolvimento, do avanço da democracia e da garantia da paz.”
Privilegiando suas relações com os países de língua portuguesa e o fortalecimento
da CPLP, a diplomacia brasileira procura, no conjunto das relações do Brasil com os países em desenvolvimento, construir uma parceria de inclusão e de diálogo, ao invés da
exclusão e da marginalidade. Trata-se, sem dúvida, de relações entre países bastante
distintos, mas que se apresentam, nesse foro, em condições idealmente de igualdade.
Um dos objetivos centrais da CPLP, embora não inscrito em seus estatutos, seria mesmo
o de promover a igualdade e o exercício pleno da soberania em um contexto internacional em que ambos atributos, a igualdade e a soberania, perdem significado e valor.
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De forma mais geral, portanto, a CPLP, de acordo com as palavras do Ministro Lafer,
atende ao interesse brasileiro de promover valores que pautam a inserção internacional do país. No diálogo com os demais países-membros da Comunidade e na implementação de uma agenda multilateral de cooperação, a atuação brasileira na CPLP
visa, sob essa perspectiva, conferir realidade ao discurso de política externa brasileira,
que o situa entre os países de nítida e tradicional vocação para a promoção da paz e
do desenvolvimento, em especial no grupo dos países em desenvolvimento.
No particular, cada um dos pilares de atuação da CPLP oferece oportunidades
específicas para o Brasil e para a consecução do interesse nacional.
No plano político, ou da concertação político-diplomática, os interesses brasileiros
estão associados ao empenho do Governo em garantir uma presença qualificada na
nova arquitetura internacional, em particular nos foros em que são discutidos os
grandes temas globais e de interesse do Brasil. Tal empenho requer o planejamento e
a execução de uma diplomacia que se oriente por distintos vetores. Um desses
vetores, sem dúvida, são os países de língua portuguesa e a CPLP.
A África de língua portuguesa oferece, ademais, ao Brasil a oportunidade de instalar pontes de contato e de projeção natural sobre várias regiões da África. Três dos
países de língua portuguesa, por exemplo, estão na África Ocidental - uma zona fortemente marcada sobretudo pela influência francesa. Nos anos 90, no entanto, graças
aos laços de diálogo e cooperação com Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo
Verde, sob a égide da CPLP, o Brasil passou a projetar-se sobre essa região tanto em
temas afetos à política regional, quanto no tocante à exploração de novas perspectivas
econômicas e comerciais. Esses três países estão inseridos em blocos comerciais que
expandem as fronteiras de seus mercados, além de contarem com regimes de preferências tarifárias que lhes favorecem as trocas com países desenvolvidos, em particular com a Europa e com os EUA. De certa forma, a adesão de Timor-Leste à CPLP cria
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essa mesma oportunidade de projeção da presença de um universo de língua portuguesa sobre aquela região da Ásia.
Ainda sobre o pilar político-diplomático, o diálogo mais estreito propiciado pela CPLP,
em seus múltiplos níveis, envolvendo um número francamente crescente de interlocutores, em variados campos, cria ambiente mais acolhedor à presença do Brasil e de
brasileiros nesses países. Pode igualmente redundar, como tem acontecido, no fortalecimento da posição negociadora dos países do Hemisfério Sul, onde o Brasil tem assumido
um papel destacado, inclusive em função da complexidade de seus interesses. Mas,
sobretudo, esse diálogo tem garantido ao Brasil muitos votos para os inúmeros cargos
para os quais o Brasil tem apresentado candidatos no sistema das Nações Unidas.
No campo da cooperação, registre-se que, associados às perspectivas para uma
presença mutuamente vantajosa do Brasil nesses países, estão os interesses
brasileiros em prestar cooperação aos países em desenvolvimento, e no caso em particular aos países de língua oficial portuguesa, mediante a transferência de tecnologias adaptadas às condições geográficas, climáticas, mas sobretudo sócio-econômicas
desses países. Hoje os países de língua portuguesa são os principais beneficiários da
cooperação técnica internacional brasileira.
Esse fato revela, por um lado, a prioridade política do Governo brasileiro e, por outro,
reflete a disposição para a extroversão dos agentes da cooperação técnica brasileira,
bem como da sociedade civil e dos agentes políticos nacionais. Entre esses agentes
pode-se observar uma natural vocação para explorar as possibilidades da cooperação
internacional em língua portuguesa. Essa nova modalidade de atuação internacional
está ampliando a experiência dos agentes nacionais, ao mesmo tempo em que os qualifica para novas participações em projetos internacionais, não mais apenas como
recebedores, mas sim como prestadores de cooperação. Os técnicos brasileiros estão
aprendendo, em português, como atuar no papel de agentes de desenvolvimento em
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outros contextos, exportando a tecnologia e a experiência desenvolvidas no Brasil. A
cooperação com os países de língua portuguesa passa a servir, dessa forma, como
experiência relevante para a internacionalização das instituições brasileiras.
O último dos pilares – o da promoção e difusão da língua portuguesa, remete à mais
recente introdução da questão da língua portuguesa como instrumento de política
externa brasileira, bem como ao reconhecimento da língua como patrimônio nacional
e produto de exportação. Ambos os fatos estão diretamente vinculados à promoção
dos objetivos da CPLP que foram inequivocamente incorporados à noção do interesse
nacional brasileiro. A língua portuguesa, desde a criação da CPLP, passou a ser um
vetor da política externa brasileira, plenamente legitimado junto à ampla maioria da
sociedade brasileira.
Ademais, há que se recordar o que o então Presidente Fernando Henrique Cardoso
reiterou, em julho de 2002, por ocasião da IV Conferência de Chefes de Estado e de
Governo da CPLP (Brasília, 31 de julho e 1 de agosto), quando, em seu pronunciamento na sessão de abertura da referida Conferência, lembrou que, “ao fortalecer nossos
vínculos com a África, na verdade, estamos nos reconciliando conosco mesmos. A
nossa sociedade brasileira abraçou a CPLP, porque ela partilha e participa dos anseios
e dos desafios dos povos lusófonos. A começar pelo nosso imenso interesse em promover um idioma de imensa, extraordinária riqueza e expressividade”.
A participação brasileira na CPLP tem levado as autoridades e a sociedade brasileiras
a se depararem com a necessidade premente de definir uma política coordenada com
vistas à difusão internacional da língua portuguesa, que é patrimônio nacional, mas
também patrimônio comum de toda a CPLP e dos povos que falam português espalhados pelo mundo. Desde a criação da CPLP, o português já se tornou língua de trabalho
em algumas organizações internacionais, entre as quais a Organização Mundial de
Propriedade Intelectual e a UNESCO. Há uma demanda crescente, mas que pode ainda
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ser estimulada, pelo ensino do português no exterior. No campo das tecnologias da
informação, a garantia de expansão do uso do português na internet e nos meios virtuais de comunicação oferece mais opções e oportunidades aos cidadãos brasileiros.
Enfim, a língua portuguesa passa a ser um produto de exportação que deve acompanhar a expansão da presença política, empresarial e econômica brasileira.
Em síntese, sem descurar de outros importantes eixos de sua política externa,
inclusive no continente africano, o Brasil projeta em suas relações com os países lusófonos não apenas os interesses de um país e de um Governo que estão comprometidos com o desenvolvimento interno, mas também, e de maneira muito especial, os valores de um padrão de convivência internacional que entende serem compatíveis com
um projeto de globalização solidária.
IRENE VIDA GALA | Diplomata | Chefe da Divisão de África II do Ministério das Relações Exteriores
| Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. | Serviu nas Embaixadas do Brasil em
Lisboa, Luanda e Pretória e tem participado, desde o início dos anos 90, das ações da diplomacia
brasileira relacionadas à criação e à consolidação da CPLP.
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